Contexto histórico e cultural do Romantismo no Brasil
 Transferência da família real para o Rio de Janeiro
(1808);
 A elevação do Brasil à categoria de reino (1816);
 A independência (1822);
 Economia baseada no latifúndio, na monocultura e
na mão de obra escrava;
 Afirmação da identidade nacional;
 A formação de público leitor ainda era precária.
“ O estado de alma ou temperamento romântico é
uma constante universal, oposta à atitude clássica,
por meio das quais a humanidade exprime sua
artística apreensão do real. Enquanto o
temperamento clássico se caracteriza pelo primado
da razão, do decoro, da contenção, o romântico é
exaltado, entusiasta, colorido, emocional e
apaixonado (...) O romântico procura idealizar a
realidade, e não reproduzi-la.”
(Afrânio Coutinho – historiador e crítico literário)
O Brasil no século XIX: A poesia romântica
Uma nova sociedade, um novo gosto, um novo público
Novo conceito de arte
Novo público
 A arte deixa de ser uma atividade
social orientada por critérios
objetivos e convencionais;
A burguesia generaliza curiosidade
pelas criações artísticas (imprensa e
teatro);
A arte transforma-se numa forma
de autoexpressão que cria seus
próprios padrões;
A aliança da burguesia com o povo
permite levar às massas
o
conhecimento dos novos tipos de arte;
A arte torna-se o meio empregado
pelo indivíduo singular para se
comunicar
com
indivíduos
singulares;
 Nasce um novo público que assiste às
peças e lê os folhetins e os livros, cujo
gosto é necessário atender;
No período romântico, a imaginação e a observação de alguns
ficcionistas ampliaram largamente a visão da terra e do homem
brasileiro.
Quanto à matéria, o romance brasileiro nasceu regionalista e de
costumes: ou melhor, tendeu desde cedo para a descrição dos
tipos humanos e formas de vida social nas cidades e nos campos.
O romance histórico se enquadrou aqui nesta mesma
orientação: o romance indianista procurou revelar um passado
histórico e lendário para nossa civilização, a que os românticos
desejavam, numa utopia retrospectiva, dar tanto quanto
possível traços autóctones.
Características do Romantismo
 Observe no quadro abaixo, as principais diferenças entres
os movimentos clássico e romântico:
Classicismo
Romantismo
 geral, universal
 particular, individual
 impessoal, objetivo
 pessoal, subjetivo
 apelo à inteligência
 apelo à imaginação
 razão
 sensibilidade
 erudição
 folclore
 elitilização
 motivos populares
 disciplina
 imagem racional do amor e
da mulher
 libertação
 imagem sentimental e subjetiva
do amor e da mulher
Leitores do século XIX
O número de pessoas
Alfabetizadas
no Brasil
Era muito pequeno
A leitura ocorria num
ambiente doméstico
em afazeres
tipicamente femininos,
e era feita em voz
alta
Os leitores visados
por essa literatura
sentimental eram,
sobretudo,
as mulheres
Tendências da prosa romântica brasileira
Romance indianista: o índio era representante da América, dada
sua valentia e nobreza. Destaca-se nessa tendência o escritor José
de Alencar.
Romance regionalista: enfatizava um Brasil distante da então
capital do país, Rio de Janeiro. Destacam-se Bernardo
Guimarães, Visconde de Taunay, José de Alencar e Franklin
Távora.
Romance urbano: enfoca os costumes da sociedade carioca do
Segundo Reinado. Destacam-se Joaquim Manuel de Macedo,
Manuel Antônio de Almeida e José de Alencar.
Romance histórico: focaliza, em sua maioria, o período colonial,
apresentado em retrato idealizado dos eventos históricos
nacionais.
II (IRACEMA – José de Alencar)
Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte,
nasceu Iracema.
Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais
negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha
recendia no bosque como seu hálito perfumado.
Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e
as matas do Ipu?" onde campeava sua guerreira tribo da grande nação
tabajara, o pé grácil e nu, mal roçando alisava apenas a verde pelúcia que
vestia a terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino do sol, ela repousava em um claro da floresta.
Banhava-lhe o corpo a sombra da oiticica, mais fresca do que o orvalho da
noite. Os ramos da acácia silvestre esparziam flores sobre os úmidos cabelos
Escondidos na folhagem os pássaros ameigavam o canto
Iracema saiu do banho; o aljôfar d'água ainda a roreja, como à doce
mangaba que corou em manhã de chuva Enquanto repousa, empluma das
penas do gará as flechas de seu arco, e concerta com o sabiá da mata,
pousado no galho próximo, o canto agreste
A graciosa ará, sua companheira e amiga, brinca junto dela As vezes
sobe aos ramos da árvore e de lá chama a virgem pelo nome; outras remexe o
uru te palha matizada, onde traz a selvagem seus perfumes, os alvos fios do
crautá , as agulhas da juçara com que tece a renda, e as tintas de que matiza
o algodão.
Rumor suspeito quebra a doce harmonia da sesta. Ergue a virgem os
olhos, que o sol não deslumbra; sua vista perturba-se.
Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro
e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que
bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e
tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo.
Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no
arco partiu Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.
De primeiro ímpeto, a mão lesta caiu sobre a cruz da espada, mas
logo sorriu. O moço guerreiro aprendeu na religião de sua mãe, onde a
mulher é símbolo de ternura e amor. Sofreu mais d'alma que da ferida.
IRACEMA – José de Alencar
Iracema pousou a mão no peito do guerreiro branco:
— A filha dos tabajaras já deixou os campos de seus pais; agora pode
falar.
— Que segredo guardas em teu seio, virgem formosa do sertão?
— Iracema não pode mais separar-se do estrangeiro.
— Assim é preciso, filha de Araquém. Torna à cabana de teu velho pai,
que te espera.
— Araquém já não tem filha.
Martim tornou com gesto rudo e severo:
— Um guerreiro de minha raça jamais deixou a cabana do hóspede,
viúva de sua alegria. Araquém abraçará sua filha, para não amaldiçoar o
estrangeiro ingrato.
Curvou a virgem a fronte; velando-se com as longas tranças negras que
se espargiam pelo colo, cruzando ao grêmio os lindos braços, recolheu
em seu pudor. Assim o róseo cacto, que já desabrochou em linda flor,
cerra em botão o seio perfumado.
— Iracema te acompanhará, guerreiro branco, porque ela já é tua
esposa.
Martim estremeceu.
— Os maus espíritos da noite turbaram o espírito de Iracema.
— O guerreiro branco sonhava, quando Tupã abandonou sua virgem. A
filha do Pajé traiu o segredo da jurema.
O cristão escondeu as faces à luz.
— Deus!... clamou seu lábio trêmulo.
Permaneceram ambos mudos e quedos.
Afinal disse Poti:
— Os guerreiros tabajaras despertam.
O coração da virgem, como o do estrangeiro, ficou surdo à voz da
prudência. O sol levantou-se no horizonte; e o seu olhar majestoso
desceu dos montes à floresta. Poti, de pé, mudo e quedo, como um
tronco decepado, esperou que seu irmão quisesse partir.
Foi Iracema quem primeiro falou:
— Vem: enquanto não pisares as praias dos pitiguaras, tua vida corre
perigo.
Martim seguiu silencioso a virgem, que fugia entre as árvores como a
selvagem cutia. A tristeza lhe confrangia o coração; mas a onda de
perfumes que deixava na brisa a passagem da formosa tabajara,
açulava o amor no seio do guerreiro. Seu passo era tardo, o peito lhe
ofegava.
SENHORA (JOSÉ DE ALENCAR)
Aurélia de seu lado erguera-se também para cortejar o marido.
- Adeus, senhora. Acredite...
- Sem cumprimentos! atalhou a moça. Que poderíamos dizer um ao
outro que já não fosse pensado por ambos?
- Tem razão.
Seixas recuou um passo até o meio do aposento, e fez uma profunda
cortesia, à qual Aurélia respondeu. Depois atravessou lentamente a
câmara nupcial agora iluminada. Quando erguia o reposteiro ouviu a
voz da mulher.
- Um instante! disse Aurélia.
- Chamou-me?
- O passado está extinto. Estes onze meses, não fomos nós que os
vivemos, mas aqueles que se acabam de separar, e para sempre. Não
sou mais sua mulher; o senhor já não é mais meu marido. Somos dois
estranhos. Não é verdade?
Seixas confirmou com a cabeça.
- Pois bem, agora ajoelho-me eu a teus pés, Fernando, e suplico-te que
aceites meu amor que nunca deixou de ser teu, ainda quando mais
cruelmente ofendia-te.
A moça travara das mão de Seixas e o levara arrebatadamente ao mesmo lugar
onde cerca de um ano antes ela infligira ao mancebo ajoelhado a seus pés, a
cruel afronta.
- Aquela que te humilhou, aqui a tens abatida, no mesmo lugar onde ultrajou-te,
nas iras de sua paixão. Aqui a tens implorando teu perdão e feliz porque te
adora, como o senhor de sua alma.
Seixas ergueu nos braços a formosa mulher, que ajoelhara a seus pés; os
lábios de ambos se uniam já em férvido beijo, quando um pensamento funesto
perpassou no espírito do marido. Ele afastou de si com um gesto grave a linda
cabeça de Aurélia, iluminada por uma aurora de amor, e fitou nela o olhar
repassado de profunda tristeza.
- Não, Aurélia! Tua riqueza separou-nos para sempre.
A moça desprendeu-se dos braços do marido, correu ao toucador, e trouxe um
papel lacrado que entregou a Seixas.
- O que é isto, Aurélia?
- Meu testamento.
Ela despedaçou o lavre e deu a ler a Seixas o papel. Era efetivamente um
testamento em que ela confessava o imenso amor que tinha ao marido e o
instituía seu universal herdeiro.
- Eu o escrevi logo depois do nosso casamento; pensei que morresse naquela
noite, disse Aurélia com gesto sublime.
Seixas contemplava-a com os olhos rasos de lágrimas.
- Esta riqueza causa-te horror? Pois faz-me viver, meu Fernando. É o meio de a
repelires. Se não for bastante, eu a dissiparei.
Podemos reconhecer três gerações poéticas no Romantismo
brasileiro :
 Nacionalista ou indianista
 “ Mal do século”
 Condoreira
Canção do exílio
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Não permita Deus que eu morra,
Nossas várzeas têm mais flores,
Sem que eu volte para lá;
Nossos bosques têm mais vida,
Sem que disfrute os primores
Nossa vida mais amores.
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as
Em cismar, sozinho, à noite,
palmeiras,
Mais prazer eu encontro lá;
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
De Primeiros cantos (1847)
Gonçalves Dias
Canção do exílio
Minha terra tem macieiras da Califórnia
onde cantam gaturamos de Veneza.
Os poetas da minha terra
são pretos que vivem em torres de ametista,
os sargentos do exército são monistas, cubistas,
os filósofos são polacos vendendo a prestações.
A gente não pode dormir
com os oradores e os pernilongos.
Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.
Eu morro sufocado
em terra estrangeira.
Nossas flores são mais bonitas
nossas frutas mais gostosas
mas custam cem mil réis a dúzia.
Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade
e ouvir um sabiá com certidão de idade! ]
Murilo Mendes
I-Juca-Pirama
I
No meio das tabas de amenos verdores,
Cercadas de troncos — cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d'altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes!
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!
IV
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci;
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.
VIII
“Tu choraste em presença da morte?
Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és!
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.
“Possas tu, isolado na terra,
Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!
Se eu morresse amanhã
Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que manhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!
Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!
Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o dolorido afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
Álvares de Azevedo
Lembrança de morrer
Quando em meu peito rebentar-se a fibra
Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.
E nem desfolhem na matéria impura
A flor do vale que adormece ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.
Eu deixo a vida como deixa o tédio
Do deserto, o poento caminheiro
— Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
Como o desterro de minh'alma errante,
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade — é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.
Só levo uma saudade — é dessas sombras
Que eu sentia velar nas noites minhas...
De ti, ó minha mãe, pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas!
De meu pai... de meus únicos amigos,
Poucos — bem poucos — e que não zombavam
Quando, em noite de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda
É pela virgem que sonhei... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores...
Se viveu, foi por ti! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.
Beijarei a verdade santa e nua,
Verei cristalizar-se o sonho amigo....
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo!
Descansem o meu leito solitário
Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nelas
— Foi poeta — sonhou — e amou na vida.—
Sombras do vale, noites da montanha
Que minh'alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto!
Mas quando preludia ave d'aurora
E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos...
Deixai a lua prantear-me a lousa!
O Navio Negreiro
(Tragédia no mar)
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
ADORMECIDA
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio,
Pra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! - tu és a virgem das campinas!
"Virgem! - tu és a flor de minha vida!..."
Boa-noite
Boa noite, Maria! Eu vou-me embora.
A lua nas janelas bate em cheio...
Boa noite, Maria! É tarde... é tarde...
Não me apertes assim contra teu seio.
Se a estrela-d'alva os derradeiros raios
Derrama nos jardins do Capuleto,
Eu direi, me esquecendo d'alvorada:
"É noite ainda em teu cabelo preto..."
É noite ainda! Brilha na cambraia
Boa noite!... E tu dizes – Boa noite.
– Desmanchado o roupão, a espádua nua –
Mas não digas assim por entre beijos... o globo de teu peito entre os arminhos
Mas não me digas descobrindo o peito, Como entre as névoas se balouça a lua...
– Mar de amor onde vagam meus
desejos.
É noite, pois! Durmamos, Julieta!
Recende a alcova ao trescalar das flores,
Julieta do céu! Ouve.. a calhandra
Fechemos sobre nós estas cortinas...
já rumoreja o canto da matina.
– São as asas do arcanjo dos amores.
Tu dizes que eu menti?... pois foi
mentira...
A frouxa luz da alabastrina lâmpada
...Quem cantou foi teu hálito, divina!
Lambe voluptuosa os teus contornos...
Oh! Deixa-me aquecer teus pés divinos
Ao doudo afago de meus lábios mornos.
Mulher do meu amor! Quando aos meus beijos
Treme tua alma, como a lira ao vento,
Das teclas de teu seio que harmonias,
Que escalas de suspiros, bebo atento!
Ai! Canta a cavatina do delírio,
Ri, suspira, soluça, anseia e chora...
Marion! Marion!... É noite ainda.
Que importa os raios de uma nova aurora?!...
Como um negro e sombrio firmamento,
Sobre mim desenrola teu cabelo...
E deixa-me dormir balbuciando:
– Boa noite! –, formosa Consuelo...
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