IBAC
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento
Intervenções Clínicas em um Caso de
Comportamentos Autolesivos: Um estudo de caso
Cecília Maria Araújo Silva
Brasília
Janeiro de 2015
IBAC
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento
Intervenções Clínicas em um Caso de
Comportamentos Autolesivos: Um Estudo de Caso
Cecília Maria Araújo Silva
Monografia apresentada ao Instituto Brasiliense
de Análise do Comportamento, como requisito
parcial para obtenção do Título de Especialista
em Análise Comportamental Clínica.
Orientador: André Lepesqueur Cardoso
Brasília
Janeiro de 2015
i
IBAC
Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento
Folha de Avaliação
Autora: Cecília Maria Araújo Silva
Título: Intervenções Clínicas em um Caso de Comportamentos Autolesivos: Um
estudo de caso.
Data da Avaliação:
Banca Examinadora:
___________________________________________
Orientadora: Prof. MsC. André Lepesqueur Cardoso
___________________________________________
Membro: Prof. MsC. Felipe Burle dos Anjos
___________________________________________
Membro: Prof. Esp. Frederico Santos Veloso
Brasília
Janeiro de 2015
ii
Dedico este trabalho a minha cliente Ana,
que dividiu comigo sua história,
contribuindo muito para o meu crescimento
profissional.
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Agradecimentos
Lutei muito para chegar aqui e agradeço imensamente a todos aqueles que
fizeram parte dessa jornada.
Agradeço a minha mãe, Maria do Socorro, que é meu maior modelo de força
e determinação, que mostra que é possível superar todas as dificuldades em busca
dos meus objetivos.
Agradeço imensamente ao meu esposo Gilvan Anjos, que sempre esteve ao
meu lado não medindo esforços para que eu pudesse chegar até aqui.
Serei
eternamente grata, pelo incentivo, pela paciência, pela força e por sempre me apoiar
no sonho de seguir esta profissão.
Agradeço aos amigos que pude fazer durante o curso, Taline, Suelen, Ana
Cecília. Em especial a Clody Queiroz, que com sua alegria tornava as aulas mais
divertidas. Obrigada por compartilhar comigo todos os momentos de alegrias e
desesperos vivenciados ao longo do curso.
Agradeço a excelentes professores que tive o prazer de conhecer Andréa
Dutra, Fred Veloso e Luciana Verneque. Em especial ao professor Felipe Burle por
ter dividido comigo com tanto carinho e competência todo seu conhecimento na
prática clínica, contribuindo para o meu crescimento pessoal e profissional.
Agradeço também ao meu orientador, André Lepesqueur Cardoso, por suas
preciosas orientações. Por ter sido extremamente compreensivo e atencioso comigo.
Seu incentivo foi de primordial importância para que eu conseguisse concluir esse
trabalho.
Agradeço a Deus e a Nossa Senhora, que sempre esteve presente na minha
vida me fortalecendo a cada novo dia e mostrando que sou capaz de ir mais longe
ainda.
iv
Sumário
Folha de Avaliação ------------------------------------------------------------------------Dedicatória ---------------------------------------------------------------------------------Agradecimentos ---------------------------------------------------------------------------Sumário -------------------------------------------------------------------------------------Lista de Tabelas ---------------------------------------------------------------------------Resumo -------------------------------------------------------------------------------------Introdução ----------------------------------------------------------------------------------Behaviorismo e seus Conceitos -----------------------------------------------------O Controle de Si -----------------------------------------------------------------------A Psicoterapia Analítico Funcional -------------------------------------------------Método --------------------------------------------------------------------------------------Participante -----------------------------------------------------------------------------Queixas e Demandas ------------------------------------------------------------------Contexto terapêutico ------------------------------------------------------------------Procedimento ---------------------------------------------------------------------------Resultados ----------------------------------------------------------------------------------1. Histórico Familiar ----------------------------------------------------------------2. Histórico Socioafetivo -----------------------------------------------------------3. Histórico Acadêmico-profissional ---------------------------------------------4. Histórico Médico-psicológico --------------------------------------------------Contingencias de Reforçamento e Repertórios Atuais ---------------------------Analises Funcionais Moleculares ---------------------------------------------------Analises Funcionais Molares --------------------------------------------------------Objetivos Terapêuticos ---------------------------------------------------------------Mudanças Observadas ----------------------------------------------------------------Considerações Finais ----------------------------------------------------------------------Referências Bibliográficas ---------------------------------------------------------------Anexos --------------------------------------------------------------------------------------Anexo 1. Termo de autorização, modelo padrão utilizado no IBAC --------Anexo 2. Exercício Quadrante ----------------------------------------------------
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Lista de Tabelas
Tabela 1. Microanálises funcionais de comportamentos emitidos pela cliente em
estudo ---------------------------------------------------------------------------------------- 39
Tabela 2. Análises Molares do padrão comportamental identificado no repertório
da cliente ------------------------------------------------------------------------------------- 41
vi
Resumo
Este trabalho teve como objetivo apresentar formas de intervenção de um caso
clinico de comportamentos autolesivos, e a relevância de uma intervenção
terapêutica com base em uma Análise Comportamental Clínica. O processo
terapêutico ocorreu em 32 sessões, até o momento da elaboração deste trabalho.
Foram realizados análise moleculares e análise molares do comportamento de
autolesão, identificando as contingencias que mantinham os comportamentos
autolesivos. A partir das análises moleculares constatou-se que os comportamentos
autolesivos eram mantidos como uma forma de obter reforçamento social positivo,
em um ambiente familiar bastante aversivo. Avaliando a falta de fontes de apoio de
Ana, a terapia buscou desenvolver outras fontes reforçadoras, que pudessem
substituir essa cadeia comportamental, em que a única forma de ter atenção era tendo
comportamentos autolesivos. As intervenções terapêuticas priorizaram o uso do
reforçamento positivo e dos pressupostos da FAP (Psicoterapia Analítico Funcional),
utilizando a relação terapêutica para modificar comportamentos fora da sessão. Ao
termino das 32 sessões, a cliente adquiriu repertórios de autocontrole e
autoconhecimento, desenvolvendo outras fontes de reforçadores e o comportamento
de autolesão diminuiu de frequência.
Palavras-chave: Intervenção; autolesivos; reforçamento social positivo; autocontrole,
autoconhecimento
É possível encontrar na literatura da psicologia clínica várias denominações para
o conceito de comportamentos de violência autodirigida. Muitas vezes utilizam o
termo automutilação, autolesão, autoagressão e outros. Não há um consenso de qual
é o termo mais adequado. Com base no caso clinico, dentro do presente estudo foi
considerado o termo autolesão, como o comportamento frequente do indivíduo em
provocar lesões físicas em seu próprio corpo. Segundo Giusti (2013), as formas mais
frequentes de autolesão/automutilação são cortes superficiais, arranhões, mordidas,
bater parte do corpo contra a parede e lesionar ferimentos de forma agravar a
intensidade das lesões. Para Klonsky (citado em Giusti, 2013), as áreas que são mais
comuns a serem lesionadas são braços, pernas, barriga e áreas frontais do corpo que
são de fácil acesso.
De acordo com Almeida e Horta (2010), os comportamentos de autolesão são
caracterizados por lesões moderadas, sobre o próprio indivíduo. Segundo
Maltesberge e Lovett (citado em Almeida & Horta, 2010), a autolesão serve como
uma maneira do indivíduo “lidar com um nível elevado de sentimentos muito
dolorosos”, que parecem insuportáveis. As lesões podem ser leves, como arranhar a
pele com as unhas, lesões moderadas, como cortes feitos com objetos cortantes ou
perfurantes nos braços e lesões severas, como automutilações, autoenucleação,
autocastração e autoamputação (Almeida, 2010).
Alguns autores (Simeon & Favazza citado em Giusti, Garreto & Seivoletto
2008) classificam comportamentos automutilantes como estereotipado, maior,
compulsivo e impulsivo. Os mesmos autores classificam a categoria estereotipada
como sendo um comportamento repetitivo, com frequência ritmada. Sendo que as
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lesões seguem o mesmo padrão, podendo variar de ferimentos leves a graves, que
algumas vezes pode colocar em risco a vida do indivíduo. Esse tipo de
comportamento os autores pontuam como estando associado a retardo mental,
autismo e em algumas síndromes. Na categoria Maior, inclui ferimentos graves que
colocam em risco a vida do indivíduo, causando danos como a castração, enucleação
e amputação de extremidades. Sendo lesões graves a repetição ocorre com baixa
frequência. Segundo Simeon e Favazza (2001) (citados em Giusti, Garreto &
Seivoletto, 2008), esses comportamentos estão presentes em quadros psicóticos como
esquizofrenia, intoxicações, transtorno bipolar, transtorno da personalidade severo e
transtorno da identidade de gênero. O tipo Compulsivo são comportamentos
repetitivos que podem ocorrer várias vezes ao dia de forma repetitiva, como a
tricotilomania, a ornicofagia e o skin picking.
No Manual de Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais – DSM IV, o
comportamento de autolesão não é conceituado com um transtorno mental, mas
como um sintoma de uma patologia. Estando relacionado ao Transtorno de
Personalidade Borderline, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, Tricotilomania e
Transtorno do Controle de Impulsos sem outras especificações.
Os estudos sobre comportamento de autolesão apresentam divergência, isso
ocorre devido à dificuldade dos pesquisadores em estabelecer um conceito único para
esse comportamento. Alguns estudos (Simeon, & Favazza; Walsh, citados em
Almeida, & Horta, 2010) consideram que o uso do termo automutilação para
denominar comportamentos autolesivos moderados não seria adequado. Para
Scharbach (citado em Almeida, & Horta, 2010), são considerados automutilação
quando existem lesões graves como na amputação de membros, enucleação ocular e
castração.
3
Estudos de Briere e Gil (citados em Giusti, 2013) mostram que comportamentos
autolesivos parecem ser mais frequentes na adolescência e vem aumentando nos
últimos anos. Não há consenso entre a prevalência do comportamento de autolesão
entre gêneros, mas alguns estudos (Hawton & Col; Patton & Coll; citado em Giusti,
2013) apontam que esse comportamento é frequente no sexo feminino. O estudo de
Lloyd-Richardson (citados em Giusti, 2013) mostra que nos Estados Unidos, na fase
da adolescência e no período escolar, a prevalência é de 45% de adolescentes que
mantém comportamentos autolesivos. Há uma variação da prevalência dos
comportamentos autolesivos entre diversos países. Nos estudos de Patton e cols
(1997, citados em Giusti, 2013) com estudantes Australianos que cursam o
equivalente ao ensino médio no Brasil, apontam que 5,1% dos adolescentes tinham
comportamentos autolesivos. Entre estudantes ingleses, a prevalência foi de 6.9%
(Hawton & Col, citado em Giusti, 2013). Estudos de Zoroglu e col (citados em
Giusti, 2013) mostram que na Turquia 21,4% dos adolescentes apresentam
comportamentos autolesivos. Nesses estudos foram considerados cortes e se bater
como comportamentos autolesivos. As pesquisas não trazem dados de estudos desses
comportamentos realizados com a população brasileira (Giusti, 2013).
Brieri e Gil (1997, citados em Giusti, 2013) apontam em um estudo com adultos
que 4% tiveram comportamentos autolesivos e considerando uma população de
pacientes psiquiátricos 21% dos pacientes tiveram comportamentos autolesivos.
Giusti (2013) considera que a diferença nas prevalências apresentadas nesses
estudos, é ocasionada devido a diferenças entre a população estuda, os instrumentos
utilizados e a falta de definição sobre o que é a autolesão.
Os indivíduos que mantém comportamentos autolesivos, geralmente apontam
um evento como sendo o causador dos comportamentos autolesivos, e não entram em
4
contato com as reais consequências que mantém os comportamentos. Relatam como
sendo precedido por um estado elevado de raiva, ansiedade e perda de controle.
Geralmente ocasionados por sensação de abandono, rejeição, culpa ou para se livrar
de pensamentos recorrentes. Depois de autolesionar o indivíduo relata uma sensação
de bem-estar, alivio momentâneo seguido por um relato de uma sensação de culpa e
vergonha por ter praticado a autolesão. Durante as lesões é comum relatarem não
sentirem dor, ou algumas vezes uma dor leve que é uma “forma de esquecer” a
situação que gerou os sentimentos antecedentes a autolesão (Giusti, 2013).
Giusti (2013) apresenta vários fatores que podem contribuir para o
comportamento de autolesão: (a) Características pessoais: pessimismo, insegurança,
baixa autoestima, instabilidade emocional e impulsividade; (b) Transtornos
psiquiátricos: Transtorno da personalidade Borderline, Ansiedade, Depressão,
Transtornos alimentares, Transtornos do uso de substancias; (c) problemas
relacionados à infância: Negligência, abusos sexual, estresse emocional precoce; (d)
Social: Bullyng, influência da mídia sobre autolesão, influência de colegas e
dificuldade de relacionamento; (e) Família: Dependência de álcool, separação dos
pais, violência familiar, relação familiar disfuncional. Tais fatores são apresentados
como forma que podem contribuir para os comportamentos autolesivos, mas não
sendo considerados os fatores que mantém esses comportamentos.
Os estudos de Favazza e Conterio (citados em Giusti, 2013) feito com mulheres
que tem o comportamento de autolesão apontam que 62% tinha sofrido algum tipo de
abuso na infância. Sendo 29% abusos físicos e sexuais, 17% somente abuso sexual e
16% somente abuso físico. Esses abusos aconteceram no início da infância e foram
cometidos por familiares.
5
Alguns estudos (Whitlock & col; Paivio; McCulloch; Dubo; Zanarini; citado em
Giusti, 2013) divergem dessa opinião, não apontando correlação entre abusos e
comportamentos de autolesão. Outros estudos (Heath; Toste; Nedecheva; Rodriguez;
Bierer; Yehuda; citado em Giusti, 2013) mostram que abuso sexual e
comportamentos de autolesão estão associados por terem os mesmos fatores de riscos
psiquiátricos e não por ter uma associação direta entre eles. Maniglio (citado em
Giusti, 2013) aponta que o abuso sexual seria um adicional de risco ao
comportamento de autolesão ao invés de uma causa do comportamento.
Estudos de Green (citados em Giusti, 2013) avaliando crianças vítimas de
abusos físicos e/ou sexual aponta que 41% apresentam comportamentos de autolesão
de bater a própria cabeça ou morder-se. Neste estudo foi observado que as crianças
que sofreram abusos tinham risco duas vezes maior em desenvolver comportamentos
de autolesão comparadas com crianças que sofreram apenas negligencia física e seis
vezes maior do que crianças que sofreram maus tratos.
Para Giusti (2013), indivíduos que mantém alta frequência do comportamento de
autolesão passam assumir como padrão comportamental, sendo observado, não
apenas o aumento da frequência, mas também a intensidade das lesões e um relato de
incapacidade de controlar o comportamento. Quando é estabelecido tal padrão
comportamental, o organismo passa até a planejar a forma de se mutilar e meios de
manter esse comportamento. Esses comportamentos ocorrem sem que o indivíduo
tenha uma ideação suicida, porém o suicídio pode ocorrer devido à alta frequência ou
gravidade dos comportamentos de autolesão. Geralmente a morte ocorre devido ao
indivíduo ter provocado ferimentos gravemente sem que isso tenha sido planejado.
Muehlenkamp e Gutierrez (citados em Giusti, 2013) consideram que fatores
6
psicossociais e psiquiátricos parecem colaborar para que adolescentes com histórico
de autolesão tendem a ter comportamentos suicidas.
Ceppi e Benvenuti (2011) apresentam um estudo sobre comportamento
autolesivo, retirado da literatura Analítica Comportamental, onde avaliou que tipo de
consequência que está mantendo comportamentos autolesivos. Neste estudo foram
avaliados 09 classes de respostas de autolesão como: cortar a orelha, ferir os olhos,
dar tapa no rosto, puxar os cabelos, abocanhar a mão, bater a cabeça, bater na cabeça,
estrangular o pescoço e morder-se. Foram programadas diferentes consequências
para os comportamentos autolesivos. Na primeira condição, os comportamentos
autolesivos eram consequenciados com reforçadores positivos como a atenção. Na
segunda condição, os comportamentos autolesivos eram consequenciados com
reforçadores negativos, onde a apresentação dos comportamentos autolesivos
produziam a remoção de atividades domesticas. Na terceira condição, eram
consequenciados por reforçamento
automático, onde não
havia nenhuma
consequência social, apenas as consequências natural do comportamento,
envolvendo os estímulos sensoriais da ação, independente de contingências sociais.
Esses resultados mostram que os comportamentos de autolesão dependem das
consequências que esse comportamento produz no ambiente, considerando que cada
comportamento está mantido por diferentes consequências. Skinner (1953/2003)
discute a necessidade de analisar a interação do organismo com o meio para poder
explicar determinado comportamento. Assim, é possível concluir a importância da
análise funcional onde, além da topografia da resposta, são investigadas as variáveis
ambientais mantenedoras de tais respostas. A análise funcional deve ser uma das
principais ferramentas para o psicólogo clínico saber o que mantém os
7
comportamentos autolesivos de seu cliente e assim poder estabelecer estratégias de
tratamento para diminuir a frequência e magnitude em tais respostas.
De acordo com Catania (1998/1999), o comportamento autolesivo pode ter
topografias similares, mas suas funções são diferentes. Considerando uma descrição
topográfica insuficiente para explicar tais comportamentos. Uma descrição
topográfica ajuda a operacionalizar o comportamento problema, sua frequência e
intensidade, mas não explica as causas de tais comportamentos. Sendo mais
importante definir o comportamento por suas consequências do que por suas
topografias.
Behaviorismo e Seus Conceitos
Para Skinner (1953/2003) as causas do comportamento são as variáveis externas
na qual o comportamento é função. Por isso não podemos buscar causas internas para
explicar o comportamento do indivíduo é preciso analisar funcionalmente o
comportamento suas variáveis externas atuais e históricas com base em eventos
observáveis.
Sampaio e Andery (2012) apontam que, para a Análise do Comportamento, a
resposta é selecionada de acordo com os efeitos que produz no ambiente, sendo
multideterminado e desenvolvido a partir dos três níveis de variação e seleção:
filogenético, ontogenético e cultura. Filogenético são as variáveis biológicas,
determinadas pela seleção de espécies, relacionadas ao comportamento que faz com
que o indivíduo tenha uma predisposição a responder de determinada maneira;
Ontogenético são os efeitos comportamentais, adquiridos pela história aprendizado
do organismo, que produzem mudanças no ambiente e que favorecem e mantêm
alguns padrões comportamentais; No nível de seleção cultural, através de um
conjunto de regras e valores, o ambiente social seleciona padrões comportamentais
8
típicos de um determinado grupo. Para Boas, Banaco e Borges (2012), a
compreensão desses três níveis de seleção fornece informações das contingências
que influenciam e mantêm o desenvolvimento dos padrões comportamentais.
As relações filogenéticas e ontogenéticas envolvem fenômenos respondentes,
aprendidos ou inatos. Para Skinner (1953/2003), os estudos das relações
respondentes investigam os comportamentos fisiológicos responsáveis pela
adaptação do organismo e mudanças no ambiente, são de fundamental importância
para explicar qualquer comportamento. Entende-se por comportamento respondente
a relação entre o organismo e o ambiente onde determinado estímulo produz uma
resposta especifica em um organismo garantindo a sobrevivência e evolução da
espécie (Leonardi & Nico, 2012).
Para Skinner (1953/2003), os indivíduos possuem um conjunto inato de reflexos
característicos de cada espécie. Esse fenômeno é incondicional sendo relacionados à
origem filogenética. Os comportamentos respondentes incondicionados são
selecionados ao longo da história evolutiva. Porém, o ambiente modifica-se
constantemente e o organismo, pertencente a uma espécie, passa a reagir de forma
diferente diante de estímulos específicos e assim aprendendo novos reflexos. A
aquisição de novos reflexos do indivíduo constituindo-se na história ontogenética,
sendo denominadas respostas condicionadas. Nesse processo, a aprendizagem ocorre
quando um estímulo neutro é apresentado e seguido por um estímulo incondicionado.
Assim, esse estímulo neutro, depois de emparelhado ao incondicionado, torna-se um
estímulo condicionado, assumindo as propriedades de eliciação. Esse fenômeno é
denominado de condicionamento respondente, onde possibilita que respostas do
organismo originadas filogeneticamente passam a ficar sobre controle de novos
estímulos (Leonardi & Nico, 2012).
9
Moreira e Medeiros (2007) afirmam que, no comportamento respondente, o
estímulo elicia uma determinada resposta, já no comportamento operante a emissão
de uma resposta produz consequências no ambiente e está alteração no ambiente
influencia na probabilidade desse comportamento aumentar ou diminuir de
frequência. Uma relação operante se caracteriza por uma relação funcional entre a
resposta e os reforçadores obtidos após emissão dessa resposta. Situações em que
respostas foram contingentemente reforçadas passam, a exercer controle sobre esse
comportamento, apresentando respostas funcionalmente semelhantes a aquelas que
foram reforçadas anteriormente (Thomaz, 2012). Segundo Catania (1998/1999),
quando ocorre a resposta, independentemente de sua origem, pode ter consequências.
A perpetuação desse comportamento vai depender das consequências que afetam ou
não o seu comportamento.
Em suma, a Análise do Comportamento apresenta uma contingência de dois
termos para relações respondentes: estímulo antecedente (S) e respostas (R). Já a
análise das relações operantes apresenta-se com uma continência de três termos:
estímulo antecedente (Sd ou SΔ), resposta (R) e consequência (S+ ou S-) (Catania,
1998/1999).
Um estímulo antecedente pode ter várias funções. De acordo com Thomaz
(2012), um estímulo antecedente pode evocar respostas reforçadas, alterar a
efetividade momentânea do estimulo e, ao mesmo tempo, eliciar respostas
respondentes. Também um estímulo consequente, além de alterar a probabilidade de
resposta futura, pode passar a ter função de estímulo condicional em outra relação
respondente. Dessa forma, essas múltiplas funções dos estímulos alteram a relação
organismo-ambiente como um todo, onde tanto o estímulo antecedente como o
estímulo consequente, pode eliciar respostas respondentes.
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Skinner (1953/2003) afirma que em episódios emocionais não é possível atribuir
a um único conjunto de operações, pois há alterações em eventos ambientais e em
um conjunto amplo de diferentes classes de respostas. Darwich e Tourinho (2005)
afirmam que respostas emocionais não podem ser consideradas somente
respondentes, pois há alterações operantes no desenvolvimento do organismo que
devem ser consideradas.
O psicólogo clínico analítico-comportamental deve analisar as contingências
dando ênfase em toda a alteração comportamental, tendo em vista que um estímulo
ao mesmo tempo que elicia respostas respondentes também compromete o
desempenho operante (Thomaz, 2012). A literatura da Análise Comportamental
Clínica enfatiza a importância da análise funcional como principal ferramenta para
orientar as intervenções.
Para Sampaio e Andery (2012), a clínica analítico-comportamental deve analisar
as relações entre o que o cliente faz, pensa ou sente e as contingências que interferem
nesse comportamento. Skinner (1981/2007) pontua que: “Enquanto nos apegarmos à
concepção de que uma pessoa é um executor, um agente ou um causado inicial do
comportamento, continuaremos provavelmente a negligenciar as condições que
devem ser modificadas para que possamos resolver nossos problemas” (p. 137).
Nessa perspectiva através da análise funcional é possível identificar como a forma de
responder de um indivíduo se relaciona com mudanças no ambiente.
Por meio da análise funcional é possível identificar as relações de dependência
entre as respostas de um organismo, o contexto em que são apresentadas tais
respostas e as consequências no ambiente. Através da análise funcional do
comportamento de autolesão, é possível identificar eventos que ocasionam o
comportamento autolesivo e as consequências que o mantêm (Ceppi & Benvenuti,
11
2011). Sendo assim o terapeuta analítico-comportamental consegue ter a
compreensão do caso, entendendo que os comportamentos foram selecionados na
história de vida do cliente e assim poder determinar a intervenção apropriada para
modificar as relações comportamentais envolvidas (Leonardi, Borges & Cassas,
2012).
Para Skinner (1953/2003), o modo do indivíduo interagir dentro do grupo segue
de acordo com uma definição cultural de usos e costumes, e dessa forma modela-se
um repertório comportamental de acordo com as regras sociais a qual está inserido.
Guedes (1997) enfatiza que sem o controle por regras não teríamos conhecimentos
das contingências vivenciadas pelos outros, não tendo como transmitir uma cultura,
pois as regras facilitam a transmissão de repertórios culturais. Portanto regras e
autoregras, sendo uma variável cultural, fazem parte do segundo (ontogenético) e
terceiro (cultural) nível de seleção.
Entende-se por regras estímulos verbais que descrevem contingências.
Envolvendo os comportamentos de seguir conselhos, instruções, ordem ou qualquer
comportamento verbal que descreva contingências (Skinner, 1966/1980). Para
Medeiros (2010) regras são emitidas quando se instrui uma pessoa a se comportar de
determinada maneira apresentando a ela as consequências desse comportamento. De
acordo com Skinner (1966/1980) no comportamento governado por contingência a
aprendizagem ocorre quando há um contato direto com as contingências, ou seja,
emitimos uma resposta e entramos em contato com as consequências desse
comportamento. E no comportamento governado por regras a aprendizagem ocorre
sem que o indivíduo tenha vivenciado as contingências, mas passou a seguir um
conselho ou uma regra especificada por outra pessoa. Com essas regras o indivíduo
12
discrimina os comportamentos apropriados, sem que seja necessário entrar em
contato com as contingências.
Baum (1999) salienta que o comportamento de seguir regras é um
comportamento que foi estabelecido pela contingência de reforçamento. Por
exemplo, seguir uma instrução de um amigo de como estudar e, consequentemente,
conseguir boas notas. Supondo assim que foi reforçado, o comportamento de seguir
regras (do amigo) aumentará a probabilidade ocorrer, assim como de seguir
instruções de diferentes pessoas (i.e., generalização). Muitas vezes, o reforçamento
de seguir regras pode também ser arbitrário. Por exemplo, um pai que elogia o filho
toda vez que este faz o que ele manda. Uma pessoa com um histórico de
reforçamento em seguir regras, são chamadas de “boas seguidoras de regras”.
O comportamento modelado por regras depende do comportamento verbal do
falante, ele é instruído verbalmente por um indivíduo. Já o comportamento modelado
pelas contingências precisa somente da interação com as contingências, não sendo
necessária outra pessoa (Baum, 1999). O indivíduo não segue apenas as regras
apresentadas por um falante, como também seguem suas próprias regras. Quando as
regras são formuladas pelo próprio indivíduo e passa a controlar o seu
comportamento, são chamadas de autoregras. Essas autoregras podem ser em forma
de comportamentos públicos ou privados (Castanheira, 2001).
De acordo com Skinner (1966/1980), o aprendizado por meio das regras ou pelas
contingências ocorre de forma distinta, estando sobre controle de diferentes
operantes. Quando o comportamento é modelado pelas contingências, a
aprendizagem ocorre de maneira mais lenta, pois o comportamento pode entrar em
contato tanto com consequências reforçadoras ou punitivas. O processo é complexo
para essa aprendizagem e essa é baseada na experiência individual, sendo um
13
conhecimento do próprio indivíduo. Quando o comportamento é modelado pelas
regras, a aprendizagem ocorre de forma mais rápida, evitando as consequências
aversivas e obtendo reforçadores sociais. Neste caso, muitas vezes o indivíduo
acredita que tem controle sobre o seu comportamento. Skinner (1966/1980) também
pontua que as regras também funcionam de forma que quando não há liberação
imediata de reforçadores. No caso, o indivíduo recorre ao uso das regras para que
obtenha reforçadores imediatos e assim se esquivar de estímulos aversivos.
Uma das características do comportamento governado por regras é que podem
gerar insensibilidade as contingências. Nesse caso, o indivíduo fica sobre controle da
regra e não das consequências geradas no ambiente. Caracteriza-se insensibilidade às
contingências quando as contingências mudam, mas não ocorre nenhuma mudança
comportamental, pois o indivíduo continua a seguir a regra estabelecida
anteriormente. Assim, diminui-se a probabilidade de desenvolver aprendizagem por
meio de experiências vivenciadas (Catania, 1998/1999).
Nico (1999) pontua que na insensibilidade as contingências o indivíduo continua
seguindo a regra embora as contingências do ambiente tenham mudado e ele não
obtenha mais reforçadores com o seguimento da regra. O autor considera
fundamental para considerar o comportamento insensível às contingências o termino
da produção de reforçadores e a continuidade da mesma resposta que antes era
necessária para obtenção desses reforçadores. Sendo assim, para identificar à
insensibilidade as contingências se faz necessária a análise da relação entre a
descrição da regra e as consequências produzidas por essa regra. Segundo o mesmo
autor, é preciso investigar quais variáveis poderiam está mantendo a resposta de
seguir a regras e gerando essa insensibilidade as contingências.
14
Segundo Malott (citado em Reis, Teixeira & Paracampo, 2005) o uso de regras
facilita o cumprimento de tarefas que tenham consequências em longo prazo,
possibilitando a emissão de comportamentos que geram reforçadores em longo prazo
e a insensibilidade a reforçadores imediatos. Essas características das autoregras são
semelhantes à do comportamento de autocontrole por também ter como função de
facilitar a emissão de respostas mais adequadas no futuro. Sendo assim, regras
também estão envolvidas no comportamento de autocontrole.
O Controle de Si
Para Skinner (1953/2003), o comportamento de autocontrole é definido como a
manipulação de variáveis na qual o comportamento é função. O indivíduo controla
seu próprio comportamento quando a mesma resposta gera consequências tanto
positivas quanto negativas, tendo então um conflito entre as consequências. A função
do comportamento de autocontrole é minimizar a influência de contingências
reforçadoras imediatas em função de obter reforçadores de maior magnitude no
futuro (Nico, 2001).
No autocontrole o indivíduo conhece as respostas prováveis e também as
consequências produzidas por cada resposta. O indivíduo desenvolve o
comportamento de autocontrole quando se depara com consequências conflitantes,
ou seja, o autocontrole se faz necessário devido à intensidade do conflito entre as
contingências de reforço (Nico, 2001). Segundo Skinner (1953/2003), as
consequências positivas e negativas geram duas respostas que se relacionam:
Resposta controladora e resposta controlada. De acordo com Nico (2001), a resposta
controlada geram consequências conflitantes, então o indivíduo emite resposta
controladora, que manipula as variáveis ambientais das quais a resposta controlada é
15
função. A alteração da resposta controlada e a redução da estimulação aversiva ou o
aumento estimulação positiva reforçam e mantém a resposta controlada.
O autocontrole é um comportamento apreendido fruto da relação entre o
indivíduo e o ambiente, não sendo necessariamente observada a generalização. O
indivíduo pode emitir respostas de autocontrole em um ambiente e não emiti-las em
outros ambientes, pois o comportamento de autocontrole ou impulsividade depende
do contexto em que é apresentado o comportamento (Abreu-Rodrigues & Beckert,
2004).
Rachlin (citado em Reis, Teixeira & Paracampo, 2005) enfatiza as contingências
futuras como determinantes do comportamento autocontrolado. Reforçadores de
menor magnitude que estão disponíveis ao indivíduo de forma imediata, são
ignorados para que possa obter reforçadores de maior magnitude posteriormente.
Como deixar de sair hoje, para que no fim de semana possa levar a namorada em um
bom restaurante. Também pontua que essa relação pode ocorrer de forma contrária,
onde se pode evitar contato no futuro com estímulos aversivos de maior intensidade,
entrando em contato no presente com estímulos aversivos de menor intensidade.
Como usar protetor solar diariamente, mesmo que tenha algum incomodo com essa
prática, para evitar prejuízos à pele no futuro.
O comportamento de compromisso (ou commitment) pode prevenir a
disponibilidade de consequências de menor magnitude favorecendo a emissão de
comportamento de autocontrole. Entende-se por comportamento de compromisso a
emissão
de
comportamentos
alternativos
que
possam
concorrer
com
o
comportamento a ser evitado. Por exemplo, estudar na biblioteca ao invés de estudar
em casa, para que não se distraia com outras atividades. Outra forma seria emitir
respostas que diminua o valor reforçador das consequências geradas pelo
16
comportamento inadequado. Exemplo, fazer um lanche no intervalo das refeições
para evitar comer excessivamente nas refeições principais (Rachlin, citado em Reis,
Teixeira & Paracampo, 2005). Na resposta de compromisso pode ser estabelecida
uma meta, emitida de forma pública ou privada. Sendo pública, o indivíduo então
passa o controle das contingências para outra pessoa, garantindo assim um controle
social sobre a resposta indesejada. Também podem ser estabelecidas penalidades
para o não cumprimento da meta estabelecida.
Segundo Malott (citado em Reis, Teixeira & Paracampo, 2005), as regras
facilitam a emissão de respostas de cumprimento de tarefas que serão
consequenciadas em longo prazo. As regras permitem que o indivíduo tenha
conhecimento prévio a respeito das contingências, favorecendo a emissão de
comportamentos que geram reforçadores de maior magnitude em longo prazo e a
insensibilidade a reforçadores imediatos. O mesmo autor enfatiza que quando os
comportamentos autocontrolados não ocorrem naturalmente, devido a outras
contingências, é necessário à formulação de autoregras que favoreçam o
desenvolvimento dos comportamentos autocontrolados. Nery e De-Farias (2010)
enfatizam que no contexto terapêutico é recomendado o uso de técnicas de
autocontrole ligadas ao desenvolvimento de outros repertórios de comportamentos,
como o autoconhecimento e a formulação de autoregras para que o indivíduo possa
compreender as variáveis que controlam o seu comportamento e assim ter acesso
com mais frequências a estímulos reforçadores.
A modelagem é um procedimento importante na prática clínica para produzir
novos comportamentos ou aprimorar repertórios existentes. Entende-se por
modelagem como um processo de aprendizagem em que a resposta é modificada
17
gradualmente por meio do reforçamento diferencial e aproximações sucessivas do
comportamento final (Millenson, 1967; 1976).
Com o procedimento de modelagem é possível ampliar o repertório
comportamental de um indivíduo sendo adquiridas novas respostas, que
anteriormente não existiam no repertório do organismo. Essas respostas são
modeladas pelas aproximações sucessivas a resposta esperada (Regra, 2004).
Para Millenson (1967; 1976), todo o comportamento que é reforçado tem sua
frequência aumentada. O reforçamento diferencial consiste em reforçar algumas
respostas que são semelhantes ao comportamento final e que devem ter sua
frequência aumentada e colocar em extinção respostas que se diferenciam desse
comportamento (Leonardi & Borges, 2012).
Segundo Millenson (1967; 1976), a
vantagem desse procedimento é poder criar novos repertórios, manter repertórios
preexistentes e diminuir comportamentos indesejáveis sem fazer uso da punição.
Corroborando com essa ideia, Leonardi e Borges (2012) pontuam que é vantajoso
modificar o repertório comportamental baseado em reforçamento positivo, pois evita
efeitos colaterais envolvidos nos procedimentos que fazem uso de controle aversivo.
O reforçamento diferencial pode ser feito de diversas maneiras. O Reforçamento
Diferencial de Respostas Alternativas (DRA) consiste em reforçar as respostas que
são diferentes daquelas que devem ter sua frequência reduzida, mas que produzem as
mesmas consequências. Por exemplo, indivíduo que apresenta comportamentos de
autolesão de se ferir com objetos cortantes e tem como consequência a atenção dos
familiares. O terapeuta reforça o comportamento de fazer uma receita especial aos
familiares que tem também como consequência obter atenção dos familiares. Já o
Reforçamento Diferencial de Outros Comportamentos (DRO), consiste em reforçar
qualquer resposta com exceção da resposta que pretende reduzir de frequência. Por
18
exemplo, terapeuta reforça quando a cliente teve comportamentos de autocuidado e
chega a sessão com roupas adequadas e maquiada e não demonstra interesse quando
cliente chega a sessão com uma roupa curta exibindo todas as marcas recentes de
autolesões que tem pelo corpo. Por fim, o Reforçamento Diferencial de Respostas
Incompatíveis (DRI) consiste em reforçar as respostas que fisicamente não podem
ser emitidas juntamente com a resposta que deve ser extinta. Por exemplo, o
terapeuta reforça que o indivíduo faça artesanato ou qualquer manipulação com o uso
das mãos que seja incompatível com o comportamento de autolesão (Del Prette &
Almeida, 2012).
Del Prette e Almeida (2012) supõe que uso do reforçamento diferencial na
clínica se faz necessário, quando algumas respostas do indivíduo são socialmente
inadequadas devido à produção de consequências aversivas para si ou para os outros
e estão ocorrendo no cotidiano devido a serem reforçadas. Existindo a possibilidade
dessas respostas também serem apresentadas na presença do terapeuta. Sendo assim,
cabe ao terapeuta tentar contingenciar de forma diferente das consequências obtidas
no ambiente social do indivíduo.
Regra (2004) pontua que o terapeuta comportando-se de maneira diferente do
que no ambiente natural do indivíduo, pode começar a modelar um repertório
comportamental mais adequado. Quando esse novo repertório é desenvolvido, o
indivíduo pode emitir o mesmo comportamento no ambiente fora da terapia, diante
de estímulos topograficamente e/ou funcionalmente similares, obtendo reforçadores
nessa relação. Sendo assim, as mudanças que ocorrem dentro da terapia serão
generalizadas para o ambiente natural.
Através do uso do reforçamento diferencial o terapeuta ensina o cliente uma
nova maneira de se comportar, e que pode ser reforçada no seu ambiente natural.
19
Como objetivo, esse procedimento visa aumentar a frequência dos comportamentos
desejáveis e diminuir de frequência os comportamentos indesejáveis. Quando o
indivíduo consegue perceber a função dos seus comportamentos, identificando as
variáveis que controlam o seu comportamento, pode emitir respostas controladoras
(Alves & Marinho-Isidro, 2010). Por exemplo, quando o indivíduo percebe que ao
fazer diversas reclamações e dizer que sua vida é um constante sofrimento que nada
vai mudar, o terapeuta se mostra menos interessado (prover menos atenção), mas
quando ele relata atitudes de iniciativas e de mudanças o terapeuta se mostra mais
interessado (prover mais atenção). Sendo assim o cliente pode discriminar que suas
constantes reclamações também pode provocar desinteresse em seus familiares e que
precisa se comportar de maneira diferente para obter atenção dos mesmos. Em suma,
o terapeuta usa o reforçamento positivo para consequenciar o comportamento do
cliente, para que esse comportamento seja fortalecido e possa ser apresentado em
situações semelhantes no futuro (Alves & Marinho-Isidro, 2010).
A Psicoterapia Analítico Funcional - FAP
A Psicoterapia Analítico Funcional (FAP) pontua que trabalhar o relato verbal
na clínica aumenta a probabilidade de generalização desses novos repertórios para o
ambiente natural do indivíduo. Para trabalhar os comportamentos alvos na relação
terapêutica a FAP traz o conceito de Comportamentos Clinicamente Relevantes ou
CRBs (Konlenberg & Tsai, 1991/2001).
Konlenberg e Tsai (1991/2001) apontam três tipos de CRBs. O CRB 1 que são
os comportamentos cujo a terapia busca reduzir de frequência. Exemplo, o cliente
que justifica seus comportamentos autolesivos como algo que gosta e que faz bem a
ele. O CRB 2 são os avanços do cliente, os comportamentos que devem ter sua
frequência aumentada na terapia. Exemplo, quando o cliente verbaliza que os
20
comportamentos de autolesão têm causado sofrimento e que é algo que ele gostaria
de mudar. Já o CRB 3 são as discriminações do cliente sobre o seu próprio
comportamento. Por exemplo, o cliente verbaliza que as autolesões produzem em
curto prazo alívio de estímulos aversivos, com as lembranças do abuso. Sendo
também uma forma da família disponibilizar atenção e cuidados para com ela. O
objetivo da terapia é que o cliente possa emitir CRB 3, que sozinho possa emitir
analises funcionais sobre o seu comportamento. Dessa forma, o cliente adquiri
autoconhecimento, aumentando a probabilidade de prever e controlar seus
comportamentos.
Por meio do reforçamento diferencial pode-se promover condições para emissão
de CRBs 2 e 3 de modo que possam diminuir a emissão de CRBs 1, sem fazer uso de
punição. A medida que o cliente começa a emitir comportamentos desejados o
terapeuta vai modelando esse comportamento, de modo a liberar reforços
gradativamente diante de padrões comportamentais mais aprimorados. Por meio de
uma audiência não punitiva o terapeuta estabelece um reforço natural ao
comportamento de ouvinte. Esses reforços devem ser de grande magnitude para que
possa aumentar a probabilidade do comportamento voltar a ocorrer no futuro (Alves
& Marinho-Isidro, 2010).
Segundo Moreira e Medeiros (2007), depois de estabelecer novos repertórios
comportamentais, deve-se fazer uso do reforçamento intermitente para que os
comportamentos se mantenham quando as contingências não serão reforçadoras
continuamente. No mesmo raciocínio, Alves e Marinho-Isidro (2010) apontam que
os comportamentos dos clientes podem ser reforçados mesmo que o reforçamento
não ocorra de forma continua, devido o indivíduo já ter tido seus comportamentos
reforçados pelo terapeuta.
21
Medeiros (2010) pontua que a medida que o cliente adquire repertórios de autoobservação e autodescrição o terapeuta pode usar o reforçamento diferencial para
reelaborar algumas regras e levar o cliente a emitir autoregras. Reforçar o relato da
regra não é determinante para que o cliente passe a seguir a regra, mas é uma forma
de reformular as regras tornando-as mais adaptadas. Assim, tais regras podem ser
importantes para emissão de respostas de autocontrole no seu ambiente natural. Por
exemplo, cliente gravida com histórico de abuso sexual intrafamiliar, têm uma
relação aversiva com a gravidez e apresenta comportamentos agressivos de dá socos
na barriga. Na terapia apresenta a regra de que na sua família todas as crianças são
abusadas sexualmente. O terapeuta reforça diferencialmente a regra de modo que a
cliente possa discriminar os comportamentos que serão necessários para que a filha
não sofra abuso sexual, com objetivo de reformular uma nova regra de que ela
precisa cuidar da filha para poder proteger dos abusos intrafamiliar. Assim a cliente
passa a ficar sobre controle dessa nova regra e emitir comportamentos
autocontrolados em relação a gravidez. Para Del Prette e Almeida (2012), as regras
tem um papel facilitador na emissão e generalização de novos repertórios,
contribuindo para o procedimento de modelagem e aumentando a possibilidade de
generalização. De tal modo, quando o terapeuta modela o repertório e, por meio do
reforçamento diferencial, reforça as autoregras que podem facilitar o responder fora
da sessão.
Para Konlenberg e Tsai (1991/2001) a relação terapêutica é primordial para
alterar repertórios comportamentais. Os progressos do cliente devem ocorrer durante
a sessão e serem reforçados pelo comportamento do próprio terapeuta para que
tenham efeitos sobre o comportamento do cliente na própria sessão. A FAP propõe a
importância do processo terapêutico de um bom vínculo estabelecido entre terapeuta
22
e cliente para favorecer as mudanças comportamentais necessárias ao cliente. A
intervenção escolhida pelo terapeuta deve considerar a história de vida e as
características e necessidade de cada cliente. Sendo a atuação do terapeuta
extremamente cuidadosa adaptada a cada cliente, buscando assim a diferenciação dos
comportamentos apresentados (Alves & Marinho-Isidro, 2010).
Sendo assim, esse estudo se propõe a apresentar por meio de um caso clinico de
comportamentos autolesivos, a relevância de uma intervenção terapêutica baseada
em uma Análise Comportamental Clinica. Busca-se apresentar formas de
intervenções que podem ser utilizadas por um terapeuta analítico-comportamental e a
relevância de uma intervenção terapêutica em caso que incluem tantos riscos e danos
ao cliente.
23
Método
Participante
Ana (nome fictício), 20 anos, solteira. Morava com os pais e dois irmãos, sendo
um mais velho e o outro mais novo. Tinha uma irmã gêmea que era casada. Estava
cursando Pedagogia na modalidade semipresencial em uma faculdade particular.
Frequentava a igreja Católica. Pertencia à classe social média-baixa.
O estudo de caso foi autorizado pela cliente de acordo com documento de
autorização para supervisão no Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento
(IBAC), segundo modelo apresentado no Anexo 1.
Queixas e Demandas
A cliente procurou o atendimento psicológico por conta da depressão. Relatou
que todos os seus problemas estavam relacionados ao fato dela ter sido abusada por
um tio e um primo durante a infância, e que a sua família não compreendia seu
sofrimento. Naquela ocasião emitia comportamentos autolesivos diariamente tendo
uma frequência de três a quatro lesões por dia. Também havia tentado suicídio por
várias vezes. Estava afastada do trabalho, da faculdade e não conseguia sair de casa
sozinha. Ela ficava a maior parte do tempo deitada de baixo da cama no quarto, com
as janelas fechadas, onde mantinha comportamentos autolesivos.
Tinha pensamentos recorrentes a respeito do abuso, sonhava com o tio e algumas
vezes acreditava que ele estava a observando pela casa. Toda vez que isso ocorria
cliente tinha comportamentos autolesivos, justificando que era a única forma de parar
de pensar no abuso.
24
Dizia que não queria falar sobre o abuso na terapia, que toda vez que tentou falar
sobre o abuso passou mal enrijecendo todo o corpo. Sua língua e membros retorciam,
acompanhados de muitos tremores, começava a se debater. Isso também ocorria
quando ela ficava emocionada em alguma celebração na igreja. O padre e as pessoas
da igreja diziam que ela só iria ficar bem quando perdoasse o tio que abusou dela na
infância. Ela se sentia muito culpada por não conseguir perdoar o tio e por algumas
vezes ter tentado o suicídio. Algo que foi muito criticado pelos membros da igreja.
Foi verificado histórico de muito sofrimento, regras religiosas e rejeição familiar.
A cliente não conseguia lidar com os estímulos aversivos, tinha uma baixa resistência
à frustração e escassez de fontes de apoio. A cliente tinha a necessidade de
desenvolver repertório de autoconhecimento e autocontrole para aprender a lidar com
os estímulos aversivos.
Contexto Terapêutico
Os atendimentos ocorreram em um consultório particular de psicoterapia. No
local do atendimento havia uma decoração neutra, uma poltrona e um sofá de dois
lugares, posicionados de frente para o outro.
Procedimento
Até o momento em que o presente trabalho foi redigido, haviam sido realizadas
40 sessões. As sessões ocorriam duas vezes por semana, tendo cada uma a duração
de 50 minutos. As sessões foram conduzidas conforme os princípios da Análise
Comportamental Clínica.
Terapeuta buscou validar os sentimentos e comportamentos apresentados pela
cliente. Foi construída uma relação de confiança, reforçadora e não punitiva, para
25
que o ambiente terapêutico fosse um espaço diferente do vivenciado fora da terapia.
Esperava-se que assim a cliente se sentisse segura e acolhida incondicionalmente e
pudesse relatar com segurança o trauma vivido. Esse vínculo foi extremamente
importante, tendo em vista que a cliente encontrava-se com escassez de reforçadores
e o comportamento de falar sobre o abuso havia sido sempre punido ao longo de sua
história.
Para analisar os comportamentos autolesivos, foi solicitado que a cliente fizesse
um registro diário de situações vivenciadas no seu dia-a-dia. A tarefa foi identificar
os momentos em que ocorriam os comportamentos autolesivos, a intensidade, o
horário e local onde ocorriam e as pessoas que estavam presentes, citando também os
seus sentimentos e pensamentos. Com esse registro no decorrer das sessões a
terapeuta foi explorando as situações vivenciadas, fazendo questionamentos de modo
a que a cliente pudesse refletir e buscar outras formas de se comportar frente a
situações vivenciadas. Também era objetivo favorecer, por parte da cliente, a
discriminação dos seus comportamentos e suas consequências a curto, médio e longo
prazo.
A partir dos dados levantados buscou-se favorecer o autoconhecimento,
avaliando as relações de contingencias envolvidas juntamente com a cliente, para que
ela pudesse compreender o que mantinha tais comportamentos e, assim, modificalos. Através da análise funcional, esperava-se que a cliente pudesse perceber a
contribuição do seu comportamento para as consequências obtidas, deixando de fazer
interpretações de certos eventos como “causas do comportamento”.
Durante o relato da cliente a terapeuta optou por reforçar diferencialmente
qualquer comportamento que seja diferente dos comportamentos de autolesão.
Buscou-se emitir reforçadores durante o relato (elogios, consentimento com a cabeça
26
e sorriso) para favorecer os comportamentos emitidos que eram compatíveis com as
contingências disponíveis. Assim, consequenciar com reforçadores positivos foi de
extrema importância, considerando que no ambiente fora da terapia, muitos dos seus
comportamentos eram punidos. Essas consequências eram executadas principalmente
por familiares, que mantinham o repertório comportamental depressivo da cliente.
No início do processo terapêutico, a cliente demandava muito da terapeuta,
fazendo diversas ligações telefônicas em busca de ajuda. Esse comportamento
demonstrava a falta de fontes de apoio da cliente, que no momento parecia ter a
terapeuta como sua única fonte de apoio. A terapeuta acolhia e validava seus relatos
a fim de que a cliente pudesse discriminar a situação vivenciada. A terapeuta tentava
entender qual a situação de Ana no momento, em busca de avaliar o grau de risco
envolvido e se seria necessário à ajuda de terceiros para tira-la da situação de perigo.
Essas ligações eram frequentes, porém a terapeuta optou por não colocar em extinção
esse comportamento, devido à cliente apresentar discurso suicida, estando muitas
vezes no momento das ligações em uma situação de risco iminente.
Ao longo do processo terapêutico, buscou-se ampliar fontes de apoio da cliente.
Foi feita sessões com o namorado e os pais da cliente, em busca de orienta-los a
acolher os seus relatos. A cliente mencionou em terapia que em momentos de muita
tristeza e pensamentos suicidas procurava a mãe para conversar, porém a mãe punia
esse comportamento justificando que aqueles pensamentos eram movidos pelo
“demônio”. A família também foi orientada a reforçar os comportamentos que
fossem diferentes dos comportamentos autolesivos, no ambiente natural da cliente.
Como a cliente apresentava risco de suicídio, já tendo apresentado diversas
tentativas, foi solicitado que a família retirasse o acesso da cliente a objetos que
pudessem favorecer danos corporais severos.
27
Como a cliente tinha poucos reforçadores no seu cotidiano. A terapeuta optou por
usar o exercício do quadrante (modelo disponível no anexo 2) em busca de
evidenciar estímulos que poderiam ser reforçadores e favorecer a mudança
comportamental, diminuindo assim os comportamentos de autolesão. No quadro, a
cliente deveria citar coisas que gostava ou não e que fazia ou não. As respostas a
esses itens foram analisadas durante a sessão junto com a cliente, reforçando
comportamentos que poderiam ser desenvolvidos. Terapeuta se colocava interessada
em determinados assuntos, estimulando a cliente a ampliar esses repertórios e
valorizando suas habilidades.
Durante as sessões, ao iniciar o relato sobre o abuso, a cliente emitia
respondentes de ansiedade, que eram percebidos quando ela começava a ficar
tremula, a respirar ofegantemente, tendo um aumento progressivo ao ponto de
enrijecer todo o corpo, enrolando a língua e membros, se debatendo. Depois da
apresentação desse quadro, não era possível continuar a terapia devido à cliente
sentir fortes dores e apresentar dificuldade de concentração e verbalização.
Em busca de controlar e ameninar essas respostas emocionais, foi utilizado a
técnica de contracondicionamento e dessensibilização sistemática. Usando o
contracondicionamento a terapeuta buscou emparelhar o estímulo condicionado que
eliciava os respondentes de ansiedade, com exercícios que elicie relaxamento. Foram
feitos treino de relaxamento com exercícios de controle de respiração, alongamentos,
automassagem e áudios de relaxamento, utilizados durante a sessão e fora dela
quando cliente apresentava respondentes de ansiedade.
Empregando a dessensibilização sistemática a terapeuta identificou junto com a
cliente quais eram os estímulos relacionados ao relato do abuso que eliciava maior ou
menor respondentes de ansiedade, criando assim uma hierarquia de ansiedade. Ao
28
longo do processo de terapia, a terapeuta foi expondo a cliente gradativamente a
estímulos que eliciavam respostas de ansiedade e assim interpondo com exercícios de
relaxamento. Esses exercícios tinha a finalidade de evitar que a cliente chegasse ao
fim dessa cadeia de respostas, que tinha como consequência a indisponibilidade para
continuar a terapia. Esses exercícios favoreceram com que a cliente pudesse falar
sobre o abuso sem eliciar respondentes de ansiedade e assim pudesse entrar em
contato com os estímulos aversivos, obtendo uma nova consequência para esse
comportamento.
A cada avanço da cliente em conseguir falar sobre o abuso sem eliciar
comportamentos de ansiedade, era reforçado pela terapeuta que pontuava: “na última
sessão, eu vi que você se esforçou muito, mas conseguiu se controlar quando falamos
sobre situações difíceis. Parabéns! Vejo que você é muito forte e consegue se superar
a cada dia”. Assim, a terapeuta foi modelando esse comportamento de forma gradual,
afim de que pudesse produzir ou aprimorar novos repertórios comportamentais e
favorecer com que a cliente pudesse falar a respeito do abuso sexual vivido.
Foi utilizado o procedimento de modelagem, para que pudesse diminuir a
frequência dos comportamentos autolesivos. Esse procedimento é baseado em
reforço positivo, o que contrapõe ao histórico da cliente, que teve seus
comportamentos punidos durante um longo período, e vivendo uma escassez de
reforçadores. Esse procedimento se deu à medida que a terapeuta foi reforçando
gradativamente e sucessivamente respostas que demonstravam que a cliente estava se
engajando na realização de atividades. Estas atividades deveriam fornecer
reforçadores e, assim, diminuir o tempo ocioso em que os comportamentos
autolesivos eram predominantes. À medida que a cliente se engajava na realização de
29
outras atividades, a terapeuta tentava consequenciar de maneira diferente da do
ambiente vivido fora da terapia.
Além de modelar o repertório da cliente, a terapeuta buscou descrever a mudança
de comportamento, através da formulação de novas regras que poderiam funcionar
como estimulação suplementar e controlar o responder fora da sessão. Por exemplo:
“Ana percebo que você emite comportamentos autolesivos, toda vez que está em sua
casa sozinha e não tem nada para fazer. Fico me perguntando se por acaso, nesses
momentos de solidão, você se engajar em atividades que lhe der prazer, que você
realmente goste de desenvolver, não seria uma forma de diminuir a frequência dos
comportamentos autolesivos”.
Esse questionamento reflexivo levou a cliente
aumentar seu autoconhecimento e facilitou a emissão de respostas mais adequadas no
futuro, gerando assim o comportamento de autocontrole. Sendo assim, as
intervenções sobre regras e autoregras eram importantes para facilitar a emissão de
comportamentos de autoconhecimento e autocontrole.
Foram levantados durante as sessões comportamentos alternativos que poderia
substituir os comportamentos de autolesão, em busca de criar contingencias
concorrentes que pudessem substituir a emissão de comportamentos autolesivos. A
cliente, com muitas habilidades manuais, foi estimulada a desenhar, pintar e
cozinhar. A terapeuta reforçava o relato de todos os repertórios de mudanças, mesmo
que tivessem pouca magnitude.
Foi utilizado também o exercício de desenho sobre a pele para substituir os
comportamentos de autolesão, onde cliente passou a fazer desenhos no local do
corpo onde iria provocar as lesões, colocando dentro desses desenhos o nome de
pessoas que tinham grande importância em sua vida. Esse exercício foi importante,
para que a cliente pudesse emitir comportamentos que incluía a mesma ação dos
30
comportamentos de autolesão. Porém, objetivou-se substitui-los por uma nova
resposta e obter consequências reforçadoras por não ter emitido comportamentos
autolesivos.
Utilizando os pressupostos teóricos da FAP, a terapia procurou evidenciar os
comportamentos clinicamente relevantes (CRBs), que ocorriam durante a sessão.
Esperava-se que assim as mudanças que ocorriam na sessão, pudessem ser
generalizadas para o ambiente fora da terapia.
Os CRBs 1 eram frequentes no início da terapia, onde a cliente mantinha um
relato queixoso a respeito de sua condição de vida e da falta de apoio familiar. A
terapia buscou estimular a engajar em outras atividades passando então a ter novos
assuntos. Esses novos assuntos foram reforçados diferencialmente na terapia a fim de
aumentar a frequência desses comportamentos desejáveis e diminuir a frequência dos
comportamentos queixosos. Dessa forma, o trabalho buscou evidenciar que se na
sessão esse comportamento foi reforçado, no seu ambiente natural poderá ter as
mesmas consequências. Quando a cliente conseguiu avaliar funcionalmente esses
comportamentos, denomina-se que ela emitiu um CRB 3. Nesse caso o reforçamento
diferencial foi uma ferramenta importante para evocar os CRBs 2 e 3.
31
Resultados
Os resultados foram descritos com base na formulação comportamental,
elaborada durante os atendimentos. Cabe ressaltar que a cliente se encontrava em
atendimento psicoterapêutico quando o presente trabalho fora escrito.
1. Histórico Familiar
Ana morava com os pais, tem uma irmã gêmea, um irmão mais velho e outro
irmão mais novo. Sempre foi vista pelos familiares como a “gêmea má”. Era
frequente a comparação dos comportamentos dela com os da irmã gêmea. Onde a
irmã era sempre pontuada como sendo calma e tinha bons comportamentos, e ela
como a que sempre deu trabalho e era muito agressiva.
Durante a infância morava em uma chácara com sua família e o tio morava ao
lado de sua casa. Os pais saiam para trabalhar e o tio era responsável por cuidar dela
e dos irmãos. O tio abusava sexualmente dela e dos irmãos diariamente. Cliente
descreve um episódio da seguinte forma: “ele tirava a minha roupa e me amarrava na
cama. Eu virava a cabeça para o lado, fechava os olhos é só sentia dor e nojo”.
Os abusos sempre a deixava com ferimentos pelo corpo e sua mãe justificava,
que ela era muito agitada e por isso sempre estava machucada. Tentou algumas vezes
contar para a mãe sobre os abusos, mas sua mãe sempre estava defendendo o tio e
fazendo comentários de que ele era uma ótima pessoa, que tinha muito carinho pelos
filhos dela.
Em sua primeira comunhão contou ao padre sobre os abusos. O padre passou a
mencionar durante a missa a respeito de abuso sexual. A cliente relata que a partir
desse momento ela começou a emitir respondentes de ansiedade, como taquicardia,
32
sudorese e tremores durante as missas. Temia que o tio descobrisse que ela havia
falado com o padre sobre os abusos.
Os abusos cometidos pelo tio ocorreram durante toda a sua infância e um primo
também abusou dela algumas vezes. Os abusos só pararam quando o tio faleceu, ela
tinha aproximadamente 11 anos. Depois da morte do tio ela contou para a mãe sobre
os abusos, que logo a recriminou, batendo em seu rosto. Na adolescência seu irmão
mais velho algumas vezes ficava a olhando durante o banho e mostrando os órgãos
genitais para ela. Ao reclamar para a mãe sobre o comportamento do irmão, a mesma
justificou que isso era um comportamento característico de meninos e que ela teria
que aceitar.
A mãe também sofreu abuso sexual quando criança, assim como várias primas e
amigas de Ana. Na região onde morava, também eram frequentes os casos de abuso
sexual, não havendo nenhum tipo de punição para os abusadores. Na maioria das
vezes as pessoas naturalizavam esse comportamento e diziam à Ana que não tinha
motivos para sofrer.
2. Histórico Socioafetivo
Ana gostava de sair e tinha muitos amigos. Participava de várias atividades na
igreja frequentava o grupo jovem e a Pastoral da criança. Sempre teve dificuldades
em manter relacionamentos amorosos, pois quando estava em um momento mais
íntimo com o namorado, sempre se recordava do abuso sexual e começava a passar
mal enrijecendo todo o corpo, sua língua e membros retorciam, tinha tremores e
começava a se debater.
Durante sua primeira relação sexual aos 15 anos, começou a ter os mesmos
sintomas, sentindo seu corpo enrijecer, fortes tremores e se lembrou dos momentos
33
vividos durante o abuso sexual. Conversou com o namorado sobre o ocorrido e ele
compreendeu. Em outro momento, em que apresentou o mesmo comportamento
durante a relação sexual, mesmo com todo o corpo enrijecido, o namorado continuou
a relação e bateu nela, justificando que dessa forma ela iria esquecer o abuso.
Com o namorado atual teve algumas relações sexuais, mas ela não se sentia bem,
também tinha esses momentos onde se lembrava do abuso e enrijecia todo o corpo.
Então propôs ao namorado que não tivesse mais relação sexual, justificando que
deveriam seguir a doutrina da igreja. Ele aceitou e mantiveram relações sexuais
apenas esporadicamente.
3. Histórico Acadêmico-profissional
Durante a infância a escola sempre reclamou para sua mãe sobre a alteração de
humor da Ana. Diziam que em alguns momentos ela estava feliz e interagia com as
crianças e em outros momentos ficava triste e se isolava. Sua mãe nunca deu
importância à queixa da escola e sempre a recriminava por agir assim.
Decidiu estudar Pedagogia, justificando que gostaria de cuidar de crianças que
também foram abusadas. Que a escola foi o primeiro local que percebeu que algo
estranho acontecia com ela.
Durante os estágios da faculdade algumas crianças eram muito agressivas e
violentas com ela. Ficava incomodada com o barulho das crianças e algumas vezes
ela ficava nervosa e sentia seu corpo enrijecer, tremores e fortes dores.
4. Histórico Médico-psicológico
Na infância Ana sempre chorava e se debatia quando tinha que ir ao médico. Ana
relata que todas as vezes que tinha consulta, seu tio dizia que ela não poderia deixar a
34
médica examina-la, pois assim a médica iria descobrir o que acontecia e ele mataria
sua família, caso ela contasse alguma coisa.
Fez uma avaliação Neurológica, a fim de investigar a respeito dos episódios
frequentes que estava tendo, onde enrijecia todo o corpo, tinha tremores, taquicardia
e ficava se debatendo. Os exames não acusaram nenhuma alteração.
Conversou com o padre a respeito dos abusos sexuais, ele sugeriu e indicou um
psiquiatra. Passou a fazer acompanhamento psiquiátrico com um médico também
católico. Fazendo uso das medicações: Quetros, Carbolitium, Exodus e Rivotril. O
psiquiatra tinha uma postura antiética e frequentemente dava orientação religiosa a
ela, dizendo que em momentos em que tivesse lembranças do abuso deveria rezar o
terço e recomendava que ela fosse a algumas missas de cura. Por diversas vezes
passava mensagens no celular da cliente, com trechos bíblicos e religiosos. Nas
consultas ele desmerecia o relato da cliente e enfatizava na doutrina da igreja
apresentando as figuras religiosas que a auxiliariam a ter controle sobre seus
comportamentos.
Fez acompanhamento terapêutico em uma clínica escola. A terapeuta em uma
sessão insistiu que ela deveria falar sobre o abuso, que essa era a única forma dela
conseguir trata-la. Durante o relato Ana começou a enrijecer todo o corpo, sua língua
e membros enrolaram e a terapeuta ficou assustada e acionou o corpo de bombeiros
para socorrê-la. Ana relatou que ficou extremamente envergonhada, por ter saído da
clínica amparada pelo corpo de bombeiros e sentiu-se desassistida pela terapeuta que
não conseguiu ajuda-la. Relatou: “naquele dia, a psicóloga me obrigou a falar, eu
passei mal e ela ficou muito assustada, não sabia o que fazer e chamou o corpo de
bombeiros”.
35
O psiquiatra recomendou que ela buscasse um profissional que já tivesse
experiência na área. Ela então encerrou a terapia ao fim do semestre, aproveitando
que a terapeuta não iria ter mais disponibilidade para atendê-la.
Contingencias de Reforçamento e Repertórios Atuais.
Ana emitia comportamentos autolesivos com alta frequência, de três a quatro
vezes no mesmo dia. Afirmava que se cortava toda vez que se lembrava do abuso.
Dizia que a dor dos cortes fazia com que ela parasse de pensar. Ela pegava laminas
de barbear do mercado do pai e fazia vários cortes, principalmente nos braços, pernas
e barriga. Contava que gostava de ver as lesões no seu corpo: “gosto de me cortar,
sinto prazer em ver meu corpo sangrando”. Ana algumas vezes fotografava os cortes.
Seus pais não demonstravam preocupação com a situação dela e achavam que
não precisava de tratamento. Seu pai reclamava frequentemente por ter que custear o
tratamento. Quando ela emitia comportamentos autolesivos, o pai a ameaçava
dizendo que não iria pagar o tratamento, já que não estava resolvendo o problema. A
mãe saiu do emprego para cuidar de Ana, porém não dava a devida atenção ao uso da
medicação e Ana por várias vezes tomava medicamentos em excesso.
Ana tentou suicido por diversas vezes. Algumas vezes se jogou da escada e
tentou se jogar de uma ponte. Verbalizava sempre que deveria morrer, que assim não
daria trabalho a família e que todos seriam felizes. Os pais não se importavam com
as tentativas de suicídio. Em um episódio Ana tomou 30 comprimidos e ligou para
terapeuta pedindo ajuda. A terapeuta comunicou a família e teve que insistir para que
o pai pudesse leva-la ao médico.
Seu irmão mais velho, que também havia abusado dela na infância, participava
de uma igreja evangélica e dizia sempre que Ana tinha “o demônio no corpo” e por
36
isso tinha esses comportamentos. Ana se incomodava muito com a presença do irmão
que muitas vezes a provocava com palavras ofensivas.
O padre e alguns fiéis da igreja estavam sempre dizendo que Ana estava assim,
devido a ser uma pessoa que não sabia perdoar. O padre chegou a impedir que Ana
participasse de algumas celebrações e rituais da igreja, devido a considerar que ela
estava em “pecado” por não perdoar o tio.
Ana ligava várias vezes para terapeuta em momentos de grande desespero e dizia
que não queria viver e que não aguentava aquele sofrimento. Muitas vezes quando
ligava, estava em situação de perigo, tarde da noite pela rua portando objetos para
que pudesse cometer suicídio.
O namorado sempre conversava com ela e a motivava a fazer algo para melhorar.
Quando estava com ele Ana sempre dizia se sentir segura e tranquila. Sua família por
diversas vezes acionava o namorado para cuidar de Ana, após ela ter feito várias
lesões pelo corpo. O namorado sempre se colocou disposto a ajuda-la e era o único
que a incentivava a continuar o tratamento.
Ana relatava que toda vez que frequentava as consultas com o psiquiatra se sentia
culpada, pois o médico falava muito sobre a religião e ela se sentia em pecado. Ela
continuava o acompanhamento psiquiátrico, justificando que gostava do médico por
ser católico, e que ela não gostaria de ter que iniciar o tratamento com outra pessoa.
Depois que iniciou o acompanhamento psiquiátrico engordou mais de 20 kg e se
sentia muito desconfortável com o corpo. Os familiares a recriminavam por diversas
vezes devido ao excesso de peso. Nessas ocasiões, Ana passou a ficar longos
períodos sem se alimentar, e sentia muita fraqueza a ponto de desmaiar. Em algumas
ocasiões forçava o vomito para evitar o ganho de peso.
37
Na terapia, Ana não conseguia relatar sobre o abuso sexual. Sempre que
mencionava algo sobre o abuso começava a ficar inquieta, movimentando as mãos,
enrijecia todo o corpo e os membros retorciam e começava a se debater.
Analises Funcionais Moleculares
Cliente com histórico de muito sofrimento, sofreu abuso sexual durante
praticamente toda a sua infância e buscava na religião como um meio para diminuir
esse sofrimento. Tinha muitas regras religiosas e se sentia culpada se considerando
muito “pecadora”. A família tinha um histórico de abusos intrafamiliar e os pais não
compreendiam o motivo dela ter esses comportamentos, sendo que a maioria dos
familiares também havia sofrido abuso sexual e geralmente não manifestavam
sofrimento.
Ana não conseguia lidar com os estímulos aversivos e não tinha fontes de apoio.
Vivia uma escassez de reforçadores sociais. O local onde interagia socialmente era a
igreja. Porém, depois que ela começou a emitir respondentes de ansiedade durante a
missa, as pessoas se afastaram dela e o padre chegou a dizer que ela atrapalhava o
momento da celebração. A igreja se tornou ume estímulo aversivo condicionado,
considerando que essa mesma igreja foi o primeiro local onde Ana falou sobre os
abusos (ainda quando criança), e o padre não a ajudou. Então, ela passou a emitir
respondentes de ansiedade toda vez que o padre falava sobre abuso sexual, temendo
que o tio soubesse que ela havia contado tudo ao padre. Ana também tinha sido
afastada da faculdade e do trabalho, por recomendação do psiquiatra. Perdendo assim
outra fonte de interação social.
Ana acabou abandonando os poucos reforçadores. Ficava o tempo inteiro em
casa, onde sofria rejeição familiar, passando então a se isolar em seu quarto. Passava
38
a maior parte do tempo com as cortinas fechadas, sozinha, deitada em baixo da cama.
De acordo com o relato de Ana, emitia comportamentos autolesivos nesses
momentos de solidão em casa, quando não tinha nada a fazer e ninguém para
conversar. Nesses momentos tinha sempre lembranças do abuso sexual vivido, e
tinha a sensação de que o tio poderia a qualquer momento entrar em seu quarto e
abusar sexualmente dela, como acontecia quando ela era criança.
Ana relata que nesses momentos não conseguia parar de pensar no abuso, e a
única forma de sanar esses pensamentos era emitindo comportamentos autolesivos.
Ela relatou: “quando me corto os pensamentos vão embora é a única forma de parar
de pensar". Nesse momento ela emitia comportamentos autolesivos, fazendo
ferimentos nos braços, nas pernas e na barriga. Quando não tinha laminas para fazer
os ferimentos ela puxava os cabelos e batia com a cabeça na parede.
Também emitia comportamentos autolesivos quando tinha alguma discussão com
a família. Afirmava que sua família não dava importância ao seu sofrimento, e
achava que ela não deveria sofrer. Ela interpretava: “na minha família a maioria das
pessoas já sofreram abuso e mesmo assim não entendem meu sofrimento”.
Ana costumava ter comportamentos autolesivos dentro do banheiro ou em seu
quarto, em baixo da cama. Ao perceber que ela estava nesses locais, por um longo
tempo a família começava a pedir para ela sair. Diante das solicitações e da negação
de Ana em sair, iniciava na família um grande conflito generalizado, onde todos
reclamavam da situação e sugeriam formas distintas em obriga-la a sair dali. Muitas
vezes os familiares ligavam para o namorado de Ana e ele ia até a sua casa, na
tentativa de acalma-la. Seu namorado comprava remédios e cuidava de todas as
lesões sem recrimina-la.
39
Por meio da análise funcional, verificou-se que os comportamentos autolesivos
eram consequenciados com a atenção e cuidados do namorado. Porém, com sua
família, os comportamentos autolesivos geravam grandes conflitos, onde os pais e os
irmãos começavam a discutir sobre o problema. Como a cliente estava privada de
atenção e afeto, os conflitos familiares funcionavam como reforçadores, sendo o
único momento onde a família lhe dava atenção e dispensava um tempo para discutir
sobre seu problema.
Ana denominava como sentindo muita culpa depois de ocasionar os ferimentos.
Chorava muito e dizia não entender o motivo dela gostar de se machucar. Ela
relatava: “Me sinto muito culpada depois de fazer os cortes. Não entendo porque eu
fico o tempo todo me maltratando”.
Ana utilizava roupas que deixavam visíveis os ferimentos. Sua família a
recriminava dizendo que ela deveria esconder. Ela ficava na loja do pai onde todos
percebiam os cortes e questionavam as causas. Algumas pessoas religiosas
recriminavam e dizia que “o demônio” provocava esses comportamentos e que iriam
rezar por ela. Ana algumas vezes mentia sobre a causa dos ferimentos e em outras
dizia que era devido à depressão. Seu pai não gostava dela ficar expondo seu
problema para as pessoas e geralmente a obrigava a ir para casa. Essa interação
social também era reforçador para os comportamentos autolesivos de Ana.
Algumas análises funcionais dos comportamentos relevantes de Ana podem ser
visualizadas na Tabela 1. A tabela que descreve as variáveis antecedentes e
consequentes desses comportamentos.
40
Tabela 1. Microanálises funcionais de comportamentos emitidos pela cliente em
estudo. R+ refere-se a reforçamento positivo; R- à reforçamento negativo; P+ à
punição positiva; P- à punição negativa.
ANTECEDENTE
RESPOSTAS
CONSEQUENCIA
Na igreja.
Operação Estabelecedora:
Respondentes de
Ser retirada da igreja (P-).
ansiedade: Choro,
Receber críticas dos fiéis
taquicardia, tremores,
e do padre (P-).
Privação de atenção e afeto. enrijecimento do corpo.
Perda de interação social
Regras religiosas.
(P-).
Histórico de abuso sexual.
Ser impedida de ir à igreja
(R-).
Reclamações
da
quanto
custos
aos
família Fica calada e se isola no Conflito familiar (R+).
do quarto.
tratamento.
Repetia
palavras
ofensivas
Operação Estabelecedora:
para
ela
mesma.
(R-)
Histórico de abuso sexual.
Comportamentos
Depressão.
autolesivos (ex. puxa os
familiares
namorado (R+).
Sentimento de culpa (P-)
Privação de atenção e afeto. Chora.
Regras
Atenção e cuidados do
e cabelos, batia a cabeça
religiosas.
na parede e se corta com
Rejeição familiar.
laminas).
Tenta suicídio.
Na loja do pai.
Expõe as lesões.
Operação Estabelecedora:
Conversar
Privação de atenção e afeto. pessoas
Histórico de abuso sexual.
problema.
Depressão.
Regras
familiares
religiosas.
Rejeição familiar.
e
com
e
explica
Atenção (R+)
as
o
Julgamento social (R+)
Recriminada
(R+).
pelo
pai
41
Na terapia a falar sobre o Respondentes
abuso sexual.
de Esquiva de contato com
ansiedade:
taquicardia;
Operação Estabelecedora:
choro; estímulo aversivo, o abuso
tremores; (R-).
enrijecimento do corpo.
Terapia.
Atenção e cuidados da
Histórico de abuso sexual.
terapeuta (R+).
Depressão.
Regras
familiares
e
religiosas.
Lembrar-se do abuso.
Trancada em seu quarto.
Esquiva do contato com
estímulo aversivo, o abuso
Operação
Estabelecedora:
Autolesões.
Brigas familiares (R+).
Privação de atenção e afeto.
Histórico de abuso sexual.
Regras
Atenção e cuidados do
Respondentes de
Depressão.
familiares
religiosas.
(R-).
e ansiedade: choro e
tremores.
namorado (R+).
Julgamento
religioso
e
social (R+).
Rejeição familiar.
Sentimento de culpa (P-).
Analises Funcionais Molares
Ana apresentava repertório de controle por regras, o que a torna alienada das
reais consequências que seus comportamentos poderiam produzir. Ela fazia uso de
regras familiares e religiosas para justificar seus comportamentos.
Ao longo de sua história, desenvolveu o padrão comportamental de esquivar-se
de estímulos aversivos. Emitia também comportamentos que reforçavam os
comportamentos dos familiares, e a colocava em uma situação de escassez de
reforçadores. Nessa tentativa de esquivar das situações aversivas, acabou
42
desenvolvendo os repertórios de autolesões, que eram mantidos por ser a única forma
que ela poderia obter reforçadores, como atenção e afeto.
A Tabela 2 apresenta análises molares em relação aos padrões identificados no
repertório comportamental da cliente.
Tabela 2. Análises Molares do padrão comportamental identificado no repertório da
cliente.
Comportamentos
específicos
História de aquisição
Quando é funcional
Quando não é
funcional
Controle por
Modelo familiar pouco
Evita
Permanece em
regras
reforçador.
responsabilizar-se
condições
“Me cortar é a
Abuso Sexual
por consequências
aversivas, não
de suas próprias
apreende a analisar
decisões.
as contingencias
única forma de
esquecer meus
problemas”.
Modelo religioso
autoritário e rígido.
Impedi de cometer
presentes.
suicídio
“Minha religião é
contra o suicídio.
Quem tenta
suicídio vai para o
inferno”.
Comportamentos
Abuso sexual
Esquiva de
Perda de confiança
autolesivos
intrafamiliar.
estímulos aversivos.
e de autonomia.
Rejeição familiar
Obtém atenção e
Cicatrizes pelo
cuidados
corpo.
Sentimentos de
vergonha e culpa.
Esquiva de
Contexto familiar
Evita possíveis
Mantém escassez
conflitos.
punitivo.
punições.
de reforçadores.
Modelo da mãe.
Histórico de abuso
sexual.
43
Objetivos Terapêuticos
 Desenvolver repertório de autoconhecimento; descrever seu comportamento,
identificando as variáveis que estão relacionadas a esse comportamento.
 Desenvolver autocontrole e autonomia.
 Aquisição de repertório de enfrentamento.
 Resgatar reforçadores que podem ser obtidos em outras relações.
 Baixar a frequência dos comportamentos autolesivos.
Mudanças Observadas
A cliente aprendeu a
identificar
as variáveis que controlavam seu
comportamento, passou a descrever comportamentos e relacioná-los com variáveis
ambientais e aspectos de sua história de vida. Desenvolveu repertório de
autoconhecimento e autocontrole conseguindo entrar em contato com os aversivos
sem eliciar respondentes de ansiedade.
Avaliando a falta de fonte de apoio a Ana, a terapia buscou desenvolver outras
fontes de reforçadores, que pudessem substituir essa cadeia comportamental em que
Ana se encontrava (em que a única forma de ter atenção era tendo comportamento
autolesivos).
Ao aplicar o “exercício quadrante”, descrito anteriormente. Foi verificado que
cozinhar era a única forma que Ana havia relacionado como sendo algo que ela
gostava de fazer e que não estava fazendo. Porém, cozinhar estava dentro das
possibilidades e que poderia tornar uma fonte de reforçadores, considerando a
peculiaridade do quadro da cliente. Dessa forma, a terapeuta buscou desenvolver o
repertório de cozinhar, para que com esse comportamento Ana pudesse obter
44
reforçadores fora da terapia e assim diminuir a influência dos estímulos aversivos
presentes no seu cotidiano.
Foi
preciso
alguns
cuidados
para
explorar
esse
comportamento.
O
comportamento de cozinhar seria desenvolvido em um ambiente onde Ana estaria
exposta a objetos cortantes, e ela poderia utiliza-los para emitir comportamentos
autolesivos. Por tanto, foi preciso iniciar com o desenvolvimento de receitas que não
fossem preciso fazer uso de objetos cortantes. Também foi preciso sensibilizar a mãe
e o namorado para que pudessem tirar os objetos do alcance de Ana, bem como
incentiva-la na realização das atividades.
Nas sessões de terapia foi estimulado o comportamento de cozinhar, por meio de
questionamentos a respeito dos procedimentos culinários. A terapeuta sempre
liberando muitos reforçadores para esse comportamento, se mostrando interessada e
admirada com as habilidades de Ana. A terapeuta dizia: “Ana você é muito talentosa,
sabe cozinhar, é criativa, faz trabalhos manuais belíssimos. Eu queria ser habilidosa
como você”. O objetivo era que Ana pudesse perceber que os mesmos reforçadores
obtidos na terapia ao relatar o comportamento de cozinhar, poderiam ser dispostos
também fora da terapia quando ela emitisse o mesmo comportamento.
Nesse primeiro momento, a mãe ficou disponível a Ana, orientando e a ajudando
na realização dos pratos. Nesses momentos eram liberados reforçadores como
atenção e cuidados diante da mudança comportamental de Ana. Após a realização
dos pratos, esse comportamento também foi muito reforçado pelo namorado. A
cliente relatava: “meu namorado gostou tanto, e já pediu para eu cozinhar de novo.
Agora vou ter que procurar novas receitas”.
45
Ana trouxe seus pratos para a terapeuta, que os experimentava na sua frente.
Nesses momentos, sempre dizia o quanto estava satisfeita com o resultado,
reforçando mais uma vez esse comportamento.
O comportamento de cozinhar tornou-se uma alternativa para substituir os
momentos ociosos em casa, os quais ela denominava como sendo “momentos de
solidão” e mantinha alta frequência de comportamento de autolesão em busca de
obter atenção e cuidados. Ana descreve o quanto isso foi significativo para ela:
“Agora quando estou sozinha, procuro logo me ocupar e sinto muito prazer ao
cozinhar. Assim voltei a acreditar em mim e sei que sou capaz de melhorar e voltar a
ter minha vida normal. Agora não tenho mais lembranças do abuso, porque minha
cabeça está sempre ocupada”.
O interesse de Ana por cozinhar, fez com que ela desenvolvesse repertórios de
interação social, pois em alguns momentos ela não tinha os ingredientes necessários
para a realização das receitas, então saia sozinha para comprar os ingredientes.
Também passou a buscar informações de receitas com amigos e familiares,
estendendo assim seus repertórios de interação social. Esses comportamentos eram
consequenciados com elogio e atenção por parte do namorado, da terapeuta e
algumas vezes dos familiares.
O pai de Ana continuou reclamando, agora relacionando ao custo das receitas.
Esses momentos favoreceram para que Ana entrasse em contato com reforçadores
intermitentes, sendo importantes para que os novos comportamentos adquiridos se
tornassem resistentes a situações de não reforçamento. Essas situações eram tratadas
em terapia, com auxílio de frases e textos motivacionais em busca de fortalecer a
resistência a frustrações de cozinhar.
46
Com a ampliação desse comportamento Ana desenvolveu repertórios de
autocontrole e autoconhecimento. O comportamento de autolesão diminuiu de
frequência, sendo apresentado por duas vezes no período de cinco meses, em forma
de arranhar os braços com suas unhas, decorrente a uma situação de estresse
enfrentada.
Ana também conseguiu voltar para a faculdade, mesmo sem a autorização do
psiquiatra e diante da falta de apoio da família em custear o curso. Ela conseguiu
uma bolsa de estudos, conversou com os professores e conseguiu fazer os trabalhos
mesmo fora do prazo, evitando perder o semestre letivo.
Conseguiu falar sobre o abuso sexual em terapia, sem a presença dos
respondentes de ansiedade. Aprendeu a lidar com esses aversivos, fazendo uso de
técnicas de automassagem e relaxamento, no momento que percebia o início dessa
cadeia comportamental, quando suas mãos ficavam tremulas. Tornou-se mais
assertiva quando queria encerrar o assunto. Ela relatava: “já conheço o meu limite,
então quando está desconfortável, agora eu sei pedir para mudarmos de assunto”.
Também conseguiu ter uma relação sexual com o namorado sem a presença dos
estímulos aversivos que antes eram presentes. Ela relatou: “Não foi tão tranquilo para
mim, mas consegui ter uma relação sexual melhor”.
Também era visível a melhora no aspecto físico de Ana. Passou a cuidar do seu
corpo, pintar as unhas, cuidar dos cabelos, usar maquiagem e desenvolvendo
interesse por manter uma alimentação de qualidade para evitar ganhar peso.
47
Considerações Finais
Não há consenso de qual é o termo mais adequado, para denominar o conceito de
comportamentos de violência autodirigida. Avaliando os diversos termos
apresentados em estudo, foi considerado para esse estudo o termo autolesão como
que mais se adequa ao caso clínico apresentado. No Manual de Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais – DSM IV, o comportamento de autolesão é
apresentado como sintomas relacionados a diversos transtornos. Devido à dificuldade
em conceituar esse comportamento, os estudos apresentam grandes divergências
quanto aos dados demográficos.
Em uma perspectiva analítico-comportamental e por aspectos relacionados ao
caso clínico apresentado nesse trabalho, esse estudo não poderia ser meramente
baseados em detrimento do conceito apresentado nos manuais diagnósticos e pelas
estratégias e pesquisas apresentadas. Como afirma Catania (1998/1999), o
comportamento (como o autolesivo) pode ter topografias similares, mas suas funções
são diferentes. Uma descrição topográfica seria insuficiente para explicar as causas
desses comportamentos.
Buscou-se, então, nesse trabalho analisar o comportamento a partir de um
contexto, identificando e compreendendo a função desse comportamento, analisando
os antecedentes e as consequências como uma classe mais ampla de comportamento.
A partir das análises moleculares, constatou-se que os comportamentos autolesivos,
de infringir ferimentos em seu próprio corpo nos braços, pernas e barriga, estariam
sendo mantido por reforçamento social positivo (ao emitir esse comportamento ela
tinha como consequência atenção e cuidados). Em suma, os comportamentos
48
autolesivos eram mantidos como uma forma de obter atenção e afeto, em um
ambiente familiar bastante aversivo.
Ana vivia em um ambiente familiar punitivo e desenvolveu um padrão
comportamental de esquiva de conflitos, a fim de evitar entrar em contato com os
estímulos aversivos. Porém, vivia privada de estímulos que lhe fossem reforçadores.
A
psicoterapia
objetivou
desenvolver
em
Ana
novos
repertórios
comportamentais, que pudessem promover consequências reforçadoras. Para tanto,
buscou-se priorizar o ambiente terapêutico, partindo dos pressupostos da FAP,
utilizando a relação terapêutica para modificar comportamentos fora da sessão.
Para tanto era preciso favorecer o autoconhecimento, para que Ana pudesse
verbalizar as variáveis determinantes de seus comportamentos e assim pudesse
modifica-los. Dessa forma, os exercícios de auto-registro e auto-observação, feitos
em seu ambiente natural e analisados em terapia, fizeram com que a cliente pudesse
analisar funcionalmente seus contextos. O objetivo era identificar as contingências
que mantinham seus comportamentos a fim de que pudesse favorecer as mudanças
dessas contingencias, para obter consequências reforçadoras.
Foi importante também a investigação do controle instrucional por regras e
autoregras que faziam parte do comportamento da cliente. Por meio da análise molar
desse comportamento, foi possível verificar de que forma essas regras foram
apreendias e quais eram suas funcionalidades no repertório comportamental da
cliente.
A terapia buscou reforçar o relato verbal de algumas autoregras, para que essas
pudessem facilitar a emissão de respostas mais adequadas no futuro, gerando assim
comportamentos autocontrolados. Segundo Zettle e Hayes (citado em Reis, Teixeira
& Paracampo, 2005) as autoregras, em uma situação que demanda a emissão de
49
desempenho autocontrolado, tem uma função facilitadora, tornando o desempenho
insensível aos reforçadores presentes no ambiente imediato e evidenciando as
contingências em vigor. Por exemplo, a cliente tinha uma autoregra de que se
cometesse suicídio iria para o “inferno”, e talvez o que a impedia de tirar a própria
vida era essa autoregra. Skinner (1953/2003) também sugere técnicas de controle de
comportamentos por autoregras, manipulando os estímulos discriminativos ou
eliciadores do comportamento a ser controlado. Por exemplo, a cliente tinha a
autoregra de que evitaria os comportamentos autolesivos, tirando objetos cortantes
do seu quarto. Sendo assim, reforçar o relato verbal dessas autoregras facilitava a
emissão de comportamentos de autocontrole, aumentando a probabilidade de
generalização.
Foi um método importante o uso da modelagem pelo reforçando diferencialmente
de respostas incompatíveis às de autolesão. Objetivou-se evidenciar novas respostas
que poderiam ser utilizadas para obter consequências reforçadoras positivas e assim
diminuir a quantidade de respostas de autolesão.
O uso da modelagem foi um método vantajoso para modificação do repertorio
comportamental de Ana, por ser baseada em reforço positivo, evitando os efeitos
colaterais do controle aversivo. Nesse raciocínio, alguns estudos (Vollmer; Dervy;
Marcus & Vollmer, citados em) pontuam que o uso da extinção pode ter como efeito
imediato um aumento nos níveis de comportamento autolesivos, podendo produzir
danos físicos irreversíveis ao cliente. Sendo assim, a extinção poderia ter como
consequência lesões graves e nova tentativa de suicídio.
A audiência não punitiva e o reforçamento natural foram as principais estratégias
utilizadas na clínica. Na medida em que Ana emitia comportamentos que no passado
foram punidos (por exemplo, o relato do abuso sexual vivido e dos comportamentos
50
de autolesão), a terapeuta tinha uma postura de acolhimento e aceitação da situação
vivenciada. Então, esses comportamentos deixavam de produzir respostas
condicionadas de ansiedade, aumentando assim a probabilidade de respostas de
autocontrole.
Diante dos resultados obtidos no processo terapêutico, em que Ana conseguiu
entrar em contato com os estímulos aversivos, adquiriu novos repertórios para lidar
com situações problemas, bem como diminuiu a frequência dos comportamentos
autolesivos. Conclui-se que a terapia atingiu os objetivos iniciais a que foi proposta,
sendo eficaz no caso clínico apresentado.
Com
relação
às
limitações
desse
processo
terapêutico,
aponta-se
a
impossibilidade de um trabalho conjunto com o psiquiatra, que na visão do terapeuta
mantinham uma postura de tratamento antiética e antiprofissional que agravava o
quadro clinico apresentado pela cliente. Nesse estudo, também não foi possível trazer
uma análise ampla de todas as demandas apresentadas pela cliente, devido a pouca
disponibilidade de tempo para a execução do mesmo.
O presente trabalho contribuiu para demonstrar formas de intervenções
terapêuticas, baseadas em uma Análise Comportamental Clínica, priorizando o uso
de reforçamento positivo e pressupostos da FAP em um caso de comportamentos
autolesivos. Salienta-se a escassez de estudos no Brasil sobre o tema de
comportamentos autolesivos, com base na clínica analítico-comportamental. Assim,
recomenda-se novos estudos em busca de aumentar as descrições de intervenções
disponíveis conforme os princípios da Análise do Comportamental Clínica.
51
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Artmed.
56
Anexos
57
Anexo 1. Termo de autorização, modelo padrão utilizado no IBAC.
AUTORIZAÇÃO PARA SUPERVISÃO DE CASO
E ARQUIVAMENTO DE RELATÓRIOS
Eu,_________________________________________________________________
portador(a) da identidade nº __________________________ estou ciente e concordo
que as sessões de Terapia Analítico-Comportamental conduzidas pelo(a) terapeuta
_____________________________________________________________
sejam
regularmente discutidas em supervisões de grupo e descritas formalmente em
relatórios escritos, de acordo com a legislação estabelecida pelo Conselho Federal de
Psicologia. Ademais, autorizo que tais relatórios sejam arquivados pelo(a) terapeuta
e pelo(a) supervisor(a) do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento, tendo
em vista a obrigatoriedade do registro documental decorrente da prestação de
serviços psicológicos que, neste caso, se refere à atividade de estágio supervisionado
do Curso de Especialização em Análise Comportamental Clínica. Foi-me assegurado
que, nas referidas supervisões em grupo, minha identidade será mantida em sigilo,
bem como quaisquer dados que possam identificar a mim ou meus familiares.
Brasília, ____ de _________________ de 20 ____
____________________________________________
Cliente/Responsável
____________________
Aluno(a)/Terapeuta
____________________
Supervisor(a)
____________________
Coordenação Clínica
58
Anexo 2. Exercício quadrante
 GOSTO
 NÃO GOSTO
 FAÇO
 NÃO FAÇO
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Intervenções Clínicas em um Caso de Comportamentos