ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO ESCOLA MARECHAL CASTELLO BRANCO Maj Inf LUIS ANTONIO DE ALMEIDA JUNIOR A capacitação dos comandantes militares brasileiros para a condução da análise das Considerações Civis em operações no amplo aspectro Rio de Janeiro 2015 Maj Inf LUIS ANTONIO DE ALMEIDA JUNIOR A capacitação dos comandantes militares brasileiros para a condução da análise das Considerações Civis em operações no amplo espectro Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares. Orientador: Ten Cel Inf André Vicente Scafutto de Menezes Rio de Janeiro 2015 Maj Inf LUIS ANTONIO DE ALMEIDA JUNIOR A capacitação dos comandantes militares brasileiros para a condução da análise das Considerações Civis em operações no amplo espectro Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, como requisito parcial para a obtenção do título de Especialista em Ciências Militares. Aprovado em ___ , de ___________ de 2015. COMISSÃO AVALIADORA __________________________________________________ André Vicente Scafutto de Menezes – Ten Cel Inf - Presidente Escola de Comando e Estado-Maior do Exército _______________________________________ Luciano Correia Simões – Ten Cel Inf – Membro Escola de Comando e Estado-Maior do Exército _________________________________________ Marco Antônio Muniz Leite – Ten Cel Inf – Membro Escola de Comando e Estado-Maior do Exército À Vanessa minha esposa e aos meus filhos Matheus e Bernardo, pelo amor, carinho e constante apoio em todos os momentos. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, pelo dom da vida e por poder estar compartilhando desse momento com todos aqueles que me querem bem. Aos meus pais, Mara Benamor de Almeida e Luis Antonio de Almeida, responsáveis pela minha educação e incentivo constante no trilhar de tão nobre profissão. Minha eterna gratidão. À minha esposa Vanessa pelo seu amor incondicional, paciência, compreensão e companheirismo em todos os momentos de nossa vida em comum e em especial durante a elaboração deste trabalho. Aos meus filhos Matheus e Bernardo, pelo amor e carinho durante todos os anos de suas vidas e nesta fase em que estive ausente na preparação deste trabalho. Ao meu Orientador, o Tenente Coronel Inf André Vicente Scafutto de Menezes, meus agradecimentos pela orientação sempre oportuna e sincera na realização deste trabalho. A todos aqueles que direta ou indiretamente colaboraram para que este trabalho fosse concluído. “O oficial de estado-maior é um renovador e um criador. Deve lutar contra o conservadorismo tornando-se permeável a ideias novas, a fim de que possa escapar à cristalização, ao conformismo e à rotina”. (Castello Branco) RESUMO As considerações civis são o mais recente fator de decisão adotado pelo Exército Brasileiro. São traduzidas pela influência das instituições civis, das atitudes e atividades das lideranças civis, da população, da opinião pública, do meio ambiente, de infraestruturas construídas pelo homem, das agências civis, com capacidade de influir e formar opiniões entre os nacionais ou internacionais, no Espaço de Batalha. Sua importância se dá em razão do papel a ser desempenhado pelos comandantes militares, os quais deverão planejar e empregar elementos para obter informações pertinentes, atribuir responsabilidades aos subordinados para atuarem sob as demandas das considerações civis, bem como serem incumbidos de atuarem em situações nas quais o uso consciente e adequado de dados sobre a área e a população local seja condição para a vitória. Cabe destacar que o palco para as operações militares evoluiu. Sendo assim, o Exército Brasileiro adotou o conceito de operações no amplo espectro, que compreende conflitos caracterizados por serem limitados, não declarados, de duração incerta, convencionais ou não, com a presença de atores estatais e não estatais, bem como com ameaças móveis e mescladas aos não combatentes. Nesse contexto, a presente pesquisa se desenvolveu tendo como objetivo verificar se os comandantes militares brasileiros estão capacitados a conduzirem a análise das considerações civis em operações no amplo espectro. Para alcançar o citado objetivo foi conduzida descrição das operações no amplo espectro, da análise das considerações civis à luz do Exame de Situação do Comandante Tático do Exército Brasileiro, bem como se verificou a capacitação dos comandantes militares (oficiais para este trabalho) para análise das considerações civis em operações no amplo espectro e, se verificou aspectos doutrinários relacionados ao assunto junto à nações amigas. Como resultado, foram apresentadas sugestões com o fito de aperfeiçoar aspectos da Doutrina Militar Terrestre (DMT) brasileira, a fim de garantir o completo entendimento e a execução da análise das considerações civis, por parte dos comandantes militares, em operações no amplo espectro. Palavras-chave: considerações comandantes militares, doutrina militar. civis, operações no amplo espectro, ABSTRACT Civil considerations are the latest decision factor used by the Brazilian Army. It is translated by the influence of civil institutions, attitudes and activities of the civilian leadership, the population, the public, the environment, infrastructure built by man, civil agencies, with capacity to influence and form opinions between national or international, inside the battle space. Its importance is given due to the role to be played by military commanders, who must plan and employ elements for relevant information, assign responsibilities to subordinates to act under the demands of civil considerations as well as be responsible for acting in situations where conscious and appropriate use of data on the area and the local population is a condition for the victory. It should be noted that the stage for military operations evolved. Thus, the Brazilian Army adopted the concept of full spectrum operations comprising conflicts characterized by being limited, undeclared, of uncertain duration, conventional or not, with the presence of state and non-state actors, as well as mobile threats and merged to non-combatants. In this context, the present study was developed aiming to verify wether the Brazilian military commanders are trained to conduct the analysis of civil considerations in full spectrum operations. To achieve the pointed objective was conducted description of the full spectrum operations, description of analysis of civil considerations under the perspective of the Brazilian Army Tactical Commander Status Exam, verified the training of military commanders (officers in this case) in order to analyze the civil considerations in full spectrum operations, as well as it verified doctrinal issues related to the matter of this research by the friendly nations of Brazil. As a result, suggestions have been made with the aim of improving aspects of Brazilian Army doctrine in order to ensure complete understanding and to perform the analysis of civil considerations, by the military commanders in full spectrum operations. Keywords: civil considerations, the broad spectrum operations, military commanders, military doctrine. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AECOPE Área, Estrutura, Capacidades, Organização, População e Eventos AMAN Academia Militar das Agulhas Negras CAEM Curso de Altos Estudos Militares CAO Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais CCEM Curso de Comando e Estado-Maior C Dout Ex Centro de Doutrina do Exército CIMIC Civil-Military Cooperation Cmt Comandante COPD Comprehensive Operations Planning Directive DIH Direito Internacional Humanitário DMT Doutrina Militar Terrestre EB Exército Brasileiro ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército EE Estabelecimento de Ensino EFD Estado Final Desejado EM Estado-Maior END Estratégia Nacional de Defesa EsAO Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais ET Exercício no Terreno EUA Estados Unidos da América FA Forças Armadas FTC Força Terrestre Componente F Ter Força Terrestre IPB Inteligence Preparation of Battlefield MCCC Maneuvers Captains Career Course ONA Oficial de Nação Amiga ONG Organização (ões) Não-Governamental (is) OPLAN Operational Plan OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PITCI-C Processo Integrado Terreno, Condições Meteorológicas, Inimigo e Considerações Civis PLADIS Plano de Disciplinas PND Política Nacional de Defesa QEMA Quadro do Estado-Maior da Ativa SRP Sistema Remotamente Pilotado U Unidade URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................ 11 2 AS OPERAÇÕES NO AMPLO ESPECTRO.......................................... 20 2.1 CONCLUSÃO PARCIAL......................................................................... 24 3 AS CONSIDERAÇÕES CIVIS................................................................ 25 3.1 CONCLUSÃO PARCIAL......................................................................... 30 4 A CAPACITAÇÃO BRASILEIROS DOS PARA CONSIDERAÇÕES A CIVIS COMANDANTES CONDUÇÃO EM DA MILITARES ANÁLISE OPERAÇÕES NO DAS AMPLO ESPECTRO............................................................................................. 31 4.1 ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS.................................... 31 4.1.1 O estudo das Considerações Civis na AMAN.................................... 32 4.1.2 Conclusão parcial................................................................................. 34 4.2 ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS................................ 34 4.2.1 O estudo das Considerações Civis na EsAO..................................... 35 4.2.2 Conclusão parcial................................................................................. 37 4.3 ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO.............. 37 4.3.1 O estudo das Considerações Civis na ECEME.................................. 38 4.3.2 Conclusão parcial................................................................................. 39 5 AS CONSIDERAÇÕES CIVIS NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E NA ESPANHA, SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS DA DOUTRINA BRASILEIRA...................................................................... 40 5.1 AS CONSIDERAÇÕES CIVIS NOS EUA............................................... 40 5.2 AS CONSIDERAÇÕES CIVIS NA ESPANHA........................................ 42 5.3 CONCLUSÕES PARCIAIS..................................................................... 45 6 CONCLUSÃO......................................................................................... 46 REFERÊNCIAS....................................................................................... 53 A447c Almeida Junior, Luis Antonio de A capacitação dos comandantes militares brasileiros para a condução da análise das Considerações Civis em operações no amplo espectro. / Luis Antonio de Almeida Junior. 2015. 57 f.; il. : 30 cm. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização). Escola de Comando e Estado Maior, Rio de Janeiro, 2015. Bibliografia: f. 53-57. 1. Considerações civis. 2. Operações no amplo espectro. 3. Comandantes militares. 4. Doutrina militar - Exército Brasileiro. I. Título. CDD 355.3 11 1 INTRODUÇÃO O mundo contemporâneo e globalizado apresenta características ímpares, tais como a velocidade, a amplitude e o acesso praticamente ilimitado às informações e aos cohecimentos, a tendência à multilateralidade, a presença da mídia, a importância da opinião pública, a assimetria entre os Estados, a presença de conflitos diversos desenvolvidos em áreas urbanizadas e nos quais se observam tendências não-convencionais, dentre outras. Essa “nova ordem” mundial se consolidou com o término da Guerra Fria, legando cenário de incerteza e de elevada volatilidade para a humanidade. Segundo Magnoli (2004), o término da Guerra Fria, estado de tensão entre os Estados Unidos da América (EUA) e a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), no início da década de 1990, transformou profundamente as relações internacionais. Em relação ao novo cenário mundial, o supracitado autor destaca que os desafios vividos são muito mais complexos e imprevisíveis. Assuntos como meio ambiente, terrorismo, fome e energia, entre outros, passaram a fazer parte da agenda global. (MAGNOLI, 2004). O Brasil, atento a essa nova realidade, vem se conscientizando de que necessita de Forças Armadas (FA) compatíveis com sua estatura geopolítica. Nesse sentido, o País vem desenvolvendo esforços a fim de aumentar a expressão militar de seu Poder Nacional por meio da elaboração de políticas e estratégias que refletem na organização, no preparo e no emprego de seu braço armado. Nesse contexto, em 2005, com a Política Nacional de Defesa (PND), documento de mais alto nível que define, em linhas gerais, quais as metas a serem atingidas visando a proteção contra ameaças externas, o Brasil deu novo passo em direção a consolidação de sua Defesa (BRASIL, 2005). Mais tarde, em 2008, com a Estratégia Nacional de Defesa (END), o País conheceu o caminho a ser percorrido para que as metas traçadas pela PND fossem plenamente atingidas (BRASIL, 2008). Como integrante das FA, o Exército Brasileiro (EB) prontamente adotou as diretrizes emanadas pelos documentos citados e implementou as medidas necessárias para que, de fato, o País pudesse contar com Força Terrestre (F Ter) capacitada e à altura da dimensão e da projeção brasileira no cenário internacional. 12 Dentre as medidas adotadas pelo EB, destaca-se a reformulação de sua doutrina, consubstanciada com a publicação da Diretriz para transformação da Doutrina Militar Terrestre, aprovada pela Portaria nº 197 – EME, de 26 de setembro de 2013, documento basilar e composto por novos conceitos, modificações e implementações ensejadas pelo contexto militar moderno que exige um exército apto a suplantar as demandas contemporâneas no que se refere ao seu emprego, seja em território nacional, seja no exterior. Esta Diretriz, no âmbito do Processo de Transformação do Exército, tem por finalidade apresentar as Bases para a Transformação da Doutrina Militar Terrestre (DMT) e destina-se a orientar a introdução de concepções e conceitos doutrinários com vistas à incorporação, na Força Terrestre, das capacidades e das competências necessárias ao seu emprego na Era do Conhecimento (BRASIL, 2013). Coerente com o que foi apresentado até o momento, ao analisar a conjuntura mundial e com olhar crítico para a situação nacional, o EB sentiu a necessidade de modificar seus conceitos operativos para enfrentar os desafios do século XXI. Para tanto, dentre outras medidas, a F Ter brasileira resolveu inserir a análise das considerações civis em seu consagrado processo de tomada de decisão militar, o exame de situação do comandante tático, acarretando reflexos na forma de planejamento e de atuação da tropa, em razão das demandas operativas encontradas nas situações em que a Força foi e visualiza ser empregada. Neste ano de 2014, o Exército Brasileiro, por meio de seu Centro de Doutrina (C Dout Ex), lançou 11 (onze) novos manuais, sendo 03 (três) de fundamentos, 07 (sete) de concepções e 01 (um) de tática, os quais estão impactando de forma contundente a Doutrina Militar Terrestre (DMT). Após cerca de 10 (dez) anos sem nenhuma atualização doutrinária no EB, as implementações supramencionadas são positivas e necessárias para a F Ter brasileira no momento em que o mundo apresenta nova dinâmica com reflexos diretos na forma de emprego do vetor militar. Conceitos como as operações no amplo espectro permitem visualizar as novas demandas que recaem sobre os militares, em especial sobre os comandantes e decisores nos diversos níveis hierárquicos, suscitando novas capacidades das FA e, particularmente, do Exército. Além disso, há que se destacar a radical mudança do terreno nas atuais operações militares. Com o constante aumento populacional, os espaços 13 geográficos estão sendo ocupados, tornando-se áreas humanizadas. Com raras exceções, não se pode mais conceber área passível de conflito onde não haja presença considerável do elemento humano. Com base na assertiva acima, cabe ressaltar a importância do terreno humano para as operações militares. Tal fator apresenta tamanha relevância na atualidade que levou a doutrina militar a implementar novo fator de decisão juntamente com os já consagrados ítens missão, inimigo, terreno, meios e tempo. Este novo fator de decisão, qual seja, as considerações civis, busca despertar nos comandantes e em seus subordinados a capacidade de obter dados que influenciam de maneira primordial as operações militares. Os referidos conhecimentos são obtidos por meio de levantamentos dos aspectos vitais e culturais de determinada população, os quais poderão comprometer todo o esforço de guerra caso não sejam observados com critério. As considerações civis visam, em última instância, fornecer ao planejador e a todos os elementos operativos de uma força, conhecimentos fundamentais e necessários para que seja obtido o sucesso militar nas situações de emprego. Para tanto, o apoio ou, ao menos, a não intervenção por parte da população presente na área de operações são primordiais. Cabe destacar o papel a ser desempenhado pelos comandantes militares nos diversos níveis hierárquicos, os quais deverão planejar e empregar elementos para obter informações pertinentes, atribuir responsabilidades aos subordinados para atuarem sob as demandas das considerações civis, bem como serem incumbidos de atuarem em situações nas quais o uso consciente e adequado de dados sobre a área e a população local seja condição para a vitória. Outro aspecto a ser observado e que suscitará o problema relevante da presente pesquisa é a formação do comandante militar brasileiro. Ao abordar o citado aspecto, focar-se-á no oficial de carreira da Força, tendo a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) como estabelecimento de ensino formador. Sendo assim, para os fins desta pesquisa, o termo comandante militar está associado ao oficial do EB. Coerente com o parágrafo anterior, verifica-se no EB o processo de aperfeiçoamento contínuo de seus homens. Para os oficiais de carreira, após sua formação, é mandatório o aperfeiçoamento a ser realizado na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO). 14 Por fim, para os oficiais existem os Cursos de Altos Estudos Militares (CAEM), os quais englobam o Curso de Comando e Estado-Maior (CCEM), realizado na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Este visa habilitar o oficial concludente ao exercício de cargos e funções de estado-maior de Grandes Unidades (Brigadas) e de Grandes Comandos da F Ter e de outros órgãos de nível equivalente, bem como ao comando de Organizações Militares da F Ter e no desempenho de cargos e funções privativas de oficial-general combatente. Oportuno ressaltar o caráter voluntário e o processo seletivo adotado para determinar os oficiais que frequentarão o referido curso. Considerando o cenário acima apresentado, surge a problemática da pesquisa. Os comandantes militares brasileiros estão capacitados a conduzirem a análise das considerações civis em operações no amplo espectro? A fim de identificar e detalhar as ações a serem realizadas para dar resposta ao problema de pesquisa mencionado, foram traçados o objetivo geral, que descreve a finalidade principal da investigação de estudo, e os objetivos específicos, que mostram o caminho lógico percorrido para solucionar o problema. O objetivo geral foi verificar se os comandantes militares brasileiros estão capacitados a conduzirem a análise das considerações civis em operações no amplo espectro. Os objetivos específicos elencados permitiram atingir o objetivo geral do estudo, configurando-se o encadeamento lógico do raciocínio descritivo apresentado ao longo do trabalho. Nesse sentido, as operações no amplo espectro, novo conceito que define os conflitos contemporâneos, foi descrita, destacando as principais características presentes na atualidade que impactam a Doutrina Militar Terrestre brasileira. Além disso, foi apresentada a análise das considerações civis à luz do Exame de Situação do Comandante Tático do Exército Brasileiro. Outro objetivo específico foi verificar a existência, a amplitude, o alcance e a adequabilidade da disseminação das considerações civis em operações no amplo espectro, no âmbito da Força, tomando por base os currículos e planos de disciplina das escolas de formação e de aperfeiçoamento de oficiais, bem como da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Ademais, foi verificada, ainda, a existência e a amplitude do fator de decisão considerações civis em nações amigas, particularmente nos Estados Unidos da América e Espanha, tomando por base entrevistas, manuais e experiências do autor como oficial-aluno do Maneuvers 15 Captains Career Course (MCCC), curso de aperfeiçoamento de capitães equivalente a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, realizado nos anos de 2008 e 2009, onde o mesmo recebia instruções e praticava o Exame de Situação do Comandante Tático do exército norte-americano. Por fim, foram apresentadas sugestões e experiências com o fito de aperfeiçoar aspectos da DMT do Brasil, a fim de garantir o completo entendimento e a execução da análise das considerações civis em operações no amplo espectro. Desta feita, surge como hipótese do presente trabalho: “Os comandantes militares brasileiros não estão adequadamente capacitados a conduzirem a análise das considerações civis em operações no amplo espectro.” De acordo com o Manual para Elaboração de Projetos de Pesquisa da ECEME, ME 21-259, as variáveis constituem-se em elementos centrais da investigação e derivam da hipótese elaborada. Neste sentido, serão apresentadas a variável dependente e as variáveis independentes. Considerando o tema “A capacitação dos comandantes militares brasileiros para a condução da análise das considerações civis em operações no amplo espectro”, assim como a hipótese formulada anteriormente, tem-se como circunstâncias passíveis de medição e que poderão influenciar a pesquisa a variável independente que é a capacitação dos comandantes militares brasileiros; e a variável dependente que é a condução da análise das considerações civis. Tratando do tipo de pesquisa realizada, a mesma foi qualitativa quanto à forma de abordagem e, no que se refere ao objetivo geral, exploratória e descritiva (NEVES e DOMINGUES, 2007). Exploratória já que buscou “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito” (GIL, 2002). Além disso, ainda tendo como referência Gil (2002), foi descritiva, pois procurou caracterizar a relação entre as variáveis, conflitos atuais e considerações civis. No que se refere aos procedimentos técnicos, foram utilizadas a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. De acordo com Gil (2002), a pesquisa bibliográfica se dá com “base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos” (GIL, 2002). O mesmo autor descreve a pesquisa documental como muito similar à bibliográfica, estabelecendo como diferença essencial a natureza das fontes consultadas. A pesquisa documental se vale de materiais ainda não tratados de forma analítica ou dos chamados documentos de 16 segunda mão que são aqueles que de alguma forma já foram analisados, tais como relatórios, no caso em questão, referentes ao Exército Brasileiro. A análise dos dados se deu de forma qualitativa, na qual os mesmos foram reduzidos, categorizados, interpretados e expressos por meio de relatório coerente com o tema proposto (GIL, 2002). Segundo Minayo (2004), a pesquisa qualitativa trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de consultas à biblioteca da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, à biblioteca da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, ao material didático e aos Manuais de Campanha do Exército Brasileiro, do Exército norte-americano, do Exército espanhol, bem como da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Além disso, foram utilizadas como fontes de dados artigos de revistas especializadas, bem como outros obtidos na rede mundial de computadores. Para a pesquisa bibliográfica, dando ênfase ao recorte analítico das teorias sobre os conflitos atuais e suas características principais, especialmente daquelas relacionadas ao terreno humano e seus reflexos para as operações militares, foram seguidas as oito fases previstas no trabalho de Marconi e Lakatos (2003), quais sejam, a escolha do tema, a elaboração do plano de trabalho, a identificação, a localização, a compilação, o fichamento, a análise e a interpretação; e a redação. Quanto à pesquisa documental, esta se valeu de relatórios e documentos elaborados pelo Exército Brasileiro, particularmente por seu sistema de ensino, tendo como vetores a Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais. Além disso, foram verificados os currículos escolares e os planos de disciplinas dos estabelecimentos de ensino (EE) responsáveis pela formação e aperfeiçoamento de oficiais e sargentos da F Ter, assim como da ECEME. Cabe resaltar que a análise das considerações civis ainda é incipiente no âmbito da Força, em que pese estar consubstanciado no Manual de Campanha EB 20-MC-10.211, Processo de Planejamento e Condução de Operações Terrestres. Entretanto, parcela dos dados trabalhados na pesquisa não constam de publicações oficiais da Força (Manuais de Campanha ou similares). 17 Sendo assim, quanto à pesquisa documental, em que pese as parte das fontes utilizadas se tratarem de relatórios das escolas militares citadas, tornou-se necessária a análise de seus dados (GIL, 2002). O instrumento utilizado foi a ficha de coleta de dados que permitiu a sistematização da coleta de dados em livros, documentos e outras fontes (NEVES e DOMINGUES, 2007). Conforme já dito, a análise dos dados se deu de forma qualitativa, na qual os mesmos foram reduzidos, categorizados, interpretados e expressos por meio de relatório coerente com o tema proposto (GIL, 2002). De acordo com Gil (2002), no caso de documentos e relatórios, mesmo que as fontes utilizadas apresentem dados, estes deverão ser interpretados e analisados quanto ao seu conteúdo. A supramencionada análise se deu em três fases, de acordo com Bardin (s.d. apud GIL, 2002, p. 89). Pré-análise (fase em que são escolhidos os documentos, são formuladas as hipóteses e é preparado o material para análise), exploração do material (fase seguinte que envolve a escolha das unidades, a enumeração e a sua classificação) e tratamento, inferência e interpretação dos dados (fase final em que os dados serão analisados). O método selecionado para este estudo apresentou limitações no que se refere à pesquisa documental, uma vez que foram utilizados relatórios escolares e pareceres sobre o assunto em tela. Conforme destaca Gil (2002), a pesquisa documental é criticada em razão de sua não-representatividade e de sua subjetividade. No entanto, tais óbices foram contornados já que os dados inseridos neste contexto foram, em sua plenitude, produtos de reuniões doutrinárias já chancelados pelas autoridade competentes. Como já observado, não foram classificados como fontes bibliográficas por não estarem plenamente consubstanciados em publicações como os Manuais de Campanha. No tocante ao tratamento dos dados, por se tratar de pesquisa qualitativa, a limitação se deu pela utilização de somente uma técnica, qual seja, a análise de conteúdo (GIL, 2002). Ainda, em razão do aprofundamento da pesquisa, houve necessidade de realizar entrevistas com Oficiais de Nações Amigas (ONA), particularmente os da Espanha e dos Estados Unidos da América (EUA). 18 Ao término do trabalho, foram apresentadas conclusões a respeito da capacitação dos comandantes militares brasileiros para conduzirem a análise das considerações civis em operações no amplo espectro, de forma que possam servir de guia para se (re)pensar a elaboração da doutrina, bem como a necessidade da rápida e da ampla disseminação de tão importantes conceitos operativos no âmbito da Força. O presente estudo se justifica pela relevância e abrangência dos conflitos armados da atualidade (operações no amplo espectro), os quais se desenvolvem em um mundo globalizado no qual a população não mais tolera a solução armada como resolução preferencial de crises. Destarte, a capital importância do terreno humano para as operações militares, aliada à presença e à percepção mundial da solidez do Direito Internacional Humantário (DIH), não deixam espaço para cálculos e planejamentos descuidados que possam resultar em perdas desnecessárias de não-combatentes, bem como em danos colaterais. O foco é a otimização de processos e a eficiência em combate, fatores de êxito que só poderão ser alcançados por meio de condução de operações por militares preparados, instruídos e conhecedores profundos do terreno humano. Nesse contexto, a inserção do fator de decisão considerações civis no atual Exame de Situação do Comandante Tático denota o quanto o Exército Brasileiro busca, de forma incansável, o “Estado da Arte”, assim como se mantém fiel aos ditames da política nacional, em especial no que se refere às determinações constantes da Política Nacional de Defesa, operacionalizadas pela Estratégia Nacional de Defesa. É fundamental compreender que por se tratar de assunto recente e desconhecido por grande parte dos militares da F Ter brasileira, o correto entendimento, o levantamento preciso e o oportuno emprego das informações obtidas por meio das considerações civis se torna condição basilar para que se alcance sucesso em operações militares nos conflitos contemporâneos. Coerente com o que foi destacado, também se faz necessária a ampla divulgação do trabalho realizado, de forma simples e compreensível, em especial para os escalões elementares da tropa, os quais, invariavelmente irão obter, fazer uso e retroalimentar dados a respeito das considerações civis. Cabe destacar que os 19 oficiais e sargentos integrantes das escolas e dos corpos de tropa são os vetores principais de disseminação de conhecimentos. Por fim, cabe ressaltar a oportunidade do tema e do problema levantado para a Força Terrestre, uma vez que suscitará novos estudos e o desenvolvimento de táticas, técnicas e procedimentos que contribuirão com o aperfeiçoamento da Doutrina Miltar Terrestre (DMT), especialmente neste momento em que o Exército Brasileiro passa por um necessário Processo de Transformação. 20 2 AS OPERAÇÕES NO AMPLO ESPECTRO Os conflitos da atualidade vêm se caracterizando por serem limitados, não declarados, de duração incerta, convencionais ou não, com a presença de atores estatais e não estatais, bem como com ameaças móveis e mescladas aos não combatentes. Nesse contexto difuso, instável, incerto e complexo, surge a necessidade de forças militares altamente flexíveis, com grande capacidade de adaptação as diferentes situações, que sejam modulares, que possuam capacidade elástica, que apresentem sustentabilidade, que sejam adestradas, que possuam elevado discernimento e consciência situacional (BRASIL, 2014 b). Coerente com o descrito acima, a observação dos conflitos recentes apontam algumas características e tendências comuns, sendo as mais relevantes: - um novo combatente individual, definido como um sistema, utilizando instrumentos tecnológicos inovadores, atuando em rede com segurança, com ênfase em uma melhor proteção individual, dotado de armamento com letalidade seletiva e capacidade de atuar em operações continuadas; - um ambiente no teatro de operações, redefinido por extensa rede de sensores e de fluxo de dados seguros, centrada no comandante, que proporcionam vantagens decisivas ao que melhor integrar, analisar, difundir e utilizar com oportunidade a informação relevante; - a presença de civis e da mídia no ambiente operacional, elevando as “considerações civis” ao patamar de Fator da Decisão; - a concepção de estruturas de combate com maior proteção coletiva, que proporcionem maior velocidade e letalidade seletiva; - a racionalização das estruturas operacionais (combate, apoio ao combate e apoio logístico), por intermédio da centralização dos meios, privilegiando a mobilidade; - o incremento nas capacidades de atuar no espaço cibernético com liberdade de ação, de usar Sistemas Remotamente Pilotados (SRP) e de utilizar munições inteligentes; e - a intensificação do emprego de operações especiais (BRASIL, 2014 a, p.73). Diferentemente dos combates ocorridos no último século, em especial as duas Grandes Guerras Mundiais, os conflitos atuais ensejaram adaptações nas doutrinas de emprego das Forças Armadas de todo o mundo, inclusive nas FA brasileiras. Nesse contexto, o EB passou a adotar o conceito de “operações no amplo espectro”, apresentado no Manual de Fundamentos EB20-MF 10.102, o qual visualiza o emprego da F Ter para obtenção e manutenção de resultados decisivos nas operações. Tal intuito se materializa por meio da combinação de operações ofensivas, de operações defensivas, de operações de pacificação e de operações de apoio a órgãos governamentais, de forma simultânea ou sucessiva, com foco na 21 prevenção de ameaças, no gerenciamento de crises e na solução de conflitos armados, em situações de Guerra e de Não Guerra (BRASIL, 2014 b). Ainda no que se refere as “operações no amplo espectro”, o General R1 Álvaro cita: A mais moderna concepção de preparo de uma força armada preconiza que, para fazer face aos conflitos do Sec XXI, esta deve estar em condições de gerenciar, simultaneamente, tanto situações típicas de Guerra Irregular, particularmente relacionadas às Operações de Estabilidade, Contrainsurreição e Contraterrorismo, quanto situações que demandem o planejamento e a execução de Operações Ofensivas e Defensivas, típicas do Combate Convencional. Esta concepção é internacionalmente identificada, na atualidade, como “Operações no Amplo Espectro” (PINHEIRO, 2012). Além disso, o referido Manual de Fundamentos cita que as “operações no amplo espectro” podem ser desenvolvidas em áreas geográficas lineares ou não, de forma contígua ou não, buscando contemplar as diversas missões e tarefas que envolvem o emprego de meios terrestres. Mais do que nunca, um acurado exame de situação se faz necessário a fim de possibilitar o eficiente emprego das forças militares para fazer frente aos diferentes cenários operativos (BRASIL, 2014 b). Pode-se constatar que o ambiente operacional está modificado, amplo, incerto e volátil, com profudos reflexos no modo de operar das forças militares. O Manual de Fundamentos das Operações destaca as características do atual ambiente operacional. O Ambiente Operacional é caracterizado pela existência de três dimensões – física, humana e informacional – cujos fatores a serem analisados interagem entre si, formando o seu caráter único e indivisível. Sua compreensão constitui uma condição fundamental para o êxito nas operações militares (BRASIL, 2014 c, p. 2-2). Alguns fatores presentes no referido ambiente afetam, de forma mais contundente, os atuais conflitos. De acordo com Brasil (2014 b), são eles a dimensão humana, o combate em áreas humanizadas, a importância das informações, o caráter difuso das ameaças, o ambiente interagências, as novas tecnologias e sua proliferação; e o espaço cibernético. Para os objetivos propostos no presente trabalho destaca-se a relevância dos fatores dimensão humana, combate em áreas humanizadas, importância das informações, caráter difuso das ameaças e ambiente interagências. Muito importante para a compreensão das modificações doutrinárias atuais e, em especial para o entendimento da relevância da análise das considerações civis 22 para obtenção do sucesso em operações, é o destaque da dimensão humana (atividades, ações, comportamentos e peculiaridades de indivíduos ou grupos humanos) presente no campo de batalha. Sobre o abordado, destaca-se o contido no Manual de Campanha Operações: Novas capacidades têm sido requeridas na formulação de soluções aos problemas militares. As operações militares realizadas no amplo espectro dos conflitos, normalmente, desencadeadas em áreas humanizadas, induzem à preponderância do terreno humano do Espaço de Batalha que, de forma crescente, tem tido o seu protagonismo ressaltado (BRASIL, 2014 c, p. 3-14). É sabido que a comunidade internacional contemporânea questiona com vigor o emprego de forças militares para resolução de crises e conflitos, em razão das inerentes perdas em vidas humanas e destruição de recursos de toda espécie. Aspectos relacionados à dimensão humana têm suscitado modificações na atuação do combatente e na forma de lidar com a população das áreas conflagradas, com reflexos no armamento e equipamento empregados, na natureza e no adestramento da tropa empregada (BRASIL, 2014 b). Indo ao encontro do apresentado no parágrafo anterior, Pinheiro (2012) destaca: Cada vez mais, torna-se impositivo o domínio de conhecimentos específicos sobre as culturas, percepções, valores, crenças e interesses, bem como os seus reflexos nos processos de tomada de decisões de indivíduos e grupos. Todo esse acervo deve ser avaliado em conformidade com a estrutura social, língua, cultura, poder e exercício da autoridade, e os interesses vitais da sociedade em questão. É o “Terreno Humano” (Human Terrain) ganhando uma relevância que, não raro, sobrepuja a do terreno fisiográfico, confirmando, de forma inequívoca, que a dimensão psicossocial é a essência dos conflitos do Sec XXI (PINHEIRO, 2012). Outra característica atual dos conflitos armados atuais é a preponderância de sua ocorrência em espaços ocupados pelo homem. O EB20-MF 10.102 aponta o atual predomínio dos combates em áreas humanizadas como aspecto relevante, tornando o ambiente operacional congestionado. A presença da população e de outros atores dificulta a identificação dos contendores e aumenta a possibilidade de danos colaterais decorrentes das operações militares. Isso não quer dizer que a letalidade de um exército deva ser reduzida, mas que ela deve ser seletiva e efetiva (BRASIL, 2014 b, p. 4-5). Considerando o apresentado sobre os aspectos da dimensão humana e do combate em áreas humanizadas, pode-se inferir que as “considerações civis” tornam-se fator de decisão preponderante para a tomada de decisão em todos os 23 níveis (BRASIL, 2014 b). No que se refere a importância das informações, é mister compreender o papel da informação sobre os atores presentes em um conflito. O Manual de Fundamentos Doutrina Militar Terrestre elenca a mídia, os civis não combatentes, os grupos e organizações presentes em áreas conflagradas, o público de massa – nacional e internacional – e os dirigentes e líderes em todos os níveis (BRASIL, 2014 b). A atuação da mídia, a facilidade de acesso a novas tecnologias, a socialização da Internet e o aparecimento das redes sociais disponibilizam, a qualquer cidadão, informações que antes eram reservadas aos Estados. Os diversos atores, estatais ou não, conduzem suas atividades com o entendimento de que elas poderão ser gravadas e difundidas ao “público global” instantaneamente. Assim, toda ação ou atividade militar pode ser potencialmente “capturada” em imagens digitais, e – o mais importante – essas imagens, em alguns casos, podem ser manipuladas por atores com interesses contrários, cada qual buscando controlar a “narrativa”. Essa visibilidade imposta pelas mídias sociais e tradicionais torna-se, portanto, uma consideração fundamental para o emprego de forças de Defesa (BRASIL, 2014 b, p. 4-5). Nesse contexto, cabe destacar a importância da opinião pública para os conflitos da atualidade, elevando-a ao patamar de objetivo estratégico a ser alcançado. Tal assertiva encontra amparo em manuais da F Ter, como se observa abaixo: A opinião pública, aliadas a algumas capacidades requeridas no ambiente operacional contemporâneo, tais como as Operações de Informação (Op Info) e o espaço cibernético, que sempre foram consideradas, especialmente nos níveis político e estratégico, passam a ser um objetivo a ser conquistado, também nos níveis operacional e tático (BRASIL, 2014 c, p. 3-14). A Doutrina Militar Terrestre diz: Em uma sociedade cada vez mais dependente da informação, a percepção que a população tem da realidade é de suma importância. Controlar a “narrativa” é não apenas comunicar bem, mas comunicar primeiro. Perder o controle da narrativa pode levar a sérias restrições à liberdade de ação e até mesmo impor a derrota no Espaço de Batalha (BRASIL, 2014 b, p. 4-6). Nas últimas décadas, nos conflitos ocorridos em ambiente de incertezas, passou a ser mais difícil a identificação do adversário dominante, regular ou não. “A crescente proeminência de grupos transnacionais ou insurgentes, com ou sem apoio político e material de países, ampliou o caráter difuso das ameaças a serem enfrentadas com o emprego de forças de Defesa” (BRASIL, 2014 b). Quanto ao aspecto operações interagências, Brasil (2014 b) esclarece: Na Era do Conhecimento, tornou-se comum a inserção de novos atores no Espaço de Batalha, inclusive de atores não estatais com elevado poder de influenciar opiniões e defender interesses de seus patrocinadores. Neste, são exemplos as organizações governamentais e não governamentais, as 24 agências supranacionais de organismos internacionais e as já mencionadas mídias tradicionais e sociais. Muitos desses atores utilizam o denominado “espaço humanitário”, parte indissociável das áreas conflagradas. A ação coordenada entre as forças militares e esses atores na defesa de interesses legítimos é a chave do sucesso. Portanto, pode-se depreender que as operações militares da Era do Conhecimento têm como traço comum o ambiente interagências, que pode interferir favoravelmente no seu curso. Atuar nesse ambiente operacional exige efetivos militares com mentalidade, linguagem e estruturas adequadas ao relacionamento com essa diversidade de agências (BRASIL, 2014 b, p. 4-6). 2.1 CONCLUSÃO PARCIAL Do exposto anteriormente, conclui-se, de forma parcial, que as operações no amplo espectro suscitam novas capacidades dos combatentes, em especial de seus comandantes táticos, os quais deverão estar preparados para lidar com as diferentes ameaças encontradas no campo de batalha da atualidade. 25 3 AS CONSIDERAÇÕES CIVIS O acrônimo MITeMeT-C refere-se aos fatores de decisão missão, inimigo, terreno, meios, tempo e considerações civis, todos fundamentais para a condução da análise da missão recebida, seja qual for, e planejamentos subsequentes. Os cinco primeiros fatores supracitados não são novos e já estão arraigados na cultura militar brasileira. Entretanto, a natureza dos conflitos atuais, conhecidos como de “amplo espectro”, requer comandantes capazes de avaliar os impactos dos fatores não-militares sobre as operações. Somando-se ao descrito no parágrafo anterior, a complexidade, a importância e o aumento da população mundial suscitaram a inclusão das considerações civis na doutrina militar da F Ter brasileira. A referida inclusão se deu no exame de situação do comandante tático, processo de tomada de decisão militar consagrado e que vem, ao longo do tempo, se atualizando a fim de fazer frente as demandas contemporâneas de planejamento. O Manual de Campanha EB 20-MC-10.211, Processo de Planejamento e Condução de Operações Terrestres, o define da seguinte forma: O Exame de Situação do Comandante é um método de planejamento interativo que proporciona ao tomador de decisão a compreensão da situação, a missão e a formulação de solução para um problema militar, desenvolvendo linhas de ação para a decisão do comandante e a produção de planos ou ordens. Ele integra as atividades do comandante, EM, comandos subordinados e de parceiros em ambiente interagências (BRASIL, 2014 d, p. 5-1). De acordo com o EB 20-MF-10.103, Operações, o Exame de Situação é a metodologia concebida para a solução de um problema militar, em qualquer nível, sustentada pelo estudo de aspectos relevantes que são organizados e orientados por determinados fatores. A mesma publicação cita: Assim, com vistas à obtenção de resultados nas operações militares, os aspectos relevantes para o planejamento e condução das operações são sistematizados cartesianamente por elementos que devem ser considerados. As partes constitutivas dessa metodologia são os Fatores da Decisão, isto é, elementos que prevalentemente orientarão o processo decisório. Os principais Fatores da Decisão a considerar são: MISSÃO, INIMIGO, TERRENO E CONDIÇÕES METEOROLÓGICAS, MEIOS, TEMPO e CONSIDERAÇÕES CIVIS (BRASIL, 2014 c, p. 3-11). Ao ler o conteúdo acima, percebe-se que o exame de situaçao do comandante tático considerações civis. foi recentemente potencializado com a inserção das 26 Sobre as considerações civis observa-se: As considerações civis tornaram-se mandatórias como fator preponderante da decisão, juntamente com a Missão, o Terreno e Condições Meteorológicas, o Inimigo, os Meios e o Tempo (BRASIL, 2014 c, p. 3-14). Para que se possa prosseguir nos objetivos do presente estudo, é mister conhecer um dos conceitos que define considerações civis: As considerações civis são, enfim, traduzidas pela influência das instituições civis, das atitudes e atividades das lideranças civis, da população, da opinião pública, do meio ambiente, de infraestruturas construídas pelo homem, das agências civis, com capacidade de influir e formar opiniões entre os nacionais ou internacionais, no Espaço de Batalha. (BRASIL, 2014 c, p. 3-15). De acordo com Pinheiro (2012), o fator de decisão considerações civis deve ser primorosamente considerado e estudado a fim de permitir que as forças militares em campanha obtenham condições adequadas para o sucesso nos conflitos contemporâneos. Num ambiente operacional caracterizado pela presença de forças irregulares, hostis e aliadas, dispersas em meio às comunidades da população local, esta passa a ter uma relevância ímpar para a consecução bem sucedida dos objetivos estratégicos, operacionais e táticos dos comandos de diferentes níveis em presença (PINHEIRO, 2012). Tomando como referência o artigo do General R1 Álvaro, pode-se observar que a inserção das considerações civis no exame de situação do comandante tático não é exclusividade da F Ter brasileira. Na verdade, esse fato não se constitui numa novidade. Os Conflitos Irregulares Assimétricos da época da Guerra Fria já possibilitavam essa constatação. Entretanto, no contexto da atual “Guerra Global contra o Terror”, em plena era da Tecnologia da Informação, esta importância chegou a tal ponto, que em junho de 2007, o Exército dos EUA, por meio do seu mais relevante Manual de Campanha, o FM 3-0, OPERATIONS, acrescentou aos fatores tradicionais da decisão - Missão, Inimigo, Terreno, Meios e Tempo - as “considerações civis” (Civil Considerations) (PINHEIRO, 2012). Observando o apresentado pelo General R1 Álvaro, em seu artigo intitulado “As considerações civis, o terreno humano e os conflitos do século XXI”, percebe-se que o mais recente fator de decisão adotado pelo Exército Brasileiro deve ser aplicado e profundamente difundido entre os militares, a fim de alcançar os necessários níveis de consciência situacional por parte da tropa, assim como o desenvolvimento e adoção de comportamentos a serem incorporados pelos combatentes tendo em vista a complexidade e a especificidade do assunto. 27 A experiência tem demonstrado que o entendimento da cultura local, e o conhecimento dos aspectos políticos, econômicos, psicossociais e religiosos é crucial para o planejamento e a execução das operações. O conhecimento sobre os grupos sociais em presença e seus interesses, crenças, líderes e fatores motivadores de comportamentos grupais e individuais tornou-se absolutamente imprescindível nos conflitos armados atuais. E é fundamental estar consciente que a capacitação para conduzir a pesquisa e a análise para a obtenção de informações confiáveis, válidas e objetivas sobre esses controvertidos temas é altamente especializada no ramo das ciências sociais (PINHEIRO, 2012). O atendimento as demandas levantadas pela análise das considerações civis se dá por ações efetivas por parte da tropa, tais como o respeito à cultura, aos valores, aos costumes e tradições existentes e arraigados na população da área em que se atua, a preocupação com a preservação da infraestrutura, dos bens e propriedades, dos monumentos, dos templos e de outros símbolos de importância social, cultural e religiosa no interior da área conflagrada, a busca incessante pela conquista dos “corações e mentes” da população local, a necessidade da manutenção da opinião pública favorável às ações bélicas desenvolvidas, dentre outras. As atuais campanhas do Afeganistão e do Iraque deixam evidente, de forma incontestável, que a natureza das ações desenvolvidas em presença de forças irregulares ocultas em meio à população local, exige comandantes, em todos os escalões, capacitados a avaliar o impacto dos fatores não– militares nas operações (PINHEIRO, 2012). Oportuno destacar a importância das “considerações civis” para todos os escalões, inclusive os mais baixos que deverão estar atentos e seguir fielmente as recomendações e orientações emanadas dos escalões superiores, sob pena de cometerem erros táticos que poderiam comprometer a vitória estratégica, com repercussões negativas, inclusive, no nível político. Nesse ponto, da leitura do artigo “Winning the peace – The requirement for Full-Spectrum Operations”, de autoria do General Peter W. Chiarelli e do major Patrick R. Michaelis, ambos do exército norte-americano, publicado na Military Review (Jul-Aug 2005), na página 14, percebe-se que nas operações atuais um erro cometido por qualquer integrante de determinada fração, por menor que seja sua posição hierárquica, terá grave repercussão no contexto estratégico e, em especial, na opinião pública da nação (CHIARELLI e MICHAELIS, 2005). “Durante nossa primeira reunião com os anciãos, nós fomos informados que houve uma operação da Força de Coalizão seis meses antes e que ao chegarem à vila, eles confiscaram todos os fertilizantes existentes, além de destruírem todo o estoque de sementes, com o objetivo de mitigar o uso 28 desse material na confecção de artefatos explosivos improvisados. O resultado dessa ação foi que quando a estação de plantiochegou seis meses depois, os fazendeiros locais não possuíam fertilizantes ou sementes para semear suas lavouras” (MOREIRA, 2013). Infere-se, desta forma, que deva ser dada especial atenção a abordagem das considerações civis, inclusive, nos escalões mais baixos, sob pena de comprometer o objetivo final do emprego da força militar que é a obtenção da paz. Nesse sentido, torna-se oportuno reforçar tal consideração por meio de trechos do Manual de Campanha Operações, do Exército Brasileiro: A importância que as operações no nível tático têm recebido no “Espaço de Batalha”, mesmo as empreendidas por frações elementares, deve-se à imediata repercussão que essas ações podem produzir nas sociedades e, consequentemente, na Expressão Política de um país (BRASIL, 2014 c, p. 3-14). Ainda sobre a questão: Acresce-se a isso a importância que as operações do nível tático ou mesmo empreendidas por frações elementares têm recebido no Espaço de Batalha contemporâneo, considerando a possibilidade de atos isolados, realizados por pequenos grupos ou até mesmo por iniciativas individuais, repercutirem imediatamente nos níveis estratégico e político. Tal fato tem trazido reflexos na forma de empregar forças militares, pois há um evidente achatamento dos níveis decisórios. Observa-se que o nível político da guerra aproximou-se do nível tático. Sem atribuir a devida relevância às considerações civis, corre-se o risco de o Estado Final Desejado (EFD) não ser alcançado (BRASIL, 2014 c, p. 3-14). Os aspectos área, estrutura, capacidades, organização, população e eventos compõem o arcabouço das considerações civis. O Manual de Campanha EB 20-MC10.211, Processo de Planejamento e Condução de Operações Terrestres, em seu anexo A, destaca os principais itens a serem identificados quando da análise dos aspectos que compõem as Considerações Civis: - Subitem “(a) Área”, abordando: (1) Divisão político-administrativa. (2) Áreas de alto valor econômico. (3) Centros políticos de governo: sedes dos governos provincial, distrital e municipal e suas vizinhanças; sedes dos departamentos/ministérios de mais alto nível. (4) Áreas culturalmente importantes: sítios históricos e arqueológicos; locais considerados religiosamente sagrados. (5) Enclaves étnicos, tribais, políticos, religiosos, criminosos ou outros. (6) Rotas comerciais e de contrabando. (7) Sítios possíveis de utilização como áreas temporárias para refugiados e deslocados. - Subitem “(b) Estrutura”, abordando: (1) Postos de Comando das Forças de Segurança. (2) Segurança Pública (Delegacias policiais; tribunais penitenciárias; pontos de bloqueio e controle de estradas). de justiça; 29 (3) Mídia e Comunicação em Massa: (Torres de transmissão rádio/TV; estações de rádio/TV; sedes de jornais e revistas; oficinas de impressão). (4) Estradas e pontes. (5) Portos e aeroportos de entrada. (6) Represas. (7) Estações e subestações de energia elétrica. (8) Refinarias e outras instalações de produção de combustível. (9) Reservatórios e usinas de água potável. (10) Sistema de esgotos (subterrâneos). (11) Hospitais e clínicas. (12) Escolas e universidades. (13) Igrejas e locais de culto religioso. (14) Bancos e instituições financeiras. (15) Mercados populares e centros comerciais. - Subitem “(c) Capacidades” (as quais asseguram, sustentam e implementam a qualidade de vida), abordando: (1) Administração pública: burocracia, cortes de justiça, instalações governamentais. (2) Segurança Pública: polícia militar, fronteiras, polícia civil, órgãos de inteligência. (3) Serviços Emergenciais: corpo de bombeiros, serviços de ambulâncias. (4) Saúde Pública: clínicas; hospitais, serviços veterinários. (5) Alimentação e abastecimento. (6) Água (Tratamento e abastecimento). (7) Sistemas Sanitários (Recolhimento do lixo e esgotos). - Subitem “(d) Organizações”, enumerando as seguintes organizações: (1) Religiosas. (2) Partidos políticos. (3) Patrióticas. (4) Sindicatos de Classe. (5) Criminosas. (6) Comunitárias. (7) Multinacionais. (8) Governamentais Internacionais. (9) Não-Governamentais. - Subitem “(e) População”, abordando: (1) Sociedade. (2) Estruturas sociais: grupos; redes; instituições; influência exercida; normas sociais; cultura; identidade; formas culturais: narrativa; símbolos. (3) Segurança Física: - Segurança da população. - Eficiência da polícia e do sistema judicial. - A polícia é íntegra e não discriminatória - Outros elemento que proporcionem segurança, que não a polícia. (4) Recursos Econômicos. (5) Participação Política: - Classe política dominante. - Discriminação étnica, religiosa ou qualquer outra. - Existência de violação dos direitos humanos. - Existência de alguma força de ocupação no país. - Acesso da população aos serviços públicos essenciais (educação, saúde, segurança, energia, etc.). - Aspectos políticos, sociais ou outros que contribuam para um ambiente revolucionário. (6) Descontentamentos. (7) Principal atividade econômica da área. (8) Impacto das operações na economia local. (9) Considerações civis complementares: Línguas e dialetos falados pela população; comunicação não verbal (gestos e sinais); níveis de educação, 30 incluindo as taxas de alfabetização e disponibilidade de educação; meios de comunicação e sua importância para a população; importância da comunicação interpessoal, face a face, por telefone e e-mail; importância da mídia de massa, tais como publicações impressas, radio, televisão ou internet; história política nacional; eventos que conduziram à insurreição; a disponibilidade de armas para a população em geral. (10) Refugiados e deslocados. - Subitem “(f). Eventos”, abordando: (1) Feriados nacionais e religiosos. (2) Colheitas agrícolas/estoques e ciclos de produção. (3) Eleições. (4) Distúrbios civis. (5) Celebrações. (BRASIL, 2014 d, p. A-2). Analisando os aspectos supracitados, os quais compõem as Considerações Civis, verifica-se que o Manual de Campanha EB 20-MC-10.211, Processo de Planejamento e Condução de Operações Terrestres, em seu anexo A, apresenta-os de forma incipiente, cabendo estudo no sentido de verificar a pertinência da inclusão de conceitos que definam e esclareçam o que se pretende identificar sobre os aspectos componentes do método de estudo do citado fator de decisão. 3.1 CONCLUSÃO PARCIAL Por fim, conclui-se parcialmente que as considerações civis são de capital importância no contexto atual dos conflitos, suscitando militares capacitados para conduzirem seu estudo de forma adequada, a fim de permitir que as forças em campanha obtenham condições adequadas para o sucesso nos conflitos contemporâneos. Tal entendimento já está disseminado no âmbito da Força Terrestre, entretanto, pode-se constatar que a literatura atual é incipiente no sentido de preparar os comandantes militares para as demandas em operações, tornandose necessária a verificação da forma utilizada para capacitá-los nas escolas de formação e aperfeiçoamento do Exército Brasileiro. Além disso, como oportunidade de melhoria, verifica-se a necessidade de incluir conceitos que definam e contextualizem o leitor sobre os aspectos componentes do método de estudo do citado fator de decisão, consubstanciado no supracitado anexo A do Manual de Campanha EB 20-MC-10.211, Processo de Planejamento e Condução de Operações Terrestres. 31 4 A CAPACITAÇÃO DOS COMANDANTES MILITARES BRASILEIROS PARA A CONDUÇÃO DA ANÁLISE DAS CONSIDERAÇÕES CIVIS EM OPERAÇÕES NO AMPLO ESPECTRO Os comandantes militares deverão planejar e empregar elementos para obter informações pertinentes, atribuir responsabilidades aos subordinados para atuarem sob as demandas das considerações civis, bem como serem incumbidos de atuarem em situações nas quais o uso consciente e adequado de dados sobre a área e a população local seja condição para a vitória. Nesse contexto, torna-se pertinente realizar concisa descrição do processo de formação e aperfeiçoamento de oficiais do Exército Brasileiro, os quais consubstanciam a figura do comandante militar, sujeito do presente trabalho. A carreira bélica de oficiais da Força Terrestre possui como estabelecimento de ensino formador a Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN). Prosseguindo na carreira, os comandantes militares são submetidos a processo de aperfeiçoamento contínuo. Para os oficiais de carreira, após sua formação, é mandatória a realização do curso da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO). Cabe destacar que existe, para os oficiais, o Curso de Altos Estudos Militares (CAEM), o qual engloba o Curso de Comando e Estado-Maior (CCEM), realizado na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Oportuno ressaltar que se trata de curso de aperfeiçoamento, de caráter voluntário, baseado em processo seletivo adotado para determinar os oficiais que frequentarão o referido curso. A seguir, serão apresentadas descrições sumárias dos cursos existentes para oficiais do EB e, no prosseguimento, serão conduzidas análises pormenorizadas sobre o conteúdo dos citados cursos, com o fito de identificar se os comandantes militares brasileiros estão capacitados a conduzirem a análise das considerações civis em operações no amplo espectro. 4.1 ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS A Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), localizada na cidade de Resende, no estado do Rio de Janeiro (RJ), é o estabelecimento de ensino que forma oficiais combatentes de carreira do Exército Brasileiro. 32 Ao longo dos quatro anos de formação, são realizadas atividades que se fundamentam no desenvolvimento de atributos das áreas afetiva, cognitiva e psicomotora necessários à profissão militar. No 1º ano da Academia Militar, Curso Básico, ocorre a Formação Básica do futuro oficial. Os objetivos são ajustar a personalidade do cadete aos princípios que regem a vida militar, assegurar os conhecimentos que o habilitem ao prosseguimento de sua formação de oficial, fortalecer o caráter militar, preparar o combatente básico, obtendo reflexos na execução de técnicas e táticas individuais de combate, obter capacitação física e desenvolver habilidades técnicas. Nos 2º, 3º e 4º anos, a formação dos oficiais da AMAN é direcionada para as sete especialidades do Exército Brasileiro, que constituem a linha de Ensino Militar Bélico, divididas em Armas (Infantaria, Cavalaria, Artilharia, Engenharia e Comunicações), Serviço de Intendência e Quadro de Material Bélico. A qualificação do futuro oficial tem por objetivo principal a capacitação ao exercício do comando de pequenas frações, pelotão e de subunidades de sua respectiva Arma, Quadro ou Serviço. Ainda, consolidam-se o aperfeiçoamento das técnicas individuais do combatente, o elevado padrão de ordem unida e o contínuo desenvolvimento da capacidade física. A qualificação e a intensificação das atividades militares têm por objetivo principal a habilitação ao exercício de cargos e funções inerentes ao oficial subalterno e ao capitão não aperfeiçoado, em condições de combate e em tempo de paz. Sua grade curricular inclui disciplinas ligadas às ciências militares, exatas e humanas. Ao final do curso, o concludente é declarado Aspirante a Oficial e recebe o diploma de Bacharel em Ciências Militares. 4.1.1 O estudo das Considerações Civis na AMAN De todo o levantamento realizado, verificou-se que os Cadetes estão recebendo instruções multidisciplinares que lhes dão arcabouço intelectual suficiente para conduzirem a análise adequada das Considerações Civis no seu nível de atuação, num contexto de operações no amplo espectro. Além disso, os cursos da AMAN, possuem em seus currículos a adoção do Estudo de Situação do Comandante, metodologia constante do Manual de 33 Campanha C 101-5, Estado-Maior e Ordens (2º Volume) 2ª Edição/2003, o que pode ser constatado pela análise do Plano de Disciplinas (PLADIS) dos diferentes cursos ministrados naquele EE, particularmente para os Cadetes das Armas (Infantaria e Cavalaria). Cabe ressaltar que as Normas de Comando empregadas como método para planejamento no nível pelotão, bem como o Estudo de Situação do Comandante aplicado no nível subunidade são enxutos. Apesar disso, não se distingue, de forma significativa, do Método de Planejamento Detalhado do Exército, consubstanciado no Exame de Situação do Comandante, recentemente reformulado e constante do manual de campanha EB 20-MC-10.211, Processo de Planejamento e Condução das Operações Terrestres. Importante destacar a existência da Nota de Coordenação Doutrinária Nr 02/2012 elaborada pela Centro de Doutrina do Exército, em 20 de dezembro de 2012, a qual aborda as Considerações Civis no Estudo de Situação do Comandante. O objetivo da citada nota de coordenação foi introduzir as Considerações Civis na metodologia do Estudo de Situação do Comandante Tático, constante do Manual de Campanha C 101-5, Estado-Maior e Ordens (2º Volume) 2ª Edição/2003, como mais um fator da decisão. No documento citado anteriormente, identifica-se a análise do fator de decisão Considerações Civis em duas fases distintas do Estudo de Situação do Comandante Tático, metodologia que, atualmente, é ensinada ao futuro oficial do EB. À luz da metodologia do Estudo de Situação do Comandante Tático, os Cmt e seus EM, de todos os níveis de planejamento, inclusive o tático, desde a FTC às frações elementares empregadas, devem analisar o terreno humano e os aspectos psicossociais que envolvem o problema militar. Dessa forma, a abordagem das Considerações Civis nesse Estudo de Situação deve obedecer o que se segue: - inicia-se no 1º Parágrafo do Estudo de Situação, quanto o Comandante (Cmt) e seu Estado-Maior (EM) estão analisando a missão, uma vez que o mesmo poderá influenciar a diretriz de planejamento emitida pelo Cmt expedida ao final dessa etapa do processo. Nessa fase, apenas detalhes relevantes e que realmente possam influenciar no cumprimento da missão do escalão considerado devem ser levantados; - no 2º parágrafo do Estudo de Situação do Comandante Tático (2. SITUAÇÃO E LINHAS DE AÇÃO), fase em que o EM aprofunda o estudo sobre todas as condicionantes que afetam as operações e que culmina com a elaboração das linhas de ação, o assunto deve ser detalhado, levando-se em conta todos os conhecimentos disponíveis e relevantes ao processo (BRASIL, 2012,b). 34 Além disso, sendo o planejamento do comandante de pelotão e o do comandante de subunidade voltados para a execução imediata, ambos realizam as tarefas impostas e, raramente as deduzidas. Recebem e repassam ordens táticas de forma direta, sem interpretações profundas e com superficial análise dos fatores da decisão. Na verdade, nos citados escalões, seus comandantes devem ter a capacidade de receber os insumos, no caso as informações e dados oriundos do escalão superior e operacionalizá-los, focando naquilo que for útil e necessário para o cumprimento das missões a eles atribuídas. Somado ao que foi apresentado no parágrafo anterior, cabe ressaltar que os comandantes nos níveis pelotão e subunidade tem suas ações delimitadas por ordens claras e regras de engajamento que mitigam a reduzida maturidade de ambos para lidarem com o terreno humano em operações. O pelotão e a subunidade são os escalões que realizarão o esforço de busca de dados acerca das considerações civis, bem como serão aqueles que irão interagir com o terreno humano durante as operações. 4.1.2 Conclusão parcial Do exposto acima, pode-se inferir que os oficiais egressos da AMAN já estão sendo capacitados a condução da análise das Considerações Civis. O assunto é apresentado de forma interdisciplinar e por meio dos blocos de operações Ofensivas e Defensivas. É oportuno citar que os oficiais egressos da AMAN, em especial os de Infantaria e de Cavalaria, estão capacitados a atuarem em operações no amplo espectro, conforme consta do perfil profissiográfico dos concludentes. 4.2 ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS A Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO) foi criada pelo Decreto Federal de número 13.451 de Janeiro de 1919 e fundada em 08 de Abril de 1920, pelo então Ministro da Guerra Dr JOÃO PANDIÁ CALÓGERAS. Inicialmente a Escola foi instalada no Quartel do extinto 1º Regimento de Artilharia Montada, hoje 1º Grupo de Artilharia de Campanha Autopropulsado - "Regimento Floriano". Após 04 anos de funcionamento, em sua sede provisória, a Escola foi transferida para o 35 atual aquartelamento, recebendo, naquele ano de 1924, cento e oitenta OficiaisAlunos. A EsAO tem por missão aperfeiçoar capitães, capacitando-os para o comando e chefia de unidades e habilitando-os para o exercício de funções de estado-maior não-privativas do Quadro de Estado-Maior da Ativa (QEMA) do Exército. Além dos oficiais do Exército Brasileiro, a EsAO também aperfeiçoa oficiais Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil e das nações amigas. A EsAO se vale de exercícios conjuntos entre os cursos, reforçando sua condição de escola de Armas combinadas, assim como do trabalho em grupo. Outra metodologia empregada é a do exercício de simulação de combate, a qual permite a realização de treinamentos com aplicação da doutrina. A escola tem como meta instrumentar o oficial com as ferramentas necessárias e adequadas para atuar em cenários estratégicos de conformação difusa e acompanhar a rápida e contínua evolução da doutrina militar, por meio do perfeito entendimento do emprego combinado das Armas. O Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO) é realizado em dois anos, sendo o segundo presencial, por todos os oficiais do Exército Brasileiro formados na AMAN, ao atingirem o posto de Capitão. A EsAO é um estabelecimento de ensino pertencente à Linha de Ensino Militar Bélico, grau superior e segundo ciclo (modalidade aperfeiçoamento). Por fim, cumpre à EsAO atualizar e ampliar os conhecimentos dos oficiais alunos , capacitando-os para o exercício do comando e chefia das unidades de suas Armas, Quadro e Serviços e habilitando-os para o exercício das funções de EstadoMaior de unidade e demais funções de oficial superior não privativas do QEMA. 4.2.1 O estudo das Considerações Civis na EsAO O curso da EsAO capacita o aluno para conduzir o Estudo de Situação do Comandante no nível Unidade (U), método consagrado no Manual de Campanha C 101-5, Estado-Maior e Ordens (2º Volume) 2ª Edição/2003. Tal assertiva pode ser constatada pela análise do Plano de Disciplinas (PLADIS) dos diferentes cursos ministrados naquele Estabelecimento de Ensino (EE), particularmente para os Capitães das Armas (Infantaria e Cavalaria). 36 Acompanhando a evolução doutrinária do EB, a partir deste ano de 2014, a EsAO iniciou a capacitação de seus alunos tomando por base o novo Método de Planejamento Detalhado do Exército, consubstanciado no Exame de Situação do Comandante, recentemente reformulado e constante do manual de campanha EB 20-MC-10.211, Processo de Planejamento e Condução das Operações Terrestres. O novo método não se distingue, de forma significativa, do Estudo de Situação do Comandante, constante do C 101-5. O manual supracitado apresenta o novo método como o processo sistemático de planejamento detalhado de emprego dos elementos da F Ter que visa a dar uma sequência lógica e ordenada aos diversos fatores que envolvem o processo decisório nas operações no amplo espectro. Além disso, o método está alinhado com o Processo de Planejamento Conjunto estabelecido pela Doutrina de Operações Conjuntas do Ministério da Defesa, sendo referência para os planejamentos nos escalões Força Terrestre Componente (FTC) até o nível unidade. O Exame de Situação do Comandante é dividido em seis fases, sendo as primeira e segunda fases relevantes para o estudo ora conduzido, pois nelas se identifica a análise do fator de decisão Considerações Civis. Na primeira fase do exame, que é a Análise da Missão e Considerações Preliminares, as Considerações Civis são analisadas de forma sucinta, em que apenas detalhes relevantes e que realmente possam influenciar no cumprimento da missão do escalão considerado, condicionando-o ou restringindo-o, devem ser levantados. Já na segunda fase (Situação e sua Compreensão), as Considerações Civis são analisadas de forma detalhada, abordando todas as condicionantes que afetam as operações, levando-se em conta todos os conhecimentos disponíveis e relevantes ao processo. Do exposto acima, pode-se constatar que a EsAO aborda as Considerações Civis em seu curso, particularmente para as Armas de Infantaria e Cavalaria. O assunto é apresentado e praticado nos blocos de Garantia da Lei e da Ordem, Defensiva e Ofensiva. Vale acrescentar que todos os temas constantes dos blocos de ensino da EsAO já abordam as operações no amplo espectro. Além das observações feitas acima, é necessário citar que as unidades do Exército Brasileiro reúnem pessoal e meios que lhe permitem cumprir variadas missões com maior amplitude e enquadrando os escalões subunidade e pelotão. 37 Outra característica típica do escalão unidade é a existência do Estado-Maior constituído por seções responsáveis pelo planejamento e pela execução de suas missões. Por fim, ressalta-se que apesar do assunto Considerações Civis estar sendo estudado e praticado na EsAO, o mesmo não consta do PLADIS do citado EE. 4.2.2 Conclusão parcial Conclui-se, de forma parcial, que o oficial aperfeiçoado pela EsAO está recebendo instruções que abarcam o assunto Considerações Civis. Sendo assim, podemos inferir que o oficial do EB, após a conclusão do curso da EsAO, está capacitado, como comandante militar, a conduzir a análise das Considerações Civis em operações no amplo espectro. 4.3 ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO O Decreto de 02 de outubro de 1905 criou a Escola de Estado-Maior, inaugurando nova fase no EB, na qual passaram a ser ministrados regularmente aos oficiais, ensinamentos estratégicos, táticos e logísticos indispensáveis ao preparo e ao emprego da Força Terrestre, deixando para trás muitos dos pensamentos do século anterior. Com o término da 1ª Guerra Mundial em 1918, o governo brasileiro foi buscar, na França, instrutores especializados em assuntos ligados à arte da guerra. Assim, com a missão militar aqui instalada, a atualização profissional chegou aos oficiais da Escola de Estado-Maior. Grandes méritos foram creditados à missão militar francesa, que muito se empenhou na divulgação de novos processos de combate, legando, inclusive, publicações sobre táticas das armas, serviços em campanha e chefia militar. A permanência da missão se estendeu até 1940. A participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial gerou modificações profundas na doutrina, nos currículos e nos métodos de ensino e de trabalho, além do próprio ambiente da Escola de Estado-Maior. O retorno dos últimos três membros da missão militar francesa e os acordos militares com os norte-americanos concorreram, decisivamente, para que essas modificações acontecessem. Surgiu, a partir de 38 1940, uma nova etapa na trajetória da Escola, marcada pela sua instalação definitiva no prédio da Praia Vermelha. Atualmente, a Escola de Comado e Estado-Maior do Exército (ECEME) oferece o Curso de Altos Estudos Militares (CAEM), o qual engloba o Curso de Comando e Estado-Maior (CCEM) que tem a duração de dois anos. Este último visa habilitar o oficial concludente ao exercício de cargos e funções de Estado-Maior de Grandes Unidades (Brigadas) e de Grandes Comandos da F Ter e de outros órgãos de nível equivalente, bem como ao comando de Brigadas e de Grandes Comandos da F Ter e desempenho de cargos e funções privativas de oficial-general combatente. 4.3.1 O estudo das Considerações Civis na ECEME O curso da ECEME se pauta pelo fiel cumprimento dos métodos para solução de problemas militares. Nesse particular, há o Método de Planejamento Detalhado do Exército, consubstanciado no Exame de Situação do Comandante, recentemente reformulado e constante do manual de campanha EB 20-MC-10.211, Processo de Planejamento e Condução das Operações Terrestres. De acordo com o citado manual, o novo método, inserido na doutrina militar terrestre brasileira neste ano de 2014, é o processo sistemático de planejamento detalhado de emprego dos elementos da F Ter que visa a dar uma sequência lógica e ordenada aos diversos fatores que envolvem o processo decisório nas operações no amplo espectro. Diz, ainda, que é o método alinhado com o Processo de Planejamento Conjunto estabelecido pela Doutrina de Operações Conjuntas do Ministério da Defesa, e que é referência para os planejamentos nos escalões Força Terrestre Componente (FTC) até o nível unidade. Analisando o Exame de Situação do Comandante, identifica-se a análise do fator de decisão Considerações Civis em duas fases distintas. Na primeira fase do exame, que é a Análise da Missão e Considerações Preliminares, as Considerações Civis são analisadas de forma sucinta. Nessa fase, apenas detalhes relevantes e que realmente possam influenciar no cumprimento da missão do escalão considerado, condicionando-o ou restringindo-o, devem ser levantados. Já na segunda fase (Situação e sua Compreensão), as Considerações Civis são analisadas de forma detalhada, abordando todas as condicionantes que afetam as 39 operações, levando-se em conta todos os conhecimentos disponíveis e relevantes ao processo. Do exposto acima, pode-se inferir que a ECEME já aborda as Considerações Civis em seu Curso de Comando e Estado-Maior, em particular durante o seu primeiro ano. O assunto é apresentado no bloco de Assuntos Civis/ Considerações Civis e, na sequência, praticado nos blocos de Garantia da Lei e da Ordem, Defensiva e Ofensiva. É oportuno citar que todos os temas constantes dos blocos de ensino da ECEME abordam as operações no amplo espectro, a fim de preparar seus concludentes para as especificidades dos combates da atualidade. No bloco de Assuntos Civis/Considerações Civis e, também no bloco de Garantia da Lei e da Ordem, o aluno recebe insumos básicos sobre Considerações Civis, identifica sua inserção como fator de decisão do Exame de Situação do Comandante Tático e, ainda, pratica os ensinamentos adquiridos por meio de exercícios. Além disso, analisando o PLADIS do CCEM/1º e 2º ano, na atual Unidade Didática IV (Assuntos Civis, Atividades de Cooperação Civil-Militar e atribuições subsidiárias gerais e particulares), verifica-se que os assuntos Nr 1 e 2 tratam do mesmo tema, qual seja, Assuntos Civis e que seus objetivos específicos são os mesmos. Portanto, identifica-se a possibilidade de inserção das Considerações Civis no PLADIS em questão, sem alterações significativas da carga horária total. Ainda, ao longo do curso, em especial nos blocos de Defensiva e Ofensiva, novamente o aluno é cobrado na análise das Considerações Civis durante os diferentes temas de fundamento e de aplicação, tanto no escalão Brigada, quanto no escalão Divisão de Exército. Além dos blocos ministrados em sala de aula, as Considerações Civis são estudadas e praticadas durante os Exercícios no Terreno (ET) de operações Defensivas e Ofensivas. 4.3.2 Conclusão parcial Sendo assim, em que pese não estarem as Considerações Civis constando do PLADIS do EE em tela, verifica-se que o mesmo é estudado e praticado por seus alunos. Entretanto, o fato de as Considerações Civis não constarem do PLADIS deve ser retificado pois há o risco de não se estabelecerem os objetivos específicos a serem atingidos pelo concludente do curso, acarretando em formação deficiente. 40 5 AS CONSIDERAÇÕES CIVIS NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA E NA ESPANHA, SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS DA DOUTRINA BRASILEIRA Neste capítulo serão apresentadas as considerações civis, ou aquilo que se entende por considerações civis, sob o paradigma das doutrinas dos Estados Unidos da América (EUA) e da Espanha. A razão para seleção dos citados países é que o primeiro exerce influência direta sobre a Doutrina Militar Terrestre (DMT) brasileira e o segundo, por representar a doutrina da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), além de, também, influenciar o campo militar do País sul-americano. 5.1 AS CONSIDERAÇÕES CIVIS NOS EUA De maneira geral, o entendimento e o que consta dos manuais de campanha norte-americanos acerca do assunto é o que está consubstanciado nos novos manuais do Exército Brasileiro. Ao se estudar as considerações civis nos novos manuais anteriormente citados, percebe-se a presença da influência norteamericana em toda a gama de assuntos que permeiam as considerações civis. Sendo assim, serão abordados a seguir, aspectos doutrinários julgados importantes e que poderão elucidar ou, até mesmo, contribuir com a doutrina brasileira. Todas as observações a frente se baseiam em entrevista com oficial daquela nação amiga, cursando o CCEM no ano de 2014, leituras e estudos de manuais militares dos EUA, artigos referenciados e apresentações realizadas durante o Maneuvers Captains Career Course (MCCC), curso de aperfeiçoamento de capitães equivalente a Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, realizado nos anos de 2008 e 2009, no qual o autor recebia instruções e praticava o Exame de Situação do Comandante Tático do exército norte-americano, o qual já havia incorporado aspectos doutrinários como as operações no amplo espectro e as considerações civis como fator de decisão. No tocante as operações no amplo espectro, os militares norte-americanos consideram que a face da guerra está mudando e apontam a dificuldade em determinar onde está o inimigo (o aspecto assimétrico sem definição clara de uma "frente de batalha"); O avanço tecnológico que traz meios e métodos outrora disponíveis apenas para as superpotências e que agora são comuns no mundo todo; 41 Armas e táticas que evoluíram com base na tecnologia disponível e com custos reduzidos, além do uso de dispositivos explosivos improvisados. Outro fator preponderante nos conflitos contemporâneos tem sido a influência da opinião pública nacional e internacional nos conflitos armados. Como exemplos, tem-se o Vietnã, emblemático para os EUA e a Chechênia para os russos. Além dos fatores supracitados, deve-se considerar a mídia e a velocidade do fluxo de informações, as quais costumavam levar meses para alcançar o público em geral agora estão quase que instantaneamente disponíveis em praticamente todo o mundo, demandando preocupações por parte da tropa no que se refere à segurança da informação – o "inimigo" está sempre ouvindo e procurando pistas e dicas para ajudar a sua causa. Nesse contexto atual, para os EUA, assim como para o Brasil, a análise das considerações civis se dá em qualquer tipo de operação, sendo mais frequente e mais relevante nas operações contra-insurgência. Sendo assim, o planejamento no nível tático em operações de contra-insurgência requer uma análise muito maior de considerações civis do que em operações convencionais. As Considerações civis, geralmente, enfocam o impacto imediato de civis nas operações em andamento. No entanto, elas também incluem questões diplomáticas, questões relacionadas as operações de informação e quesões econômicas , a longo prazo e em níveis mais elevados. No nível tático se referem diretamente aos aspectos Área, Estruturas, Capacidades, Organizações, Pessoas e Eventos (AECOPE) dentro da área de operações. Por meio da análise dos aspectos supracitados, os comandantes ampliam sua compreensão do ambiente operativo em que estão inseridos. Além disso, a análise das considerações civis passou a integrar o processo de integração conhecido como Inteligence Preparation of Battlefield (IPB), o qual influenciou o Processo Integrado Terreno, Condições Meteorológicas, Inimigo e Considerações Civis (PITCI-C). A análise detalhada das considerações civis se configura como poderosa ferramenta quando aplicado ao planejamento. A importância de cada um dos aspectos (AECOPE) é avaliada em termos de seu impacto sobre o bem-estar da população em comparação com seu efeito sobre as operações militares. Abaixo seguem explicações sobre cada um dos aspectos a serem analisados nas considerações civis. 42 Áreas são locais-chave ou características do terreno que normalmente não se configuram como áreas militarmente significativas em conflitos de natureza convencional. Podem incluir áreas definidas por fronteiras políticas (por exemplo, distritos dentro de uma área urbana), localização dos centros de governo, enclaves criminais, sociais e políticos, bem como locais para acampamento temporário de civis deslocados. Estruturas compreendem construções e edifícios que são elencados como alvos de alto valor e prioridade em operaçoes militares (pontes, torres de comunicações, barragens, etc), locais culturais protegidos por lei ou contrato (igrejas, bibliotecas e hospitais) e aqueles com aplicação prática (prisões, armazéns, escolas, gráficas e estações de rádio e televisão). Capacidades são entendidas como as principais funções ou serviços prestados à população, tais como a administração e a segurança pública, serviços de emergência, alimentos e agricultura. Muitas vezes, referem-se aos recursos e serviços que podem ser contratados para apoiar a missão militar como intérpretes, serviços de lavanderia e materiais de construção e equipamentos. Organizações são grupos não militares ou instituições que influenciam ou interagem dentro da área de operações. Alguns podem ser nativos (grupos religiosos, sindicatos trabalhistas, organizações criminosas, etc), enquanto outros podem ser externos, tais como Organizações Não-Governamentais (ONG). Pessoas: este termo geral descreve o pessoal não militar encontrado por forças do exército em cada operação e suas várias capacidades, necessidades e intenções. Eventos são as atividades de rotina, cíclicas, planejadas ou espontâneas que impactam significativamente a população civil ou as operações militares. Alguns exemplos são os feriados nacionais e religiosos, feiras agrícolas, eleições, distúrbios civis e desastres naturais ou provocadas pelo homem. 5.2 AS CONSIDERAÇÕES CIVIS NA ESPANHA Para levantar informações relativas à doutrina espanhola e, em consequência da OTAN, a pesquisa se valeu de manuais, páginas eletrônicas e, principalmente de entrevista com oficial daquela nação amiga, cursando o CCEM no ano de 2014. 43 Importante constatação foi a de que nem a Espanha, nem a OTAN adotam as considerações civis como fazem os norte-americanos e os brasileiros. Ao abordarem o trato com o terreno humano, o fazem por intermédio da cooperação cívico-militar (CIMIC). A seguir, seguem as informações doutrinárias relevantes sobre o assunto. Como dito anteriormente, no seio da OTAN utiliza-se o termo Civil-Military Cooperation (CIMIC), que é parecido, mas não idêntico, com o homônimo brasileiro, para se referir ao seguinte: A coordenação e a cooperação, em apoio à missão, entre o commando da OTAN e os atores civis, incluindo a população e autoridades locais, bem como as agências e organizações não governamentais nacionais e internacionais. (OTAN, 2003). Diferentemente do que acontece na doutrina brasileira, o termo é aplicado indistintamente de serem as atividades CIMIC executadas por forças especializadas ou por unidades não especializadas, em tarefas de cooperação civil-militar. A doutrina brasileira aborda, ainda, os Assuntos Civis, termo que não existe na doutrina da OTAN, para se referir às tarefas de governança civil ou administração local. Nesse sentido, a doutrina brasileira é mais detalhista na análise dessa situação, enquanto que no caso da OTAN isso não é adequadamente tratado no momento em que assinala, apenas, a necessidade de restabelecer a ordem e entregar o poder o mais cedo possível às autoridades locais. Para compreender esta diversidade terminológica, é preciso fazer referência a diferença existente entre a perspectiva brasileira e a da OTAN, uma vez que cada uma delas nasce de realidades e necessidades com características peculiares. No caso da OTAN, as operações realizadas nas últimas décadas legaram acúmulo de experiências em missões com ênfase na CIMIC, sendo exemplos as desenvolvidas em teatros como Afeganistão, Kosovo ou Bósnia-Herzegovina. No caso brasileiro, por seu turno, em que pese existir o conceito CIMIC, a abordagem das considerações civis se configura como ferramenta mais apropriada para gerar a consciência situacional e cultural necessária para as operações no amplo espectro. Além disso, cabe destacar que a DMT brasileira está influenciada pelo grande protagonismo das missões de apoio às autoridades civis, nas quais as Forças Armadas desenvolvem atividades de grande importância para a União que, na maioria dos países, habitualmente estão situadas fora do âmbito militar. Sob o paradigma da CIMIC, para a OTAN, os Estados-Maiores dos comandos e forças da Aliança contam com uma seção que se denomina G-9, no caso das 44 Grandes Unidades e comandos no nível tático, e J-9 nas forças conjuntas. Durante o planejamento, são considerados os fatores políticos, militares, econômicos, de infraestrutura e de informação, que têm uma estreita relação com o ambiente civil. No nível estratégico, na hora de apresentar as opções de resposta, são avaliadas as possíveis contribuições de meios civis ou econômicos para o atingimento do Estado Final Desejado (EFD). Durante o planejamento e a conduta das operações, particularmente nas chamadas Operações de Estabilização, são, ainda, abordados aspectos relacionados com o meio civil como a assistência humanitária, o desenvolvimento social e as reformas em campos como a justiça ou o governo. Esses planejamentos são acompanhados de estreita ligação com autoridades e agências civis, as quais se iniciam nos estágios primários do planejamento, antes do desdobramento de tropas na área de operações, a fim de facilitar o desenrolar das operações até a saída das forças da OTAN. De acordo com o manual da OTAN, Comprehensive Operations Planning Directive (COPD), o resultado desse conjunto de atividades se traduz, dentre outros documentos, no Anexo W, Cooperação Civil-Militar, ao Plano de Operações (OPLAN), o qual detalha aspectos como a avaliação da situação civil, a estrutura das forças CIMIC, as principais organizações civis presentes no terreno ou os locais de importância para a CIMIC. Este último elemento se reveste de grande importância, pois o G-9 ou o J-9 devem elaborar e manter permanentemente atualizada a lista desses locais, cuja destruição total ou parcial poderá trazer repercussões negativas para o cumprimento da missão. No que se refere à preparação dos comandantes militares para atuarem em operações no amplo espectro lidando com o terreno humano, a Espanha e demais integrantes da Aliança recebem treinamento específico a fim de garantir o adequado conhecimento de aspectos da área de operações onde irão ser empregados. Dentre eles se destacam a consciência do ambiente (environment awareness) e a consciência cultural (cultural awareness), uma vez que falhas nestas áreas, no nível tático, poderão repercutir no nível político, inclusive. Nesse sentido, para poderem realizar suas tarefas, antes da projeção de força para a execução de operação no exterior, os oficiais de Estado-Maior responsáveis pelo planejamento e condução das ações de CIMIC realizam intensa preparação incluindo a realização de cursos específicos. De acordo com PADIN (2014), os 45 principais centros de ensino da OTAN no campo CIMIC são a NATO School Oberammergau, na Alemanha: http://www.natoschool.nato.int/, o CIMIC Center of Excellence, nos Países Baixos: http://www.cimic-coe.org/ e o Multinational CIMIC Group, na Itália: http://www.cimicgroup.org/. O treino recebido visa capacitar os oficiais ao exercício das atividades de planejamento próprias do campo CIMIC, bem como dispor de habilidades como o conhecimento da língua inglesa, indispensável para qualquer oficial ou sargento que trabalhe no campo CIMIC, o treino específico para trabalho com intérpretes, a capacitação para a organização e execução de reuniões interagências, o domínio das técnicas de negociação e o relacionamento com a mídia. Além do supracitado, os militares que operam no campo CIMIC devem possuir atitude diplomática, transparente e aberta, devendo ainda serem capazes de assessorar e apoiar os atores civis, bem como de identificar as capacidades civis que possam apoiar a operação militar. 5.3 CONCLUSÃO PARCIAL Por fim, em que pese os novos manuais brasileiros aprovados no início do ano 2014 incorporarem muitos aspectos semelhantes à doutrina dos EUA e da OTAN, fica evidenciado que a DMT brasileira tem personalidade própria, uma vez que também se identificam diferenças significativas. Tais diferenças respondem às particularidades e responsabilidades operacionais específicas do Exército Brasileiro. Nesse contexto, não se considera necessário introduzir alterações significativas na doutrina vigente no Brasil, uma vez que os recentes manuais reconhecem, de maneira clara e explícita, a importância capital da análise e da avaliação contínua do ambiente civil no planejamento e condução das operações, alinhado com o proposto na doutrina norte-americana, consubstanciada no FM 3-0 (Operations), e com a doutrina espanhola e da Aliança, conforme o Comprehensive Operations Planning Directive da OTAN (COPD), emitido em 2010. 46 6 CONCLUSÃO Neste capítulo será apresentado um parecer final sobre a capacitação dos comandantes militares brasileiros para a condução da análise das considerações civis em operações no amplo espectro. Além disso, serão elencadas sugestões para o aperfeiçoamento da Doutrina Militar Terrestre, fruto das omissões e pontos julgados indefinidos no presente trabalho. No que se refere à capacitação dos comandantes militares brasileiros para a condução da análise das considerações civis em operações no amplo espectro, cabem algumas observações que auxiliarão na conclusão final desta pesquisa. Em primeiro lugar, deve-se estabelecer uma clara separação entre as necessidades de aprofundamento do estudo do fator de decisão considerações civis por parte dos comandantes militares nos diferentes escalões. Ao se considerar os comandantes militares nos níveis pelotão e subunidade, ficou evidenciado que os mesmos não necessitam conduzir uma aprofundada análise das considerações civis durante seus planejamentos, sendo suficiente a interpretação das informações e dados recebidos do escalão superior. Cabe ressaltar que este último, sabedor da limitação de tempo para planejamento de seus subordinados, bem como da limitada capacidade de análise dos mesmos, deverá repassar, apenas, aquilo que for pertinente para o cumprimento da missão de seus subordinados. Sendo assim, nos escalões citados, no que concerne as considerações civis, seus comandantes devem saber identificar onde obter as informações em questão, assim como interpretá-las para empregá-las de forma eficaz durante seus planejamentos e execução de missões. Outra conclusão importante é que o Pelotão e a Subunidade irão contribuir efetivamente com o esforço de busca de dados acerca das considerações civis, bem como serão aqueles que irão interagir com o terreno humano durante as operações. Subindo um degrau, ao se tratar do comandante do escalão Unidade, concluise que este está plenamente capacitado para realizar análise das considerações civis, até porque ainda receberá os dados necessários do escalão superior. Além da capacitação fornecida ao comandante durante o curso da EsAO, vale ressaltar que a Unidade possui mais meios, pessoal e conta com um Estado-Maior, detendo a capacidade de analisar as informações recebidas do escalão superior e extrair aquilo que for útil para cumprir suas missões impostas e deduzidas. Em razão das já 47 citadas possibilidades, o comandante de Unidade possui algumas ferramentas que lhe permitem obter dados importantes para sua operação, no que se refere às considerações civis, contribuindo para o sucesso da missão em todos os níveis, incluindo o político. Tratando dos escalões Grande Unidade e Grande Comando, conclui-se que os comandantes militares possuem plenas condições de conduzirem análise aprofundada das considerações civis em operações no amplo espectro. O CCEM da ECEME capacita o formando no desempenho do estudo do impacto das ações militares no terreno humano da área de operações. Além disso, deve-se ter em mente que a estrutura de seus Estados-Maiores, bem como a pleíade de meios, frações e pessoal especializado disponíveis para cumprimento de missão, permitem que nos escalões citados ocorra efetivo levantamento dos dados relevantes relacionados as considerações civis. Feitas as considerações finais sobre o proposto na presente pesquisa, serão apresentadas algumas sugestões para o aperfeiçoamento da preparação dos comandantes militares nos estabelecimentos de ensino pesquisados, uma vez que em nenhum deles o assunto considerações civis está inserido nos respectivos PLADIS. Os PLADIS da AMAN e da EsAO contemplam os métodos adequados para os respectivos escalões estudados conduzirem o processo de tomada de decisão militar, além do que os escalões em tela se configuram como usuários das informações e dados produzidos relativos às considerações civis. Tanto as Normas de Comando empregadas como método para planejamento no nível Pelotão, bem como o Estudo de Situação do Comandante aplicado nos níveis Subunidade e Unidade se baseiam nos fatores da decisão, portanto, mediante modificações que já estão sendo implementadas, as considerações civis, da mesma forma, já estão sendo tratadas nas escolas. Sendo assim, acredita-se ser desnecessário inserir tal assunto nos PLADIS da AMAN e da EsAO. Por outro lado, na ECEME, o fato de as considerações civis não estarem inseridas no seu Plano de Disciplinas (PLADIS) deve ser retificado o quanto antes, sob pena de não serem estabelecidos os objetivos específicos a serem atingidos pelo concludente do curso, acarretando em formação deficiente do comandante militar de nível mais elevado no EB e que, efetivamente, conduzirá análise aprofundada do fator de decisão em questão. 48 Foram analisados os PLADIS do CCEM/1º e 2º ano, na atual Unidade Didática IV (Assuntos Civis, Atividades de Cooperação Civil-Militar e atribuições subsidiárias gerais e particulares) e verificou-se que os assuntos Nr 1 e 2 tratam do mesmo tema, qual seja, Assuntos Civis. Além disso, os objetivos específicos dos assuntos Nr 1 e 2 são os mesmos. Sendo assim, visualizou-se a possibilidade de incluir no citado plano o estudo do fator de decisão Considerações Civis. Como sugestão, as Considerações Civis poderiam ser inseridas no PLADIS do CCEM/1º e 2º ano, como assunto Nr 1, na atual Unidade Didática IV, a qual pasaria a ser identificada como Considerações Civis, Assuntos Civis, Atividades de Cooperação Civil-Militar e atribuições subsidiárias gerais e particulares, sem que houvesse necessidade de aumento da carga horária total em vigor que é de 34 (trinta e quatro) horas. Para tanto, os objetivos específicos para o assunto sugerido seriam: apresentar as considerações civis como fator de decisão; estudar as considerações civis como fator de decisão e seus desdobramentos para as operações no amplo espectro; verificar a inserção das considerações civis no Exame de Situação do Comandante Tático; e realizar um Exame de Situação do Comandante Tático para operações no amplo espectro, com ênfase nas considerações civis. Com isso, as considerações civis passariam a constar do PLADIS do EE em tela, garantindo a padronização da habilitação dos comandantes militares na condução da análise necessária em operações no amplo espectro. Após as observações referentes à capacitação propriamente dita do comandante militar para condução da análise das considerações civis em operações no amplo espectro, serão apresentadas algumas sugestões para o aperfeiçoamento da Doutrina Militar Terrestre. No que se refere às considerações civis, durante a pesquisa bibliográfica sentiu-se falta de conceitos que definissem ou contextualizassem o pesquisador sobre os aspectos componentes do método de estudo do citado fator de decisão. Sendo assim, abaixo segue proposta de inclusão em nossos manuais, fruto da presente pesquisa e tomando por base publicações do Exército dos Estados Unidos da América como, por exemplo, o FM 3-24 “Counterinsurgency”. Os aspectos área, estrutura, capacidades, organização, população e eventos compõem o arcabouço das considerações civis. Entretanto, nos manuais brasileiros ainda não há uma abordagem descritiva dos citados aspectos. Sendo assim, a fim 49 de complementar os exemplos já contidos no anexo A do Manual de Campanha EB 20-MC-10.211, Processo de Planejamento e Condução de Operações Terrestres, segue proposta para elucidação dos aspectos constantes das considerações civis. Área: Nesse aspecto, são consideradas como mais relevantes as localidades ou características do terreno dentro da área de operações que tenham significado para a população local. Este aspecto suscita análise do terreno a partir de uma perspectiva civil. Para correta análise, os comandantes devem identificar como as áreas civis afetam as operações militares, bem como a forma como as operações militares afetam essas áreas. Estrutura: Analisar a estrutura consiste em determinar como a sua localização, função e capacidade pode suportar as operações militares. Os comandantes devem considerar as conseqüências do uso de uma estrutura para fins militares, pois na maioria das vezes traz prejuízo às necessidades da população civil. Comandantes devem considerar cuidadosamente os benefícios militares esperados, bem como os custos para a comunidade local, os quais trarão consequências inevitáveis para o esforço de guerra no futuro. Capacidades: Se referem à habilidade das autoridades locais de prover à população os serviços essenciais. Os comandantes analisam as capacidades dando prioridade ao entendimento de como o governo local poderá apoiar a missão. As capacidades mais importantes são as requeridas para salvar, manter, ou melhorar a vida da população, nessa ordem. Nesse contexto, algumas das capacidades mais relevantes são a administração pública (funcionamento da burocracia, tribunais e demais setores do governo), a segurança pública (forças militares e de segurança, polícias e órgâos de inteligência), os serviços de emergência (bombeiros e serviços de ambulância), saúde (hospitais e clínicas), alimentação, água e saneamento básico. Organizações: As organizações são grupos não-militares ou instituições, atuantes no interior da área de operações. Eles influenciam e interagem com a população, com o inimigo, e entre elas. Geralmente possuem estrutura hierárquica, metas definidas, operações estabelecidas, instalações fixas ou locais de reunião e um meio de apoio financeiro ou logístico. Dentre as organizações nativas, podem ser citadas as religiosas, políticas, patrióticas, sindicatos trabalhistas, organizações criminosas, centros comunitários e associações de moradores. Existem, ainda, organizações vindas do exterior. Como exemplo, estão incluídas nessa categoria as 50 corporações multinacionais, os organismos internacionais (ONU), as agências nãogovernamentais e outras instituições, como a como a Cruz Vermelha Internacional. As operações em amplo espectro exigem comandantes capazes de coordenar as organizações. Para tanto, faz-se necessário possuir informações sobre as atividades desses grupos, suas capacidades e suas limitações. A consciência situacional exigida requer entender como as atividades de diferentes organizações podem afetar as operações militares e como as operações militares podem afetar as atividades dessas organizações. A partir dessa análise, os comandantes podem determinar como as organizações e as forças militares podem trabalhar juntas na busca de objetivos comuns. Em quase todos os casos, as forças militares possuem mais recursos do que as organizações civis. No entanto, algumas organizações civis detêm capacidades especializadas que podem ser compartilhadas. Comandantes militares não possuem ascendência funcional sobre as organizações civis existentes em sua área de operações. No entanto, algumas operações demandam que seja atingida a unidade de esforço com essas organizações. Essas situações exigem comandantes capazes de influenciar os líderes dessas organizações por meio da persuasão, com base na força de seus argumentos e no exemplo de suas ações. População: Refere-se ao pessoal não-militar. O termo inclui todos os civis dentro de uma área de operações (a população), bem como aqueles que estão fora dela e cujas ações, opiniões, ou influência política possa afetar o cumprimento da missão militar. Para analisar os diferentes aspectos da população, o comandante pode se valer de tabelas, calcos e matrizes que retratem, de forma gráfica, o apoio da população, aspectos sobre religião, raça e etnia. A percepção da população é outro ponto a ser considerado em operações. Para tanto, devem ser utilizadas ferramentas capazes de identificar como determinada operação militar está sendo percebida pela população. Eventos: Os eventos são as atividades de rotina, cíclicas, planejadas ou espontâneas que afetam significativamente as organizações, as pessoas e as operações militares. Na maioria das vezes, os eventos possuem forte significado e simbolismo. Os exemplos incluem os feriados nacionais e religiosos, ciclos agrícolas, pecuários e comerciais, eleições, distúrbios civis, celebrações, dentre outros. 51 Também se configuram como eventos os desastres causados pela natureza, pelo homem ou pela tecnologia. Esses criam dificuldades e exigem respostas imediatas. Os exemplos de eventos precipitados pelas forças militares incluem as operações de combate, as mobilizações de efetivos militares e os dias de pagamento. Uma vez que os eventos significativos são identificados, é necessário que seja mapeado e que sejam analisadas suas implicações políticas, econômicas, psicológicas, ambientais e legais. Além das contribuições apresentadas anteriormente, fruto deste trabalho e alicerçado, principalmente, nas entrevistas conduzidas com oficiais de Estado-Maior de outros países que frequentaram o CCEM para Oficiais de Nações Amigas (ONA) neste ano de 2014, em especial os da Espanha, do Chile e dos Estados Unidos da América, surgem novas idéias para aumentar a capacitação dos militares em geral, particularmente os oficiais formados pela ECEME, no que tange as considerações civis. Nesse contexto, sugere-se que sejam ministradas instruções adicionais que aumentem a experiência do militar, bem como sua capacidade para confrontar a grande variedade de exigências que podem surgir numa operação no amplo espectro. Como exemplos, citam-se a seguir: A intensificação das instruções de língua inglesa, indispensável para qualquer oficial ou sargento em operações fora do Brasil. Atualmente, o nível de conhecimento dos militares em língua estrangeira está aquém do desejável, particularmente entre os sargentos. Como o idioma inglês é considerado universal, bem como é utilizado como língua oficial em missões sob a égide da ONU e da OTAN, acredita-se que deva ser de domínio de todo profissional das armas, em especial dos oficiais concludentes do CCEM. O treino específico para trabalho com intérpretes. Por meio de experiências e relatos, verifica-se que o emprego de intérpretes em operações carece de preparação adequada, a qual engloba, entre outros aspectos, a questão da seleção de pessoal e o devido repasse da consciência situacional e, principalmente, cultural do ambiente em que se desenvolvem as atividades militares. A capacitação para organização e condução de reuniões interagências pois, atualmente, o ambiente em que ocorrem as operações é composto por diferentes atores, dentre eles órgãos e entidades variadas. Nesse contexto, é mister que o combatente da atualidade possua as habilidades necessárias para coordenar os 52 variados atores e, de forma integrada, obter o sucesso militar nas situações de emprego. O aprendizado das técnicas de negociação para que o militar, principalmente o oficial egresso da ECEME, disponha de ferramentas que possibilitem agir em proveito da missão a ser cumprida. Além disso, não raro surgem situações críticas nas quais as habilidades de negociação permitem que se encontre uma solução para o problema ou crise apresentadas. A intensificação de instruções focando o relacionamento com a mídia justificase pois vive-se em uma sociedade cada vez mais dependente da informação, na qual a perspectiva que a população tem da realidade é fundamental. Vencer a “batalha de narrativas” é não apenas se comunicar bem, mas se comunicar primeiro. Perder o controle da narrativa poderá restringir a liberdade de ação e até mesmo impor a derrota no “Espaço de Batalha”. A inserção de palestras de dirigentes ou altos executivos de Organizações Não-Governamentais (ONG), abordando as suas visões das atividades desempenhadas por suas organizações nas zonas de conflito, bem como o seu relacionamento com as forças militares. Por exemplo, a ONG “Médicos Sem Fronteiras”, apresentando perspectiva pouco conhecida para os militares, o que permitirá a reflexão e a adoção de táticas, técnicas e procedimentos ajustados para atuar de forma coordenada e integrada na busca do atingimento de determinado objetivo. Por fim, cabe ressaltar que a hipótese levantada inicialmente neste trabalho foi contrariada e que foram identificadas omissões doutrinárias e outras oportunidades de melhoria da doutrina. Dessa forma, espera-se que os resultados apresentados neste trabalho possam se tornar referências para outras pesquisas, bem como contribuir para o aperfeiçoamento da Doutrina Militar Terrestre brasileira. Nesse contexto, confirmou-se a importância do tema, em especial das considerações empreendimento civis no do contexto trabalho de dos conflitos conclusão de atuais, curso, o que além ratifica de o permitir aprimoramentos doutrinários para que o Exército Brasileiro possa enfrentar, com eficiência e eficácia, os desafios do século XXI. _______________________________________ LUIS ANTONIO DE ALMEIDA JUNIOR – Maj Inf 53 REFERÊNCIAS BRASIL. Exército. Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. ME 21-253: Formatação de trabalhos acadêmicos, dissertações e teses. Rio de janeiro, RJ, 2007. ______. Exército. Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. ME 21-259: Elaboração de projetos de pesquisa na ECEME – Manual. Rio de janeiro, RJ, 2012 a. ______. Exército. 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