A Pluriatividade na Agricultura Familiar do Estado de Sergipe1 Eliano Sérgio Azevedo Lopes 2 Professor do Mestrado em Sociologia da Universidade Federal de Sergipe – UFS Introdução Nos últimos anos, vários estudos e pesquisas têm destacado uma série de mudanças importantes que vêm ocorrendo no meio rural, seja no que diz respeito a aspectos ocupacionais, seja na interpretação da noção ou significado que tais mudanças têm assumido na atualidade (Graziano da Silva, 1997, 1999; Carneiro, 1997; Wanderley, 1997; Moreira, 1999, Delgado, 2000). Como exemplo, são mencionadas as “novas funções” atribuídas ao meio rural (turismo, casas de segunda moradia, lazer, etc.), alterando não somente a paisagem, como também as relações e significados sociais no espaço agrário. É inegável o fato de que o espaço rural, em certas regiões, não pode mais ser visto como sendo caracterizado exclusivamente pela agricultura, o que tem levado alguns autores a afirmar que “rural” deixou de ser sinônimo de “agrícola”, haja vista que outras atividades, nem sempre relacionadas à agropecuária strictu sensu, vêm sendo desenvolvidas no campo, assim como práticas tradicionais estão assumindo novos significados, expressando um desejo da população rural de ali permanecer e melhorar o seu nível de bem-estar social. Essa nova percepção sobre o rural alterou a natureza do debate, colocando a questão da pluriatividade3 no centro da discussão, seja na academia seja fora dela, na busca de compreender o sentido das transformações que estão ocorrendo atualmente no mundo rural. Como conseqüência, a necessidade de rever conceitos e buscar novas formas de compreensão e significados desse fenômeno, cuja característica mais relevante tem sido, em grande medida, a diminuição do peso das atividades agropecuárias na formação da renda dos agricultores. Por outro lado, tais transformações também colocaram a necessidade de identificar e procurar compreender melhor os fatores determinantes do surgimento de múltiplas atividades desenvolvidas pelas famílias em vários domicílios rurais e para onde apontam essas mudanças. Resultante do Projeto de Pesquisa “A Pluriatividade na Agricultura Familiar do Estado de Sergipe”, financiada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Sergipe – FAP/SE. 2 Doutor em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pelo CPDA/UFRRJ. 3 Pluriatividade entendida como “a conjunção das atividades agrícolas com outras atividades que gerem ganhos monetários e não-monetários, independentemente de serem internos ou externos à exploração agropecuária. Isso permite considerar todas as atividades exercidas por todos os membros dos domicílios, inclusive as ocupações por conta própria, o trabalho assalariado e o não-assalariado, realizados dentro e/ou fora das explorações agropecuárias”.(Graziano da Silva, 2000). A professora Maria de Nazaré Wanderley, em palestra proferida no X Congresso Mundial de Sociologia Rural (30 de julho a 05 de agosto, no Rio de Janeiro), propõe que se trate não como pluriatividade, e sim como plurinserção, o processo recente de desenvolvimento agrícola que vem ocorrendo. 1 2 No caso da chamada agricultura familiar, particularmente, é preciso verificar, com base em dados empíricos, se as ocupações em atividades não-agrícolas pelo chefe e/ou membros da família indicam a perda progressiva de sua condição e identidade de agricultores, ou se, na realidade, configuram estratégias de sobrevivências para sua permanência no campo, nos marcos do desenvolvimento capitalista que tomou conta do agro brasileiro. Principalmente em se tratando de um país de dimensões continentais como o Brasil, marcado por acentuadas desigualdades regionais e diferentes níveis de desenvolvimento, renda e ocupações, esse cuidado é mais do que desejável, sob pena de se fazer inferências que empobreçam a análise da realidade, por não contemplar a diversidade e a riqueza de situações existentes no meio rural. Em outras palavras, o grande desafio imposto aos estudiosos do desenvolvimento rural no país parece ser o de construir uma tipologia dos espaços rurais capaz de não cair no fundamentalismo de tornar homogêneo o que a realidade nega. Se, nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, é inquestionável o peso que as atividades não-agrícolas têm nas atividades rurais, o mesmo não pode ser dito para grande parte das regiões Norte e Nordeste. As atividades não-agrícolas predominantes no meio rural dessas duas regiões não se configuram como “novas ocupações”, no sentido de estarem ligadas a empreendimentos modernos (fabris, comerciais, de lazer e turismo, etc.) instalados no/ou próximo a zona rural; são, na sua grande maioria, atividades de baixa qualificação e remuneração. Assim, o presente estudo visa analisar as transformações recentes ocorridas no meio rural sergipano tendo como unidade de análise a pluriatividade da agricultura familiar estadual, destacando a natureza e as características das atividades não-agrícolas desenvolvidas nas unidades de produção familiares e a importância e o significado que elas têm na reprodução social do grupo doméstico, principalmente na formação da renda familiar. Espera-se, com isto, conhecer melhor os fatores que explicam a origem e o desenvolvimento da pluriatividade no campo sergipano, contribuindo para o debate teórico sobre essa temática, assim como para a formulação de políticas públicas que tenham como objetivo o fortalecimento da agricultura familiar, adequando-as às situações concretas que espelham os diferentes contextos rurais do estado de Sergipe. 1 – Agricultura familiar e pluriatividade4 A presença e a expansão das atividades não-agrícolas são um fenômeno em curso em vários países do mundo. Para se ter uma idéia, cerca de 40 a 60% das explorações dos países mais industrializados obtiveram mais da metade de suas rendas fora da agricultura em 1978 (Fuller, 1984; Gasson, 1988). Nos Estados Unidos, atualmente, apenas 10 % do pessoal ocupado no meio rural vive da agricultura (Castle, 1998). Na América Latina, o rural não-agrícola já ocupa entre 20 e 30% da população (Sachs & Abramovay, s.d.). Como informam Schneider & Navarro (1998), um relatório da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 1996, destaca que, mesmo nas regiões consideradas “essencialmente rurais”, os setores não-agrícolas, especialmente o setor de serviços, são os que oferecem as maiores possibilidades de emprego no meio rural, ao passo em que o emprego agrícola está em declínio. Embora boa parte da população Este capítulo reproduz, em grande parte, o contido no Projeto de Tese “Pluriatividade e Desenvolvimento Rural no Estado do Rio de Janeiro: repensando a ruralidade para além das dualidades”, de Vanessa Lopes Teixeira, apresentado ao CPDA/UFRRJ, Agosto de 1999. 4 3 permaneça residindo em áreas rurais, sua principal ocupação não está diretamente associada à agricultura. Esse fenômeno da diminuição do peso das atividades agrícolas no emprego e na composição da renda das pessoas e famílias residentes no meio rural, dando lugar aos empregos múltiplos e fontes de renda diversificadas, tem sido identificado na literatura como pluriatividade e agricultura de tempo parcial5. Ainda que a utilização da noção de pluriatividade apresente algumas dificuldades à sua formulação, o debate teórico aponta para um novo fenômeno em curso na agricultura. Na realidade, esta noção engloba categorias e processos sociais distintos que respondem a diferentes questões que são historicamente datadas, apreendendo uma multiplicidade de formas de trabalho e renda nas unidades agrícolas. No entanto, pensar a agricultura familiar através da noção de pluriatividade implica a possibilidade de ampliar o foco de análise, incorporando as novas relações entre o rural não-agrícola e a agricultura, a partir da observação e análise da família. Embora as práticas não-agrícolas sempre estivessem presentes na sociedade rural, o termo pluriatividade é recente na academia e tem sido utilizado para designar o processo de ampliação do mercado de trabalho e de diversificação da produção ancorado num ambiente social e econômico específico: a modernização e a especialização da agricultura6. Muitos estudos têm identificado este fenômeno à resposta aos impactos da modernização agrícola (tecnificação, especialização e crise de superprodutividade) nos países do capitalismo avançado, como também às mudanças ocorridas na economia como um todo, onde a descentralização industrial, verificada a partir dos anos 70, criou oportunidades de empregos não-agrícolas nas zonas rurais (Buttel, 1982; Fuller, 1984, 1990; Barllet, 1986; Minglione e Pugliese, 1987; Marsden, 1990; Pugliese, 1991; Carneiro, 1996; Schneider, 1996). As transformações recentes nos processos de industrialização e urbanização caracterizam-se pela dispersão espacial, pela multiplicação de pequenas cidades e pela descentralização das plantas industriais, contrapondo-se com o modelo fordista de produção, baseado nas grandes empresas de produção em série, uniformização dos processos de produção, especialização da mão-de-obra e estabilidade no emprego. Atualmente, estamos assistindo a um decréscimo gradual do emprego total e um aumento do emprego autônomo e, paralelamente a isso, a uma ampliação da informalidade e da precariedade das relações de trabalho (Mingione e Pugliese, 1987). A especialização profissional exigida no modelo fordista está sendo substituída por uma crescente combinação de atividades exercidas por uma única pessoa, ou seja, está ocorrendo um processo de “desdiferenciação” da divisão social do trabalho, para usar a expressão de Mingione e Pugliese. Além disso, está havendo uma redução da dimensão média das unidades fabris, ou seja, as pequenas e médias empresas podem absorver novas tecnologias sem precisar aumentar a dimensão das fábricas. A industrialização difusa é uma prática em curso na Europa Mediterrânea que pressupõe uma difusão de pequenas empresas nas áreas rurais, ou cidades de pequeno porte, num processo fragmentado de fases de produção, que se beneficia, dentre outros 5 Para uma análise mais apurada da conceituação e diferenciação da pluriatividade e “part-time farming” agricultura de tempo parcial, ver Fuller (1984, 1990); Kageyama (1998); Schneider (1994) e Carneiro (1996). 6 Muitos autores têm questionado se estamos diante de um fenômeno antigo, que representa uma estratégia familiar adaptativa secular e que passou a ser objeto recente de interesse por parte dos investigadores, ou se estamos de fato presenciando um novo fenômeno em curso, que pode dar origem a uma nova categoria social. Em outros termos, a pluriatividade é um novo fenômeno ou um novo olhar sobre o mesmo rural? Concordamos com Schneider (1994) e Carneiro (1994), quando argumentam que a pluriatividade é uma nova conformação social da organização familiar da produção agrícola, pois essas práticas não-agrícolas se desenvolvem em um ambiente sócio-econômico específico. 4 fatores, de um menor custo de reprodução da força de trabalho e de uma organização sindical débil. É nesse contexto de ampliação de novas oportunidades de trabalho proporcionadas pela industrialização difusa e crise de superprodutividade, experimentado pelos países europeus e EUA a partir dos anos 80, que o debate sobre a pluriatividade entra em cena como uma alternativa sadia para revolucionar vários problemas, tais como: reduzir a produção agrícola e conter a crise gerada pela superprodutividade; manter as renda do agricultor sem pressionar excessivamente os cofres públicos; reter a população no campo; estimular a descentralização industrial; estimular o desenvolvimento rural com a viabilização de novas atividades econômicas no campo (turismo, artesanato, etc.); e diminuir a pressão da agricultura sobre os recursos naturais (Schneider, 1994). O recurso aos empregos fora do estabelecimento por alguns membros da família rural pode ser uma estratégia de sustentar os níveis de renda que antes eram garantidos através do aumento de produtividade e pela política governamental que repassava os custos para a sociedade como um todo. Diante das mudanças da Política Agrícola Comum (PAC), sintetizadas na redução dos preços protegidos e na restrição a ampliar a dimensão das atividades produtivas, alguns autores recorrem à noção de pluriatividade como uma opção possível para o desenvolvimento rural, visto como algo positivo por políticos e instituições (Person, 1983). As novas preocupações latentes na sociedade sobre a preservação ambiental destacam a pluriatividade como uma prática capaz de preservar a paisagem rural e a ecologia agrícola, amenizando, assim, um problema de desertificação que tem ocorrido em algumas regiões na Europa. Nesse sentido, reconhece-se a coexistência de diversas atividades no espaço rural (agricultura, turismo, artesanato, indústria, etc.), para a ampliação de renda e emprego no meio rural sem pressionar demasiadamente os recursos naturais, sobretudo nas zonas desfavorecidas-marginais (Brun, 1977 apud Olaizola & Manrique, 1992). Portanto, além de tornar-se uma nova forma de reprodução social e econômica dos agricultores familiares, a pluriatividade passou a ser constituir também como uma estratégia de política e desenvolvimento rural dos Estados Nacionais, sobretudo os membros do CEE e EUA, a partir do esgotamento do seu modelo de modernização agrícola produtivista. No Brasil, o recurso a atividades não-agrícolas trata-se de uma prática antiga na sociedade rural brasileira e tem sido analisado como uma característica intrínseca à agricultura familiar, isto é, como uma estratégia de reprodução social do grupo doméstico, frente a situações adversas (Garcia Jr., 1989; Lovisolo, 1989; Seyferth, 1987)7. Todavia, só recentemente (década de 90) alguns autores (Schneider, 1994; Anjos, 1995) recorreram às noções de colonos-operários, agricultura de tempo parcial ou pluriatividade, para analisar a complementaridade da renda familiar como estratégia de reprodução social, em um contexto caracterizado pela integração dos mercados rurais e urbanos, modernas estratégias de expansão industrial (interiorização e flexibilização do processo produtivo) e novas relações de trabalho (terceirização e informalidade). Cabe acrescentar a interferência da crescente urbanização do meio rural (moradia, turismo, lazer e outros serviços diversos), a preservação ambiental e a proliferação dos sítios de recreio, marcados pela 7 São vários os exemplos nas etnografias do campesinato brasileiro que retrataram a presença de atividades não-agrícolas entre agricultores em distintos locais e em diferentes contextos sócio-econômicos e culturais, dentre eles podemos citar: Garcia, M.F. (1984); Carneiro (1976); Peloso (1986) e Graziano, E. (1986). De uma maneira geral, esses estudos analisaram o recurso às atividades não-agrícolas, por parte dos membros do grupo doméstico, em situações em que os pequenos produtores sofriam algum tipo de dificuldade para se manterem por si só na agricultura. Todavia, temos outros exemplos que comprovam que o recurso a outras fontes de rendas não se limita apenas às pequenas unidades com dificuldades de assegurar sua reprodução (Neves, 1979, 1996). 5 contemporaneidade da questão ecológica e valorização da natureza (Giuliani, 1990; Wanderley & Lourenço, 1994; Graziano da Silva, 1996, 1999; Graziano da Silva, Vilarinho & Dale, 1998; Teixeira, 1998). A pluriatividade é apontada como uma alternativa para ampliar as opções de renda e emprego nos assentamentos rurais. (Alentejano, 1997) Graziano da Silva (1996), numa comparação da evolução da PEA rural e da PEA agrícola nos anos 90 no Brasil, verificou uma expressiva diminuição do trabalho assalariado agrícola, que representa a mais baixa remuneração, quando comparado com os demais trabalhos, e um aumento significativo do número de pessoas que se dedicam a atividades agrícolas de tempo parcial e de autoconsumo, sobretudo no segmento da agricultura familiar. Diante desse quadro, o autor conclui que a criação de empregos não-agrícolas, no atual meio rural brasileiro, é a única estratégia possível para manter a população pobre no campo e, ao mesmo tempo, aumentar o seu nível de renda. Ao lado dessa diminuição do trabalho agrícola e das rendas insuficientes para manter todas as pessoas ocupadas na agricultura em tempo integral, verifica-se, nos anos 90, uma intensificação de “novas”8 atividades agrícolas e não-agrícolas no campo brasileiro, impulsionadas por demandas específicas das classes média e alta, urbana (Graziano et alli, 1997). Essas novas atividades atuam em “nichos” específicos de mercado e se diferenciam das nossas tradicionais “commodities” dirigidas aos mercados agropecuários nacionais e internacionais, respondendo, assim, por uma produção “pós-fordista”. São atividades como: piscicultura; criação de pequenos animais de alto valor agregado, como rã, scargot; produção orgânica de ervas medicinais e de temperos e condimentos; produção orgânica de verduras e legumes; turismo rural; hotel-fazenda e revitalização crescente de atividades tradicionais como o artesanato. Nesse contexto, um outro significado atribuído a pluriatividade seria a diferenciação social e econômica das famílias agrícolas através da diversificação de serviços, num ambiente caracterizado pelo renascimento do rural por parte dos citadinos, que valorizam a natureza e a vida no campo9. Através da análise de microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), Graziano da Silva & Del Grossi (1999) e Laurenti & Del Grossi (1999) destacam mudanças significativas no campo brasileiro nas últimas duas décadas. Os autores constataram uma reversão tanto na tendência de redução da população rural brasileira de 10 anos ou mais de idade, como na sua ocupação observada nos anos 80. Nos anos de 1981 a 1992, a população rural apresentava uma tendência de redução em torno de 0,2% ao ano e uma tendência de crescimento da PEA rural agrícola de cerca de 0,4% ao ano. Já no período de 1992/ 97, esse quadro é revertido para uma tendência de crescimento da população rural a uma taxa de 0,5% ao ano e uma redução da PEA rural agrícola em torno de 2,2% ao ano. Nesse contexto, o que manteve as pessoas no campo foi a crescente importância das atividades não-agrícolas, que apresentaram um extraordinário crescimento de 2,5% ao ano no período considerado. Em outros termos, já são mais de quatro milhões de famílias com domicílio rural que exercem ocupações não-agrícolas e/ ou possuem fontes de rendas extra-agrícolas (aposentadorias, pensões) contra 3,7 milhões de famílias que se dedicam exclusivamente à atividade agrícola. Portanto, a maioria das famílias residentes em 1997 nas zonas rurais brasileiras já não dependiam mais apenas de ocupações agrícolas para sua sobrevivência, ao mesmo tempo em que “está em curso um progressivo abandono das atividades agrícolas por parte das famílias com residência rural” (Graziano da Silva e Del Grossi, 1999:12). Graziano da Silva refere-se a “novas” (entre aspas) porque muitas dessas atividades são antigas no meio rural brasileiro, mas só recentemente passaram a ter importância economicamente e tornaram-se importantes alternativas de emprego e renda para a população rural. 9 A diversificação e o desenvolvimento de atividades produtivas que buscam “nichos de mercado” no meio rural também são realizados pelos “neo-rurais”, isto é, pessoas oriundas da classe média urbana que valorizam a natureza e a vida no campo, e reproduzem nesse espaço o modelo de produção capitalista. Esse fenômeno foi encontrado nos Municípios de Nova Friburgo e Teresópolis (RJ), numa pesquisa realizada por Giuliani (1990). 8 6 Essas famílias estão se empregando, sobretudo, nos ramos da prestação de serviços, da indústria de transformação, do comércio de mercadorias, de atividades sociais e da indústria da construção civil, que respondem por cerca de 85% do total das ocupações não-agrícolas disponíveis no meio rural (Laurenti & Del Grossi, 1999). As estimativas de rendimento para as pessoas ocupadas nas atividades agrícolas e não-agrícolas no Brasil mostram que as rendas advindas das atividades não-agrícolas são bem maiores e têm permitido elevar a média das pessoas residentes no meio rural brasileiro10. Não basta, entretanto, constatar o crescimento das atividades não-agrícolas no meio rural, mas a partir disso compreender sua natureza, características e como essas atividades são impulsionadas e podem ser incluídas em uma política pública de desenvolvimento rural. Laurenti & Del Grossi (1999) reconheceram várias dinâmicas específicas que impulsionam o desenvolvimento das ocupações não-agrícolas no meio rural brasileiro. Estas dinâmicas estão associadas às mudanças no lado da oferta de bens e serviços, tanto no âmbito das atividades econômicas que contam com uma etapa agrícola no processo de produção e circulação de mercadorias, como daquelas situadas fora do agronegócio e, pelo lado da demanda, pela mudança no padrão de consumo da população. Das dinâmicas que não estão vinculadas diretamente às atividades agropecuárias estão, por exemplo, o consumo final não-agrícola da população urbana, como o artesanato, o turismo rural, etc; os serviços públicos nas áreas rurais; a demanda da população urbana de média e alta renda por casas de segunda residência e de baixa renda por terrenos para autoconstrução de suas moradias. Sintetizando, o meio rural “ampliou” suas “ocupações” e adquiriu “novos” tipos de atividades, responsáveis cada vez mais pela ocupação econômica do campo. Como aponta Muller, “o espaço rural não pode mais ser pensado apenas como um lugar produtor de mercadorias agrárias e ofertador de mão-de-obra. Além de poder oferecer ar, égua, turismo, lazer e bens de saúde, possibilitando uma gestão multipropósito do espaço rural, oferece a possibilidade de, no espaço local-regional, combinar postos de trabalho com pequenas e médias empresas” (Muller, 1995). O debate sobre a pluriatividade remete, portanto, a questões relevantes sobre as condições de reprodução da agricultura familiar, como também sobre o desenvolvimento rural. Este último deixa de ser pensado exclusivamente como desenvolvimento agrícola, ou como a única estratégia para a solução de emprego e da pobreza no campo, quando o meio rural apresenta novas alternativas de renda para a família agrícola. Tal perspectiva leva também à redefinição do “rural”. A partir da unificação dos mercados de trabalho rural e urbano e do conseqüente desaparecimento da dicotomia campo-agricultura/cidade-indústria, o “rural” passa a incluir novos bens materiais e culturais advindos da expansão do comércio, do turismo e do lazer11. Em muitos casos, essas alterações nos padrões de consumo passam a orientar, sobretudo os jovens12, ao assalariamento em atividades extra-agrícolas. Muitas vezes, o trabalho agrícola é secundarizado e desvalorizado, passando a ser considerado penoso e menos atraente, ou até mesmo uma coisa do passado. A esse respeito, ver os trabalhos de Hoffman (1998). Graziano da Silva (1999) e Del Grossi (1999) com base nos dados da Pnad. E para uma análise mais qualitativa, ver Alentejano (1997) e Teixeira (1998). 11 Os trabalhos de Person (1983) e Barbic (1983) argumentam que a agricultura de tempo parcial pode ser vista como um elo entre o rural e o urbano, e entre a agricultura e outros setores da economia. 12 Atualmente, um número significativo de jovens rurais trabalham em atividades não-agrícolas na América Latina. De acordo com Durston (1997), 50% dos jovens e 78% das mulheres jovens desenvolvem atividades não-agrícolas no México. No Brasil, essa proporção cai para 27% os homens e 39% para as mulheres na faixa etária entre 5 e 29 anos. 10 7 Não devemos, portanto, negligenciar os significados desses novos bens materiais e culturais à disposição do grupo doméstico na reordenação de novas estratégias e posições sociais (Neves, 1996a), com conseqüências sobre a definição de novas identidades sociais no campo. Assim, o “pluriativo” seria para Lamarche (1984) um categoria social inovadora e distinta, à medida que ela carrega consigo uma imbricação de valores urbanos e rurais, sem eleger uma preferência, apresentando, assim, um modo de vida próprio e, portanto, contribuindo para a construção de uma nova sociedade rural. Diante de um cenário em que o “urbano” não se apresenta mais como uma alternativa promissora de emprego e a retração de emprego agrícola, acompanhada de acentuada queda de rendimento das principais commodities (Lopes, 1996), tem sido uma constante, o surgimento das atividades não-agrícolas no campo tem despertado um amplo debate no meio científico em busca de uma redefinição do espaço rural, apontado por alguns autores, em especial Graziano da Silva (1996), como um “novo rural brasileiro”. Pesquisas recentes têm demonstrado, em diferentes estados brasileiros, a importância dessas atividades não-agrícolas na ocupação da força de trabalho no campo, revelado pelo crescimento muito maior da População Economicamente Ativa (PEA) rural em relação a PEA agrícola13 . O Estado do Sergipe não foge à regra. Os domicílios pluriativos, de acordo com os resultados de uma pesquisa coordenada por Graziano da Silva (2000), representavam 37,2% do total de domicílios agrícolas existentes em 1995 no estado, e 43,8% das pessoas que neles residiam. Porcentagens acima dos valores encontrados para o Brasil (37,0% e 42,9%, respectivamente) e, entre os estado do Nordeste, abaixo apenas do Rio Grande do Norte (53,0% e 59,2%) e do Ceará (38,7% e 44,4%). As ocupações não-agrícolas tendem a se concentrar em profissões que exigem pouca qualificação, entre as quais sobressaem: os serviços domésticos, pedreiros, ajudante de pedreiro, serventes, pintores. Recentemente, tem-se constatado o engajamento de pessoas residentes na zona rural em ocupações vinculadas ao setor industrial, principalmente calçadista e têxtil, ou que trabalham por conta própria na confecção de redes e bordados. Apesar das transformações ocorridas na economia e no campo sergipano, nos últimos 30 anos, já ressaltadas anteriormente, estudos e pesquisas sobre as atividades nãoagrícolas e sobre a pluriatividade na agricultura do estado são incipientes e incompletos, no sentido de permitir que se tenha um panorama mais amplo da presença e do significado dessas atividades no meio rural, e particularmente, no setor da agricultura familiar de Sergipe. Quando não são tratadas tangencialmente, dado o objetivo dos estudos não terem como foco essa questão, os trabalhos sobre o assunto retratam casos particulares, referentes a municípios ou regiões específicas (Santos, 1995; Oliveira, 2003; Souza, 2004). Em 1993, num relatório de pesquisa denominado “A Pequena Produção NãoAgrícola e as Intervenções para o Desenvolvimento na Região do Semi-Árido Sergipano”, elaborado pelo professor José Ferreira Irmão, com vistas a subsidiar a implantação do PróSertão14, em 18 municípios do semi-árido sergipano, a preocupação com as atividades nãoagrícolas no meio rural é tratada com destaque, dado que as atividades agrícolas na pequena e micro-produção ocupam, segundo o autor, aproximadamente, 95 dias do ano do agricultor. Logo, diz ele, as atividades não-agrícolas e de agrotransformação deveriam 13 É o que vem mostrando os inúmeros trabalhos do Projeto “Caracterização do Novo Rural Brasileiro 1981/ 95”, coordenado por José Graziano da Silva, IE/ Unicamp. Entre eles, podemos citar: Graziano da Silva & Del Grossi, 1997; Mattei, 1998; Schneider & Navarro, 1998; Del Grossi, 1999 e Graziano da Silva, 1999. 14 Programa Especial com recursos do FIDA, executado pelo Governo de Sergipe entre 1994 e 2005. 8 assumir um papel de maior significância na manutenção das famílias rurais, devendo receber todo o apoio para assegurar aos microempreendedores formais/informais e artesãos fontes alternativas de recursos, de modo a possibilitar a geração de empregos e o aumento da renda. As atividades não-agrícolas com maior destaque na região estudada, segundo o relatório mencionado, são o emprego público (professores e serviços de apoio a escolas, como merendeira, vigilantes, etc.), o artesanato decorativo e utilitário tradicional (olaria, cerâmica, costura e bordados), o trabalho a domicílio (ofícios de pedreiro e de carpintaria), os pequenos comércios (bodegas, bares, lanchonetes, ambulantes). Segundo aquele autor, a pequena produção de bens não-agrícolas é realizada dentro e fora da unidade de produção. Dentro da unidade, o processo de produção se realiza sob a direção do responsável da família (chefe da família) e utiliza predominantemente mão-de-obra familiar. É o caso, por exemplo, da fabricação de produtos caseiros, elaboração de artigos de artesanato de maneira individual. Essas atividades estão relacionadas com a manutenção da propriedade – formação de cercas e aguadas, aberturas e conservação de caminhos -, a fabricação e o processamento de produtos, a elaboração de artigos de artesanato e a realização de pequenos comércios, atividades que devido ao seu caráter de produção individual, não atingem maior escala econômica. Quando se tratam de pequenos produtores não-proprietários, a produção não-agrícola pode constituir a principal fonte de geração da renda familiar. Fora dos estabelecimentos, a pequena produção não-agrícola é realizada por grupos comunitários ou em microempresas da pequena produção capitalizada (casos mais raros na região). A ocupação se dá através da venda de trabalho, de forma temporária ou permanente, de maneira independente, como no caso das atividades de transporte e comércio ambulante, e de forma comunitária, em atividades geridas de forma coletiva no seio da comunidade. Vendem trabalho, com maior freqüência, os produtores com terras inferiores a 10 hectares que, devido a sua precária disponibilidade de recursos, têm necessidade de vender a sua força de trabalho a outras unidades econômicas para complementar a sua renda de subsistência. O responsável e os filhos maiores trabalham normalmente todo o tempo em atividades agrícolas, enquanto a esposa e as filhas dividem o seu tempo entre a manutenção da casa e as atividades econômicas. Nas atividades produtivas, as mulheres se ocupam principalmente em atividades não-agrícolas e dividem o seu tempo com as atividades agrícolas em períodos de maior demanda de mão-de-obra na agricultura. As atividades não-agrícolas fora do estabelecimento podem ser de natureza permanente ou temporária, em tempo parcial ou integral. Essas ocupações são uma alternativa de trabalho importante para os pequenos produtores nas áreas rurais, especialmente durante os períodos de menor demanda de mão-de-obra nos labores agrícolas. Fazendo a ressalva de que, a despeito da importância das atividades não-agrícolas na reprodução das unidades de produção familiares, não foi possível no relatório quantificar a participação direta das mesmas na ocupação da força de trabalho, José Ferreira Irmão destaca como as principais atividades observadas na região pesquisada, as de bodegueiro, carpinteiro, barbeiro, motorista, tratorista, professor, costureira, marchante, mecânico, borracheiro, bordadeira, cabeleireira, artesão, carroceiro, feirante, doceira, oleiro e sapateiro. Santos (1999), estudando os resultados do Pró-Sertão sobre a qualidade de vida das mulheres beneficiárias do Programa de Micro-Crédito para Atividades Não-Agrícolas, mostra 9 que a presença dessas atividades desenvolvidas por agricultores familiares e membros de sua família são freqüentes. Em dezembro de 2004, foi inaugurada uma fábrica de calçados da Azaléia, povoado Brasília, município de Lagarto. Provavelmente, tal como aconteceu quando implantação de sua matriz em Itaporanga D’Ajuda, é possível que jovens filhos agricultores venham a ser recrutados pela empresa, ampliando as oportunidades ocupação da mão-de-obra local em atividades não-agrícolas na região. no da de de 2 – Procedimentos metodológicos A pesquisa foi feita a partir de uma abordagem interdisciplinar, na qual foram colhidos dados qualitativos e quantitativos relativos à agricultura familiar e às atividades agrícolas e não-agrícolas existentes numa região em que a modernização agrícola apresenta-se como traço revelador das transformações ocorridas no meio rural sergipano, desde os anos 70 do século passado. Fontes primárias e secundárias deram o suporte para o estudo, permitindo que através da aplicação de um questionário semi-estruturado e roteiros de entrevistas, assim como do manuseio de bibliografias relacionadas às temáticas da agricultura familiar e da pluriatividade, fosse possível identificar os fatores e contextos regionais que favorecem o desenvolvimento da pluriatividade, captar melhor o perfil do mercado de trabalho local, verificar o peso e o significado da agricultura e das atividades não-agrícolas para a renda familiar, e perceber o lugar atribuído à agricultura nos projetos familiares. Uma visita aos municípios de Salgado, Boquim e Lagarto, acompanhada de uma conversa com funcionários e dirigentes da Cooperativa do Treze, chefe do escritório local da EMDAGRO e técnicos do Programa Saúde da Família em Salgado e Boquim, com o objetivo de identificar os povoados com maior concentração de agricultores familiares, bem como do número de domicílios rurais existentes em cada um deles, deu início à preparação do trabalho de campo e à posterior aplicação de questionários e realização de entrevistas com agricultores selecionados e outros atores sociais presentes na região. Na busca de tentar compreender as motivações e o significado que a pluriatividade tem para os membros da família, tomou-se como pressuposto que a mesma tem significados diferentes quando se trata do chefe/responsável pela família ou de seus filhos. Se o pai/chefe da família é o pluriativo, isto acontece ou porque ele tem uma renda satisfatória com a atividade agrícola, o que lhe permite utilizar o tempo disponível ocupandose de outras atividades não-agrícolas, ou porque a sua renda é tão baixa que ele é obrigado a buscar ocupação em atividades não-agrícolas como forma de incrementar a renda familiar. Já no caso dos filhos, o sentido da pluriatividade é diferente, faz parte do ciclo de vida da família, isto é, ao se tornarem adultos, naturalmente vão fazer escolhas, que podem muito bem ser a de trabalhar em atividades não-agrícolas, mesmo continuando a residir no meio rural ou migrar para as cidades. A unidade básica da amostragem, o domicílio rural particular permanente, localizado em áreas não metropolitanas, entendido como o local de moradia estruturalmente separado e independente, constituído por um ou mais cômodos, destinado à habitação de uma pessoa ou grupo de pessoas cujo relacionamento é feito por laços de parentesco, dependência doméstica ou, ainda, por normas de convivência. A separação fica caracterizada quando o local de moradia é limitado por paredes, muros, cercas, etc., coberto por um teto, e permite que seus moradores se isolem. A independência fica caracterizada quando o local de moradia tem acesso direto, permitindo 10 que seus moradores possam entrar e sair sem passar pelo interior da casa de outras pessoas. Com base numa amostra intencional, foram escolhidos 100 estabelecimentos rurais caracterizados como pertencentes ao que se convencionou chamar de agricultura familiar, entendida como “a unidade de produção agrícola onde propriedade e trabalho estão intimamente ligados à família”(Lamarche,1993), distribuídos segundo a representatividade de cada um dos municípios objeto da pesquisa na área total de laranja15. Assim, aos três municípios maiores produtores de laranja no Estado couberam, respectivamente, o seguinte número de questionários: Lagarto, 45; Boquim, 28 e Salgado 27. Desses municípios, fizeram parte da amostra os povoados/localidades Poção, Pista da Granja, Pista da Lagoa Seca, Pista do Baixão, Pista do Rio da Vacas, Pista Principal, Pista Três, Pista Quatro e Pista do Pau Grande, na Colônia Treze, município de Lagarto; Quebradas I, II e II, no município de Salgado, e Cabeça Dantas, Olhos D’Água e Romão, no município de Boquim. A escolha dos estabelecimentos rurais pesquisados foi feita de forma aleatória. Para o município de Lagarto, tomou-se por base a relação nominal dos agricultores residentes nas áreas já mencionadas, fornecida pela Cooperativa de Eletrificação e Desenvolvimento Rural Centro Sul de Sergipe Ltda. Nos municípios de Boquim e Salgado, a escolha das propriedades foi feita com base no número de residências rurais existentes em cada uma das localidades selecionadas, fornecido pelas Secretarias Municipais de Saúde dos dois municípios. O critério seguido foi o de entrevistar uma casa sim, outra não, começando da primeira rua/estrada vicinal e da primeira casa do lado direito, depois à primeira do lado esquerdo, e assim sucessivamente. As famílias residentes permanentes na zona rural constituem a unidade de análise da pesquisa. Considera-se como família o conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, que residem na mesma unidade domiciliar e, também, a pessoa que more só em uma unidade domiciliar. Entende-se por dependência doméstica a relação estabelecida entre a pessoa de referência (responsável pela unidade domiciliar ou pela família, ou que assim é considerada pelos demais membros) e os empregados domésticos e agregados da família e por normas de convivência, as regras estabelecidas para o convívio de pessoas que morem juntas sem estarem ligadas por laços de parentesco ou dependência doméstica. Os principais instrumentos de investigação utilizados na pesquisa de campo foram o questionário e roteiros de entrevistas, o primeiro adaptado do questionário utilizado pelo Projeto Rurbano FASE III, por sua vez, baseado no questionário da PNAD. Além disso, foi feita uma revisão bibliográfica sobre os temas contemplados pela pesquisa, com o objetivo de dar o suporte teórico e analítico ao objeto de estudo. Foi utilizada, também, a metodologia proposta pelo Projeto Rurbano16, baseado no reprocessamento e compatibilização da série histórica dos microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), com intuito de apreender a evolução das ocupações (agrícolas e não-agrícolas) no meio rural do estado de Sergipe como um todo, Dos 20.962 hectares de lavouras permanentes existentes nos 14 municípios que formam o pólo citricultor de Sergipe, na sua grande maioria pomares de laranja, registrado pelo Censo Agropecuário do IBGE, em 19951996, quase um terço estava localizado nos municípios de Lagarto, Boquim e Salgado, onde 6.382 produtores se dedicavam a esse tipo de atividade. 16 O Projeto Rurbano tem investigado a relevância analítica dos cortes rural/ urbano e agrícola/ não-agrícola, entre outros, na configuração do recente desenvolvimento rural brasileiro. Para maiores informações, ver Del Grossi (1999) e Graziano da Silva & Del Grossi (1999). 15 11 durante as décadas de 80 e 90. Com os dados de pessoas das PNAD’s, é possível, entre outras, analisar os ramos de atividades, os setores de atividades, os rendimentos, os níveis de escolaridade e as posições na ocupação, e, com as informações sobre as famílias, é possível ainda tentar apreender a lógica das combinações das atividades agrícolas com as não-agrícolas. 3 - A modernização agrícola em Sergipe: a citricultura17 Desde a década de 1970, mudanças significativas vêm ocorrendo na economia do estado de Sergipe, e de modo particular no seu setor agrícola, alterando de forma significativa o perfil do campo, em grande medida relacionadas com as transformações porque passou a agricultura brasileira, naquilo que ficou conhecido como processo de “modernização conservadora da agricultura”. De um lado, a ocorrência de sensíveis mudanças no nível de organização e de mobilização dos trabalhadores do campo, fazendo emergir um conjunto de lutas envolvendo diferentes categorias de trabalhadores rurais – canavieiros, sem-terra, posseiros, pequenos arrendatários e parceiros - expressando um grau mais elevado de organização e de conscientização sobre sua posição na sociedade brasileira. De outro, mudanças na estrutura agrária e agrícola do estado, seja pela implementação de políticas governamentais de colonização, criação de cooperativas agrícolas, perímetros irrigados para exploração da rizicultura, hortaliças e fruticultura, seja pela constituição de assentamentos rurais com base no I PNRA e sucedâneos, todos eles alicerçados na utilização de insumos modernos e tecnologias geradas pela pesquisa – sementes certificadas e/ou melhoradas, fertilizantes, agrotóxicos, mecanização, etc. Tais transformações eram mais claramente observadas nas regiões Norte e Sul do estado, ainda que seus efeitos terminassem por reordenar todo o espaço rural sergipano. No que se refere à região Norte, constatava-se que, uma vez estabilizado o processo de expansão da agricultura canavieira ocorrido nos anos 1980, as mudanças eram dadas pela implementação de diversos projetos de irrigação que, a despeito de sua natureza extremamente diferenciada, terminavam por reordenar a anterior estrutura produtiva, trazendo um conjunto de novas questões e demandas para aqueles que viviam e trabalhavam no campo. Contudo, é no que tange à região Sul do estado que as mudanças ganhavam maior visibilidade. Com efeito, principalmente no correr dos anos 1980, tornou-se corrente no meio técnico e acadêmico de Sergipe associar o campo sergipano ao desenvolvimento da agricultura da laranja. Sergipe havia se transformado, em um curto espaço de tempo, no segundo maior produtor nacional de laranja. Os jornais de circulação estadual, e mesmo nacional, passaram freqüentemente a veicular um conjunto de notícias enfatizando a relevância da citricultura para a economia do estado. A Festa da Laranja, anualmente realizada no município de Boquim, havia se transformado em uma das principais atrações do turismo oficial do estado. A produção de laranja, circunscrita no final da década de 60 ao município de Boquim, expande-se nos anos subseqüentes e passa a ocupar os melhores solos do estado, localizados na região centro-sul de Sergipe, reunindo expressivo contingente de pequenos produtores com propriedades de até cinco hectares, além de significativo número de Este Capítulo está baseado no Relatório Final de Atividades da Pesquisa da Laranja – Sergipe, feita pela Comissão Pastoral da Terra – CPT e Centro Ecumênico de Documentação e Informação – CEDI, com apoio da Coordenação Ecumênica de Serviços – CESE, sob a coordenação do sociólogo Luciano Nunes Padrão, em março de 1995. O ineditismo da pesquisa e a atualidade das informações que ela traz sobre a região da citricultura de Sergipe, justificam plenamente a sua utilização no presente estudo. 17 12 trabalhadores rurais assalariados envolvidos na agricultura da laranja, sobretudo nos períodos de colheita. Todavia, em função da profunda crise com que se depara desde 1995, o endividamento dos citricultores e a baixa produtividade dos pomares espelham o quadro atual da lavoura na região. Nesse período, a zona citrícola no estado de Sergipe localiza-se nas microrregiões homogêneas do Agreste de Lagarto e Litoral Sul Sergipano, concentrando-se nos municípios de Boquim, Arauá, Itabaianinha, Pedrinhas e Riachão do Dantas, que juntos eram responsáveis por 92% da produção de laranjas no estado. É nos anos 1970, sobretudo a partir de 1975, que a expansão da agricultura da laranja no estado de Sergipe se dá de forma mais acelerada, momento em que a área plantada e a produção passam a crescer a taxas superiores a 20% a.a. Neste período, altera-se de forma substantiva o próprio perfil da “Região da Laranja” sergipana. Por um lado, a citricultura expande-se regionalmente e passa a incorporar outros municípios. A “região da laranja” sergipana deixaria, a partir de então, de estar circunscrita aos cinco municípios produtores, e passaria a envolver um total de 14 municípios, fazendo com que atividades agropecuárias tradicionalmente desenvolvidas, como os cultivos do feijão, do fumo e da mandioca, cedessem espaços crescentes ao plantio da laranja. A partir deste período, o estado de Sergipe passa a ocupar o primeiro lugar entre os estados nordestinos produtores de laranja, passando a exportar o produto in natura para praticamente todos os estados da região Nordeste, assim como para o Pará, Roraima, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Chamam a atenção, sobretudo, os municípios de Lagarto e Salgado que, se no início da década de 70 não apresentavam uma citricultura significativa, passaram em um curto período a ocupar respectivamente a terceira e quarta posição entre os principais municípios produtores de laranja do estado de Sergipe. No contexto da produção citrícola, dois municípios sergipanos destacam-se dos demais: Boquim e Estância. O primeiro historicamente se constitui num dos maiores produtores de laranja de Sergipe (em 1990, 94,6% da área agrícola do município era destinada a citricultura) e, atualmente, também como o principal centro de comercialização e distribuição de laranja, abrigando cerca de 18 unidades de beneficiamento do produto para sua comercialização in natura. O município de Estância, por sua vez, destaca-se dos demais por abrigar as agroindústrias processadoras da laranja no estado, a despeito desse município apresentar uma produção de laranja muito pouco significativa. Com a introdução e expansão da citricultura é transformada a base técnica de produção, a partir da introdução de novas tecnologias de cultivo e de novas variedades de laranja que paulatinamente foram sendo utilizadas, ainda que de forma diferenciada, pelos produtores rurais e que terminaram por elevar significativamente os índices regionais de produtividade. Em termos de pessoal ocupado, a citricultura chegou a mobilizar cerca de 150 mil pessoas num estado com 1,5 milhão de habitantes, o que corresponde a 30% do emprego da população economicamente ativa de Sergipe. Com a crise porque passa a citricultura sergipana, estima-se que, atualmente, o número de trabalhadores não passe dos 50 mil . Do ponto de vista dos trabalhadores, as conseqüências do processo de modernização da agricultura no estado são, como no resto do país, bastante conhecidas: a expropriação e expulsão de trabalhadores (moradores, arrendatários, foreiros, etc.) das 13 terras que cultivavam, o aumento do assalariamento e a exclusão dos pequenos produtores do acesso às políticas governamentais para a agricultura. No que diz respeito aos pequenos produtores rurais, constata-se que apenas um contingente minoritário beneficiou-se de algumas medidas do modelo, no sentido de modernizar seu processo de produção. A grande maioria, porém, ficou excluída do acesso às políticas governamentais para a agricultura, reproduzindo-se com base numa agricultura predominantemente familiar, onde a manutenção da sua terra e sua condição de produtor estão constantemente ameaçados. Outro segmento foi expropriado e passou a engrossar o contingente de trabalhadores sem terra. Se hoje podemos falar num vasto segmento de trabalhadores que se reproduzem, a si e a sua família, estritamente a partir do trabalho assalariado, não se pode esquecer que há no estado uma outra parcela, difícil de qualificar, mas seguramente não desprezível, de pequenos produtores que se assalariam em determinadas épocas do ano para melhorar os rendimentos domésticos. São os “trabalhadores migrantes”, que nos últimos anos vêm aumentando em numero e têm sido vítimas freqüentes de relações de trabalhos análogas á escravidão. Em 1978, instala-se no município de Estância a Frutene, de propriedade do grupo baiano Barreto de Araújo, tradicional na área industrial do papel e construção civil. No ano de 1980, entra em operação no mesmo município a agroindústria Frutos Tropicais pertencente ao grupo empresarial pernambucano Paulo Coelho. Também nos primeiros anos da década de 80 duas outras agroindústrias processadoras instalaram-se próximas à região, mais precisamente na região norte do estado da Bahia: a Cajuba, pertencente ao grupo baiano Ângelo Calmon de Sá, proprietário de diversas empresas no mercado financeiro (Banco Econômico, por exemplo), e a Utiara, também pertencente a um grupo empresarial baiano, o Joaquim de Carvalho, proprietário de diversas empresas produtoras e beneficiadoras de cacau. A penetração de diversos grupos empresariais, tradicionalmente envolvidos com outros setores da economia, em atividades relacionadas a citricultura evidencia a atratividade da produção, beneficiamento e comercialização da laranja nos anos de 1980. De fato, os anos de 1980 registram vertiginosas elevações do preço do suco de laranja concentrado no mercado internacional, sobretudo a partir da ocorrência de sucessivas quedas na produção norte-americana em função de desastres climáticos na Flórida, principal pólo produtor mundial de laranja. A entrada em operação de agroindústrias processadoras em torno da região sul do estado de Sergipe termina por imprimir um novo ritmo e dinâmica a esse cultivo. Dessa forma, a comercialização de laranja in natura destinada ao mercado interno foi paulatinamente cedendo lugar para a produção destinada a atender as crescentes demandas do setor agroindustrial. Se no inicio dos anos de 1980 apenas 6,7% da produção estadual de laranja eram processadas, chega-se ao final desta década com cerca de 70% da produção absorvida pelas agroindústrias processadoras, que passaram a exportar volumes crescentes de suco concentrado para os Estados Unidos, Canadá e alguns países da Europa. Com isto, a dinâmica econômica da citricultura no estado passa, no correr da década de 1980, a ser crescentemente ditada pelas agroindústrias, que dada sua capacidade de impor preços, sistemas de produção e de comercialização, transforma-se em um dos personagens econômica e politicamente mais fortes na região. Estima-se ser relativamente baixo o volume de matéria-prima própria processada pelas duas agroindústrias localizadas no estado de Sergipe. Estima-se hoje que 95% da 14 laranja processada por essas agroindústrias são provenientes de terceiros, isto é, pequenos, médios e grandes produtores rurais. Esta situação, contudo, tende a se alterar, uma vez que as duas agroindústrias iniciaram recentemente plantios próprios na região norte do estado da Bahia e no Platô de Neópolis. Por outro lado, a situação não é a mesma quando se trata daquelas localizadas no estado da Bahia que hoje opera, com uma significativa quantidade de laranja produzida em plantios próprios. Quanto a isso, merece destaque o processo de crescente expansão da atividade citrícula sergipana para municípios do norte baiano. De fato, os baixos preços da terra nesta região têm levado grandes produtores rurais sergipanos, sobretudo aqueles do município de Boquim, a expandirem sua produção citrícula para os municípios de Rio Real, Esplanada e Cruz das Almas. Grandes produtores entrevistados estimam que 10% da laranja processada atualmente pelas agroindústrias sergipanas é proveniente de pomares localizados no estado da Bahia. Talvez o elemento chave da agricultura da laranja em Sergipe reside no fato de ser esta uma atividade basicamente desenvolvida por pequenos produtores rurais, sobretudo aqueles que regionalmente são designados por minifundistas, cujas propriedades variam em média entre dois e 3 hectares. Os pequenos produtores rurais constituem-se hoje no segmento de trabalhadores socialmente, isto é econômica e politicamente, mais expressivo na agricultura da laranja no estado de Sergipe. Tal fato mostra-se particularmente importante, na medida em que confere uma singularidade especialmente em relação ao perfil desta atividade em outras regiões brasileiras, onde a base da produção reside em médias e grandes propriedades portadoras de um elevado padrão técnico de produção. A importância dos pequenos citricultores é dada pela sua expressiva participação na produção total de laranja de Sergipe, sendo os mesmos responsáveis por cerca de 85% do total do produto. No plano político constitui, juntamente com os sertanejos, o segmento que historicamente tem se mostrado mais ativo, seja no plano organizativo seja no que se refere às lutas políticas empreendidas visando sua inclusão nas políticas públicas voltadas para a agricultura. Por outro lado, também se constata a existência de um vasto contingente de trabalhadores dispondo de pouca ou nenhuma terra e que encontra no trabalho assalariado na laranja sua principal forma de reprodução social. Tal contingente envolve os chamados “diaristas”, expressão regional que designa os trabalhadores envolvidos na colheita da laranja, segmento de pouca visibilidade social e de difícil quantificação, mas de proporções seguramente não desprezível, e os “carregadores”, contingente de trabalhadores numericamente menos expressivo, mas presente em toda a região nas tarefas que envolvem o transporte da laranja dos sítios e fazendas às unidades locais de beneficiamento. 4 – Origem e caracterização dos municípios e áreas pesquisadas A área de estudo situa-se nos municípios de Lagarto (Povoado Colônia Treze18), Boquim (Povoados Romão, Olhos D’Água e Cabeça D’Antas) e Salgado (Povoados Nas duas últimas décadas, esta localidade assumiu a condição de pólo de referência para outros povoados menores em seu entorno, como Poção, Nova Descoberta e as Pistas que fazem parte da Colônia Treze, devido à estrutura de serviços que passou a oferecer em seu núcleo urbano, como supermercados, açougues, farmácias, feira livre, bares, além de serviços bancários e de saúde, entre outros. 18 15 Quebradas I, II e III). Áreas que foram sendo formadas a partir do processo de colonização nas décadas de 1960 e 1970. Esta ocupação deve-se em parte ao forte impulso da política de crédito concedido pelo Banco do Brasil e, no caso da Colônia Treze e das Quebradas, à intermediação da Cooperativa Mista de Agricultores do Treze Ltda. (COOPERTREZE), que operacionalizou o processo de colonização destas localidades. 4.1 – Município de Lagarto O município de Lagarto, no agreste sergipano, distante 78 quilômetros da capital, Aracaju, ocupa uma área de 962,5 km2, com uma população que vem crescendo desde 1970, chegando a 83.334 pessoas no ano 2000, sendo 51,4% residentes na zona rural, conforme mostra o Quadro 1. O período de chuvas ocorre entre março a julho. O solo é planasol, solos litóloicos eutróficos, podzólico vermelho amarelo, latsol. A vegetação é composta de campos limpos e sujos, capoeira e caatinga. Quadro 1 Município de Lagarto População residente, taxa de crescimento, taxa de urbanização e densidade demográfica 1970-2000 População residente Taxa de Densidade Taxa de Ano cresciment demográfica urbanização Total Urbana Rural o% hab/km2 1970 51.131 12.609 38.522 ... 24,66 53,12 1980 58.320 19.328 38.992 1,32 33,10 60,50 1991 72.144 32.538 39.606 1,95 45,10 74,95 2000 83.334 40.527 42.807 1,60 86,81 Fonte: IBGE – Censos Demográficos, 1970-2000. Os historiados acreditam que a colonização chegou à área denominada atualmente de Lagarto por volta de 1540, com relatos de que religiosos tenham encontrado uma aldeia de índios Kiriris na confluência dos rios Piauí e Jacaré, sob o comando do Cacique Surubi. Em 1575, os jesuítas levantam uma capelinha com o nome de São Tomé e, posteriormente, as de Santo Antônio e de São Pedro e São Paulo, entre os jesuítas encontravam-se Gaspar Lourenço e João Solônio. Góes observa os seguintes fatos: Quando da invasão de Sergipe por Cristóvão de Barros, em 1590, as terras que formam o município de Lagarto já tinham sido doadas em forma de sesmarias para Gaspar d’Almeida e Gaspar de Menezes. Cristóvão também doou as terras a um de seus fiéis soldados, Antônio Gonçalves de Santana. Ele ergue a povoação de Santo Antônio a partir de maio de 1596. Outro nome importante na fundação de Lagarto é Muniz Álvares. Ele montou grandes fazendas de gado (GÓES, 2002, p. 122). O povoamento iniciado em Santo Antônio prosperou até 1645, quando uma epidemia de varíola terminou matando uma parcela considerável de moradores, o que levou alguns dos sobreviventes a fugir para a região da atual Praça da Piedade, em Lagarto, por ser uma área mais alta, onde existia um riacho, com pedras em formato de lagarto, a qual a população busca como referência para nomear o lugar, conforme descreve o Livro nº 1 do arquivo da Paróquia de Nossa Senhora da Piedade da Pedra do Lagarto (GÓES, 2002). Em 1658, são criados três distritos militares fixos em Sergipe, nas povoações de São Cristóvão, Itabaiana e Lagarto, com a finalidade de estabelecer a ordem, em decorrência da 16 instabilidade causada pelo período da invasão holandesa. O distrito de Lagarto ficou inicialmente a cargo do Capitão Belchior Moreira, vulgo Muribeca, enquanto Comandante de Ordenanças. Em 1674, são criados no povoamento a Entrada de Mocambos e Companhia dos Homens Pardos, órgãos militares formados com a intenção de “limpar” a região de mocambos, que naquela época eram responsabilizados por roubos e assassinatos nas fazendas. A esse respeito assevera Góes: “Todas essas incumbências transformaram logo a povoação do Lagarto num grande centro militar, populacional e econômico. Por volta de 1679, a força chegava a se estender às povoações de Jeremoabo e Itapicuru, hoje na Bahia. O resultado é que em 11 de dezembro de 1679, foi oficializada a criação da Freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto. Dois anos depois da criação da Ouvidoria autônoma de Sergipe, já em 1698, a Coroa Portuguesa determina que a freguesia se torne oficialmente Vila do Lagarto”.(GÓES, 2002, p. 123). Em 20 de abril de 1880, a Vila de Lagarto torna-se cidade, depois de perder terras para a formação da freguesia de Nossa Senhora dos Campos, atual Tobias Barreto, em 1718, depois para a criação da Freguesia de Nossa Senhora Santana (Simão Dias), em 1834, e por fim, em 1855, perde outra parte para a formação da Freguesia de Nossa Senhora do Amparo do Riachão, hoje Riachão do Dantas. Episódios que levaram o município a perder divisas, somente recuperando a partir de 1930, quando retoma o desenvolvimento econômico, principalmente com a produção de fumo e mandioca e um parque industrial que chegava a 440 fábricas, que produziam diversos produtos, entre os quais destacavam-se manteiga, calçados, bebidas e algodão beneficiado, entre outros, além de um rebanho de gado que ultrapassava 20 mil réis (GÓES, 2002). Em 2000, o município de Lagarto encontrava-se na 3.769 posição do ranking do Índice de Exclusão Social no Brasil, além de apresentar as seguintes taxas: NE SE Lagarto 3769 0,269 0,565 0,617 0,294 0,076 0,901 0,030 SOCIALÍNDICE DE EXCLUSÃO ÍNDICE DE DESIGUALDADE ÍNDICE DE VIOLÊNCIA FORMALÍNDICE DE EMPREGO ÍNDICE DE ESCOLARIDADE ÍNDICE DE ALFABETIZAÇÃO ÍNDICE DE JUVENTUDE INDICE DE POBREZA POSIÇÃO NO RANKING MUNICÍPIO 2000 UF RG Quadro 2 Município de Lagarto Índices de Exclusão Social - 2000 0,363 Fonte: POCHMANN; AMORIM, 2003, p. 143. Com o asfaltamento da Rodovia Lourival Batista, que dá acesso a Lagarto, no final da década de 1960, conjugado com a ampliação da área de agricultura e pecuária, o município inicia um ciclo de prosperidade e crescimento. Neste contexto encontra-se o 17 surgimento do Povoado Agrícola da Colônia Treze, que nasce com a vocação para a produção de fumo e laranja, produtos voltados para a venda em outras regiões do país . A história do povoado Colônia Treze, distante 15 Km de Lagarto, nasceu com o processo de colonização iniciado em 1959, com a distribuição de lotes pelo Prefeito Antônio Martins, que resolveu dividir parte de sua propriedade em lotes de 10 tarefas (3 hectares) e distribuir para 10 famílias, decisão que em parte decorreu dos prejuízo que teve com a lavoura de fumo em 1954, levando-o a desfazer-se da propriedade localizada nesta região. Acerca do processo que se ampliou em 1960, assevera Santana: “Em 1960 mais 80 agricultores sem terra foram selecionados e agraciados com um lote de 10 tarefas (3 hectares), doados por seu proprietário, Sr. Antônio Martins de Menezes. Os 90 colonos que receberam doação de terra através escritura pública, obtiveram também acesso ao Banco do Brasil S.A. e, com aval do próprio Antônio Martins, foram financiados para construção das casas e custeio de suas lavouras, à época, fumo explorado economicamente e mandioca como subsistência da família” (SANTANA, p. 13). Assentados, os colonos empreenderam o trabalho de desbravamento das terras, construção de moradias e formação de serviços básicos, alguns destes somente encontrados na sede do município e, muitas vezes, somente nas segundas-feiras quando se realiza a feira livre em Lagarto, apesar de encontrar-se estrategicamente situado nas margens da Rodovia Lourival Batista, aberta em 1969. A partir daí o povoamento ganharia cada vez mais projeção e se tornaria referência em cooperativismo, com a fundação da Cooperativa Mista dos Agricultores do Treze Ltda. (COOPERTREZE), em 23 de setembro de 1962. Aos poucos a povoação iria ganhando o aspecto de povoado, com abertura das pistas, construção de casas, bodegas, mercearia, entre outros estabelecimentos de venda de produtos e serviços. A COOPERTREZE conseguiu em pouco tempo demonstrar as potencialidades e o dinamismo dos agricultores. Aos poucos foi montando uma estrutura de escoamento da produção e a abertura de novas áreas de colonização (Nova Descoberta, Quebradas), favorecendo a chegada de novos moradores ao Treze, agora não mais como proprietários de terra, mas como agregados ou trabalhadores em períodos de preparação, plantio e colheita. Os associados trataram também de dotar o povoado de serviços básicos, como um posto médico, uma farmácia, um armazém para pequenas compras e uma escola de 1º Grau, que recebeu o nome do funcionário do Banco do Brasil Luiz Alves de Oliveira, que intermediou uma das primeiras crises da COOPERTEZE, logo após o Golpe de 64, quando o presidente eleito Marinho Correa dos Santos, foi acusado de ser comunista. A escola foi fundada em 1972, visando inicialmente atender crianças da primeira à quarta série primária. Em seguida, a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC) instalou o ensino da quinta a oitava série com a fundação da Escola Cenecista Santa Luzia, com oferta regular de turmas até 1988, quando o Estado assumiu também o ensino nestas séries, levando ao fechamento desta unidade no povoado, que também funcionava na Escola Luis Alves de Oliveira, por cessão do espaço. Ainda na década de 1970, foi construído pela Prefeitura Municipal de Lagarto a Escola José Vieira do Nascimento. Por questões políticas, a família Reis, adversária dos Ribeiros, transferiu o nome desta unidade para o Povoado Poção e renomeou a unidade que fica localizada na Praça Santa Luzia, na Colônia Treze, de Monsenhor Daltro. Na década de 1990, o ensino na Colônia Treze se expande com abertura do Educandário Arco-Íris, instituição privada que atende crianças do jardim à quarta série do 18 ensino fundamental. Nesta época também foi construído pelo Governo Albano Franco o Colégio Estadual Jerônimo de Oliveira Reis, com turmas do ensino fundamental e médio, o que representou um marco para a educação da região, por disponibilizar ensino médio em um povoado, uma modalidade de ensino que não existia em muitas sedes de municípios sergipanos. Apesar disso, a construção da nova unidade foi seguida do descaso e das denúncias de corrupção na Secretaria de Estado da Educação, que culminou com a saída do Secretário Luiz Antônio Barreto. Assim, o antigo prédio da Escola Luiz Alves de Oliveira ficou abandonado por algum tempo e depois foi utilizado de forma parcial, perdendo totalmente o seu encanto como espaço de referência na formação de gerações. Neste cenário de crescimento da Coopertreze, aos poucos o povoado também cresce e consolida as instituições sociais. Assim, no final da década de 1970 e início dos anos 1980 a COOPERTEZE apresentava o seguinte patrimônio: De modo geral a COOPERTREZE conta atualmente com uma série de unidades produtivas como Supermercado, Posto de Gasolina, Churrascaria (estando atualmente sob o regime de arrendamento), Lojas de Reserva de Insumos, Farmácia, Entrepostos de Venda de produtos no Nordeste, Beneficiadora de Laranja, Fábrica de beneficiamento de Fumo e mais recentemente adquiriu uma Fábrica de Rações para aves, bovinos e suínos. Além dessas unidades, a Sociedade conta com uma estrutura eminentemente social que abrange o atendimento ao homem e sua família nos setores educacional, através o supervisionamento de escolas estaduais e municipais, Creches, Centro de Aprendizagem Comunitário, Hospital dotado de médicos, dentistas, assistentes sociais, laboratoristas, etc., que garantem um atendimento perfeito diariamente ao corpo social da Cooperativa, além de mini-postos de saúde espalhados por povoados da área de ação da Coopertreze. Logicamente que para suportar tal volume de serviços, a Sociedade tem que possuir uma estrutura funcional mais ou menos dotada. Nos primeiros meses de 1982 contava a Cooperativa com uma estrutura [...] um quadro funcional composto de 229 funcionários, dois mini-comutadores e uma frota de 27 veículos (SANTANA, 1982, p. 24-25). Em 1982, quando se comemoraram os vinte anos da COOPERTREZE, a mesma encontrava-se em um momento de crise, em parte decorrente do aumento dos juros e, conseqüentemente, com a queda da produção devido a intempéries da natureza (seca). Apesar disso, a população havia crescido sensivelmente, muitos dos colonos já iniciavam a venda de pequenos chãos de casa, da mesma forma a diretoria da COPERTREZE também começava a se desfazer de parte de seu patrimônio, dando espaço à formação de um núcleo urbano em torno de sua sede e da Praça da Igreja de Santa Luzia 19, que surge da demolição das casas que ficavam em frente à Rodovia Lourival Batista e encobriam parcialmente à frente do templo. Com a crise que se abateu sobre a COOPERTREZE, que consistia no orgulho dos seus associados, surgiu um pequeno comércio, que começava a competir com a estrutura da cooperativa. Primeiro, o mercadinho de Zé Bispo (1986) e, com o agravamento e praticamente o aniquilamento de estrutura da cooperativa, o povoado já contava com um núcleo urbano extremamente dinâmico, sendo sede da Paróquia de Santa Luzia do Treze (1984), que dividiu praticamente ao meio o município de Lagarto, num reconhecimento da Igreja Católica ao crescimento da região. Depois as ruas centrais foram calçadas, ganhou um colégio de 2º Grau e linhas telefônicas (1985), Sub-delegacia de Polícia, Posto Médico. Templo em forma de formigueiro, inaugurada em 1975. A estrutura e o design da obra alude ao modelo da construção da Catedral de Brasília, apesar desta ser construída em argamassa, pedras e terra. 19 19 O Treze não mais parecia um simples povoado e começava a apresentar certo ar de urbanidade. A crise na citricultura e a queda nos preços do fumo ao longo das décadas de 1980 e 1990, levaram os agricultores da região a procurar alternativas de sobrevivência. Inicialmente foi implementada a cultura da acerola, com a abertura de uma pequena fábrica de beneficiamento. Depois surgiu a oportunidade de trabalhar com o acabamento de sapatos da fábrica da Azaléia; por motivo de denúncias de que este tipo de atividade envolvia trabalho infantil e se dava sob condições análogas à escravidão, o mesmo deixou de ser executado. Apesar disso, muitos moradores trabalham em Lagarto, ou em Aracaju, além de um grande número de pessoas envolvidas com o comércio no povoado, que cresceu muito nos últimos anos, ou em pequenas fábricas de suco. Atualmente, a Colônia do Treze é sinônimo de toda uma região, que tem o núcleo urbano como referência para educação, saúde e comércio (açougue, farmácias, bares e mercearias), serviços bancários, delegacia de polícia, posto de Polícia Rodoviária et., com ruas calçadas e uma vida urbana bastante intensa. Dentro do mesmo espírito da Coopertreze, existe a Cooperativa de Eletrificação Rural do Centro-Oeste de Sergipe (CERCOS), que compra energia da ENERGIPE e repassa para seus associados. O dinamismo e o modo de vida das pessoas desta localidade refletem em muito sua trajetória de luta pela sobrevivência e pela busca de melhores condições de vida. A maior parte da população local tem na agricultura sua fonte de renda, apesar de grande número de habitantes viverem de atividades secundárias ou mesclarem com serviços ocasionais ou mesmo uma outra atividade de final de semana no comércio, vendendo em sua maioria gêneros alimentícios nas feiras livres. O crescimento do povoado levou seus moradores a pleitearem, sem sucesso, em 1989, quando da realização da Assembléia Constituinte Estadual, a emancipação dessa área. Apesar disso, a oferta crescente de lotes urbanos tem crescido, com aberturas de novas ruas e casas comerciais, o que demonstra a peculiaridade deste espaço em relação às demais localidades estudadas. Ao longo dos últimos anos vem se formando em seu entorno povoações com condições precárias de sobrevivência, com moradores que atuam como empregados sazonais na agricultura e sobrevivem em condições extremas. Deve-se salientar também que entre os grupos que migraram para a Colônia Treze, destaca-se a comunidade religiosa dos “Borboletas Azuis”, fundada por Roboão Ramalho, um paraibano que acreditava que o Mundo seria destruído por Deus no início da década de 1980, além de ciganos, que têm adquirido “chãos de casa”. Desde a década de 1980, o povoado tem conseguido eleger vereadores para a Câmara Municipal de Lagarto, chegando até mesmo à presidência da Casa, além de ser um dos maiores colégios eleitorais do município. 4.2 – Município de Salgado Localizado a 67 quilômetros de Aracaju, na região centro-sul de Sergipe, o município de Salgado possui uma área de 255,8 km2 e uma população inferior a 20 mil habitantes, dos quais 73,6% moram na zona rural (Quadro 4). 20 Com uma temperatura média anual de 24,6oC e período chuvoso durante os meses de março a julho, o município possui solo podzólico vermelho amarelo, latsol, e uma vegetação formada por capoeira e caatinga. Quadro 4 Município de Salgado População residente, taxa de crescimento, taxa de urbanização e densidade demográfica 1970-2000 População residente Taxa de Densidade Taxa de Ano cresciment demográfica urbanização Total Urbana Rural o% hab/km2 1970 8.463 1.874 6.589 22,14 33,08 1980 12.225 2.212 10.013 3,75 18,09 47,79 1991 16.717 3.629 13.088 2,89 21,71 65,35 2000 18.876 4.983 13.893 1,40 74,48 Fonte: IBGE – Censos Demográficos, 1970-2000. A mais antiga menção à fundação da povoação de Salgado é do escritor Laudelino Freire, no “Quadro Corográfico de Sergipe”, quando se refere à existência de uma fazenda às margens do rio Piauitinga, pertencente ao município de Boquim, onde se localizava uma fonte de águas medicinais. Sobre a existência da localidade ressalta Edivânia Freire: A localidade só passou a merecer registro a partir da construção da linha férrea, em 1911, sendo buscada pelos habitantes de Estância, por ser o melhor ponto para embarcação nos trens. O destino era os municípios baianos, onde eles preferiam fazer suas compras. Raramente eles vinham a Aracaju. Para facilitar o transporte dos estancianos até a nova povoação, foi providenciada uma empresa para construir e explorar a rodovia, mediante cobrança de pedágios. Portanto, foi com a construção da rodovia e da estação ferroviária que a povoação começou a crescer e o progresso acelerou-se, ficando conhecida em todo o Estado também pelas suas águas termais (FREIRE, 2002, p. 220). Com o fluxo de passageiros que afluíam à localidade para se deslocarem para outras regiões por meio dos trens, aos poucos foram erigindo a povoação, casas voltadas para atender as pessoas que precisavam pernoitar e esperar as máquinas que passavam no final da madrugadas, na maioria das vezes indo em direção a Salvador ou Aracaju, ou ainda as hospedarias que se formaram para atender aos veranistas que buscavam se banhar das águas consideradas medicinais. No dia 4 de outubro de 1927, a povoação se emancipa do município de Boquim, tornando-se sede de município, através da Lei nº 986, criado pelo governador Manuel Correa Dantas, mas somente em 27 de março de 1938 passou de fato a categoria de cidade. Em nível de Judiciário a cidade já foi da Comarca de Lagarto, Estância e atualmente pertence a Itaporanga d’Ajuda. Somente em 1978, o então governador José Rollemberg Leite organizou o Complexo Balneário de Salgado, com a implantação de um hotel e um complexo de piscinas e quiosques, mas ao longo dos anos 1990 foi sendo abandonado e conseqüentemente perdeu importância, enquanto a Igreja Católica passou a explorar o turismo religioso com a construção do Centro Pastoral João XXIII, uma espécie de hotel fazenda voltada para a realização de retiros espirituais. Edivânia Freire assevera que: “Nas últimas décadas a cidade vem sofrendo o dissabor da crise vivida pela citricultura e dos desmantelos vividos pelo setor turístico. 21 A única estância hidromineral do Estado tem hoje no seu cotidiano um belo hotel, que já foi marco de referência, fechado; uma festa que acontecia anualmente como forma de divulgar a agricultura já não existe há mais de seis anos; o município vive na saudade da época próspera, onde por aqui se encontravam vários hóspedes ilustres, como o ex-governador João Alves, freqüentador do ainda hoje resistente Hotel Chácara João XXIII, administrado pela Arquidiocese de Estância (FREIRE, 2002, p. 221). Apesar dos dissabores experimentados pelo município no campo turístico nestes últimos anos, observa-se que o número de pessoas residindo na área urbana se expandiu bastante, com abertura de novos bairros e ruas, além do comércio que vem se diversificando e ficando menos dependente da cidade de Lagarto, com abertura de casas de alimentação e um aumento considerável no número de barracas na feira livre que ocorre aos sábados na Praça do Mercado, de onde se avistam as piscinas do Balneário. Observase também que aos finais de semana do verão há um fluxo considerável de pessoas que ainda afluem para o banho de sol e de piscinas na cidade. Em 2000, o município de Salgado ocupava a 4.071 posição do ranking de exclusão social no Brasil, num universo de mais de cinco mil municípios no Brasil, demonstra o grau de pobreza em que se encontra parte dos habitantes e que é corroborado pelas seguintes taxas: NE SE Salgado 4071 0,263 0,495 0,603 0,263 0,051 0,957 0,022 SOCIALÍNDICE DE EXCLUSÃO ÍNDICE DE DESIGUALDADE ÍNDICE DE VIOLÊNCIA FORMALÍNDICE DE EMPREGO ÍNDICE DE ESCOLARIDADE ÍNDICE DE ALFABETIZAÇÃO ÍNDICE DE JUVENTUDE PINDICE DE POBREZA POSIÇÃO NO RANKING MUNICÍPIO 2000 UF RG Quadro 5 Município de Salgado Índice de Exclusão Social no Brasil 2000 0,349 Fonte: POCHMANN; AMORIM, 2003, p. 183. Os povoados Quebradas I, II e III, localizados no município de Salgado, nasceram de projetos de colonização desenvolvidos pela COOPERTREZE no final da década de 1970 e início dos anos 1980, destinados a assentar pequenos agricultores que não possuíam terras, com a finalidade de cultivar laranja, maracujá, fumo e roças de subsistência, principalmente mandioca, ou ainda, feijão e milho durante a época do inverno. Cada uma destas localidades mantém especificidades, a ponto de se verificar que a Quebradas I é a que apresenta um maior desenvolvimento e formação de um núcleo urbano, com a presença de bodegas, campo de futebol, escolas, templo católico. Neste povoado as casas estão mais próximas umas das outras e da sede do município. Já a Quebradas II, possui templo católico e evangélico, escola, mas as casas são mais esparsas. E por fim, a Quebradas III, que se caracteriza pela existência de chácaras de pessoas que 22 residem geralmente em Aracaju e vão a propriedade mais para descansar e passar finais de semana e férias. 4.3 – Município de Boquim O município de Boquim faz parte da região centro-sul de Sergipe e está situado a 82 quilômetros de Aracaju, a 164m acima do nível do mar e ocupa uma área de 213,6 (km2). Sua população é de 24.188 habitantes, com preponderância de pessoas residindo na zona urbana (61,9%), conforme observa-se no Quadro 6. A temperatura média anual é de 24,2oC e o período de chuvas ocorre de março a agosto. O solo é podzólico vermelho amarelo e a vegetação, formada por campos limpos e sujos, capoeira e caatinga. Quadro 6 Município de Boquim População residente, taxa de crescimento, taxa de urbanização e densidade demográfica 1970-2000 População residente Taxa de Densidade Taxa de Ano cresciment demográfica urbanização Total Urbana Rural o% hab/km2 1970 14.127 4.963 9.164 35,13 66,14 1980 18.323 8.941 9.382 2,63 48,80 85,78 1991 23.015 13.151 9.864 2,09 57,14 107,75 2000 24.188 14.975 9.213 0,60 113,71 Fonte: IBGE – Censos Demográficos, 1970-2000. O povoamento de Boquim, então pertencente à Freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, iniciou-se pela localidade denominada Lagoa Vermelha, distante uns 10 quilômetros da atual sede, nome dado em decorrência do solo. Antes mesmo de ganhar o status de freguesia, Lagoa Vermelha teve em suas terras uma subdelegacia e um Distrito de Paz e, em 1835, foi criada uma escola para crianças do sexo masculino. Logo em seguida, foi elevada a condição de freguesia com o nome de Nossa Senhora Santana da Lagoa Vermelha. Com o crescimento econômico alcançado muito rapidamente, em 1857 passa a ser uma vila independente de Lagarto (GÓIS, 2002). As inundações da Vila de Lagoa Vermelha pelo rio Piauí, e os prejuízos daí decorrentes, levaram o Padre Manoel Nogueira Cravo e os moradores a trabalharem pela mudança para a atual área, onde hoje é a sede do município de Boquim, contando com o apoio do coronel José Batista, do major Venâncio da Fonseca Dórea e dos comerciantes Manoel Antônio da Fraga e Antônio Araújo. A esse respeito relata Góis: “[...] Toda máquina administrativa e seus funcionários foram transferidos para um grande terreno de um sítio chamado Boquinha da Mata, que recebeu esse nome por ficar na boca de uma mata densa e verdejante (GÓIS, 2002, p. 34). Em 21 de março de 1870, a Província reconheceu a extinção da vila de Lagoa Vermelha e elevou o novo povoamento, agora denominado de Boquim, à condição de vila, com a doação de terras feitas para a construção da nova igreja feita por Antônio Araújo e a certeza de que ali o solo era mais fértil e havia uma fonte de água mineral (Fonte de Mata). Em 1913, com a chegada da linha férrea, a localidade experimentou um desenvolvimento sem precedentes, não só pela rapidez no transporte de passageiros, mas pelo volume de produtos e riquezas transportados por essa via, o que elevou em muito o 23 comércio local e estimulou a produção agrícola, por ser uma via de escoamento muito eficiente. Alguns historiadores dizem que com a chegada do trem, aquela máquina trouxe também mudanças nos hábitos sociais em Boquim. Os moradores esperavam os passageiros com suas melhores roupas. Os hábitos eram os mais requintados e o reflexo também se via na arquitetura com influência européia. A situação econômica de Boquim era tão confortável, que em 1918 a arrecadação do município alcançou a maior de toda a região sul de Sergipe (GÓIS, 2002, p. 35). Na década de 1960, com a introdução dos laranjais, o município descobriria sua maior vocação e iniciaria assim um dos ciclos de desenvolvimento mais promissores, a ponto de colocar a cidade como símbolo da cultura da laranja, com a abertura de empresas e estrutura voltada para atender aos agricultores, como lojas de implementos, agências bancárias, distribuidores e beneficiadoras de frutos. O desenvolvimento e a riqueza que a laranja propiciou à região, com emprego direto de mais de cem mil pessoas, a despeito da crise que abateu o setor no início dos anos 1980, demonstraram como essa lavoura conseguiu diminuir a distância entre a miséria e pobreza, por garantir, por mais de duas décadas, condições de vida melhores para os seus moradores, diferentemente da situação de miséria que se visualizavam em outras regiões, como pode ser visto no Quadro a seguir: NE SE Boquim 3646 0,263 0,543 0,649 0,299 0,062 0,969 0,037 SOCIALÍNDICE DE EXCLUSÃO ÍNDICE DE DESIGUALDADE ÍNDICE DE VIOLÊNCIA FORMALÍNDICE DE EMPREGO ÍNDICE DE ESCOLARIDADE ÍNDICE DE ALFABETIZAÇÃO ÍNDICE DE JUVENTUDE PINDICE DE POBREZA POSIÇÃO NO RANKING MUNICÍPIO 2000 UF RG Quadro 7 Município de Boquim Índice de Exclusão Social no Brasil 2000 0,370 Fonte: POCHMANN; AMORIM, 2003, p. 96. Assim, com a queda na sua produção, a região também passou a enfrentar problemas de fome e miséria, com aumento significativo de barracos nos entornos das cidades e uma espécie de “favelamento rural”, com o inchaço dos núcleos dos povoados, conforme se verificou nestes municípios, nas localidades estudadas. Entre os povoados estudados no município de Boquim, o Romão é o menor e mais isolado. Não é ponto de passagem para nenhuma sede de município, nem possui qualquer atrativo populacional, apesar de ser cortado pela antiga Ferrovia Leste Brasileira, com um pequeno arruado, com existência de templo católico e bodegas. A distância em relação à cidade termina produzindo um isolamento e ao mesmo tempo a agregação dos moradores 24 em torno da vida pacata e voltada para as atividades agropecuárias. Muitos dos moradores do povoados são trabalhadores rurais. A infra-estrutura do povoado é precária, com abastecimento de água através de poço artesiano. É servido por linha telefônica e rede elétrica e mantém uma estreita dependência com a sede do município para a maior parte das compras e serviços. Cortado ao meio pela Rodovia que liga as sedes dos municípios de Boquim a Estância, o povoado Cabeça D’antas possui algumas ruas calçadas, templo católico, além de um conjunto residencial construído no Governo de Albano do Prado Franco (1998-2002). O povoado possui ainda escolas, bares e um pequeno comércio. Por se encontrar a meio caminho da sede de dois municípios (Boquim e Estância), os moradores são beneficiados por transporte regular para se deslocarem para Aracaju, ou mesmo para localidades próximas. A maior parte de seus moradores ainda tem na agricultura a sua fonte de subsistência. A chegada ao povoado Olhos D’água é feita por uma rua calçada, ladeada por pequenas propriedades. Os moradores deste espaço possuem, em sua maioria, melhores condições de vida, tendo acesso à telefonia, água encanada e energia. Mais à frente no arruado, onde se encontram campo de futebol, associação de moradores, bares e mercadinho, observa-se que as residências adquirem o padrão de construção de cidades, com paredes coladas e um pequeno quintal. Os moradores, em sua maioria, trabalhadores rurais, procuram dotar suas residências de poços d’água, construídos em pequenos espaços que deixam entre a rua e a casa, na tentativa de diminuir os gastos com o pagamento desse serviço à empresa estadual. Diferentemente dos povoados dos municípios de Lagarto e de Salgado, as localidades estudadas em Boquim demonstram com maior vigor o quanto se encontravam envolvidas com a cultura da laranja e como a crise na citricultura representou um empobrecimento imediato de sua população. E, conseqüentemente, o reflexo no processo de formação de núcleos urbanos no campo, com agravamento de uma série de necessidades básicas como acesso a saúde e educação, além de transporte para o deslocamento para se trabalhar em outras localidades, principalmente em espaços urbanos, como é o caso de Boquim. A crise da citricultura mudou em muito os costumes dos moradores, principalmente dos mais jovens, que passaram a buscar nas atividades urbanas respostas para a sobrevivência, trabalhando no comércio, ou procurando desenvolver novas atividades sazonais, ou mesmo se preparando para atuarem em atividades industriais. Ao longo da pesquisa ficou nítida a necessidade de um estudo que possa fazer frente à inexistência de dados sobre os povoados de Sergipe, que tem crescido nos últimos anos, sem que os órgãos de pesquisa e estudos tenham se preocupado em organizar indicadores socioeconômicos que possam indicar as condições de vida dos habitantes residentes nestas localidades. 5 - A pluriatividade como estratégia de reprodução da agricultura familiar: presença, dimensão e significados Neste capítulo são apresentados os resultados globais da pesquisa de campo feita nos povoados dos municípios de Boquim, Lagarto e Salgado, selecionados na amostra, comparando-se as famílias de agricultores com as famílias pluriativas, procurando destacar 25 semelhanças e diferenças existentes entre ambas, no que se refere a aspectos sócioeconômicos. O objetivo é mostrar até que ponto a combinação de atividades agrícolas e nãoagrícolas encontradas na agricultura familiar da região de maior dinamismo e modernização agrícola, denominada Centro-Sul e concentradora da produção de citrus, com destaque para a laranja, ocorrida a partir dos anos 70 do século passado pode ser considerada como expressão de um “novo rural”, ou simplesmente revela estratégias de reprodução dessa categoria de produtores frente ao aprofundamento e alargamento, no espaço regional, das relações e da dinâmica capitalistas que tomam conta do campo sergipano. Por outro lado, também pretende contribuir para esclarecer a natureza das motivações que impelem os agricultores familiares a lançarem mão da pluriatividade: são as mesmas para os pais ou responsáveis e para os filhos, ou representam, para cada um desses sujeitos sociais, significados diferentes? A tipificação feita entre agricultores e pluriativos considera aqueles como compondo as famílias cuja atividade laboral de todos os seus integrantes em idade ativa (acima de 10 anos) está ligada única e exclusivamente à agropecuária, independentemente da maneira como se configuram as relações de trabalho – conta própria, assalariado, parceiro, etc. Na categoria de pluriativos foram relacionadas às famílias que em 2003, além da atividade agrícola, tiveram – excluídos os aposentados e pensionistas – um ou mais de seus membros desenvolvendo atividades não-agrícolas dentro ou fora do estabelecimento. Dos 100 questionários aplicados foram aproveitados, para a análise comparativa entre as famílias monoativas e pluriativas, 94 deles, sendo 71 de famílias que se dedicavam apenas a uma atividade, a maioria agrícola (75,5%) e 23 de pluriativos (24,5%). Os seis questionários descartados o foram pelo fato de ninguém da família exercer qualquer ocupação – a reprodução do grupo doméstico era garantida tão somente pela aposentadoria/pensão que algum de seus membros recebia. Ressalte-se que 98% dos informantes foram os próprios chefes da família ou responsáveis. 5.1 – Dados Gerais da Amostra A pesquisa revelou que dos 100 domicílios rurais amostrados, onde residiam 449 pessoas, mais da metade dos mesmos eram do tipo agrícola e a maioria dos seus residentes tinha como principal ocupação o trabalho em atividades agropecuárias. A pluriatividade era exercida por um quarto do total de membros da família, em 23,0% dos domicílios amostrados, enquanto atividades exclusivamente não-agrícolas foram encontradas em menos de 18,0% dos domicílios e desenvolvidas por 16,5% das pessoas residentes. Os domicílios cujos membros não exerciam qualquer atividade, pois viviam tão somente dos rendimentos oriundos de aposentadorias e/ou pensões – correspondiam a 6,0% do total de domicílios pesquisados e a 3,3 % do número de pessoas que nele residiam (Tabela 1). Cem por cento das residências das famílias pluriativas e mais de 90,0% das monoativas eram de alvenaria de tijolos, cobertas de telha e tinham seis cômodos. Em 67,6% e 73,9%, respectivamente, das casas dessas famílias existia água encanada, proveniente de rede geral de abastecimento ou poço ou nascente. Mais da metade das casas tinha fossa séptica e a quase totalidade era servida por energia elétrica, da rede geral de eletricidade. O lixo era coletado diretamente pela prefeitura em pouco mais de 40,0% das residências, tanto de agricultores como de pluriativos; 30% queimavam e enterravam o lixo e 14% jogavam o mesmo em terreno baldio. 26 Quanto à posse de bens de consumo duráveis e eletrodomésticos, era expressiva a presença nas residências das famílias pesquisadas de televisores (quase 90,0%), fogão a gás (97,0%), geladeira (mais de 85,0%), rádio (83,0%) e antena parabólica (40,0%). Tabela 1 Distribuição dos domicílios amostrados segundo o número de residentes Tipos de Famílias Domicílios Pessoas Agrícola Pluriativo Não-agrícola Não-ocupado Total Número 53 23 18 6 100 % 53,0 23,0 18,0 6,0 100,0 Número 251 109 74 15 449 % 55,9 24,3 16,5 3,3 100,0 Fonte: Pesquisa de campo A ocupação principal de todos os residentes dos domicílios amostrados, fossem eles pertencentes a famílias agrícolas ou pluriativas, era a agropecuária. Entre as famílias pluriativas, a maioria de seus membros estava engajada em atividades não-agrícolas desqualificadas, o mesmo acontecendo com as famílias nãoagrícolas. Das famílias pluriativas agrícolas faziam parte três empregadores, 13 agricultores conta própria e dois trabalhadores rurais. O trabalho não-agrícola qualificado era exercido por sete professores, enquanto o trabalho não-agrícola desqualificado era representado por caseiros, pequenos comerciantes (ambulantes, donos de lanchonete e bodegas), empregadas domésticas e serventes (Tabela 2). Tabela 2 Distribuição dos domicílios amostrados segundo a ocupação no trabalho principal de todos os residentes, em 2003. Tipos de Trabalho principal família Agrícola (%) Não-agrícola Não-agrícola Total qualificado (%) desqualificado (%) (%) Agrícola 96,9 3,1 100,0 Pluriativa 43,9 17,1 39,0 100,0 Não-agrícola 36,4 63,6 100,0 Não-ocupado Fonte: Pesquisa de campo Observou-se, ainda, que mais da metade dos domicílios pesquisados eram constituídos por famílias de agricultores que trabalhavam por conta própria, vindo a seguir os que tinham no trabalho assalariado a reprodução da unidade familiar. Os empregadores representavam apenas 4,0% dos domicílios, enquanto as famílias de inativos correspondiam a 12,0% das propriedades pesquisadas (Tabela 3). 27 Tabela 3 Tipos de família segundo a atividade e a posição na ocupação na amostra agregada Tipos de família Domicílios rurais Número % Empregadora 4 4,0 Conta própria 52 52,0 Assalariados 32 32,0 Inativos 12 12,0 Total 100 100,0 Agrícola Pluriativa Não-agrícola Inativos Total 53 23 18 6 100 53,0 23,0 18,0 6,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo Tomando-se a distribuição dos domicílios segundo a posição da pessoa de referência (chefe ou responsável pela família), constatou-se que a maioria pertencia à categoria conta própria, vindo, em segundo lugar, os empregados assalariados e, depois, os inativos. Apenas 4,3% dos entrevistados eram empregadores. Tanto entre as famílias de agricultores como nas de pluriativos, o trabalho por conta própria era o mais significativo, enquanto para os não-agrícolas o assalariamento era a ocupação principal de onde provinham os seus rendimentos para a reprodução da família (Tabela 4). Tabela 4 Distribuição percentual dos domicílios segundo a posição da pessoa de referência Categoria Agrícola Pluriativo Não-agrícola Total Conta própria 62,3 69,6 16,7 55,3 Empregado 26,4 13,0 83,3 34,0 assalariado Empregador 1,9 13,0 4,3 Inativo 9,4 4,3 6,4 Total 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo Considerando-se como domicílios pobres aqueles que tinham renda per capita de até meio salário-mínimo mensal (o valor do salário-mínimo, por ocasião da pesquisa, era de R$ 240,00), 58,5% do total da amostra se enquadram nessa categoria, enquanto a proporção de pessoas pobres é da ordem de 67,1%. O numero médio de residentes era de 4,7 pessoas, tendo a maioria das famílias entre cinco e sete membros. A proporção de menores de 14 anos e maiores de 60 era de, respectivamente, 29,7% e 6,5%. 28 A renda domiciliar per capita média da amostra era pouco maior da metade do salário-mínimo mensal, sendo de 0,66 s.m. para as famílias pluriativas e de 0,45% para as famílias de agricultores. Tomando-se por base as famílias pobres, constatou-se que 80,0% delas pertenciam à categoria das famílias monoativas, o mesmo acontecendo quando a variável analisada era o número de pessoas. Observou-se, também, que a proporção da renda auferida pelas famílias pobres em relação ao total da renda da amostra era de 31,8%; a participação dos salários dos pobres em relação ao total de salários era de pouco mais de um terço (37,5%), gerado por 65% das famílias pobres. No que diz respeito à participação daquelas famílias no total da renda agropecuária, a pesquisa revelou que as famílias pobres contribuíam com 35,0%, e com 25,7% do valor total das aposentadorias e pensões que eram recebidas por um quinto dessas famílias. Por outro lado, a ocupação principal dos chefes ou responsáveis pelas famílias pobres era a agropecuária, onde 47,3% eram agricultores conta própria e 29,1% trabalhadores rurais assalariados. 5.2 – Localização e Características do Estabelecimento do Produtor Do total de famílias pluriativas, 56,5% residiam no município de Lagarto (Colônia Treze), 30,4% no município de Salgado e 13,0% tinham residência permanente em Boquim. Independentemente de sua condição de agricultor ou pluriativo, quase todos os chefes da família ou responsáveis utilizavam o estabelecimento como lar permanente. Apenas 4,3% das famílias pluriativas afirmaram ter o estabelecimento como um lugar eventual de negócio/trabalho. A maioria das propriedades pesquisadas tinha entre 1 e 3 hectares, embora 31,3% das famílias pluriativas fossem detentoras de estabelecimentos com área total acima de 10 hectares, praticamente o dobro das famílias que se dedicavam exclusivamente à atividade agropecuária (Tabela 5). Ressalte-se, por fim, que tanto nas famílias de agricultores como nas pluriativas predomina a condição de proprietário de terra, respectivamente 85,9% e 91,3%, sendo as demais condições encontradas, como parceiro, cessionário, inquilino, etc. – pouco significativas (Tabela 6). Talvez isso se deva ao fato de que os municípios da amostra têm como uma de suas características marcantes a existência de colônias agrícolas criadas por cooperativas (Coopertreze) e/ou pelo governo estadual quando da implementação de Programas Especiais – em especial o POLONORDESTE - financiados pelo Banco Mundial (BIRD), nos anos 60 até meados dos 80 do século passado. A rotatividade de colonos se deu via de regra pela compra do lote, além do que a sua reduzida área e o tipo de cultura plantada (a laranja e outros citrus) tornava praticamente impossível incorporar outras pessoas à propriedade (Tabela 5). Tabela 5 - Distribuição dos estabelecimentos por estrato de área total (ha) – Em % Estrato de Área Agricultores Agricultores Total Pluriativos Menos de 1 ha 17,6 16,7 17,3 1 a 3 ha 38,2 22,2 32,7 3,01 a 5 ha 14,7 116,7 15,4 5,01 a 10 ha 11,8 16,7 13,5 10,1 a 20 ha 11,8 22,2 15,4 29 20,1 a 30 ha Mais de 30 ha Total Número de Famílias 5,9 100,0 34 5,5 100,0 18 1,9 3,8 100,0 52 Tabela 6 Condição de Produtor Condição Agricultores Total Proprietário Parceiro Cessionário Inquilino Inquilino e Caseiro Total Número de Famílias 86,0 1,4 5,6 5,6 1,4 100,0 71 Agricultores Pluriativos 91,4 4,3 4,3 100,0 23 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. 87,2 1,1 4,3 5,3 2,1 100,0 94 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. Dos 61 proprietários, apenas dois tinham caseiros e ambos residiam em propriedades de famílias monoativas. A condição de cessionários, no caso das famílias monoativas, talvez possa ser explicada pelas relações profundas de amizade, parentesco ou compadrio que puderam ser observadas entre os moradores dos povoados pesquisados. Embora aparentemente a existência desse tipo de relação não implique em obrigações formais daquele que recebeu a terra para com o proprietário, observou-se que a cessão de um pedaço de terra para outro trabalhar parece se alicerçar na confiança que tem o dono da terra naquele que precisa dela para plantar culturas de subsistência, traduzida em poder contar com o seu trabalho no momento em que dele precisar. Quando isto acontece, o proprietário lhe remunera pelo valor da diária que paga a qualquer outro assalariado rural. Residiam nos 94 domicílios rurais pesquisados um total de 434 pessoas, sendo 325 integrantes de famílias de agricultores e 109 de famílias pluriativas, com leve predomínio de elementos do sexo masculino em ambas as categorias de famílias tipificadas. No que tange à estrutura etária, conforme pode ser visto na Tabela 7, os dois tipos de famílias apresentam duas diferenças significativas: a primeira entre aqueles que têm entre 15 e 19 anos, faixa na qual há 23,2% de membros das famílias pluriativas contra 14,4% de agricultores; a outra se dá na faixa dos 30 a 39 anos, onde ocorre o inverso: aí são as pessoas integrantes das famílias de agricultores que apresentam a maior porcentagem, quase 15% , enquanto as pluriativas somam 9,8%. É importante ressaltar, ainda, a presença maior de jovens (15 a 29 anos) entre as famílias pluriativas, e de crianças (9 a 14 anos) entre as famílias de agricultores. Nas demais faixas as diferenças são pouco significativas, embora as famílias pluriativas apresentem, no conjunto, idade média menor que as famílias de agricultores, e maior proporção de pessoas na faixa entre 10 e 59 anos. Se tomarmos por base apenas os chefes ou responsáveis pela família, vemos que 20,8% dos chefes de família de agricultores tinham entre 30 e 39 anos, enquanto que entre as famílias pluriativas mais da metade (52,2%) deles já tinham mais de 50 anos, o que sugere haver uma relação entre a pluriatividade, o tamanho da família e a idade dos seus 30 membros. Em síntese, a pluriatividade parece ocorrer com maior freqüência nas famílias maiores e cujos integrantes já passaram da fase da adolescência. Tabela 7 Distribuição dos chefes de família por idade e sexo Faixa Agricultores Agricultores Pluriativos Etária Masc. Fem. Total % Masc. Fem. Total % 15 a 19 1 1 1,4 1 1 4,3 Anos 20 a 29 7 1 8 11,3 1 1 4,3 Anos 30 a 39 16 3 19 20,8 4 4 17,4 Anos 40 a 49 14 14 19,7 4 1 5 21,8 Anos 50 a 59 10 5 15 21,1 5 1 6 26,1 Anos 60 anos e 8 6 14 19,7 5 1 6 26,1 mais Total 56 15 71 100,0 19 4 23 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. No que diz respeito à comparação entre os membros das famílias de agricultores e de pluriativos, segundo o sexo e a idade, constata-se que entre as pessoas do sexo masculino as principais diferenças estão nas faixas de 20 a 29 anos e 50 e 59 anos, respectivamente. Em ambas, a diferença entre eles é de quase o dobro, embora de maneira inversa: enquanto na faixa entre 20 e 29 anos a maior proporção de pessoas encontrada é de membros de famílias de agricultores, entre os que têm entre 50 e 59 anos a presença maior é de pluriativos. Entre as mulheres, as principais diferenças encontradas foram nas faixas de 15 a 19 anos, com maior porcentagem de integrantes de famílias pluriativas, e entre 30 e 39 anos, onde as mulheres das famílias de agricultores são 2,5 vezes proporcionalmente mais representativas do que as das famílias pluriativas (Tabela 8). Tabela 8 Distribuição dos membros da família (incluindo o chefe), por idade. Faixa Etária Agricultores Agricultores Pluriativos No. % No. % 0 a 9 Anos 47 14,5 12 11,0 10 a 14 Anos 52 16,0 18 16,5 15 a 19 Anos 45 13,8 14 12,8 20 a 29 Anos 48 14,8 20 18,3 30 a 39 Anos 51 15,7 15 13,8 40 a 49 Anos 29 8,9 9 8,3 50 a 59 Anos 25 7,7 11 10,1 60 Anos e mais 28 8,6 10 9,2 Total 325 100,0 109 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. Total 59 70 59 68 66 38 36 38 434 31 Na amostra pesquisada, predominam as famílias nucleares, formadas pelo pai, mãe e filhos, tanto entre os agricultores como entre os pluriativos. A presença de outras pessoas, parentes ou não, foi pouco observada. Apenas nas famílias de agricultores foi constatada a presença de netos e agregados, conforme mostra a Tabela 9. Os membros das famílias com mais de 10 anos e renda, incluindo os aposentados e/ou pensionistas, somavam 181 pessoas, sendo 69,6% oriundas de famílias monoativas e 30,3% de pluriativas. Isto significa dizer que cada um dos membros de famílias monoativas com renda era responsável pelo sustento de mais 2,5 pessoas, enquanto a relação entre o número de braços e de bocas entre os membros das famílias pluriativas era igual a 2,0. Como será visto adiante, com rendas menores, as famílias monoativas tinham que sustentar um maior número de pessoas na casa do que as famílias pluriativas. Outra característica importante diz respeito ao tamanho das famílias. As pluriativas são compostas de maior número de pessoas, ao contrário dos agricultores: 65,2% daqueles têm entre cinco e sete membros, contra 28,1% destas. Esse dado sugere a existência de uma relação entre a combinação de atividades agrícolas e não-agrícolas e o tamanho da família. Tabela 9 Posição dos membros da família (incluindo o chefe) segundo o sexo Posição Agricultores Agricultores Pluriativos Masc Fem Total Masc Fem. Total Chefe 55 16 71 20 5 25 Cônjuge 3 51 54 2 17 19 Filho(a) 95 67 162 31 19 50 Pai/Mãe/Sogro(a) 3 5 8 1 1 Genro/Nora 2 2 Neto(a) 12 5 17 4 2 6 Agregado 2 1 3 Outro (1) 3 5 8 2 6 8 Total 173 152 325 59 50 109 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. Irmão (1) 5.3 - Escolaridade Quanto à escolaridade, 26,8% dos chefes de família de agricultores eram analfabetos e 23,9% não haviam concluído a 4ª. Série do Ensino Fundamental. Entre os pluriativos o índice de analfabetismo era de 17,4% e um quarto dos responsáveis tinha estudado até a 4ª.Série incompleta (Tabela 9). 32 Tabela 9 - Distribuição dos chefes da família segundo a escolaridade Escolaridade Agricultores Agricultores Pluriativos Analfabeto Apenas lê e escreve Mobral 1ª. a 4ª. série incompleto 1a. a 4ª. série completo 5ª. a 8ª. série incompleto 5a. a 8ª. série completo 2º. grau incompleto 2o. grau completo Superior incompleto Superior completo Total de famílias Número 18 7 3 15 % 25,5 9,9 4,2 21,1 Número 5 4 5 % 21,7 17,5 21,7 15 2 21,1 2,8 5 2 21,7 8,7 2 2 3 3 1 71 2,8 2,8 4,2 4,2 1,4 100,0 2 23 8,7 100,0 Ao serem incluídos, além do chefe, os demais integrantes da família, nota-se que entre os pluriativos o número de analfabetos é um pouco maior que entre os agricultores. Entretanto, no quadro geral, tem-se nas famílias de pluriativos níveis de instrução mais elevados que entre os agricultores. Por exemplo, enquanto 13,4% dos pluriativos tinham escolaridade superior ao segundo grau completo, este índice não passava de 3,5% entre os agricultores (Tabela 10). Tabela 10 Distribuição dos membros da família (incluindo o chefe) segundo a escolaridade Escolaridade Agricultores Agricultores Pluriativos Masc. Fem Total. % Masc. Fem. Total Fora da idade escolar 12 10 22 6,8 2 1 3 Analfabeto 22 20 42 12,9 6 6 12 Apenas lê e escreve 10 4 14 4,5 5 5 Mobral 1 3 4 1,2 1a. a 4ª. série 46 42 88 27,1 5 6 11 incompleto 1ª. a 4ª. série completo 21 14 35 10,8 14 11 25 5ª. A 8ª série 33 33 66 20,3 17 11 28 incompleto 5ª. a 8ª. série completo 10 4 14 4,3 1 1 2º. grau incompleto 8 11 19 5,8 3 4 7 2o. grau completo 4 2 6 1,8 5 6 11 Nível técnico 1 1 0,3 Superior incompleto 3 1 4 1,2 1 2 3 Superior completo 1 1 0,3 1 1 Não informou 3 5 8 2,5 1 1 2 Total 173 152 325 99,9 59 50 109 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. 5.4 - Ocupação em atividades econômicas % 2,8 11,0 4,6 10,1 22,9 25,7 0,9 6,4 10,1 2,8 0,9 1,8 100,0 33 Nos municípios pesquisados a principal característica das atividades produtivas desenvolvidas pelos agricultores familiares é a policultura, detectando-se a existência de cerca de 14 produtos agrícolas cultivados, com predomínio de pomares de laranja consorciados com um ou dois outros cultivos, principalmente mandioca, fumo, milho e maracujá. As culturas de subsistência encontradas foram as da mandioca (a mais freqüente), milho, feijão, macaxeira e batata, enquanto as culturas comerciais mais representativas eram a da laranja, em primeiro lugar, seguida das do fumo, maracujá, acerola, banana, coco e mamão. Do total de informantes que responderam a essa questão, 33 agricultores plantavam laranja, 32 mandioca, 10 fumo, oito maracujá, seis milho, quatro macaxeira e dois, feijão, acerola e banana. A ocupação principal da pessoa de referência (chefe ou responsável) das famílias monoativas e das pluriativas era a de agricultor conta própria, seguida da de trabalhador rural assalariado e da de professor e outros servidores da educação (servente, motorista, vigilante, etc) para as famílias de agricultores. Para as pluriativas, a segunda mais importante era a de proprietários de pequenos comércios (Tabela 11). Tabela 11 Ocupação principal do chefe da família – Em % Ocupação Agricultores Agricultores Pluriativos EmpregadorAgrícola 1,4 8,7 Gerente/Adm. Não1,4 Agrícola Professor e Outros da 5,6 8,7 Educação Agricultor Conta 46,5 47,8 (1) Própria Trabalhador Rural 22,5 Comércio Não 4,2 13,0 Específico Motorista 4,2 8,7 Outros Serviços Pessoais Auxiliar de 1,4 Conta Própria Sem Ocupação (2) 8,5 4,3 Caseiro 8,7 Entregador de frango 2,8 Guarda municipal 1,4 Total 100,0 100,0 Total 3,2 1,1 6,4 46,8 17,0 6,4 5,3 1,1 7,4 2,1 2,1 1,1 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. (1) No grupo encontra-se um inativo com renda, pertencente a famílias monoativas, que ainda desenvolve atividades agrícolas. (2) Trata-se de 6 aposentados ou inativos com renda, pertencentes a famílias monoativas, que não mais se dedicam a qualquer atividade produtiva, seja ela agrícola ou não-agrícola. No que tange à posição da pessoa de referência na ocupação principal, seja ela pertencente à categoria das famílias monoativas ou pluriativas, a maioria trabalha por conta própria, vindo a seguir os chefes ou responsáveis pela família que são empregados assalariados. Quanto à categoria de empregadores, apenas entre as famílias pluriativas ela 34 tem uma certa significância, embora não chegue a 10%, ao contrário do que ocorre com os inativos com renda no caso das famílias de agricultores (Tabela 12). Além das atividades principais já referidas anteriormente, outras como almoxarife, comprador de laranja, dono de bar e lanchonete, garçonete, empregado dos correios, marchante, guarda municipal, merendeira e produtor de mudas também foram encontradas. Tabela 12 Posição na ocupação principal do chefe da família – Em % Posição Agricultores Agricultores Pluriativos Trabalhador por 50,7 65,2 conta própria Empregador 1,4 8,7 Empregado 38,0 21,7 assalariado Inativo com renda 9,9 4,3 Total 100,0 100,0 Total 54,3 3,2 34,0 8,5 100,0 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. Dos 94 chefes de família entrevistados, oito não tinham ocupação (eram somente aposentados). Os 86 restantes tinham sua principal atividade vinculada aos seguintes ramos de atividades: 1 - agricultura: 47,6% tinham seu empreendimento localizado no próprio domicílio, 34,9% contíguo ou vizinho ao domicílio e na zona rural, 15,9% fora/distante do domicílio e na zona rural e 1,6% fora/distante do domicílio e na zona urbana; 2 - indústria de transformação: era apenas 1 e sua ocupação ficava fora/distante do domicílio e na zona rural; 3 - comércio: o local onde 42,9% trabalhavam ficava contíguo ou vizinho ao domicílio e na zona rural, 28,6 % contíguo ou vizinho ao domicílio e na zona urbana, o mesmo porcentual daqueles cuja ocupação ficava situada fora/distante do domicílio e na zona urbana; 4 - transporte e comunicação: 60,0% fora/distante do domicílio e na zona urbana e o restante, contíguo ou vizinho ao domicílio e na zona urbana e fora/distante do domicílio e na zona rural; 5 - social: 77,8% contíguo ou vizinho ao domicílio e na zona rural ou urbana e 22,2% fora/distante do domicílio e na zona rural ou urbana. Eram em sua maioria funcionários da prefeitura ou de órgãos do governo estadual. Tabela 13 Ramo de atividade do empreendimento principal do chefe da família – Em % Atividade Agricultores Agricultores Pluriativos Agricultura 76,6 68,2 Indústria de 1,6 transformação Comércio 6,3 13,6 Transportes e 4,7 9,1 Comunicações Social 10,9 9,1 Total 100,0 100,0 Número de Famílias 64 22 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. Total 74,4 1,2 8,1 5,8 10,5 100,0 86 Dos 71 chefes de famílias monoativas, apenas 13 tinham uma segunda ocupação (seis eram agricultores conta própria, cinco trabalhadores rurais, um trabalhava com 35 servente na construção civil e outro em casa de farinha). Já entre os 23 pluriativos, 10 tinham uma segunda ocupação e eram todos agricultores conta própria. Essa ocupação tinha localização, na maioria das vezes, contígua ou vizinha ao domicílio e na zona rural, para 66,7% dos agricultores, e fora/distante do domicílio e na zona urbana, no caso de 45,5% dos pluriativos. Na categoria dos empregadores, dos cinco responsáveis que se declararam como tal, quatro faziam parte de famílias pluriativas (três delas contratavam trabalhadores temporários e uma, permanentes); apenas um chefe de família monoativa contratava trabalhadores temporários. Apenas um dos 94 entrevistados responsáveis pela família que se disse empregador, integrante de famílias monoativas, informou ter recebido rendimentos fixos mensais. Entre os conta própria, apenas um de cada tipo (monoativa e pluriativa), declarou ter recebido esse tipo de rendimento, embora metade das famílias entrevistadas tenha informado ter recebido ajuda de pessoas não remuneradas. Das 35 famílias monoativas, 19 delas disseram ter recebido ajuda de pessoas não remuneradas; das 15 pluriativas, seis receberam esse tipo de ajuda. Da categoria de empregados faziam parte 32 chefes de família, sendo 28 integrantes de famílias monoativas e quatro de pluriativas. Dos 28 chefes de famílias monoativas que trabalharam como empregados, 16 foram contratados temporariamente (destes, 14 recebiam diária e dois receberam por empreitada) e 12 de forma permanente (a quase totalidade não recebia mais que um salário-mínimo). Os assalariados temporários, geralmente diaristas, eram empregados na colheita da laranja em sítios próximos ao seu local de moradia. Os chefes de famílias monoativas que trabalharam como empregados (assalariados) em atividades não-agrícolas representavam 39,3% do total e desempenhavam funções como motorista, professor e outros trabalhadores da educação, comércio não específico, guarda municipal, gerente/administrador não-agrícola e outros serviços pessoais. A maioria (60,7%) trabalhava em atividades agrícolas, todos como trabalhadores rurais, sendo 51,8% como assalariados temporários e 48,2% contratados de forma permanente. No caso dos filhos, 13 (uma mulher e 12 homens) eram empregados assalariados, sendo 11 em atividades agrícolas (todos eles como trabalhadores rurais) e dois em atividades não-agrícolas (pedreiro e comércio não específico); 69,2% eram assalariados temporários e 30,8% trabalhadores. Cinco tinham entre 10 e 14 anos, seis entre 15 e 19 e dois entre 40 e 49 anos. Nas famílias pluriativas, os chefes de família assalariados eram quatro (três homens e uma mulher), sendo dois deles trabalhadores em atividades agrícolas ( como caseiro) e os outros dois em atividades não-agrícolas ( professor e merendeira). Todos eram assalariados permanentes e, exceto o professor, recebiam um salário-mínimo como remuneração mensal. Dois deles tinham entre 30 e 39 anos, um entre 44 e 49 anos e o outro, entre 50 e 59 anos. O professor possuía curso superior completo, os demais, escolaridade equivalente à 1ª e 4ª Séries. Os filhos que se assalariavam eram seis (três homens e três mulheres), todos em atividades não-agrícolas (um motorista, duas professoras, um empregado em uma indústria de transformação, uma costureira e um cantor). Quatro eram assalariados permanentes e dois, temporários; três tinham carteira assinada e pagavam previdência; um tinha entre 10 e 14 anos, três tinham entre 15 e 19 anos e dois, entre 20 e 29 anos. Um possuía o curso 36 superior completo, dois tinham o 2º. Grau completo, um não havia concluído o 2º. Grau e outro tinha escolaridade equivalente a 5ª. e 8ª. Séries. Mais de 80,0% dos informantes, independentemente de serem agricultores ou pluriativos, estiveram ocupados durante os doze meses do ano de 2003 na sua ocupação principal (Tabela 14). Tabela 14 Quantos meses esteve ocupado (a) na ocupação remunerada principal, em 2003? Meses Agricultores Agricultores Total Pluriativos Três 3,1 2,3 Quatro 4,5 1,1 Cinco 3,1 2,3 Seis 4,6 9,1 5,7 Oito 4,6 3,4 Nove 1,5 1,1 Dez 1,5 1,1 Doze 81,5 86,4 82,8 Total 100,0 100,0 100,0 Número de 65 22 87 Famílias Fonte: Pesquisa de campo, 2004. No que diz respeito às atividades econômicas sem remuneração exercidas pelo chefe ou responsável pela família em 2003, a maioria dos agricultores (57,6%) e pluriativos (63,6%) afirmaram ter realizado. Dos 88 responsáveis pela família que haviam se ocupado com atividades sem remuneração em 2003, 55 informaram que elas eram atividades de autoconsumo (97,4% no caso dos agricultores e 100,0% dos pluriativos); 2,6% disseram terse dedicado a tarefas de autoconsumo e autoconstrução (todos integrantes de famílias monoativas). 5.5 – Rendas Monetárias 5.5.1 - Renda do chefe ou responsável pela família Em 2003, mais de 96,6% dos chefes ou responsáveis pela família tiveram remuneração em dinheiro, produtos e/ou serviços, sendo 97,0% no caso de famílias de agricultores e 95,5% nas de pluriativos. Na maioria dos casos, tanto para os agricultores como para os pluriativos, esses rendimentos tinham como objetivo exclusivo a constituição de uma espécie de fundo de renda da família, que lhes permitiria a manutenção de suas atividades e a reprodução da unidade doméstica (Tabela 15). Quem decidia pela aplicação dos recursos eram, em primeiro lugar, os pais ou então, apenas somente o pai ou a mãe, o que demonstra a permanência, ainda hoje, da autoridade paterna nas decisões tomadas no seio das famílias de agricultores familiares (Tabela 16). Tabela 15 37 Destino dos rendimentos monetários do chefe da família em 2003 Discriminação Agricultores Agricultores Pluriativos Apenas para uso próprio, porque não é 3,1 usual compor um fundo de renda na família. Apenas para uso próprio, porque não 1,5 contribui para o fundo usual de renda da família Uso próprio e uma parte repassada 7,7 13,6 regularmente para o fundo de renda da família Uso próprio e uma parte repassada 1,5 eventualmente para o fundo de renda da família Somente para o fundo de renda da 86,2 86,4 família Total 100,0 100,0 Número de Famílias 65 22 Total 2,3 1,1 6,8 1,1 88,6 100,0 87 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. Tabela 16 Quem decide pelo uso do fundo de renda da família, segundo o chefe. Discriminação Agricultores Agricultores Pluriativos Todos da família, exceto as 6,2 9,1 crianças. Os pais e os filhos que 3,1 4,5 contribuem para a formação da renda Os pais 36,9 50,0 Somente o pai 36,9 22,7 Somente a mãe 9,2 13,6 Somente o filho mais velho 1,5 Outros 6,2 Total 100,0 100,0 Número de Famílias 65 22 Total 6,9 3,4 40,2 33,4 10,3 1,2 4,6 100,0 87 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. Além dos rendimentos obtidos das ocupações principal e/ou secundárias, outras fontes de renda faziam parte do montante total à disposição dos chefes ou responsáveis pelas famílias. Das 94 famílias pesquisadas, 20 recebiam rendas fixas mensais de programas sociais do governo federal, sendo 10 famílias do município de Boquim (ou 23,8% das 42 famílias entrevistadas, das quais 11,5% recebiam recursos do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil - PETI, porcentagem que alcança 25,0% quando se toma como base apenas o total de famílias que recebem benefícios dos programas sociais já mencionados), sete de Salgado e três de Lagarto (Colônia Treze). Dessas famílias, 14 recebiam apenas um tipo de benefício, e seis delas, dois (quatro famílias de Salgado recebiam bolsa-escola e vale-gás e, no caso de Boquim, uma recebia bolsa-alimentação e PETI e outra, bolsa-escola e vale-gás). Ressalte-se a presença do PETI, haja vista tratar-se de uma região onde o 38 emprego do trabalho infantil é muito elevado, principalmente na exploração da cultura da laranja, cuja maior incidência de uso ocorre por ocasião da colheita. O município de Boquim, não apenas por ser o maior produtor de laranja do estado de Sergipe, mas principalmente devido à luta empreendida pelo sindicato de trabalhadores da citricultura no combate ao trabalho infantil nos pomares locais, aparece como o que tem maior número de famílias se beneficiando do PETI. A luta do sindicato contra a exploração do trabalho de crianças no município foi, para muitos, o pivô do assassinato do seu presidente, o vereador Carlos Gato, até hoje sem solução. Todos esses programas, além de os benefícios sempre chegarem com atraso às mãos dos beneficiários, têm sido alvo de várias denúncias, como a de que pessoas que não se enquadram na categoria de pobres (funcionários da prefeitura, parentes de políticos, etc.) foram cadastrados e estão recebendo os benefícios, enquanto outros que verdadeiramente precisam ficaram de fora; ou ainda, que os benefícios estão sendo apropriados por outras pessoas que não as que se cadastraram e constam como estando recebendo regularmente os mesmos. 5.5.2 – Composição e valor da renda familiar No que se refere à composição e valor dos rendimentos monetários auferidos pelo grupo familiar em 2003, observou-se que a maior contribuição, no caso dos agricultores, ao contrário do que seria natural, não vem da renda obtida com a venda de produtos agropecuários, e sim de salários. O que significa que as receitas oriundas das atividades estritamente agropecuárias desenvolvidas pela família têm sido insuficientes para garantir a reprodução física e social do grupo doméstico, obrigando a que alguns de seus membros busquem outras ocupações fora da propriedade, trabalhando como assalariados. A participação dos salários é mais que o dobro da renda proveniente das atividades agrícolas, o que sugere uma situação de empobrecimento dessas famílias e a incapacidade de viverem apenas com as receitas obtidas dos produtos que retiram da roça. Reforça essa situação a participação das aposentadorias e/ou pensões na renda dessas famílias, que chega a ser superior a 25% do total da renda familiar. Situação inversa ocorre com os pluriativos, onde a renda da agropecuária contribui com 32,4%, contra 31,8% dos salários. Ressalte-se, nesse caso, a importância da renda obtida como as atividades comerciais, da ordem de quase 14,0%. As aposentadorias e/ou pensões também têm uma significativa presença na composição da renda dessas famílias, representando quase um quinto da renda total familiar. Por outro lado, observa-se que a renda média mensal das famílias pluriativas é uma vez e meia maior que a dos agricultores, o que vem confirmar pesquisas anteriores sobre o tema realizadas no âmbito do Projeto Rurbano, já mencionado anteriormente (Tabela 17). 39 Tabela 17 Composição e valor dos rendimentos monetários obtidos pelos membros da família com mais de 10 anos e renda em 2003 Tipo de rendimento Agricultores Agricultores Pluriativos No. De Valor % No. De Valor % Informantes (R$1,00) Informantes (R$1,00) Agropecuária 36 85.063 20,0 19 67.280 32,4 Salário 46 187.936 44,0 14 66.060 31,8 Comércio 3 26.400 6,2 9 28.720 13,9 Industrialização/Beneficiamento 2 3400 1,7 Aposentadoria/Pensão 28 117.600 27,6 8 40.320 19,4 2 2.100 0,5 2 675 0,3 Outros rendimentos (1) Renda recebida do governo(2) 17 7.089 1,7 3 1.080 0,5 Total 71 426.188 100,0 23 207.535 100,0 Rendimento Médio Mensal da 500,22 751,94 Família Fonte: Pesquisa de campo, jun, 2004. (1) Costura, bordado, pintor. (2) PETI, Bolsa-escola, Bolsa-alimentação, Vale-gás. Tomando-se como base de análise o conjunto das famílias entrevistadas, constatase que a participação das parcelas componentes da renda domiciliar na amostra é a seguinte: - renda de ocupações (principal e secundárias): 73,4% - renda de aposentadorias e pensões: 24,9% - outras rendas: 1,7% - renda agrícola: 24,0% - renda não-agrícola: 76,0%. A renda da pluriatividade (ocupações não-agrícolas) corresponde a 46,5% do total geral da renda das famílias pluriativas, enquanto a renda das ocupações secundárias é de 1,6% da renda total das famílias de agricultores e pluriativas. Quanto à origem da renda familiar, a pesquisa revelou que quase a metade dos domicílios e das pessoas têm nas atividades agrícolas 50% ou mais de sua renda, seguida das aposentadorias e/ou pensões e outras rendas e, por último, de atividades de origem não-agrícolas (Tabela 18). Tabela 18 Distribuição dos domicílios segundo o número de residentes Origem da renda familiar Domicílios 50% ou mais de origem agrícola 50% ou mais de origem nãoagrícola 50% ou mais de aposentadorias e outras rendas Outras combinações Total Fonte: Pesquisa de campo Pessoas Número 42 % 42,0 Número 194 % 43,2 24 24,0 103 33,9 28 28,0 116 25,8 6 100 6,0 100,0 36 449 8,0 99,9 40 Para os domicílios cuja renda familiar era oriunda, em sua maior parte, da agricultura, 91,7% dos seus residentes tinham como ocupação principal o trabalho agrícola, enquanto que naqueles cuja renda eram 50% ou mais de origem não-agrícola, 56,54% dos membros da famílias trabalhavam em atividades não-agrícolas que exigiam baixa ou nenhuma qualificação (Tabela 19). Tabela 19 Distribuição dos domicílios amostrados segundo a ocupação principal de todos os residentes. Origem da renda familiar Trabalho principal Agrícola (%) 50% ou mais de origem agrícola 50% ou mais de origem nãoagrícola 50% ou mais de aposentadorias e outras rendas Outras combinações Total 91,7 Não-agrícola qualificado (%) 3,3 Não-agrícola desqualificado (%) 5,0 Total (%) 100,0 20,5 23,1 56,4 100,0 76,9 11,5 11,5 99,9 57,1 65,9 14,3 11,4 28,6 22,7 100,0 100,0 Fonte: Pesquisa de campo Considerando-se a relação tamanho da família x assalariamento, observa-se que 64,8% das famílias monoativas têm na composição da renda familiar rendimentos obtidos do trabalho assalariado (na maioria dos casos, temporário) do chefe e/ou de membro(s) da família, tendo sido observado que 52,4% delas são constituídas de duas a quatro pessoas. Parece haver uma relação inversa entre o tamanho da família e a busca de trabalho acessório por parte de alguns de seus membros. Já no caso das famílias pluriativas, o assalariamento é encontrado em 60,9% das mesmas, sendo a ocupação em trabalho acessório diretamente proporcional ao tamanho da família. Nas famílias pluriativas pesquisadas, 66,7% das que se assalariavam tinham entre cinco e sete pessoas. As razões que levam ao assalariamento entre as famílias pluriativas e as monoativas parecem ter motivações distintas. Os dados da pesquisa sugerem que o assalariamento nas famílias monoativas parece estar ligado à necessidade de aumentar a renda familiar visando prover as necessidades mais básicas da família, a partir de um emprego (geralmente temporário) numa atividade agrícola ou não-agrícola, enquanto que nas famílias pluriativas ele parece ter mais a ver com o próprio ciclo de vida da família, tal como estudado por Chayanov (1974). Outro aspecto interessante é que entre as famílias pluriativas, aquelas que têm as maiores rendas mensais em salários-mínimos são também as que têm maior número de membros. Das 23 famílias pesquisadas, 15 ou 65,2% tinham entre cinco e sete pessoas e, destas, nove tinham renda familiar de três a 10 salários-mínimos mensais; ressalte-se, ainda, que nenhuma entre as 15 tinha renda mensal de até um salário-mínimo (Tabela 20). Das 44 famílias monoativas, ao contrário, 29 ou 65,9% delas recebiam, no máximo, dois salários-mínimos por mês, sendo que 16 delas ou 36,4% apresentavam renda familiar entre 0,5 e um salário-mínimo mensal. 41 Tabela 20 - Renda total da família, em salários-mínimos mensais (R$240,00) em 2003. Rendimentos Agricultores Agricultores Total Pluriativos Até 0,5 s.m. 1,4 1,11 + de 0,5 a 1 s.m. 28,2 4,3 25,5 + de 1 a 2 s.m. 32,4 13,0 26,6 + de 2 a 3 s.m. 21,1 17,4 21,3 + de 3 a 5 s.m. 11,3 47,8 18,1 + de 5 a 10 s.m. 4,2 17,4 6,4 + de 10 s.m. 1,4 1,1 Total 100,0 100,0 100,0 Número de Famílias 71 23 94 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. 5.5.3 - Informações sobre os demais membros das famílias Em 2003, 28 membros com mais de 10 anos e renda pertencentes a famílias monoativas estiveram ocupados e receberam remuneração em dinheiro, produtos e/ou serviços; cinco deles também trabalharam em atividades sem remuneração (autoconsumo). Entre as pluriativas, dos 23 membros, 19 estiveram ocupados e dois não; 18 receberam remuneração em dinheiro, produtos e/ou serviços (apenas dois se dedicaram a atividades não remuneradas, no caso, autoconsumo). Para mais de 60,0% das pessoas que integravam as famílias de agricultores e um terço dos pluriativos, os rendimentos serviram para compor exclusivamente o fundo de renda familiar; 20,0% ficavam para o uso próprio do membro da família que o recebia e que, eventualmente, repassava uma parte para ajudar a constituir o fundo de renda familiar. No caso dos pluriativos, 20,0% dos rendimentos obtidos pelos membros da família no período ficavam com os mesmos. (Tabela 21). Tabela 21 Destino dos rendimentos monetários desse período – Em % Destino Agricultores Agricultores Pluriativos Apenas para uso próprio, porque não é 8,0 20,0 usual compor um fundo de renda familiar. Uso próprio e para o fundo de renda da 15,0 família, repassa regularmente. Uso próprio e para o fundo de renda da 20,0 20,0 família, repassa eventualmente. Somente para o fundo de renda da 64,0 35,0 família Apenas para uso próprio, porque não contribui para o fundo de renda familiar. 8,0 10,0 Total 25 20 Total 13,3 6,7 20,0 51,1 8,9 45 Fonte: Pesquisa de campo, 2004. A maioria dessas pessoas, membros das famílias de agricultores ou pluriativas, era trabalhador rural assalariado, outras trabalhavam como professores, merendeiras, trabalhadores da construção civil, domésticas, artesãs e motoristas, em locais contíguos ou vizinhos ao domicílio e na zona rural. 42 Do total de empregados contratado temporariamente, 12 pertenciam a famílias monoativas e quatro a pluriativas. Recebiam diárias que variavam entre R$12,00 e R$19,00, e somente um dos membros de famílias pluriativas pagava à Previdência. Os contratados de forma permanente eram 14, sendo 11 integrantes de famílias pluriativas, recebiam um salário-médio que variavam entre R$ 341,39 e R$ 360,00; 12 tinham carteira assinada (dois de famílias de agricultores e 10 de pluriativas) e todos pagavam à Previdência. Dos que responderam, metade (todos pluriativos) trabalhou em 2003, durante seis meses. Apenas quatro membros de famílias monoativas e três de pluriativas tinham uma segunda ocupação com remuneração em dinheiro, produtos e/ou serviços. Tabela 22 - Onde se localizava a ocupação principal Localização Agricultores Agricultores Pluriativos No domicílio 4 3 Contíguo ou vizinho ao domicílio e na zona rural 17 8 Contíguo ou vizinho ao domicílio e na zona urbana Fora/distante do domicílio e na zona rural 2 2 Fora/distante do domicílio e na zona urbana 2 5 Total 25 18 Total 7 25 4 6 43 Fonte: Pesquisa de campo, 2004 Receberam rendimentos em dinheiro, produtos e/ou serviços mensais fixos em 2003, 26 membros inativos de famílias monoativas (25 recebiam aposentadoria/pensão e um, transferências de pessoas da família). Dos inativos pertencentes a famílias pluriativas, 11 receberam rendimentos mensais fixos, todos provenientes de aposentadoria/pensão. O destino desses rendimentos era a constituição do fundo de renda familiar por parte das famílias. É importante notar que 17 chefes ou responsáveis pela famílias, além de continuarem trabalhando na roça, eram também inativos: 11 pertenciam a famílias monoativas e seis, a famílias pluriativas (Tabela 23). 43 Tabela 23 Destino dos rendimentos monetários desse período segundo as pessoas inativas Destino Agricultores Agricultores Total Pluriativos Apenas para uso próprio, porque não é usual compor um fundo de renda familiar Uso próprio e para o fundo de renda da família, repassa regularmente Uso próprio e para o fundo de renda da família, repassa 1 1 eventualmente Somente para o fundo de renda da família 19 11 30 Apenas para uso próprio, porque não contribui para o fundo de renda familiar Total 20 11 31 Fonte: Pesquisa de campo, 2004 Obs.: Do total de 28, 20 responderam. 6 – Conclusões Os dados da pesquisa revelaram que a pluriatividade na agricultura familiar de Sergipe é bastante significativa, assim como as ocupações em atividades não-agrícolas às quais têm recorrido constantemente os agricultores familiares da região citrícola estudada. Mais da metade das famílias (53%) eram constituídas de agricultores, 23% eram pluriativas, 18%, não-agrícolas e 6%, formadas por inativos com renda. No que tange a posição na ocupação, 52% das famílias são de conta própria, 32% formadas por assalariados, 12% por inativos e apenas 4% são de empregadores. As atividades não-agrícolas são geralmente ocupações de baixa qualificação – pedreiro, ambulante, pintor, etc. –, no caso de autônomos, ou de empregados no setor público – professor, merendeira, servente, vigilante e motorista - e de baixa remuneração. Geralmente, as atividades não-agrícolas dentro do estabelecimento estão relacionadas com a manutenção da propriedade, como, por exemplo, a construção de cercas e aguadas/barreiros de salvação, abertura e conservação de caminhos, fabricação e processamento de produtos agrícolas (farinha de mandioca, requeijão, manteiga, etc.), elaboração de artigos de artesanato e a realização de pequenos comércios, atividades que, devido ao seu caráter de produção individual, não atingem maior escala econômica. Quando se tratam de unidades de produção de pequenos produtores não proprietários, a produção não-agrícola pode constituir a principal fonte de geração da renda familiar (Irmão, 1993). No caso das atividades não-agrícolas fora do estabelecimento, a ocupação se dá através da venda da força de trabalho dos agricultores familiares, de forma temporária (mais freqüente) ou permanente; de maneira autônoma, caso de atividades de transporte e comércio ambulante ou ainda de forma comunitária, como na confecção de roupas, artesanato de renda, bordados, etc. 44 A venda de trabalho pode ser em atividades agrícolas e não-agrícolas, sendo que os que mais vendem sua força de trabalho são aqueles agricultores cujo tamanho da propriedade é inferior a 10 hectares que, devido a sua precária disponibilidade de recursos, têm necessidade de se assalariar a outras unidades econômicas para complementar a sua renda de subsistência. O chefe ou responsável pela família e os filhos maiores trabalham normalmente todo o tempo em atividades agrícolas e não-agrícolas, enquanto a esposa e as filhas dividem o seu tempo entre a manutenção da casa e as atividades econômicas. Nas atividades produtivas, as mulheres se ocupam principalmente em atividades não-agrícolas e dividem o seu tempo com as atividades agrícolas em períodos de maior demanda de mão-de-obra na agricultura. Destaca-se nesse contexto, o peso do trabalho assalariado na formação do rendimento familiar, ainda que, na grande maioria dos casos, seja o mesmo oriundo das ocupações em atividades agropecuárias, embora a expansão de empreendimentos de natureza industrial e/ou de serviços, nos últimos anos, venha ocupando lugar no meio rural sergipano. Observou-se, também, que o recurso a outras atividades não-agrícolas por parte dos agricultores familiares tem no reduzido tamanho das terras, na baixa produtividade das explorações agrícolas e no nível de renda insuficiente para garantir a reprodução física e social da família, os principais fatores que explicam a sua origem e desenvolvimento, haja vista o perfil das ocupações não-agrícolas, que exigem pouca qualificação e remuneram mal aqueles que se dedicam às atividades agropecuárias stricto senso. Recentemente, tem-se constatado o engajamento de pessoas residentes na zona rural em ocupações vinculadas ao setor industrial, principalmente calçadista e têxtil, ou que trabalham por conta própria na confecção de redes e bordados. Observou-se que as famílias pluriativas têm um número maior de membros do que as famílias de agricultores, maior escolaridade e a renda média mensal 1,5 vezes maior do que das famílias agrícolas (R$ 751,93 contra R$ 500,20). Do ponto de vista da composição das rendas monetárias, os salários contribuem com a maior parte da renda das famílias agrícolas (44%), vindo a seguir as aposentadorias/pensões (27,6%) e a renda da agropecuária (20,0%). Já no caso das famílias pluriativas, a atividade agropecuária apresenta-se como a mais importante na formação da renda familiar (32,4%), seguida dos salários (31,8%), das aposentadorias/pensões (19,4%) e do comércio (13,9%). Desponta, assim, um novo fator social no meio rural: as famílias pluriativas, ou seja, aquelas que têm pelo menos um membro que exerce uma outra atividade, além da principal, e/ou possui uma outra fonte de renda fora da agricultura, com exceção de transferências sociais, aposentadorias e pensões. 45 7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, Ricardo. Paradigmas do capitalismo agrário em questão. São Paulo - Rio de Janeiro - Campinas: Editora HUCITC - ANPOCS - Editora da UNICAMP, 1992. 275p. ______________, Ricardo. 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