Agricultores familiares na produção agrícola urbana e periurbana em cidades
polo do noroeste paranaense: Cianorte e Umuarama – Paraná - Brasil.
Prof. Dr. Márcio Mendes Rocha
Universidade Estadual de Maringá – UEM
Núcleo de Estudos de Mobilidade e Mobilização – NEMO
Ms. Vanessa Kimie Iceri
Núcleo de Estudos de Mobilidade e Mobilização – NEMO
A importância do consumo local de alimentos
Nós mudamos a natureza através de nossas escolhas alimentares. A agricultura
transforma a paisagem do mundo e alterou o equilíbrio entre as espécies. Por isso há
somente 21 746 lobos Guara no Brasil (fonte ICMBio) e um rebanho de bovinos na
ordem de 205,292 milhões de cabeças (fonte IBGE 2009), o gado é um grande
responsável pelas mudanças climáticas, por conta da produção de metano que é...
“... proveniente da decomposição animal ou vegetal, de resíduos gasosos, do gado e
da produção de petróleo, e absorve uma quantidade maior de radiação infravermelha.
Assim como o dióxido de carbono (CO2), o ozônio (O3) e o óxido nitroso (N2O), o
efeito estufa, fenômeno que ocorre devido à concentração dos gases citados. O
aumento desses gases na Terra gera também um aumento na temperatura. Esse
fenômeno é natural e mantém a vida humana, porém o problema está no excesso dos
gases, já que onde a combinação entre um e outro provoca o aquecimento anormal,
ocorrendo as mudanças climáticas.” (MATA & SILVA: 2011, 11 p) Segundo Michel
Pollan em “defense of Food”, usamos combustível fóssil para produzir alimentos. São
necessárias 10 calorias de combustível fóssil para produzir 1 caloria de alimento. O
levantamento da FAO inclui as emissões de metano provocadas pelo sistema
digestivo dos animais, as emissões de CO2 geradas pelas queimadas de plantações
para a formação de pastos, a energia, todos estes processos à base de queima de
combustíveis fósseis para a fabricação de insumos agrícolas, ração de animais, bem
como o gasto com irrigação, o abate, o transporte de insumos e animais, enfim, todo
o circuito para a produção de alimentos está fundado no uso de combustível fóssil,
como por exemplo a energia utilizada nos procedimentos de abate e processamento
das carcaças, o combustível usado no transporte de animais vivos e de produtos
processados de carne, entre outras questões relacionadas à pecuária. A grande
revolução na alimentação foi a mudança de um sistema baseado em energia solar
para um sistema à base de combustível fóssil. Aconteceu com a descoberta do
fertilizante sintético e a descoberta do pesticida químico. Foi convertida munição em
fertilizante, após a segunda grande guerra a partir do nitrato de amônio. Foram
utilizados gases tóxicos que transformamos em pesticidas. Isso nos deu uma nova
agricultura.
Por um lado é eficiente mas consome muito combustível fóssil. Um
agricultor moderno pode alimentar 126 pessoas por ano, o que é uma grande
conquista. É um dos humanos mais produtivos da história, no entanto esta intervenção
teve consequências no equilíbrio do meio ambiente. A outra revolução em curso foi a
reação à revolução. É a ascensão dos orgânicos, da comida local e da agropecuária
sustentável. O objetivo é reduzir o impacto ambiental, gerar um alimento mais
saudável e diminuir o sofrimento dos animais dessa agropecuária, além de estimular
o desenvolvimento local minimizando as consequências do crescimento urbano. O
agronegócio gera vários impactos ambientais. O transporte de
alimentos é um
exemplo. Geralmente o alimento que viaja mais, gera um impacto ambiental maior que
o alimento local. O salmão consumido nos EUA é pescado no Alasca, embalado na
China e depois enviado a NY. É uma aberração da economia capitalista atual. Uma
boa oportunidade de economizar e salvar o planeta em termos de sustentabilidade, é
trazer o agricultor para perto do consumidor. Se conseguirmos eliminar este transporte
desnecessário, poderemos diminuir a emissão de carbono e o impacto ambiental, o
que será ótimo para os agricultores. A decisão de consumir alimentos locais
geralmente é boa em certas épocas do ano e em certas regiões. Se você comprar no
mercado de agricultores, quando possível, você está contribuindo. Nem tudo
poderemos consumir da produção local. A circulação global de produtos é uma
conquista, mas não é a única e a mais importante. Vários fatores devem ser
considerados quando da decisão de consumir alimento. O transporte é só um deles
na escolha alimentar. Como o alimento é fertilizado? O cultivo é baseado em energia
solar ou em energia fóssil? Isso é determinante e deve ser considerado. Mas, em
geral, alimentos produzidos perto de você geram menos emissões, também são mais
frescos, saborosos e nutritivos. Há outros benefícios, como ajudar na sobrevivência
dos agricultores de sua comunidade.
Ao trocar frescor e qualidade por conveniência e quantidade, nós mudamos a forma
de produção de alimentos. Produzimos comida para cidades do outro lado do mundo
e eles fazem o mesmo para nós. Agricultores ganham menos devido aos gastos com
insumos, processamento e distribuição. Outra consequência deste sistema caro é a
dieta humana mais insalubre da história. A única dieta reconhecida por adoecer as
pessoas, é a nossa dieta ocidental. Grande conquista! Criamos hábitos alimentares
que nos adoecem. E nós sabemos que, quando uma comunidade começa a se
alimentar assim, aparecem doenças crônicas nunca vistas. Isso inclui obesidade,
diabetes, doenças cardíacas e vários tipos de câncer. Temos que abandonar a dieta
ocidental, até onde é possível. Temos sorte porque é possível. A chave disso envolve
voltar a cozinhar usando alimentos de verdade. Frutas, legumes, plantas e animais,
preparando-os você mesmo, ou pessoas de seu círculo próximo. Isso melhora a
conviviabilidade e a vida comunitária que nos traz enorme potência ontológica. “Não
deixe as corporações cozinharem para você” é uma palavra de ordem que vem
tomando corpo e sinaliza transformações paradigmáticas nos hábitos de nossa
sociedade industrial. O mais importante é pensar macro e abandonar a dieta ocidental.
Você ficará mais saudável. Nossa produção de carne gera um impacto devastador. É
preciso 5 kg de milho pra gerar 0,5 kg. de carne. Os americanos comem 90 Kg. de
carne por pessoa/ano, os brasileiros 39 kg (fonte IBGE/SECEX/MDIC – 2010). Não
precisamos eliminar, e sim mudar a carne que comemos. Há formas sustentáveis de
produzir carne. É mais fácil alimentar a população mundial, tendo autossuficiência
local. As pessoas devem ter acesso à comida do local. O problema que vivemos agora
com a crise global de alimento, é que o sistema de importação/exportação, no qual o
alimento é cultivado em grandes plantações e enviado a locais distantes, não é
confiável. Este sistema começou a falhar e isso está acontecendo em todo o mundo.
Isso aumenta com as políticas de subsídios, como no caso americano e na Europa,
aos grandes agricultores, pois permite às corporações vender comida barata para
outros países, já que é subsidiada pelo governo. Isso levou à falência de agricultores
do Haiti, produtores de milho no México e agricultores de algodão na África, dentre
outros. Uma coisa que aconteceu na última geração foi que aumentamos
enormemente a quantidade de comida produzida no planeta, muito mais do que o
crescimento populacional, entretanto, a fome continua e está piorando em certos
lugares, onde a habilidade de suprir as necessidades básicas foi sistematicamente
dizimada ao longo dos anos. A chave para o desenvolvimento é devolver a capacidade
dessas comunidades produzirem para si mesmas. Quando você compra localmente,
apoia os negócios locais de membros de sua comunidade. Seu dinheiro vai para o
agricultor e não para as grandes multinacionais que enviam alimentos de longe. Se
você compra localmente, o dinheiro circula em sua comunidade, então você apoia os
agricultores familiares, em vez de dar seu dinheiro às grandes corporações. Há um
século atrás a proporção de gastos do agricultor com insumos e comercialização era
cerca da metade do valor de sua venda. Hoje estes gastos mais do que dobraram. A
maior parte, hoje, vai para a distribuição, ou seja, refrigeração, embalagem,
transporte, intermediários, propaganda...coisas que não tem nada a ver com o
alimento em si. Hoje, mesmo tendo uma produção local cara, em que o agricultor
ganha 10% ou 15%, se você tiver uma distribuição local que elimine boa parte deste
porcentagem de desperdício, o alimento fica mais barato. De certa forma é isso que
está impulsionando a busca por alimentos locais. O mercado de agricultores, a
agricultura comunitária, o cultivo urbano. É a tentativa de tirar os gastos embutidos na
produção e distribuição em escala global. Cabe observar que nem todos as
comunidades tem meios para se sustentar e manter seu padrão de vida. No entanto
se focarmos em comprar primeiro localmente, gastaremos menos com transporte
desnecessário e teremos mais dinheiro para importar o que não podemos produzir.
Uma abordagem inteligente, é maximizar a autossuficiência no que é possível, para
possibilitar a importação e a exportação. Toda comunidade que focar na produção
local vai crescer. Temos que difundir os ideais da produção local, o foco em
sustentabilidade e o foco no uso responsável da terra. Por um lado há um sistema
insustentável que nos adoece. Por outro lado, temos alternativas inéditas. Há o
mercado de agricultores e a agricultura comunitária. Existe uma efervescência neste
sentido. Existe um otimismo em reproduzir estas novas/velhas formas de se alimentar
e produzir, temos muito chão pela frente, mas há uma demanda por mudanças no
sistema alimentar como nunca houve em nosso tempo. E o melhor, neste caso, é que
as mudanças necessárias não exigem uma diminuição de nossa qualidade de vida.
As melhores escolhas para o meio ambiente e nossa saúde são também as mais
saborosas e agradáveis. Isso é raro na vida. A solução para a fome e para as
comunidades serem autossuficientes é a produção local de alimentos. Temos que
apoiar agricultores de nossa comunidade, seja na Pensilvânia, na África ou no Haiti.
Uma comunidade próspera é aquela que é autossuficiente. Sua comunidade
consegue produzir sua própria comida, produzir sua energia e fornecer sua própria
água? Isso é prosperidade e qualidade de vida.
Agricultura urbana e periurbana: um caminho a percorrer em Cianorte e
Umuarama – PR – Brasil:
Cianorte1 e Umuarama
2
são dois municípios polos da região noroeste do
Paraná, colonizados pela Companhia Melhoramentos do Norte do Paraná. Ambos
tiveram sua economia, à princípio, pautada na agricultura, sobretudo do café,
utilizando mão de obra familiar e que depois sofreram grandes transformação no
campo produtivo, e em aspectos socioeconômicos à partir da modernização da
agricultura.
Em função desta transformação do setor agrícola, à medida que em
Umuarama, intensificou a atividade pecuária em grandes propriedades e a cana de
açúcar, em Cianorte, a indústria de confecções ganhou forças e notoriedade nacional
e internacional, ao mesmo tempo em que a produção de cereais como soja e milho e
a indústria de frangos, tomam o posto do café.
A partir dessa transformação as características fundiárias se alteraram,
passando às grandes propriedades, o trabalho deixou de ser exclusivamente humano,
o conhecimento técnico passou a ser exigência na agricultura, e não mais a
experiência e a vontade de trabalhar na terra.
Ainda que nesses municípios tenha ocorrido substituição de commodities, por
volta da década de 1970, o campo da produção agrícola manteve parte dos
agricultores familiares em propriedades familiares, os quais optaram em assumir para
si a policultura de frutas, verduras, legumes, arroz, feijão, mandioca, etc, além da
criação de porcos, galinhas e gado, especialmente leiteiro.
Essa diversificação produtiva assumida pelos agricultores familiares hoje tem
sido a responsável pelo abastecimento alimentar, sobretudo de alimentos frescos,
tanto em Umuarama como em Cianorte. Este último, por sua vez, apresenta uma
característica peculiar quanto à sua estrutura, pois no projeto de planejamento do
11
Informações à respeito de Cianorte obtidas a partir do trabalho de campo para o CONSAD-Consórcio de
Segurança Alimentar para o Desenvolvimento, ocorrido em 2010, e a partir dos campos da pesquisa de
mestrado (2013) intitulada “Por uma Alimentação SAN entre a produção agrícola (peri e intra) urbana e o
consumo alimentar. Duas realidades em análise: Cianorte (Brasil) e Aubière (França)”, ocorridos em 2011 e
2012.
2
Informações a respeito de Umuarama colhidas em 2013 através da pesquisa de campo para a disciplina da
pós graduação em geografia intitulada “Agricultura Urbana e Periurbana na Europa”.
município de Cianorte, foi mantida uma área verde de vegetação nativa no entorno de
toda a cidade, e ao largo desta área havia pequenas lotes com chácaras, para que
estas fossem as responsáveis pelo abastecimento alimentar urbano, o chamado
“cinturão verde”.
Apesar de historicamente haver uma área destinada à produção de alimentos
à serem distribuídos na cidade de Cianorte, em entrevista à secretaria de agricultura
não foi mencionada a existência de um plano de ação e planejamento público para a
área produtiva do entorno, muito menos para a agricultura existente nas áreas
urbanas do município. Da mesma forma, em Umuarama também não existe tal política
que trate, especificamente, desta produção, incluindo-a às políticas agrícolas e
agrárias generalizadas. Por outro lado, foi claramente perceptível o planejamento
produtivo feito pela prefeitura de ambas localidades, sobretudo em Umuarama, que
diz: “se deixarmos, todos agricultores plantam alface. Mas hoje, nós dizemos o que
eles tem que plantar, pois sabemos o que o mercado quer”.
À respeito desta falta de autonomia nos questionamos sobre a demanda
alimentar, pois será que o consumidor deve sempre ser o gestor na decisão dos
produtos a serem produzidos pela agricultura? Será que esta é a melhor lógica, ainda
que ela não leve em conta aspectos climáticos e geográficos, importantes na decisão
da produção alimentar. E ainda, o consumo do consumidor só deve ser pautado no
seu desejo e vontade, e não considerar a qualidade do produto em detrimento ao
produtivismo fora de época ou fora de seu bioma natural?
Além disso, à medida que nas secretarias de Cianorte e de Umuarama foi dito
não existir agricultura urbana ou periurbana, nos questionamos, afinal, sobre o que é
agricultura urbana e periurbana? Em que contexto ela surge? Que espaços são
esses? Quais fatores implicam nessa distinção de urbano, periurbano e rural? Por que
diferenciá-las? Por que criar políticas públicas específicas? Qual importância dessa
produção?
Para começar a responder tais questões reportamos à discussão de Mougeot
(1999) sobre a necessidade de distinguir a agricultura urbana em “peri” e “intra”,
apontando que existe a possibilidade de visualizá-la como uma edifício ou um sistema
de inter-relação e conexão de experiências ou um sistema visto como pirâmide com
menor número de andares, mas uma maior função operacional e de interdependência.
Segundo o autor, o conceito mais usado é o da construção de blocos (building blocks
of the concept), definido a partir de uma série de parâmetros como: a) atividade
econômica- base produtiva da agricultura, processamento e a comercialização; b)
localização – diferença entre a produção intra urbana e peri-urbana; c) área – cedidas,
arrendadas ou no próprio local de residência; d) escalas – variadas, porém pequenas
na maioria; e) tipos produtos e subprodutos – alimentos para consumo humano e/ou
animal, produtos não alimentares e por fim, f) a destinação da produção – autoconsumo, venda ou ambos.
Castelo Branco e Alcantara (2011) afirmam que o impulso da agricultura urbana
e periurbana ganhou forças a partir da década de 1980 na América Latina, Ásia e
África, para a sobrevivência das populações mais pobres. Num contexto de rápido
processo de urbanização, emergiu-se uma transformação e expansão das áreas ao
entorno das cidades, à medida que aglomerações urbanas se estendiam no interior
rural (Piorr et al. 2011, Nilsson et al. 2012). Para Bergstrom (2005), aos poucos essas
áreas periurbanas passaram a ser consideradas como um equilíbrio do ponto de vista
do abastecimento local e regional, da paisagem rural/urbana, da saúde e meio
ambiente, tudo isso com comodidade. Assim, a paisagem peri-urbana, representaria
um processo de mais-valia espacial (Bergstrom, 2005).
Para Noronha e Hespanhol (2006), existe uma relação dialética que envolve
campo e cidade, e, portanto, a cidade somente pode ser entendida através de sua
complexibilidade com o campo, e vice versa. Á respeito da falta de clareza na distinção
entre rural e urbano e também aos limites espaciais indefinidos, os autores afirmam
que “A constituição de um espaço periurbano é um exercício teórico de apreensão de
tais mudanças ocorridas, conquanto, ainda ocorrem” (NORONHA e HESPANHOL,
p.95,2006).
Ainda que complexa esta distinção espacial, acreditamos que é necessário criar
programas e políticas específicos para essa produção, pois se trata de uma agricultura
especifica, em zonas de pressões e conflitos e muitas vezes voltadas à população
carente. No Brasil, a política de incentivo à agricultura urbana, está ligada ao programa
Fome Zero e por isso tem como foco principal promover a segurança alimentar da
população em situação de vulnerabilidade. Além disso, são comuns as publicações
de experiências brasileiras de agricultura urbana, sejam individuais ou coletivas, com
o mesmo objetivo: proporcionar diversidade de alimentos, trabalho e renda.
Fora isso ainda existem iniciativas de desenvolvimento da agricultura urbana
voltadas à educação alimentar, à inserção social de jovens (usuários de drogas ou
não) e de idosos (aposentados ou não), muitas vezes de origem rural e agrícola.
Em Cianorte a única horta comunitária, “Rainha da Paz”, está ligada à uma
entidade filantrópica religiosa que instalou a horta em um bairro periférico da cidade
para atender à falta de acesso alimentar e a interação social coletiva através da
produção. Porém, na prática, somente um senhor, já aposentado, realizava a atividade
e por isso revendia para complementar sua renda mensal. Em Umuarama, por sua
vez, encontramos hortas urbanas em escolas públicas e na APAE, em função,
principalmente, de aproveitamento e uso do espaço, fornecimento de alimento à
merenda, e por fim de caráter pedagógico.
Um dos benefícios que podem ser obtidos através do desenvolvimento da AUP
está relacionado ao incremento de vínculo afetivo e solidário entre a comunidade,
capacitação para auto-gestão com ênfase em Economia Solidária, alimentos frescos,
sem agrotóxico e de qualidade, contribuição para merenda escolar, intercâmbio de
experiências entre outros grupos, redução do custo em transporte, participação
popular em discussões comunitárias, redução da incidência de doenças, redução do
vandalismo e roubo, atração do interesse de usuário de drogas em manusear a terra,
incentivo ao mercado local (CASTELO BRANCO e ALCANTRA, (2011).
Assim como na economia solidária, a AUP também é vista como uma atividade
informal e de inserção social. Através dos movimentos sociais surge a proposta de
investir na economia um conteúdo social e político, rompendo a fronteira entre o
mundo vivido e o sistema. Essa economia passa a ser definida, então, como uma
economia em desenvolvimento não enquadrada nas categorias clássicas dos setores
privados e público, ou seja, inserida no chamado “3o setor”.
O terceiro setor abarca a economia informal, mas também a formal, o público,
o privado e o não privado nem público, todos de interesse coletivo. Mesmo sendo
imperfeito, o termo é de comum acordo entre os cientistas internacionais, ainda que
contenha variações em determinados países (GENDRON, 2001).
Em seu cunho econômico, ligado ao social (fornecer alimentos e trabalho), a
agricultura urbana tem potencial de trabalho coletivo, cooperativo e autogestionado,
como ocorre em muitas hortas comunitárias. Ou então, como observamos em
Cianorte, pode-se construir uma relação mais afetiva e solidária entre a vizinhança do
bairro, à partir da utilização de terrenos baldios para a produção agrícola, com ou sem
trabalho em conjunto, uma vez que também apresentou-se comum a prática da
repartição dos alimentos produzidos, entre os moradores vizinhos.
Mesmo que comum, o auxilio socioeconômico às famílias mais pobres não é o
único foco para o desenvolvimento da agricultura urbana. Existem outros benefícios,
dispersos, que atingem à todos, e existem outras experiências de AUP, não
relacionadas à vulnerabilidade social, como é o caso da horta urbana montada na
avenida paulista, na capital de São Paulo, à qual visa sensibilizar o público ao seu
redor para a valorização da agricultura, especialmente orgânica, para a cultura do
consumo alimentar e para a revitalização de áreas.
Nesse ponto, especificamente, discute-se o perfil do consumo e a
transformação que a AUP pode propiciar aos consumidores, uma vez mais próximos
às áreas de produção, as condições de acesso são maiores (ao comprar diretamente
na horta) ou mesmo pela sensibilização visual, que pode chamar a atenção do
consumidor atraindo-o. Assim, o consumidor tem a possibilidade de consumir um
alimento fresco produzido em seu próprio bairro, pode certificar-se da qualidade
desses alimentos, sem ser taxado sobre certificações financiadas (de orgânicos por
exemplo) e ainda contribui para o orçamento familiar do agricultor.
Através da relação direta, ou a mais próxima possível, entre produtores e
consumidores, acreditamos que seja possível trabalhar a conscientização do ato
político de consumir. Nesse sentido, as feiras de produtores tem se mostrado um forte
trunfo para manter essa relação.
No município de Cianorte, a feira é majoritariamente composta por produtores
do cinturão verde, cujas propriedades estão em média à 10 km de distância. Porém
em Umuarama, além da feira ser aberta à outros municípios seus integrantes devem
percorrer uma distancia superior.
Portanto, os desafios para o desenvolvimento da agricultora de proximidade em
Umuarama acabam sendo superiores uma vez que devem incentivar a diversificação
da produção, o que no caso de Cianorte já se apresenta mais diversa, e, portanto,
seus desafios referem-se às formas de se produzir, ou seja, ou incentivo à agricultura
orgânica e à conquista de consumidores responsáveis, que visem manter e fortalecer
esses trabalhadores em suas terras, produzindo para o abastecimento alimentar.
Considerações finais
Buscamos neste trabalho, percorrer a problemática alimentar contemporânea
contextualizando criticamente a lógica mundial de produção de alimentos, sinalizando
com uma potencial transformação na forma de se produzir e consumir alimentos,
resgatando antigas capacidades de auto sustentação como possibilidade de uma
sobrevivência
mais
digna.
A
indústria
de
alimentos,
mesmo
ampliando
significativamente sua produção, não foi capaz de alimentar o mundo. A partir deste
ponto de vista analisamos os municípios de Cianorte e Umuarama, no noroeste do
Paraná-Brasil no que concerne à produção de alimentos, observando as
possibilidades e potencialidades para uma produção sustentável, local e cooperativa.
Foi dimensionado os limites impostos por um sistema concentrador de capital e terra
mas observado sim, possibilidades efetivas para uma mudança de comportamento,
tanto na produção, como no consumo de alimentos.
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