ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
JAST
Nº 70021504923
2007/CÍVEL
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PARTILHA. REGIME
DE BENS. INEXISTÊNCIA DE MEAÇÃO SOBRE
BEM CLAUSULADO. REGIME DE SEPARAÇÃO
TOTAL DE BENS. HERANÇA. CONCORRÊNCIA
SUCESSÓRIA DO CÔNJUGE VIVO COM OS
DESCENDENTES DO FALECIDO SOBRE OS BENS
PARTICULARES DEIXADOS.
No casamento realizado pelo regime da separação
total de bens, com pacto antenupcial, há a
incomunicabilidade total dos bens anteriores e
posteriores ao matrimônio. O bem doado com
cláusula de incomunicabildade não integra a
meação do cônjuge, seja qual for o regime de
bens. Ademais, o gravame que incide sobre o bem
o torna bem particular, afastando-o da meação,
admitindo-se, contudo, que sobre ele concorra na
sucessão o cônjuge sobrevivente com os
herdeiros descendentes, na esteira do que dispõe
o artigo 1.829 inc. I do Código Civil.
Agravo desprovido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO
OITAVA CÂMARA CÍVEL
Nº 70021504923
COMARCA DE PELOTAS
ESTELA MARIA CIRNE MAGALHAES
AGRAVANTE
DANIELA ARAUJO MAGALHAES
AGRAVADO
ESPOLIO DE LUIZ
CRESPO MAGALHAES
GONZAGA
AGRAVADO
ARAUJO
AGRAVADO
ARAUJO
AGRAVADO
GABRIELA
MAGALHAES
DE
MARIA
TEREZA
MAGALHAES
NOEMIA MARIA PINHEIRO CIRNE
INTERESSADO
LUIZ
GONZAGA
MAGALHAES JUNIOR
INTERESSADO
CRESPO
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DECISÃO MONOCRÁTICA
Vistos.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Estela Maria,
uma vez que inconformada com a decisão que, nos autos do inventário dos
bens deixados por Luiz Gonzaga, determinou que a inventariante, assim
como os demais herdeiros, concorressem na partilha dos 89,25% do imóvel
da Rua Quinze de Novembro, excluindo do inventário o imóvel localizado na
Rua Montenegro (pois de titularidade exclusiva da agravada).
Aduz a recorrente que o falecido foi casado duas vezes, sendo
que nas primeiras núpcias, foi doado ao falecido e a Noemia (sua esposa)
um bem imóvel, localizado na Rua Quinze de novembro, em Pelotas-RS.
Assevera que tal bem foi gravado com cláusulas de inalienabilidade,
impenhorabilidade e incomunicabilidade, cabendo ao inventariante na
doação 89,25% do imóvel, e à sua ex-esposa 10,75% do referido bem.
Afirma que o de cujus casou-se em segundas núpcias com Maria Tereza,
pelo regime da separação legal de bens, devido a sua idade avançada,
quando já tinha em seu patrimônio o imóvel doado com as restrições antes
referidas. Diz que o magistrado desconsiderou a regra constante no inc. I do
art. 1.659 do CC/02, desconsiderando também o fato de que a doação do
bem era anterior ao casamento e foi feita somente em benefício do falecido,
em conformidade com o que dispõe o art. 1.660, III, do CC/02. Refere que a
intenção do doador,
ao gravar a
doação com
as cláusulas de
impenhorabilidade, inalienabilidade e incomunicabilidade, era que esse não
fosse transmitido a terceiros diversos dos herdeiros legítimos do de cujus.
Aduz que o art. 1.668 do CC/02 determina que não entram na comunhão os
bens móveis herdados com cláusula de incomunicabilidade, o que retrata o
caso concreto. Assevera que o imóvel localizado na Rua Montenegro, por ter
sido adquirido pela inventariante no curso da união, também deve ser
partilhado. Refere ser incongruente a construção lógica no sentido de que o
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bem doado ao falecido e gravado com cláusula de incomunicabilidade deve
partilhado, enquanto o bem adquirido na constância da união não deve
integrar a partilha. Pugna pela reforma da decisão, com a declaração de que
a Sra. Maria Tereza não é herdeira do bem imóvel doado exclusivamente ao
“de cujus”, e para que o imóvel na Rua Montenegro integre a partilha no
inventário, por ser bem adquirido com esforço comum.
Recebido o recurso (fl. 35), foram opostas contra-razões (fls.
38/42).
Aportaram aos autos as informações solicitadas ao julgador de
primeiro grau (fl. 45).
O Ministério Público absteve-se de intervir no feito (fl. 47).
É o relatório.
2- O caso comporta solução nos termos ditados pelo art. 557
do CPC, pois diz respeito a tema recorrente nesta Corte.
O recurso deve ser analisado sob dois pontos diversos: o
primeiro, relativamente ao direito de sucessão dos herdeiros e da viúva em
relação a bens “particulares” do de cujus, adquiridos em período anterior ao
segundo casamento e gravado com cláusula de incomunicabilidade; e o
segundo com a inclusão na partilha – ou exclusão – dos pertencentes
exclusivamente à Maria Tereza.
Estela Maria, ora agravante, é herdeira de Luiz Gonzaga, que
veio a falecer em 14 de dezembro de 2005, na cidade de Pelotas (fl. 18).
O de cujus foi casado por duas vezes, tendo contraído
primeiras núpcias com Noemia. Segundo constam das razões de agravo,
durante a constância do primeiro casamento foi “doado” ao casal um bem
imóvel localizado na Rua Quinze de Novembro, em Pelotas-RS, cabendo ao
de cujus na doação 89,25% do imóvel, e à sua ex-esposa 10,75% do
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referido bem. Contudo, do instrumento de transferência do imóvel consta a
menção, no campo “objeto”, a uma “compra e venda”, sendo que tal
controvérsia não restou esclarecida nem com o aporte aos autos das contrarazões da agravada (fls. 38/42). Provavelmente, embora tenha constado no
registro imobiliário que se tratava de uma compra e venda, em verdade se
tratava de uma doação, para fins de se isentar o pagamento dos Tributos
incidentes à doação.
O falecido contraiu segundas núpcias em 1º de dezembro de
1987 com Maria Tereza (fl. 17), optando pela adoção do regime da
separação total de bens. Entretanto, equivoca-se a recorrente ao afirmar que
o falecido e Maria Tereza teriam adotado “o regime legal da separação
obrigatória de bens”, em razão “de sua avançada idade”, pois do documento
de fl. 17 (certidão de casamento) extrai-se que Luiz Gonzaga e Maria Tereza
casaram adotando voluntariamente o regime da separação total de bens,
através de pacto antenupcial de fl. 24, no qual consta que se aplica o regime
da separação de bens adotado “tanto no que se refere aos bens presentes,
como aos que, por qualquer título foram adquiridos na constância do
matrimônio, inclusive frutos e rendimentos”.
Quando da realização do casamento (em 1º de dezembro de
1987- na vigência do anterior Código Civil), os nubentes contavam
respectivamente com 50 (cinqüenta) o falecido e 40 (quarenta) anos de
idade Maria Tereza, pois nascidos respectivamente em 21/06/1937 e
1º/11/1947.
Embora tenha o magistrado afirmado na decisão agravada (fl.
08) que, “na prática”, a adoção do regime da separação total de bens ou do
regime da separação obrigatória teriam os mesmos efeitos, tal afirmação
não deve prosperar, pois não trazem as mesmas conseqüências a adoção
de um ou outro regime de bens. Ademais, o regime de bens em vigor no
casamento das partes não foi o da separação obrigatória – pois nenhum dos
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dois era maior de 60 anos – mas sim o regime de separação total de bens,
conforme consta em sua certidão de casamento anexada, mediante pacto
antenupcial cuja cópia também foi juntada aos autos.
O art. 258, § único, incisos I a IV, do anterior Código Civil
permitia a livre deliberação entre os nubentes quanto ao regime de bens a
ser adotado no casamento, mediante escritura pública antenupcial (CC, art.
256, § único, I, do CC/1916). No caso dos autos, optaram os segundos
nubentes pela separação absoluta.
O art. 259 do CC/1916 destina-se apenas aos casos de
contrato antenupcial, e não para a separação de bens imposta por lei. Por
outro lado, hoje prevalece o entendimento da Sumula 377 do STF, de que na
separação obrigatória vigora a comunhão de aqüestos. , dispensando-se a
verificação do emprego de esforço comum para a aquisição dos bens
amealhados durante a vigência da união, sendo que, nestes casos, o
esforço comum encontra-se sempre presumido.
No regime da separação obrigatória de bens, tal como previa o
art. 258, § único, do CC/1916, vigente à época do casamento de Luiz e
Maria Tereza, os nubentes, nas hipóteses previstas nos incisos I a IV,
estavam
impedidos
de
optar
pela
comunhão
universal
de
bens,
considerando que ordinariamente vigorara a comunhão parcial, nos termos
previstos pelo CC, art. 269 e seguintes, seja quanto a comunicabilidade dos
adquiridos a título oneroso, seja quanto à incomunicabilidade dos bens
havidos exclusivamente por um dos cônjuges. Por esta razão, não se há
falar em aplicação, ao caso, do disposto na súmula 377 do STF.
No regime da separação de bens, ante o silêncio do contrato,
devem incidir as normas relativas a comunhão parcial dos adquiridos no
curso da união. Na separação obrigatória, pela sua própria natureza,
independe de deliberação escrita dos nubentes.
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Deliberada a separação absoluta em pacto antenupcial, de
comunhão nenhuma haverá de se tratar, pois inexiste comunicabilidade por
força da própria natureza do regime de bens adotado, devendo vigorar
quanto ao resto do patrimônio exclusivo de cada cônjuge a norma da plena
incomunicabilidade.
O imóvel localizado na Rua Quinze de Novembro foi “doado”
(ou vendido, não restando suficientemente claro nos autos a que título foi
alienado) ao falecido com cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade
e impenhorabilidade. Contudo, após o passamento do de cujus, tais
cláusulas deixaram de viger, participando sua atual esposa da sucessão.
Neste sentido:
AÇÃO DE EXTINÇÃO DE GRAVAME. REGISTRO
DE IMÓVEIS. DOAÇÃO COM RESERVA DE
USUFRUTO. CLÁUSULA DE INALIENABILIDADE,
IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE.
1. A morte da doadora implica extinção do
usufruto. 2. Diante do falecimento dos outros
donatários perde a finalidade a manutenção das
cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e
incomunicabilidade
sobre
os
imóveis
de
propriedade
dos
requerentes.
NEGARAM
PROVIMENTO À APELAÇÃO. (Apelação Cível Nº
70017200700, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal
de Justiça do RS, Relator: José Francisco Pellegrini,
Julgado em 21/11/2006).
EXECUCAO.
PENHORA.
CLAUSULA
TESTAMENTARIA DE INDISPONIBILIDADE DO
BEM.
A
LIMITACAO,
POR
DISPOSICAO
TESTAMENTARIA,
DE
INALIENABILIDADE,
IMPENHORABILIDADE E INCOMUNICABILIDADE
DO BEM, E RESTRITA A PESSOA DE HERDEIRO,
BENEFICADO PELO ATO DE ULTIMA VONTADE.
COM A MORTE DESTE, OS BENS TRANSMITEMSE
LIVRE
E
DESEMBARACADOS,
AOS
HERDEIROS. AGRAVO PROVIDO. (Agravo de
Instrumento Nº 599079993, Décima Quinta Câmara
Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Manuel José
Martinez Lucas, Julgado em 02/06/1999).
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Os gravames trazidos com o bem doado persistem durante a
vida do donatário. Nessa esteira, realmente, esses bens clausulados com
“incomunicabilidade” não se comunicam no casamento, seja qual for o
regime de bens – inclusive na comunhão universal, de conformidade com o
artigo 1.668 inc. I do Código Civil. Se assim não fosse pela cláusula de
incomunicabilidade, o seria pelo próprio regime de bens adotado, que foi o
pactuado de “separação total”. Dessa forma, Maria Tereza, ao casar com
Luiz, não se tornou meeira do bem. Conseqüentemente, o bem em questão,
89,25% do imóvel da Rua Quinze de Novembro, continuou sendo bem
particular de Luiz.
De conformidade, ainda, com o regime de bens adotado,
voluntariamente, pelo Casal Luiz e Maria Luíza, o da separação total
pactuado, o imóvel localizado na Rua Montenegro, adquirido posteriormente
ao casamento, pelo cônjuge mulher, se constitui, também, em bem particular
de Maria Luiza, relativamente ao qual o falecido Luiz não tinha direito a
meação.
Daí, conclui-se que na esteira do que preleciona o art. 1.829,
inc. I, do CC/2002 (pois falecido Luiz em 14/12/2005, quando ocorreu a
abertura da sucessão), a viúva de Luiz concorrerá com os filhos do falecido
com relação aos bens particulares dele (no caso, o bem doado em período
anterior às segundas núpcias), 89,25% do imóvel da Rua Quinze de
Novembro, em Pelotas-RS.
“Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem
seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge
sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no
regime da comunhão universal, ou no da separação
obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou
se, no regime da comunhão parcial, o autor da
herança não houver deixado bens particulares” (grifo
meu).
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Ainda em conformidade com o regime de bens adotado
voluntariamente pelo casal Luiz e Maria Luiza, não se comunicando os bens
particulares, o bem adquirido por ela somente a ela pertence, sem direito a
meação. E, no caso, não se está tratando da sucessão de Maria Luiza, mas
sim da sucessão de Luiz, que é a pessoa que faleceu. Dessa forma, não há
que falar em “sucessão” do imóvel de Pelotas, que pertence exclusivamente
a Maria Luiza.
Assim, embora não tenha a decisão agravada acertado
integralmente em seus fundamentos, andou bem ao determinar em seu
dispositivo que a inventariante, assim como os demais herdeiros,
concorressem na partilha dos 89,25% do imóvel da Rua Quinze de
Novembro, excluindo do inventário o imóvel localizado na Rua Montenegro
(pois de titularidade exclusiva da agravada).
Diante do exposto, com fundamento no art. 557 do CPC, com a
redação dada pela Lei nº 9.756/98, nega-se provimento ao agravo.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2007.
DES. JOSÉ S. TRINDADE,
Relator.
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