1 Sertanejos ribeirinhos: identidade, Cultura e mobilidade socioespacial. Andréa Maria Narciso Rocha de Paula.1 Carlos Rodrigues Brandão2 RESUMO: Os camponeses que vivem na margem do Rio São Francisco no Norte de Minas Gerais são reconhecidos e se reconhecem como sertanejos ribeirinhos. São homens e mulheres que constituem uma cultura sertaneja ribeirinha representada na forma de falar, nos gestos, nos ofícios de trabalhos, nas narrativas dos mais velhos/velhas, na relação com as paisagens naturais e culturais. Nossa pesquisa é baseada nas histórias de vida, na observação participante, no estar em uma comunidade ribeirinha e acompanhar densamente o cotidiano de homens e mulheres. Muitos deles e delas são migrantes que já não querem mais migrar. Muitos e muitas continuam na rota da migração sazonal. Alguns que não migraram, não vêem outros membros da família nuclear já alguns anos. E outros homens e outras mulheres que vieram para a comunidade de beira rio e sertão, para aqui fazerem seus lugares de vida e trabalho. São populações rurais e ribeirinhas que constroem na mobilidade socioespacial um processo de resistência e permanência do ser rural. E mesmo com a constância de idas e vindas entre a diversidade dos locais de destino, continuam como sujeitos rurais representando e sendo representados na identidade plural que forma o espaço do norte-mineiro através das tradições e das mudanças no viver sertanejo. Palavras-Chaves:- Mobilidade socioespacial, tradição e mudança, identidade e cultura, processo social, sujeitos rurais. 1 Doutoranda em Geografia na Universidade Federal de Uberlândia-UFU/IG. Professora Assistente do Departamento de Política e Ciências Sociais da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES. Pesquisadora e bolsista da FAPEMIG. Este trabalho é fruto do desenvolvimento da pesquisa no projeto: “Tempos e Espaços nas Sociedades Camponesas no Alto e no Médio São Francisco”, vinculado ao LAGEA – UFU / Financiado pelo CNPq – 061/2005. 2 Professor Visitante no Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geografia na Universidade Federal de Uberlândia/UFU. Professor do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Social na UNIMONTES-PPGDS. Pesquisador da FAPEMIG. Este trabalho é fruto do desenvolvimento da pesquisa no projeto: “Tempos e Espaços nas Sociedades Camponesas no Alto e no Médio São Francisco”, vinculado ao LAGEA – UFU / Financiado pelo CNPq – 061/2005. 2 1- CONSIDERAÇÕES INICIAIS Por que era que eu estava procedendo à-toa assim? Senhor, sei? O senhor vá pondo seu perceber. A gente vive repetido, o repetido, e, escorregável, num mim minuto, já está empurrado noutro galho. Acertasse eu com o que depois sabendo fiquei, para de lá de tantos assombros...Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia. João Guimarães Rosa, 1986, pp.51-52. Estamos entre os tempos da sociedade, utilizando espaços e sendo utilizados pelo espaço que nós mesmos construímos, produzimos, transformamos e destruímos. O processo migratório é um processo socioespacial. São os espaços os objetivos dos que migram. São os espaços os sonhos dos que retornam das migrações. São os espaços que dão forma e conteúdo ao processo da experiência migratória. É nos espaços que as pessoas re-constroem as suas identidades e modificam e/ou permanecem em suas ruralidades. As migrações rurais internas que continuam a ocorrer no Norte de 3 Minas Gerais em direção aos canaviais e lavouras de café, soja, do interior de São Paulo, e no Norte de Minas, em direção a cidades pequenas e médias da região, comprovam a modernidade tecnológica do terceiro milênio como uma racionalidade técnica baseada na lógica do capital, em que a maioria dos trabalhadores vêem sem oportunidades de trabalho nos locais de origem, e sentem-se também excluídos do mercado de trabalho nos locais de destino. Se no período de 1960 e 1970 o destino era principalmente São Paulo; hoje o destino é a sua própria região. A escolha “para onde migrar” resulta da possibilidade da procura pelo “desenvolvimento”. As migrações de retorno são confirmadas no Censo demográfico de 2000-IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Entre 1995 e 2000 a região do Nordeste e o estado de Minas Gerais são os que mais receberam migrantes. E são também as mesmas regiões e os mesmo estados que mais receberam emigrantes. Ou seja, as populações locais estão retornando as suas 3 Para maiores informações sobre migração no Norte de Minas em busca de trabalho conferir em: DE PAULA, Andréa M.N. Rocha. A Integração dos Migrantes Rurais no Mercado de Trabalho: A esperança de Melhoria de Vida! Uberlândia-MG, 2003,186f.Dissertação (Mestrado em Geografia Agrária) Instituto de Geografia-Universidade Federal de Uberlândia. 3 regiões de origem. Mas a diminuição de população em grandes metrópoles, não altera os problemas estruturais das desigualdades socioespaciais entre o rural e o urbano. As migrações mudam de perfil, mas os deslocamentos continuam, agora mais interestaduais e intra-regionais. O deslocamento espacial continua, com novas formas, em novos espaços, motivado pela sobrevivência das famílias rurais, mais pobres e com menor grau de escolarização. Continuam também as ruralidades do homem e da mulher do campo. Camponeses e camponesas que migram, que vivem em trânsito entre lugares, mas que mantém presentes, as manifestações, os valores, os ofícios, as crenças, os laços de reciprocidades e sociabilidade entre grupos de vizinhos e familiares que fazem o espaço do rural. 2- AS REPRESENTAÇÕES DAS PRATICAS SOCIOESPACIAIS A experiência de migrar modifica em quê as representações das praticas espaciais? Indagações que fazem do processo migratório uma importante abordagem de interpretação das questões complexas e ao mesmo tempo singulares constitutivas do mundo rural. É nos tempos e nos espaços que conduzimos nossas ações no correr da vida e do trabalho. Neles somos influenciados por diversas situações, na mesma medida em que tentamos influenciar e controlar as situações. Nossas representações geram nossas interações, movimentos, práticas do nosso desempenho social. Para Goffman (1975), as representações de nossas ações no viver cotidiano, colocam-nos diante das experiências e das informações que fornecemos e recebemos quando estamos na presença de outros. Dessa forma, baseados em observações que fazemos e que os outros fazem de nós, estamos prontos para o agir em grupo. Venho usando o termo representação para me referir a toda atividade de um indivíduo que se passa num período caracterizado por sua presença contínua diante de um grupo particular de observadores e que tem sobre este alguma influencia, (GOFFMAN,1975,p.29). São as representações que montam e fazem o cotidiano dos homens e das mulheres, com e entre o ambiente e nas interações em sociedade e, 4 portanto no espaço. Que para Santos (1988 p.16): “é a sociedade em movimento”. Nosso habitar um espaço, viver em um lugar, fazem a nossa representação do mundo entre coisas e ações. No dizer de Santos (1999, p.83), “formas e conteúdos” em um acontecer solidário que se manifesta em um lugar. A forma é o evento a se realizar4; o conteúdo constitui as funções que podem ser portadoras do evento. Vivemos entre espaços e tempos onde o evento é cada vez mais rápido, onde as formas e conteúdos são mais objetos do que ações e o acontecer solidário são processos espaciais de conflito e luta de poder nos lugares entre pessoas e grupos sociais. O processo espacial de construção do mundo social foi e é feito pelos homens e mulheres. Hoje, indivíduos modernos ou pós-modernos, racionais, convivendo com uma realidade dura e fluida ao mesmo tempo, onde uma atualidade desencantada conduz a uma vida de afirmação de valores efêmeros e a uma progressiva negação de valores éticos, culturais. Em meio à sociedade da tecnologia, da modernidade, os diversos saberes que são disponibilizados, afastam os homens e as mulheres das suas falas, das histórias de suas vidas que fazem o espaço vivido de suas vidas no sertão e que entre e com as narrativas continuam repassando saberes, tradições, ritos, práticas de trabalho. A identidade cultural dos beiradeiros e barranqueiros5 é representada através do “Velho Chico”, como é chamado o rio São Francisco pelas populações locais. As populações são-franciscanas junto ao rio guardam na memória a ocupação do território, a diversidade de etnias, a navegação fluvial de gente e cargas, a ferrovia e a chegada do “desenvolvimento” e as ruralidades. As representações, os imaginários dos povos rurais e urbanos, demonstram que são os saberes tradicionais que pouco respeitados e referenciados pela ciência promovem a construção de uma identidade, de um modo de vida e de trabalho entre e com sujeitos plurais em espaços diversos. 4 Conceituando o tempo como um evento: ”Trata-se de um instante do tempo dando-se em um ponto do espaço... Os eventos são simultaneamente, a matriz do tempo e do espaço”, (Ibidem, 1999, p.115). 5 Barranqueiros são todas as pessoas que moram nas barrancas do Rio.E beiradeiros são as pessoas que vivem nas beiras do rio. A distinção é que: “barraqueiro vive próximo às corredeiras e beiradeiros vive nas águas calmas”. Depoimento da Senhora Zuzinha, moradora e pescadora em Pirapora, residente a 60 nos em Pirapora, e que veio pelo Rio do estado da Bahia, Os termos também são utilizados na obra de João Guimarães Rosa. 5 Entendemos a identidade de acordo com Brandão (1986), como a dimensão individual que não se separa da dimensão social através das práticas cotidianas. Portanto, as narrativas das trajetórias dos migrantes fazem parte da identidade ribeirinha e são reconhecidas com o nome de causos, prosas, que retratam na oralidade as histórias de vida, sendo uma construção dos saberes simbólicos, imaginários, tradicionais que se misturam. O ribeirinho preserva suas tradições e modifica também seus costumes em função de uma visão do mundo compreendido como os componentes existenciais, os valores, morais e éticos, ou seja, o "ethos”. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético,... A visão de mundo que esse povo tem é o quadro que elabora das coisas como elas são na simples realidade, seus conceitos de natureza, de si mesmo, da sociedade. Esse quadro contém suas idéias mais abrangentes sobre a ordem. A crença religiosa e o ritual confrontam e confirmam-se mutuamente [...],(GEERTZ, 1989, p.93). As tradições orais são, então, sempre mais coletivas e só sobrevivem se forem aceitas e fizerem parte da visão de mundo da coletividade nos grupos. As festas, as manifestações sagradas, culturais, os rituais dos ciclos do trabalho6, gestos, rezas, ritos, mitos, fazem parte do calendário das tradições dos sujeitos rurais: pescadores, agricultores, extrativistas, trabalhadores da terra, bóias-frias, que comemoram, reverenciam e obedecem as normas das tradições, na certeza das recompensas pedidas e aclamadas através de promessas que envolvem. O moderno e o tradicional fazem parte do cotidiano dos migrantes rurais nas suas várias chegadas e constantes partidas. E são categorias conceituais que auxiliam na compreensão das fronteiras dos modos de vida tradicional, que continuam presentes em comunidades rurais, ribeirinhas e no enfrentamento dos modos de trabalho da modernidade. Os camponeses foram expropriados da terra e conduzidos para antigos e novos lugares, que são produzidos, elaborados, e que vira o simulacro do real para assim divulgar a superação das tradições enquanto sinônimo de velho e antigo e propagar o moderno como o novo, o tecnológico, o urbano. 6 Aqui compartilhamos as idéias do autor Carlos Rodrigues Brandão, que em vários de seus livros relata as festas, os ritos de agradecimento pela colheita, pelo trabalho junto a terra. Esse termo Ciclos da Terra encontra-se na obra A Partilha da Vida, 1995. 6 As transformações são profundas, mas o rural não se “perde” nesse processo, ao contrário, reafirma sua importância e particularidade. Nos dizeres de Maria Nazareth Baudel Wanderley, “as diferenças espaciais e sociais das sociedades modernas apontam não para o fim do mundo rural; mas para a emergência de uma nova ruralidade”.(grifo da autora) (WANDERLEY, 2000, p. 4) O espaço do rural tem diversidades que são representadas pelas praticas socioespaciais dos homens e das mulheres migrantes. São muitas partifdas e chegadas das famílias, que carregam suas tradições e trazem as transformações. E nas fronteiras das tradições representadas no espaço, na identidade, na reciprocidade entre grupos de trabalhadores, entre comunidades rurais, sertanejas e ribeirinhas, continuam presente e resistente no inicio do século XXI através da cultura, do fluxo de histórias, vivências e experiências dos migrantes que habitam nas cidades do Vale do São Francisco. 3- ESPAÇOS DO URBANO, DO RURAL: Especificidades e Ruralidades. Nossa análise perpassa as especificidades do mundo rural. As reflexões sobre a ruralidade buscam re-conhecimento do rural, com suas relações internas e singulares, tanto com as suas relações com o urbano. Pretendemos estudar as ruralidades, para compreender as representações deste espaço rural. Conjugamos a interpretação que a ruralidade é uma construção social. Como cualquier otra construcción social, la ruralidad tiene una naturaleza reflexiva; es decir, es el resultado de acciones (o está condicionada por ellas) de sujetos humanos que tienen la capacidad de interiorizar, debatir o reflexionar acerca de las circunstancias y requerimientos socioculturales que en cada situación espaciotemporal se les presentan. (DURÁN, 1998, p.77). Estamos pensando a ruralidade como um processo social. Um processo em que a compreensão do ser rural, da identidade do sujeito do meio rural, bem como, todas as questões referentes ao mundo rural, são singulares, e onde as relações sociais e de produção são mediadas nos modos de vida e de trabalho vinculadas às estruturas de relações sociais, espaciais e históricas da sociedade. Os tempos da sociedade para os migrantes da região do Norte de Minas Gerais, região basicamente rural, e onde os migrantes são em sua maioria oriundos do meio rural, são representados no espaço como: os “antigos tempos”, caracterizados como tempos de fartura, de “boa vida”, de muita terra 7 e de “prato cheio”; o campo era o tempo anterior, do passado. A cidade era local para “fazer a feira” e, de vez em quando, para “ir ao médico” ou ver “novidades”. Os espaços rurais e urbanos eram completamente separados, caracterizados e delimitados. “São tempos que não voltam. Hoje a gente vem, sabe onde termina a cidade. A roça acho que nem existe mais. Pelo menos, aquela com gado, comércio, professora. E minha família toda junta, criando galinha, porco, fazendo queijo, plantando roça. Quando a seca vinha, sempre tinha um patrão para empregar a gente como peão. Agora, tudo é máquina”. Depoimento de um trabalhador rural As atividades de produção no tempo antigo eram caracterizadas como atividades de subsistência e possibilidade de permanência no campo. As relações de trabalho relatadas não se baseavam apenas nas leis de mercado. As ações econômicas dos indivíduos baseavam-se também em trocas entre as famílias, parentes, vizinhos, imbricando valores de cooperação, solidariedade e reciprocidade. Podemos pensar junto com Martins (1975), que a introdução do capitalismo no campo brasileiro provoca a sujeição do rural para favorecer o crescimento econômico. A economia mercantil, a economia de mercado exclui a economia de subsistência e a economia do excedente: Uma economia do excedente, cujos participantes dedicam-se principalmente à própria subsistência e secundariamente à troca do produto que pode ser obtido com os fatores que excedem às suas necessidades, (MARTINS, 1975, p.45). É assim que o modo de produção capitalista torna-se o símbolo da modernidade para os agricultores, camponeses e trabalhadores rurais no meio rural através da introdução dinâmica, ágil e rápida do modo urbano de vida, transformando a população rural em consumidores e logo expropriados de suas terras e do trabalho rural para viver nas cidades em condições subhumanas onde grande parcela de trabalhadores oriundos do campo trabalha em condições arcaicas e escravistas.7 A ideologia da modernização, como é caracterizada pelo autor modifica as relações sociais nos espaços e nos tempos rurais. A máquina vira símbolo 7 Conferir como se procedeu a introdução do Capitalismo no Campo Brasileiro no livro Tradicionalismo e Capitalismo de Jose Souza Martins. 8 da modernidade, e as pessoas no campo adotam objetos e ações do modo urbano de vida e trabalho. Assim, a questão agrária brasileira fundamentou-se na propriedade privada da terra, que segrega, separa e vende os espaços: a terra. E assim, provoca a mobilidade espacial das pessoas através da expropriação do trabalho e dos lugares, provocando a busca de novos espaços: de terra e de trabalho. Os dias de hoje, como muitos chamam o presente, são “outros tempos”. Os tempos vividos pelos homens e mulheres no Norte de Minas Gerais, em especial, pelos trabalhadores e trabalhadoras migrantes revelam dois tempos distintos: os de ontem e o de hoje. Em uma lógica diferente da modernidade efêmera, onde os tempos são ‘eventos’ e ‘intemporais’. As utilizações sociais dos espaços do campo e da cidade são bem distintas. No rural que pode ser para um pescador à beira de um rio em uma pequena cidade, como Pirapora. Ou no rural que para um pequeno agricultor rural, é a comunidade da Piedade, composta de 45 famílias, (onde ele mora com os pais em um pequeno sitio de propriedade da família), na Serra do Cabral no município de Lassance a 3 horas de distância da sede, são os lugares do ser. A cidade representa o espaço do estar, ou seja, estar para trabalhar em cidades grandes ou propriedades de outros, trabalhando de forma provisória. Você me pergunta qual é o morador mais velho daqui. Eu não sei dizer. Mas sei qual é a casa mais velha. É a do Juca.Aqui na Piedade, os sítios são passados de pai para filho, e a gente não vai embora nunca. Então são sempre as mesmas famílias, nas mesmas casas.Quando um morre, tem o cemitério, enterramos. Quando um nasce e volta da cidade o batismo é na igreja daqui. Aqui tem pouca coisa, mas tem um pouco de tudo. E agora vai ter luz! Há... Tem os chegantes, mais são só três que já tem uns 30 anos tão aqui com a gente.(Relato feito para autora desse trabalho em julho de 2006, por Dionísio, 45 anos, agricultor rural na comunidade da Piedade, que já migrou três vezes para São Paulo para trabalhos em Lavoura e sempre retorna). Os pescadores com os quais conversamos, vieram da Bahia para aqui fazerem “a vida”. Hoje são senhores de 50 e 60 anos, com filhos, netos. Família extensa e também já migraram para trabalhar em outras regiões. Explicam que só foram para outras regiões porque não tinha jeito: “O rio seco, o prato vazio, o jeito é ir pra estrada e voltar com algum. Como o rio os tempos são assim: às vezes rio acima, contra a 9 correnteza, outras vezes rio abaixo, a favor da correnteza”, (Relato de pescadores em conversa em beira de rio, no fim de tarde em Pirapora em julho de 2006). Pessoas diversas, em espaços plurais, com saberes diferentes que vivem no sertão dos Gerais e que fazem a cultura e o ambiente. São assentados que dividem a terra em lotes, são pescadores que, com o sistema de horários no rio, partilham os locais de boa pesca. São as benzedeiras e benzedeiros que cultivam com as rezas os valores da fé que promovem o respeito aos mais velhos e que fazem com que os laços solidários nas comunidades sejam revitalizados. Compreensão dos contornos, das especificidades e das representações deste espaço rural, entendido, ao mesmo tempo, como espaço físico (referência à ocupação do território e aos seus símbolos), lugar onde se vive (particularidades do modo de vida e referência identitária) e lugar de onde se vê e se vive o mundo (a cidadania do homem rural e sua inserção nas esferas mais amplas da sociedade). (WANDERLEY, 2000, p.2) Entre idas e vindas nos espaços naturais e sociais, as famílias geram e consolidam nos lugares de origem e / ou de destino, as redes de reciprocidade e de sociabilidade (relações de ajuda mutua, manifestações culturais, costumes religiosos, festejos, culinária, convivência e participação), típicas das sociedades camponesas. 5- CONSIDERAÇÕES FINAIS: Nossa experiência neste trabalho tentou compreender as representações das praticas socioespaciais na dimensão do vivido, do viver, do conviver,8. São os sujeitos diversos que fazem a vida nos lugares. E são essas gentes que possuem saberes, ideologias, ethos e visões de mundo que como nós fazem o seu mundo, o nosso mundo, as nossas dimensões socioespaciais. Homens e mulheres, famílias inteiras que entre urbano e rural, entre lugares que se transformam em espaços e espaços que se modificam em lugares vivem o sertão, convivem entre e com as músicas, as rezas, os ritos, as tradições e assim preservam e resistem entre o real e o simbólico, entre a memória em ter uma percepção ambiental não só como utilização do espaço, mas como representação do eu, do outro, dos nós neste espaço. Acreditamos que nossos questionamentos em desvelar no processo migratório, as percepções do espaço enquanto representação e as ruralidades e identidade não 8 Este artigo é fruto das discussões que estão sendo feitas na pesquisa de doutorado em Geografia pelos autores, na região do Médio São Francisco discutindo: A Travessia dos Espaços do Sertão: Ruralidades e o ser migrante nas margens do São Francisco. 10 só como experiências e trajetórias individuais das pessoas, mas como forma de compreender o processo estabelecido que modifica os tempos e utilização dos espaços demonstra que o espaço do rural deve ser compreendido como um processo dinâmico de transformações e da ruralidade enquanto uma multiplicidade de aspectos socioculturais e espaciais que não são transitórios, mas permanentes. 6-REFERENCIAS: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade e Etnia. São Paulo, Brasiliense, 1986. ___, A Partilha da Vida. São Paulo, Geic/Cabral Editora, 1995. BIZZARRI, E. J. 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