Arquivo Siqueira Castro - Advogados
Fonte: O Globo
Data: 11/09/2015
Seção: Economia
Versão: Online
CDC faz 25 anos sob revisão, mas propostas são alvo de
críticas
Projetos focam comércio eletrônico, endividamento e Procons mais fortes.
Pacote pode ser votado hoje
POR JULIANA GARÇON
Propostas para reforma do CDC podem ir a Plenário, no Senado, ainda hoje - Bloomberg
RIO - Aos 25 anos, em busca de rejuvenescimento. Nesta sexta-feira (11), o Código de
Defesa do Consumidor (CDC) chega a um quarto de século enquanto uma série de
projetos de reforma avança no Congresso.
As principais propostas têm como objetivo adequar a legislação a um cenário
econômico diferente daquele em que se vivia em 1990, quando o CDC foi publicado: são
regras para conter o superendividamento (PLS 283/2012) e melhorar as regras sobre o
comércio eletrônico (PLS 281/2012) — as duas pautas passaram na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no último dia 2 e seguem agora para o Plenário
da Casa. Além disso, propaganda voltada para crianças e o direito de arrependimento
na compra de passagens aéreas são os temas que chamam a atenção dos especialistas
(veja abaixo).
O relator do pacote, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), pediu urgência ao presidente
do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e as propostas podem ir a Plenário ainda
hoje. Depois, a pauta segue para a Câmara.
SUPERENDIVIDAMENTO
por JULIANA GARÇON
RIO - O texto aprovado na CCJ proíbe propaganda enganosa que apela para crédito
“sem juros” e com “taxa zero”. E propõe maior responsabilidade na concessão do
crédito: o credor deve avaliar se o consumidor tem mesmo condições de pagar a dívida
antes de formalizar qualquer contrato, um “mecanismo de corresponsabilidades”. Caso
o fornecedor dê crédito sem verificar a capacidade de pagamento do consumidor,
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poderá sofrer inexigibilidade ou a redução dos juros e encargos, além de poder ser
obrigado a indenizar o devedor por perdas e danos, patrimoniais e morais. Mas, se
exige do credor que garanta que o tomador manterá um “mínimo existencial” de renda
sem comprometimento, o projeto deixa a definição deste conceito para futura
regulamentação.
A defensora pública Patricia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do
Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, elogia a
pauta:
— Em nossa sociedade, predominantemente consumista, com oferta desmedida de
produtos e serviços, associada à crescente irresponsabilidade de instituições financeiras
na concessão de crédito, é necessária a elaboração de uma leia para prevenir o
superendividamento e que preveja algum "tratamento" ou remédio para a situação. O
PL 283 é uma importante ferramente para a reinserção desse consumidor, leigo e de
boa fé, que visa também impedir a estagnação da economia.
Solange Amaral, presidente do Procon Carioca, concorda:
— O CDC é omisso em relação aos "endividados e superendividados". É preciso
responsabilizar, não só o cidadão que toma empréstimos temerários como também as
instituições financeiras que contrariam o principio da boa fé ao divulgarem publicidade
voltada especialmente para negativados.
A proposta também prevê ênfase à educação financeira, com a sugestão de inclusão do
tema em currículos escolares, mas o tema é considerado subestimado por especialistas,
que também veem na iniciativa transferência indevida de responsabilidades.
— O texto tira do consumidor a sua autonomia na contratação de crédito, repassando a
responsabilidade aos fornecedores — critica Gláucia Coelho, sócia do escritório
Machado Meyer Advogados, complementando: — Há uma inversão de valores: em vez
de combater a doença, que é o fato de uma grande parcela da população não ter noções
básicas de educação financeira, pretende-se combater os sintomas, o endividamento
desenfreado dessa população, transferindo-se a responsabilidade que é do Estado para
os agentes de concessão de crédito.
Na mesma linha, Hugo Filardi Pereira, do escritório Siqueira Castro Advogados destaca a necessidade de reforçar as medidas socioeducativas para acesso
consciente ao crédito. Por sua vez, o advogado Luiz Gustavo de Oliveira Ramos, titular
do Oliveira Ramos, Maia e Advogados, destaca a falta de definição de “mínimo
existencial” para a sobrevivência, que os credores teriam de considerar ao conceder
empréstimos.
PUBLICIDADE INFANTIL
por JULIANA GARÇON
RIO - Se aprovada a reforma, será a publicidade voltada às crianças terá normas mais
restritivas, tendo em vista a deficiência de julgamento deste público. Serão proibidas
publicidades que promovam discriminação de quem não é consumidor do item ou
serviço anunciado, que tenham apelo imperativo ao consumo ou estimulem
comportamentos socialmente condenáveis. A iniciativa é comemorada por Hugo
Filardi Pereira, do escritório Siqueira Castro - Advogados:
— Cada vez mais crianças tem acesso via internet a propaganda de brinquedos e a
condutas de consumo. O projeto de lei acerta, já que impede a publicidade infantil que
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estimule distorções sociais, raciais e financeiras. A criança de hoje devera ser o
consumidor cidadão consciente de amanhã — avalia o especialista, lembrando um
anúncio em que uma criança repetia, cantarolando, "eu tenho, você não tem".
Outro exemplo de distorção na publicidade voltada crianças são as campanhas
repetitivas, que se tornam bordões dos filhos para os pais, comenta.
— Quem nao se lembra do "compre batom, seu filho merece batom". O projeto de lei
regulamenta como indevida propaganda viral que interfere diretamente nas opções de
cada família. A publicidade não pode despertar falsas ilusões nas crianças e muito
menos desestabilizar sua relação com os pais.
COMÉRCIO ELETRÔNICO
por JULIANA GARÇON
RIO - O texto aprovado na CCJ obriga o fornecedor a manter um serviço de
atendimento ao consumidor; a informar no site o preço total do produto ou serviço,
incluindo taxas adicionais, tributos e despesas com frete; além de avisar imediatamente
às autoridades e ao consumidor eventuais vazamentos de dados, explica relator do
assunto, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES).
O relatório também limita o uso de spams — o consumidor só poderá receber o e-mail
se autorizar ou se tiver prévia relação com o fornecedor, respeitando a opção de recusar
a mensagem — e exige que sejam informados os principais dados sobre o mantenedor
do site (nome empresarial, endereço geográfico e eletrônico), para que o consumidor
consiga contato para fazer queixa.
— No caso de descumprimento das normas, o juiz poder aplicar o chamado “follow the
money” (siga o dinheiro) aos sites, determinando a suspensão dos pagamentos e
transferências financeiras para o fornecedor do comércio eletrônico e/ou bloqueio de
suas contas bancárias — explica Ferraço.
Filardi Pereira, do Siqueira Castro - Advogados, discorda:
— A importação do "follow the money" para o direito brasileiro é inconstitucional. O
próprio mercado acaba se regulando e criando fontes de consulta de sites com posturas
contrárias aos consumidores, e isso acaba desestimulando o consumo naquela empresa
— defende. A Constituição assegura o direito à livre iniciativa. Qualquer dirigismo
estatal no sentido de criar facilidades de consumo em prol de uma empresa em
detrimento de outra é ilegal. Se a empresa não possuir objeto lícito ou estiver violando
normas de proteção ao consumo, o Estado pode aplicar penalidades ou até terminar
suas atividades, mas nunca estimular o consumo em um concorrente de forma direta.
ARREPENDIMENTO NO TRANSPORTE AÉREO
por JULIANA GARÇON
RIO - Conforme a reforma do CDC em trâmite no Senado, a Anac (Agência Nacional de
Aviação Civil) pode regulamentar o direito de arrependimento: hoje, cada aérea
trabalha com regras próprias para cancelamento, o que muitas vezes resulta em
cobrança de valores que superam o da passagem original.
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O advogado Leonardo Muniz, titular do escritório Leonardo Muniz Advogados, avalia
que a proposta não agrega direitos aos consumidor:
— É uma redundância, pois a Anac expedirá regra ou resoluções sobre um assunto que
não terá maior hierarquia legal que o próprio CDC, ora lei federal. Na verdade, o CDC é
uma inovação quanto o direito de arrependimento, o qual o consumidor pode desistir
da compra no prazo de sete dias com ressarcimento do valor pago de forma integral,
como preceitua em seu artigo 49. A regra também é aplicável às aéreas, ainda mais se a
compra for feita por internet.
FORTALECIMENTO DOS PROCONS
por JULIANA GARÇON
RIO - O fortalecimento dos Procons, abordado tanto no relatório do senador Ricardo
Ferraço quanto no projeto 5.196/2013, que tramita na Câmara, tem como objetivo
diminuir o número de ações na Justiça, criou controvérsia. Na proposta do Senado, os
órgãos de defesa do consumidor ganham autonomia para determinar a substituição ou
reparação do produto com vício e até a devolução do valor pago por ele, com multas
diárias em caso de descumprimento. Também dá aos Procons poder para atuar na fase
preliminar do processo de repactuação das dívidas do consumidor superendividado.
Pelo texto da Câmara, audiências realizadas pelos Procons poderão ser aproveitadas
nos Juizados Especiais Cíveis (JECs), onde vai parar boa parte das disputas não
resolvidas nos âmbito dos órgãos de defesa. Assim, se não houver entendimento no
encontro promovido pelo Procon, o consumidor pode “pular” a etapa da audiência de
conciliação na JEC, o que exigiria do juiz resposta mais rápida para o problema.
Para a advogada Gláucia Coelho, porém, os projetos confrontam a Constituição por dar
poder aos Procons para aplicar medidas corretivas após as próprias investigações, o que
ofenderia a tripartição dos poderes e das garantias de contraditório e ampla defesa, o
que poderia dar origem a julgamentos tendenciosos e imparciais. Além disso, avalia, o
direito de ação cabe apenas ao Judiciário e, por isso, não pode ser atribuída aos órgãos
de defesa o poder de executar decisões de autoridades administrativas.
http://oglobo.globo.com/economia/defesa-do-consumidor/cdc-faz-25-anos-sobrevisao-mas-propostas-sao-alvo-de-criticas-17430969
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CDC faz 25 anos sob revisão, mas propostas são alvo de críticas