Apelação Cível n. 2010.036704-2, de São José Relator designado: Des. Newton Janke FALÊNCIA DO CONTRIBUINTE SUPERVENIENTE AO AJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL. AVENTADA HABILITAÇÃO DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO NO JUÍZO FALIMENTAR. CRÉDITO NÃO SUJEITO À HABILITAÇÃO. NECESSIDADE, NO ENTANTO, DE O FISCO COMUNICAR A PENDÊNCIA DA DEMANDA EXECUTIVA AO JUÍZO FALIMENTAR PARA GARANTIR SUA PARTICIPAÇÃO NA REALIZAÇÃO DO ATIVO DA MASSA FALIDA. CONDUTA QUE NÃO IMPLICA EM RENÚNCIA AO EXERCÍCIO DA PRERROGATIVA DA EXECUÇÃO FISCAL. INEXISTÊNCIA DE ÓBICE AO PROSSEGUIMENTO DO FEITO EXECUTIVO. O crédito tributário não se sujeita à habilitação no processo falimentar e a decretação da quebra não inibe o prosseguimento da anterior execução fiscal, na qual, inclusive, poderão ser alienados bens arrecadados pela Massa Falida, sob a ressalva de que o produto da arrematação deve ser colocado à disposição do juízo falimentar para garantir a satisfação - integral ou parcial - dos créditos legalmente preferenciais aos créditos tributários. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.036704-2, da Comarca de São José (Vara dos Executivos Fiscais), em que são apelantes Estado de Santa Catarina e outro e apelado Móveis Pinheiro Ltda: A Segunda Câmara de Direito Público decidiu, por maioria, dar provimento ao recurso. Sem custas. O julgamento, realizado no dia 13 de dezembro de 2011, foi presidido pelo Exmo. Des. João Henrique Blasi e dele participaram os Exmos. Desembargadores Cid Goulart, com voto vencedor, e Ricardo Roesler, com voto vencido. Florianópolis, 2 de fevereiro de 2012. Newton Janke RELATOR DESIGNADO Gabinete Des. Newton Janke 1. RELATÓRIO Trata-se de apelação interposta pelo Estado de Santa Catarina em face de sentença que, com invocação do art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil, julgou, a execução fiscal ajuizada para a cobrança de crédito tributário decorrente do não recolhimento de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) contra Móveis Pinheiro Ltda. A sentença, partindo da premissa de que o exequente habilitou o crédito exequendo no Juízo Falimentar em curso no Estado do Paraná, considerou que a execução estava prejudicada porque "não pode haver duas ações visando o cumprimento da mesma obrigação" (fl. 99). Buscando reverter este desfecho, sustenta o recorrente, em síntese que o crédito tributário não se sujeita à habilitação no processo de falência, nada obstando, assim, o prosseguimento da demanda executiva. 2. VOTO O recurso reclama acolhida, malgrado não se desconhecer a existência de julgados preconizando que o Fisco teria opção entre ajuizar a execução fiscal ou habilitar seu crédito na falência. Penso, contudo, que este posicionamento não se aplica em hipóteses como a vertente, onde o crédito tributário foi definitivamente constituído e a execução ajuizada antes da decretação da quebra. Aliás, ao que tudo revela, tais precedentes levam em conta situação diversa, como nos casos em que o crédito foi lançado, mas, antes do ajuizamento da execução fiscal, veio a ser decretada a falência da devedora-contribuinte. Hipótese distinta é a que se dá, como nos presentes autos, quando no curso da execução fiscal seja declarada a falência. Nesse caso, caberá ao Fisco tão-somente comunicar ao Juízo da Falência a existência de seu crédito para ser incluído no quadro geral de credores, dentro da classe própria, pois, se assim não o fizer, não participará do rateio que vier a se realizar no processo falimentar. Não se trata, portanto, de uma opção do Fisco, mas de providência necessária para acautelar seu direito. Assim, estando em tramitação o feito executivo, não há óbice algum a que este prossiga pois, segundo o art. 29 da Lei de Execuções Fiscais, "a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento". Na mesma toada é a redação do art. 187 do Código Tributário Nacional, merecendo também ser registrado que "as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial" (art. 6º, §7°, da Lei nº 11.101/2005). A autonomia do Juízo Fiscal em face do Juízo falimentar é também reafirmada no art. 76, desta última lei, segundo quem "o juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens, interesses e negócios do Gabinete Des. Newton Janke falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo" (destaquei). Tempos atrás, discutia-se, na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o destino adequado a ser dado ao produto da penhora dos executivos fiscais nos casos em que fosse decretada a falência da devedora após o aparelhamento da execução. Entendeu, por algum tempo, que alienado o bem penhorado no juízo da execução fiscal, seu produto reverteria exclusivamente à Fazenda Pública exequente. Posteriormente, essa compreensão evoluiu no sentido de se permitir que outros credores - por certo os de maior privilégio - também pudessem requerer, nos próprios autos da execução fiscal, a instauração de concurso de preferência. Acerca desta discussão na jurisprudência da Corte Superior, veja-se o julgamento do Recurso Especial n. 442.325/RS, de relatoria do eminente Ministro Luiz Fux, j. em 07/11/2002. Estas divergências, contudo, hoje estão superadas, sendo uníssona a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que "mesmo já aparelhada a execução fiscal com penhora, uma vez decretada a falência da empresa executada, sem embargo do prosseguimento da execução singular, o produto da alienação deve ser remetido ao juízo falimentar, para que ali seja entregue aos credores, observada a ordem de preferência legal" (REsp n. 118.148/RS - destaquei). Essa orientação, aliás, está atualmente expressa no §3º do art. 108 da Lei nº 11.101/2005, onde se diz que "o produto dos bens penhorados ou por outra forma apreendidos entrará para a massa, cumprindo ao juiz deprecar, a requerimento do administrador judicial, às autoridades competentes, determinando sua entrega". Devem ser demarcados os seguintes pontos: a) mesmo nos casos em que a penhora na execução fiscal houver sido realizada antes da decretação da falência, seu produto deverá ser remetido para o Juízo Falimentar; b) não há óbice ao prosseguimento da execução fiscal, mesmo depois de decretada a quebra, na medida em que, como a Fazenda exequente não poderá se apropriar de eventual numerário nela apurado, não haverá qualquer burla às preferências legais e nem tampouco duplicidade na cobrança do crédito exequendo. Em reforço a esta linha de argumentação, cumpre oportunamente trazer à colação alguns pronunciamentos do Superior Tribunal de Justiça: "EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA ANTERIOR À DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA DO DEVEDOR – PACIFICAÇÃO DA MATÉRIA PELA CORTE ESPECIAL E PELA PRIMEIRA SEÇÃO DO STJ, NO SENTIDO DE ARRECADAR O PRODUTO DA PENHORA PARA O JUÍZO FALIMENTAR. 1. A controvérsia dos autos resume-se à possibilidade de o bem imóvel, objeto de penhora em execução fiscal, ser arrecadado pela massa falida após penhora, ou mesmo após o leilão daquele bem perante o juízo da execução fiscal. 2. A Súmula 44 do extinto Tribunal Federal de Recursos assim dispõe: "ajuizada a execução fiscal anteriormente à falência, com penhora realizada antes desta, não ficam os bens penhorados sujeitos à arrecadação no juízo falimentar; proposta a execução fiscal contra massa falida, a penhora far-se-á no rosto dos Gabinete Des. Newton Janke autos do processo da quebra, citando-se o síndico". 3. Entretanto, em vista da preferência dos créditos trabalhistas em face dos créditos tributários, o produto da arrematação realizada na execução fiscal deve ser colocado à disposição do juízo falimentar para garantir a quitação dos créditos trabalhistas. Trata-se de interpretação sistemática dos arts. 29 da Lei n. 6.830/80 e 186 e 187, estes do Código Tributário Nacional - CTN. 4. Precedentes: EREsp 444.964/RS; Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 9.12.2003; AgRg no Resp 815.161/SP, Rel. Min. José Delgado, julgado em 11.4.2006, DJ 22.5.2006; Resp 440.787/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJU 13.9.2004. Agravo regimental improvido" (AgRg no REsp nº 783.318/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, j. em 19/03/2009, DJe 14/04/2009). "PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FISCAL – PENHORA – MASSA FALIDA – AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO RECURSAL GENÉRICO – PREFERÊNCIA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO – PACIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO (REsp 118.148/RS e EREsp 444.964/RS). 1. Inviável julgamento de recurso especial pela alínea "a" cuja análise não se tornou possível devido à ausência de pressuposto recursal genérico. 2. A Corte Especial, no REsp 118.148/RS, e, posteriormente, a Primeira Seção, no EREsp 444.964/RS, pacificaram entendimento de que a preferência do crédito trabalhista há de subsistir quer a execução fiscal tenha sido aparelhada antes, quer depois da decretação da falência. 3. Mesmo já aparelhada a execução fiscal com penhora, uma vez decretada a falência da empresa executada, sem embargo do prosseguimento da execução singular, o produto da alienação deve ser remetido ao juízo falimentar, para que ali seja entregue aos credores, observada a ordem de preferência legal. 3. Agravo regimental provido em parte" (AgRg no REsp nº 761.912/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, j. em 17/04/2008, DJe 06/05/2008). "EXECUÇÃO FISCAL - MASSA FALIDA - PENHORA REALIZADA ANTES DO DECRETO DE FALÊNCIA - CRÉDITO DECORRENTE DA VENDA SUBORDINADO À CONCORRÊNCIA PREFERENCIAL ACÓRDÃOS COLACIONADOS PROFERIDOS NO MESMO SENTIDO - AUSÊNCIA DE DIVERGÊNCIA. 1. Acerca da admissibilidade dos presentes embargos, verifica-se a ausência de divergência entre os acórdãos colacionados na medida em que apresentam soluções no mesmo sentido. 2. In casu, o acórdão embargado foi proferido no sentido de que o resultado da alienação dos bens sob constrição, cuja penhora realizou-se antes da decretação de falência, subordina-se à concorrência preferencial dos créditos. No mesmo sentido, o acórdão paradigma: Realizada a praça, o crédito deverá ser posto à disposição da massa falida, para satisfação dos créditos trabalhistas, se houver, assim como os bens arrecadados na falência, caso insuficiente o referido crédito. Embargos de divergência não-conhecidos" (EREsp nº 268.643/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Primeira Seção, j. em 25/04/2007, DJ 14/05/2007, p. 239). "PROCESSUAL - EXECUÇÃO FISCAL - MASSA FALIDA - BENS Gabinete Des. Newton Janke PENHORADOS - DINHEIRO OBTIDO COM A ARREMATAÇÃO - ENTREGA AO JUÍZO UNIVERSAL - CREDORES PRIVILEGIADOS. "I - A decretação da falência não paralisa o processo de execução fiscal, nem desconstitui a penhora. A execução continuará a se desenvolver, até a alienação dos bens penhorados. II - Os créditos fiscais não estão sujeitos a habilitação no juízo falimentar, mas não se livram de classificação, para disputa de preferência com créditos trabalhistas (DL 7.661/45, Art. 126). III - Na execução fiscal contra falido, o dinheiro resultante da alienação de bens penhorados deve ser entregue ao juízo da falência para que se incorpore ao monte e seja distribuído, observadas as preferências e as forças da massa." (REsp 188.148/RS, Corte Especial, rel. Min. Humberto)" (REsp nº 295.749/RS, Rel. Min. Humberto Gomes De Barros, Primeira Turma, j. em 10/02/2004, DJ 25/02/2004, p. 97). No caso dos autos, malgrado não se tenha perfectibilizado a penhora, a situação é idêntica à dos precedentes transcritos dado que, como a falência foi decretada muito tempo depois do ajuizamento da demanda, ao Fisco competia declarar o seu crédito no Juízo da falência, sem que isso implicasse em renúncia ao executivo fiscal. Aliás, a extinção da execução subtrai da Fazenda o legítimo direito de postular o redirecionamento processual à pessoa dos sócios da falida. Por conseguinte, independentemente de ser economicamente ou processualmente proveitoso para o Estado, o fato é que, como demonstrado, a legislação não veda, mas, ao contrário, autoriza o prosseguimento da demanda executiva no curso da falência. Com estas considerações, voto pelo provimento do recurso. Declaração de voto vencido do Des. Substituto Ricardo Roesler Dissenti da douta maioria por entender que, demonstrada a inscrição do crédito fiscal perseguido no quadro geral de credores da massa falida da empresa devedora, em autos de falência, é inviável a manutenção da execução. A exemplo do que dita a jurisprudência corrente, ao credor fiscal é dado optar por quaisquer das vias; a eleição de uma, porém, implica na renúncia da remanescente (STJ, AgRg no Ag 713.217/RS, Rel. Min. Vasco Della Giustina). Com efeito, a execução fiscal restou extinta em face da habilitação do crédito aqui perseguido em autos de procedimento falimentar, em trânsito na comarca de Curitiba. Segundo consta deste feito, o Juízo, alertado pela própria Fazenda do trânsito de processo de falência no vizinho Estado do Paraná, teria extinto a execução, motivado pela inserção do crédito do Estado entre os disputados contra a massa falida da executada. Gabinete Des. Newton Janke O Estado, então, afirmou que houve grave equívoco, pois não teria habilitado o seu crédito no processo de falência; pretendia apenas que o síndico fosse intimado sobre o novo valor da execução, abstraída a multa tributária. Aduziu, ademais, independência do juízo da execução fiscal, infenso ao concurso de credores e mesmo ao juízo falimentar. No que pertine à habilitação do crédito exequendo naquele Juízo, pouco há de ser dito; afinal, está anotado no rol dos créditos habilitados (fl. 80) o crédito decorrente desta ação. Ainda que em cópias muito mal ordenadas, é possível observar que o Estado figura no rol de credores - com tantas outras ações, inclusive em quadro publicado no Diário da Justiça do Estado do Paraná de n.º 6558, de 11.2.04. O diário, aliás, está disponível na internet (http://portal.tjpr.jus.br/web/cedoc/arquivos_dj_antigos-p_p_id=diariosAntigos_WAR_diariosAnti Portlet__spage=%2FpesquisarDiariosAntigos.do&_diariosAntigos_WAR_diariosAntigosPortlet_ Dúvida quanto à habilitação, portanto, não há, que já remonta ao ano de 2004, inclusive. No mais, a exemplo do que dito na sentença - e a lei de regência assim autoriza - o Estado não está obrigado a sujeitar-se à liturgia do juízo da falência; todavia, não pode disputar o mesmo crédito pelos dois vieses: a escolha de um implica, invariavelmente, na renúncia do outro. Daí que, habilitado o crédito no juízo falimentar, a execução perde sua razão de ser. Sobre o tema, a jurisprudência do STJ é pontual: "AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. COMERCIAL E PROCESSO CIVIL. FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE DE PROPOSITURA DE EXECUÇÃO FISCAL. ADMISSIBILIDADE DE OPÇÃO DA VIA ADEQUADA AO CASO CONCRETO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior se firmou na vertente de que os arts. 187 do CTN e 29 da LEF (Lei 6.830/80) conferem, na realidade, ao Ente de Direito Público a prerrogativa de optar entre o ajuizamento de execução fiscal ou a habilitação de crédito na falência, para a cobrança em juízo dos créditos tributários e equiparados. Assim, escolhida uma via judicial, ocorre a renúncia com relação a outra, pois não se admite a garantia dúplice. 2. Agravo regimental a que se nega provimento" (AgRg no Ag 713.217/RS. Terceira Turma. Rel. Min. Vasco Della Giustina. Decisão de 19.11.09). Se assim é, perdem fôlego as teses incidentais em torno da autonomia da execução fiscal. Afinal, rege a exigência do crédito, doravante, o trânsito da ação falimentar. No mais, embora perca relevo também indagar-se sobre a repercussão da demanda em face dos sócios, observo que sequer mesmo seria hipótese justificar-se a manutenção da execucional em face do eventual e futuro redirecionamento contra os sócios; afinal, a extinção da pessoa jurídica, é fato notório, decorre de processo falimentar, anterior mesmo até ao manejo desta execução fiscal (que data de 1995, enquanto a ação é data de setembro de 1991 (conforme destaque no site daquele tribunal: http://www.assejepar.com.br/cgi-bin/ det_processo_direto.asp-Processo=4707&cbo_comarca=001&cbo_cartorio=25&txt_pesquisa=1 Ou seja, o encerramento é regular, e bem por isso não autoriza a investida contra os Gabinete Des. Newton Janke administradores, bem porque sequer constam da CDA (por todos, STJ, AgRg no Ag 1.058.751/RS, Rel. Min. Eliana Calmon). Não fosse isso, pesaria o fato de disputar-se crédito datado de 1991-1992 (fls. 05-08), tendo-se cogitado pela primeira vez o redirecionamento apenas em dezembro de 2000 (fls. 27-29). Daí a improcedência do apelo, contexto em que votei pela manutenção da sentença em seu todo. Florianópolis, 7 de fevereiro de 2012. Ricardo Roesler Desembargador Substituto Gabinete Des. Newton Janke