1 APELAÇÃO CÍVEL (AC413240-PE) APELANTE: Termopernambuco S/A, Companhia Energética Pernambuco–CELPE, e Agência Nacional de Energia Elétrica de APELADO: Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de Pernambuco MEMORIAL DO RECORRIDO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ÍNDICE 1. DO OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA...................................................p. 2 2 - DA SENTENÇA RECORRIDA .................................................................p. 3 3 – DOS FUNDAMENTOS DA ACP ............................................................. p. 3 3.1.DO CONTRATO DE CONCESSÃO DA CELPE: REAJUSTE E REVISÃO. ........................................................................................ p. 4 3.2. HISTÓRICO E IMPACTO TARIFÁRIO DA COMPRA DE ENERGIA DA TERMOPERNAMBUCO......................................................................... p. 4 3.2.1. DA VIOLAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS......................P. 5 3.2.2. DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ESSENCIALIDADE E UNIVERSALIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO, DA MODICIDADE DA TARIFA E DA LIVRE CONCORRÊNCIA....................................................... p.7 3.3. VENDA À CELPE DE ENERGIA ADQUIRIDA NO MERCADO COMO SE FOSSE PRODUÇÃO PRÓPRIA ...............................................................p. 9 4- DO RECURSO APRESENTADO ..............................................................p.10 5. ANÁLISE DOS ARGUMENTOS APRESENTADOS PELOS RECORRENTES..p. 11 5.1. QUEBRA DO EQUILÍBRIO ECONÔMICOFINANCEIRO................................................................................... p. 11 5.2. DO EXAME DO MÉRITO ADMINISTRATIVO.....................................p. 12 5.3. DO PREÇO DA ENERGIA ADQUIRIDA DA TERMOPERNAMBUCO ........p. 13 5.4. PREÇO ATUAL DA ENERGIA TERMOELÉTRICA X HIDROELÉTRICA.... p. 17 5.5. DA POLÍTICA GOVERNAMENTAL DE ESTÍMULO À ENERGIA TERMOELÉTRICA............................................................................. p. 19 5.6. DO REPASSE DO CUSTO DE AQUISIÇÃO DA ENERGIA DA TERMOPERNAMBUCO ÀS TARIFAS .....................................................p. 20 5.7. DA VENDA DE ENERGIA NÃO PRODUZIDA À CELPE....................... p. 21 5.8. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO..................................... p. 22 6. CONSIDERAÇÃO FINAIS ....................................................................p. 22 2 APELAÇÃO CÍVEL (AC413240-PE) APELANTE: Termopernambuco S/A, Companhia Energética Pernambuco–CELPE, e Agência Nacional de Energia Elétrica de APELADO: Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de Pernambuco MEMORIAL DO RECORRIDO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Insurgem-se os apelantes contra sentença proferida em sede de ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de Pernambuco em face da Agência Nacional de Energia Elétrica, da CELPE e da Termopernambuco. Para melhor compreensão de Vossa Excelência, o Ministério Público Federal passa a fazer breve resumo da demanda, rebatendo, em seguida, um a um, os argumentos das recorrentes, demonstrando de forma insofismável o acerto da decisão recorrida. 1. DO OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA No dia 29 de março de 2005 a ANEEL divulgou a Nota Técnica nº 106/2005SRE/ANEEL, tratando da revisão tarifária periódica da Companhia Energética de Pernambuco, concessionária de distribuição de energia elétrica neste Estado, marcada para o dia 29 de abril deste mesmo ano. Em aludida Nota Técnica, a ANEEL propôs o índice de reajuste de 34,11%, como resultado preliminar. Em virtude da forte pressão da sociedade pernambucana (amplamente divulgada nos meios de comunicação), indignada com tamanho aumento da tarifa de energia, resolveu a CELPE apresentar proposta de parcelamento desse índice em três anos. Referida proposta foi parcialmente acatada pela ANEEL em reunião realizada no dia 09/05/2005, por voto da maioria de seus diretores, vencido o Diretor Isaac Pinto Averbuch, que proferiu voto dissidente (em anexo). Em face da decisão, foi editada a Resolução Homologatória nº112, de 9 de maio de 2005, publicada no DOU de 11/05/2005, por meio da qual foi autorizado o aumento da tarifa no índice de 32,54%, sendo que 24,43% a incidir retroativamente ao dia 29/04/2005 (art. 7º e 14) e o restante, de 8,11%, a incidir nos três anos seguintes, juntamente com os 3 reajustes tarifários anuais. Os índices mencionados referem-se à media do reajuste, já que há variação entre os consumidores de baixa e alta tensão. Foi constatado, no entanto, pelo Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de Pernambuco, no curso dos procedimentos administrativos que instruem a ação civil pública, que o índice de reajuste autorizado pela ANEEL é abusivo e ilegal. Tais abusos consistem basicamente em: a) considerar legítimo o repasse aos consumidores do custo decorrente da compra, pela CELPE, da energia produzida pela TERMOPERNAMBUCO (ambas empresas integrantes do grupo NEOENERGIA), cujo valor corresponde a quase três vezes o valor médio da energia disponível no mercado; b) repassar integralmente aos consumidores o custo das perdas de energia elétrica da CELPE, muito superior à média nacional, transferindo para aqueles o custo de sua ineficiência e o risco de sua atividade econômica. Com o fim de afastar esses vícios do processo de revisão tarifária periódica, que ferem fortemente diversos dispositivos contratuais, legais e constitucionais e majoram indevidamente em muito o índice de reajuste da tarifa de energia elétrica da CELPE, é que o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado de Pernambuco ajuizaram conjuntamente a ação civil pública em questão. 2 - DA SENTENÇA RECORRIDA Os pedidos formulados pelo parquet na petição inicial foram acolhidos por meio de bem fundamentada sentença. Apenas no que se refere ao pedido de expurgo dos percentuais de perdas técnicas e comerciais repassados para a tarifa (item “b” supra), entendeu ter havido perda do objeto. A d. sentença recorrida, por outro lado, “declarou a nulidade da Resolução Homologatória n.° 112/2005 e do Despacho 892, de 08/11/2004, ambos da ANEEL, que autorizaram a Revisão Tarifária Extraordinária para a fixação de novos índices de revisão da tarifa de energia elétrica fornecida pela CELPE aos consumidores pernambucanos” e determinou, ainda, à ANEEL que “proceda à revisão do índice questionado e estabeleça o novo índice de revisão tarifária com a subtração, no seu cálculo, do custo decorrente da aquisição da energia da TERMOPERNAMBUCO, adotando como paradigma o custo da energia hidrelétrica então disponível no mercado, considerando o valor de R$ 57,51/MWh, conforme leilão de 2005.” Posteriormente, em sede de embargos de declaração, retificou a parte final da decisão para que constasse o leilão de 2004, ao invés de 2005 (fls.1109/1117) 3 – DOS FUNDAMENTOS DA ACP A ação civil pública está assentada em sólidos fundamentos, não se 4 limitando a impugnar de forma genérica o abusivo, despropositado e ilegal aumento da tarifa de energia elétrica. Para melhor compreensão, o Ministério Público Federal passa a sintetizar os fundamentos da ação, discorrendo sobre os processos de reajuste e revisão tarifárias previstos para o setor elétrico. 3.1.DO CONTRATO DE CONCESSÃO DA CELPE: REAJUSTE E REVISÃO. O Contrato de Concessão de Serviço Público de Distribuição de Energia Elétrica da CELPE, na cláusula sétima, objetivando assegurar o equilíbrio econômicofinanceiro, previu regras de i) reajustes anuais e de ii) revisões periódicas das tarifas de energia. Os reajustes visam a evitar a corrosão inflacionária, ao passo que as revisões consideram as “alterações na estrutura de custos e de mercado da CONCESSIONÁRIA, os níveis de tarifas observados em empresas similares no contexto nacional e internacional, os estímulos à eficiência e à modicidade das tarifas” (sétima subcláusula da cláusula sétima do aludido contrato). Desde a concessão, foram realizados 04 (quatro) reajustes anuais consecutivos nas tarifas de fornecimento de energia elétrica praticadas pela CELPE, que totalizaram o expressivo índice de 84,38%1. Por ser o ano de 2005 o primeiro depois do quarto reajuste, nos termos da mesma subcláusula antes parcialmente transcrita, nele teve lugar a revisão tarifária periódica, consubstanciada na citada Resolução Homologatória nº112/2005, procedimento que se repetirá a partir de agora a cada quatro anos. Assim, afora os reajustes acumulados nos quatro anos, incidirá o reajuste decorrente da revisão tarifária, ora impugnado. Essa revisão, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro, é autorizada pelo art. 9o, §2o, da Lei 8.987/952, desde que prevista no contrato, como ocorre no caso em tela. Apesar de legítima a revisão tarifária para manter-se o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, no caso sub judice o valor do índice aprovado pela ANEEL impede o alcance desse objetivo, uma vez que contemplou critérios propostos pela CELPE em flagrante desobediência a preceitos contratuais, legais e constitucionais. 3.2. HISTÓRICO E IMPACTO TARIFÁRIO DA COMPRA DE ENERGIA DA TERMOPERNAMBUCO: O edital de licitação da venda da CELPE elaborado em 1999 pelo Estado de Pernambuco já previa no item 4.4, XXI, a obrigação do adquirente de instalar uma usina termelétrica a gás no Estado de Pernambuco com capacidade mínima de 1 2 2001:14,85% - 2002: 14,48% - 2003: 27,81% - 2004: 10,42%. Art. 9o A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato. … § 2o Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro. 5 240MW, dever este consignado também no contrato de privatização. Assim, o grupo comprador da CELPE criou a Termopernambuco S/A, que, por sua vez, construiu uma usina termelétrica com capacidade instalada de 637MW, sendo 520MW líquidos. Em junho de 2001 a CELPE, já então privatizada, celebrou com a Termopernambuco contrato de compra e venda de energia elétrica no montante de 390MW mensais, pelo prazo de 20 anos, a qual somente passou a ser fornecida em 15 de maio de 2004, com o início das operações da termelétrica, em substituição parcial ao contrato inicial de fornecimento de energia pela CHESF. Em razão disto, a ANEEL, por meio do despacho no 892, de 08/11/2004, autorizou revisão tarifária extraordinária pleiteada pela CELPE, tendo como justificativa o aumento de custo na aquisição de energia elétrica, em função da substituição do contrato inicial com a CHESF pelo contrato com a Termopernambuco (contrato com parte relacionada). De fato, o custo da energia produzida pela Termopernambuco é de R$137,85/MWh, enquanto que o da energia disponível no mercado é de R$ 57,51 (conforme leilão de 2005). O aumento autorizado passaria a vigorar por ocasião do processo de revisão tarifária ora questionado. Contudo, o repasse às tarifas do aumento do custo de aquisição de energia elétrica em razão da aquisição de energia da Termopernambuco não é legítimo, uma vez que a mudança de fornecedor decorreu de opção exclusiva da CELPE, que dispunha de energia mais barata para compra no mercado, além de infringir expressas disposições do contrato de privatização e do contrato de concessão. 3.2.1. DA VIOLAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS O Contrato de Concessão de Serviço Público de Distribuição de Energia Elétrica n 26/2000-ANEEL, celebrado entre a União (poder concedente, representado pela ANEEL), a CELPE (concessionária), com a interveniência do Estado de Pernambuco e terceiros acionistas, prevê critérios para a revisão de tarifa, devendo-se obrigatoriamente levar em consideração a estrutura de custos e de mercado da concessionária; os níveis de tarifas observados em empresas similares no contexto nacional e internacional e os estímulos à eficiência e à modicidade tarifária3. o Para ser mais explícito em seu apego ao princípio da modicidade tarifária, o contrato de concessão previu textualmente, em sua subcláusula décima quarta da cláusula sétima (fl. 85), que a concessionária teria que obter a 3 “Clásula Sétima (...) Sétima Subcláusula. A ANEEL, de acordo com o cronograma apresentado nesta subcláusula, procederá às revisões dos valores das tarifas de comercialização de energia, alterando-os para mais ou menos, considerando as alterações na estrutura de custos e de mercado da Concessionária, os níveis de tarifas observados em empresas similares no contexto nacional e internacional, os estímulos à eficiência e à modicidade das tarifas (...).” (sem grifo no original). 6 energia elétrica ao menor custo efetivo dentre as alternativas disponíveis: “A CONCESSIONÁRIA obriga-se a obter a energia elétrica requerida pelos seus consumidores ao menor custo efetivo, dentre as alternativas disponíveis. Na aplicação dos reajustes e revisões previstos nesta Cláusula, serão observados os limites de repasse dos preços livremente negociados na aquisição de energia elétrica, estabelecidos em resolução da ANEEL. (grifei). A disposição contratual supra não se resume a simples liberalidade, de acordo discricionário de vontades das partes contratantes, passível de revisão a qualquer tempo, mas sim decorre de imposição do ordenamento jurídico, encontrando seu fundamento de validade na própria Constituição Federal e normas legais que regem a concessão do serviço público essencial, como será visto nos tópicos mais abaixo. Essa obrigação foi mais uma vez lembrada no contrato de compra e venda de ações da CELPE, celebrado entre o Estado de Pernambuco e os novos acionistas da companhia. É o que se extrai da leitura da Cláusula Quarta – Obrigações Especiais dos Compradores – parte final, e item XXI da mesma cláusula: XXI – Promover a instalação de usina termelétrica a gás, no Estado de Pernambuco, através de empresa especificamente constituída para este fim, ou através de terceiros, contratados pelo mesmo, nos termos e condições constantes do Anexo III do EDITAL; .......... As obrigações constantes desta cláusula e do presente CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE AÇÕES, atribuídas ao adquirente e à CELPE, não poderão ser alegadas para reivindicar compensações tarifárias a pretexto de manter o equilíbrio econômico-financeiro da concessão, ou o descumprimento do CONTRATO DE CONCESSÃO e da legislação do serviço público de energia elétrica. Isso significa dizer que o adquirente da companhia elétrica tinha ciência, desde o momento da aquisição, que haveria de arcar com os custos decorrentes da construção da usina termoelétrica. A ilegalidade é evidente: embora estivesse a CELPE vinculada aos contratos acima referidos e aos princípios legais e constitucionais mais abaixo indicados, ciente, portanto, de que deveria sempre buscar a energia mais barata possível e de que não caberia invocar qualquer custo com a termoelétrica para pleitear revisão tarifária, celebrou, por opção própria, novo contrato com empresa coligada, adquirindo por 20 anos parte significativa da energia requerida por preço quase três vezes superior àquele disponível no mercado. Quer a todo custo, assim, fazer valer esse contrato em detrimento dos dois outros precedentes e dos consumidores, que embora não tenham dele tomado parte, são chamados a arcar inteiramente com o ônus respectivo. Ora, se preferiu adquirir energia mais cara de sua coligada, evidentemente que não pode repassar os custos respectivos aos consumidores. 7 Registre-se que a CHESF dispunha de energia mais que suficiente para abastecer todo o Estado de PERNAMBUCO, conforme informações prestadas por representantes daquela sociedade de economia mista, no curso dos procedimentos que lastrearam a ação. A ANEEL, assim, endossa a magnífica transação da compra de energia de uma empresa consigo mesmo e cujo custo está sendo repassado integralmente ao consumidor no processo de revisão tarifária em tela. A CELPE socializa seu pretenso prejuízo com a compra da energia cara adquirida a Termopernambuco e o lucro dessa sua coligada, por evidente, é desfrutado apenas pelos seus acionistas comuns. Observe-se que a ANEEL, ao invés de homologar referido contrato, tinha o poder-dever de até mesmo rescindi-lo, fundado no art. 3º, VIII, IX e XIII, da Lei nº9.427/964 e na Subcláusula Décima Quinta do mencionado contrato de concessão5. Há, assim, de se fazer respeitar as cláusulas já transcritas do Contrato de Concessão e do Contrato de Compra e Venda de Ações da CELPE, não se permitindo que simples acordo de vontades posterior, celebrado entre partes coligadas, sobreponha-se a eles. O desrespeito aos contratos firmados com o Poder Público nos moldes aqui combatidos significa, em suma, ofensa à própria Constituição Federal e à legislação que rege a matéria. É o que se verá a seguir: 3.2.2. DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ESSENCIALIDADE E UNIVERSALIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO, DA MODICIDADE DA TARIFA E DA LIVRE CONCORRÊNCIA. O serviço de distribuição de energia elétrica, delegado pela União à concessionária CELPE, por intermédio da ANEEL, autarquia federal de regime especial, firmado pelo contrato de concessão de distribuição nº 26/2000 – ANEEL, é de natureza eminentemente pública por determinação constitucional, art. 21 XII, CF. 4 Art. 3º (Lei 9.427/96) Além das incumbências prescritas nos arts. 29 e 30 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especialmente à ANEEL: … VIII - estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes e a impedir a concentração econômica nos serviços e atividades de energia elétrica, restrições, limites ou condições para empresas, grupos empresariais e acionistas, quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações, à concentração societária e à realização de negócios entre si; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.98) IX - zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e acompanhando as práticas de mercado dos agentes do setor de energia elétrica; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.98) … XIII - efetuar o controle prévio e a posteriori de atos e negócios jurídicos a serem celebrados entre concessionárias, permissionárias, autorizadas e seus controladores, suas sociedades controladas ou coligadas e outras sociedades controladas ou coligadas de controlador comum, impondo-lhes restrições à mútua constituição de direitos e obrigações, especialmente comerciais e, no limite, a abstenção do próprio ato ou contrato.” 5 Subcláusula Décima Quinta- A ANEEL poderá determinar à Concessionária a rescisão de qualquer contrato por ela celebrado, quando verificar que dele possam resultar danos ao serviço público de distribuição de energia elétrica concedido ou tratamento diferenciado a consumidores que se encontrem na mesma tensão de fornecimento e na mesma classe de consumo, exceto nos casos previstos na legislação(grifos nossos). 8 Como serviço público, deve ser universal, acessível à população em geral, especialmente por se tratar de serviço essencial6 O repasse dos valores pagos pela CELPE nos contratos com empresa do mesmo grupo econômico aos consumidores finais (principal causador da fixação do índice de 32,54% autorizado pela ANEEL) inviabiliza ou dificulta excessivamente esse acesso. Assim, é preciso que a Agência, no exercício da função regulatória (em particular na fixação de tarifas), dê a devida atenção à modicidade tarifária, tendo sempre presente que ela decorre dos princípios da universalidade e essencialidade do serviço público, da defesa do consumidor e da dignidade da pessoa humana. Releva consignar que o princípio da modicidade tarifária, além constituir decorrência lógica do princípio da universalidade, encontra fundamento no art. 175, parágrafo único, IV, da Constituição Federal7, que por sua vez foi regulamentado pela Lei 8.987/95, que em seu art. 6o , §1o8, inclui a modicidade tarifária dentro do conceito constitucional de serviço adequado. Referido princípio confere aplicação, igualmente, ao art. 1o da Constituição Federal que inclui a dignidade da pessoa humana dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, na medida em que propicia o acesso a um serviço considerado essencial pela própria Constituição. Observe-se que a Lei 9.648/98, em seu artigo 109, regula expressamente a proibição de repasses dos custos de compra de energia elétrica para as tarifas aplicáveis aos consumidores finais. Não há, de parte da ANEEL, qualquer preocupação com a viabilidade econômica do consumidor-usuário ou mesmo com a fixação do menor valor possível – referências recorrentes na doutrina, como visto acima assegurando-se, obviamente, o necessário para manter a eficiência e a regularidade do serviço. Por sua vez, a Constituição Federal ao colocar no mesmo patamar a livre concorrência e a defesa do consumidor como princípios a serem observados pela ordem econômica brasileira (v. art. 170 da CF) a lição do constituinte foi clara: ambos deveriam somar-se para assegurar preços os mais baixos possíveis. 6 7 8 9 Lei n. 7.783/89: "Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais: I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;..." Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: … IV – a obrigação de manter serviço adequado. Art. 6o. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas." (sem grifo no original) “Art. 10. Passa a ser de livre negociação a compra e venda de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados, observados os seguintes prazos e demais condições de transição: (...) § 2o Sem prejuízo do disposto no caput, a ANEEL deverá estabelecer critérios que limitem eventuais repasses do custo da compra de energia elétrica entre concessionários e autorizados para as tarifas de fornecimento aplicáveis aos consumidores finais não abrangidos pelo disposto nos arts. 12, inciso III, 15 e 16 da Lei no 9.074, de 1995, com vistas a garantir sua modicidade” 9 De fato, a livre concorrência é uma forma eficiente de tutela do consumidor, na medida em que competitividade induz a uma distribuição de recursos a mais baixo preço. Entretanto o serviço público de eletricidade, por sua própria natureza é prestado quase que integralmente em regime monopolista, tanto que os consumidores residenciais são denominados “cativos”. Nesses casos, exsurge a necessidade de uma atuação eficaz das agências reguladoras no sentido de simular as condições de uma concorrência perfeita, sempre estimulando a eficiência do serviço e em busca da modicidade das tarifas. Não obstante esse dever, a ANEEL aceitou o repasse de valores ao cálculo da tarifa de energia elétrica, valores abusivamente acima do mercado referentes a contrato firmado entre a CELPE e parte relacionada (vale dizer, empresa do mesmo grupo econômico). A Agência reguladora contrariou o sistema normativo vigente e atingiu o direito do consumidor à modicidade tarifária, sob o pretenso dever de respeito a cláusulas contratuais acordadas entre as empresas privadas, esquecendo-se dos demais contratos e leis que protegem os consumidores. Desse modo, existe todo um arcabouço jurídico, tanto doutrinário como legal , que impunha obrigação à ANEEL em não considerar os valores de aquisição da energia, entre a CELPE e a TERMOPERNAMBUCO, no momento da revisão tarifária. Não agiu por falta de postura regulatória de efetivo estímulo à concorrência em favor da modicidade das tarifas. 10 3.3. VENDA À CELPE DE ENERGIA ADQUIRIDA NO MERCADO COMO SE FOSSE PRODUÇÃO PRÓPRIA A Termopernambuco não tem disponibilidade efetiva de gás natural para prover a geração de energia suficiente para o atendimento da demanda contratada pela CELPE, e, por isso, estaria adquirindo parte dessa energia diretamente no mercado e a revendendo para a CELPE a preços bastante superiores. Documento do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS (nos autos), relaciona a produção mensal da Termopernambuco de maio de 2004, quando entrou em operação, até abril de 2005. Em nenhum mês a usina produziu energia suficiente para honrar seu contrato com a CELPE. No mês de julho de 2004, por exemplo, a produção da usina foi de apenas 51,55MW, significando que todo o restante repassado à CELPE foi adquirido de outras fontes, isso sem levar em consideração que aquela usina fornece, ainda, para outro cliente. A situação acima descrita é de gritante imoralidade: a CELPE, que tem a obrigação legal e contratual de adquirir a energia pelo preço mais barato disponível, impôs empresa coligada sua como “atravessadora”. Ao invés de adquirir a energia diretamente no mercado por cerca de R$ 18,59 o MW, o faz por 10 “Art. 29, XI, da Lei 8.987/95; art. 3o, VIII, IX, XIII, da Lei 9.427/96; art. 3o, II, art. 4o, II, art. 12, IV e Art.13 do Decreto 2.335/97; art. 39, V e §1o da Lei 8.078/90. 10 intermédio da Termopernambuco, pelo preço de R$ 137,83 MWh, repassando todo o custo adicional daí decorrente aos consumidores. Não se deve olvidar que os lucros da termoelétrica, nessa situação, são aumentados de forma substancial, tendo em vista que fica ela livre dos custos de produção e da aquisição do gás natural, principal componente na formação de suas despesas. Torna-se cristalino que a CELPE e a Termopernambuco agem de forma concatenada, como uma única corporação, buscando seus lucros para o grupo, mesmo que aparentemente uma das empresas não se beneficie em demasia do negócio. Nesse contexto, não causaria estranheza se viesse a se constatar que justamente a empresa concessionária, teoricamente sujeita a maior controle por parte do Estado, apresentasse lucratividade menor, em detrimento de lucro astronômico da sua coligada, não sujeita à fiscalização. E ainda vem falar em desequilíbrio financeiro do contrato de concessão. Se este existe, é em desfavor dos consumidores. 4- DO RECURSO APRESENTADO As apelações serão, abaixo, apreciadas em conjunto, tentando-se sintetizar os principais argumentos utilizados pelos recorrentes, rebatendo-os no tópico seguinte um a um. São os seguintes os equívocos atribuídos pelos réus à sentença: a) destruiria o equilíbrio econômico-financeiro da prestação de serviços oferecida pela agravante; b) teria ingressado, indevidamente, no mérito administrativo da resolução da ANEEL; c) estaria equivocada quanto à possibilidade de aquisição de energia mais barata do que aquela contratada com a Termopernambuco, pois haveria tomado um valor circunstancial como parâmetro, olvidando-se das necessidades contínuas do serviço público, e do fato de que, no momento da referida compra em leilão, o preço era o melhor, ainda que atualmente tal situação tenha se alterado; d) O preço atual da energia termoelétrica caiu, enquanto que a energia elétrica nova subiu. e) não haveria compreendido que a opção pela energia termoelétrica não foi decisão arbitrária da agravante, mas decorrência obrigatória de política governamental a que se encontra atreita; f) enganara-se ao imaginar que a agravante postula revisão tarifária para ressarcir-se dos custos da implantação da termoelétrica, o que seria vedado, pois em verdade apenas foram levadas em conta, pela ANEEL, no cálculo do valor da tarifa, o preço da aquisição da energia em diversas fontes, tudo na forma dos instrumentos contratuais cabíveis, e sem qualquer intenção de lucros excessivos; g) fora induzida a erro pela inicial, ao afirmar que a Termopernambuco venderia, pelo preço de energia termoelétrica, energia hidrelétrica por ele adquirida muito mais barato; h) haveria aplicado indevidamente ao caso presente a teoria da imprevisão, já 11 porque tal matéria extrapolaria os lindes do pedido, já porque não teriam ocorrido os requisitos básicos para tanto (ocorrência de fato posterior extraordinário e imprevisível), pois sequer teria acontecido alteração da equação inicial do contrato. Como será demonstrado a seguir, tais argumentos não têm qualquer procedência, senão vejamos: A partir de agora, o Ministério Público Federal passa a rebater, um a um, os argumentos exposto pelos recorrentes. 5. ANÁLISE DOS ARGUMENTOS APRESENTADOS PELOS RECORRENTES 5.1. QUEBRA DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO: Diferentemente do que pretendem convencer os recorrentes, a decisão atacada não “destruiu” o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Ao contrário, o que fez a decisão vergastada foi justamente restabelecer dito equilíbrio, que se encontrava ameaçado em desfavor dos consumidores ante o índice abusivo e ilegal de revisão tarifária autorizado pela ANEEL. Com efeito, o equilíbrio econômico-financeiro não pode ser encarado apenas como uma regra protetiva da empresa concessionária, mas também como uma forma de resguardar os interesses do Poder Concedente e dos usuários do serviço público. Em outras palavras, qualquer desequilíbrio na equação inicial de encargos e vantagens, seja em desfavor da concessionária ou do Poder concedente, pode ser argüido por qualquer das partes para obter a revisão das tarifas, majorando-as ou diminuindo-as, de forma a manter o justo preço pelos serviços prestados. No caso, o índice de revisão tarifária autorizado pela ANEEL foi inflado indevidamente em razão do contrato de fornecimento de energia firmado entre a CELPE e a Termopernambuco, ambas empresas integrantes do grupo Neonergia, cujo valor do KWh corresponde a quase três vezes o valor médio da energia disponível no mercado, violando diversos dispositivos contratuais, legais e constitucionais. Como bem asseverado na decisão que antecedeu a tutela “a repercussão do preço da energia comprada à Termopernambuco sobre o reajuste da tarifa traria, indiretamente, para o grupo controlador da concessionária vantagem não existente à época da celebração do contrato de concessão, aumentando o lucro do grupo como um todo. Não significaria propriamente a concretização do necessário equilíbrio contratual e sim a consagração de um desequilíbrio em detrimento do consumidor pernambucano.” Neste aspecto, é oportuno citar as lúcidas considerações do então Diretor da ANEEL Isaac Pinto Averbuch, no bem fundamentado voto vencido do processo de revisão tarifária da CELPE: 12 “23.Feitas estas considerações, é importante destacar que a análise do contrato CELPE-Termopernambuco deve levar em conta duas condições muito específicas: a primeira é que não se trata de um contrato comum entre particulares, mas de um contrato em que, ao invés de DUAS, temos apenas, UMA vontade, vez que o controlador das empresas é o mesmo, embora seus interesses manifestem-se sob duas pessoas jurídicas diferentes. Assim, não houve, em nenhum momento, uma discussão legítima entre partes, nas quais, ambas de boa-fé, teriam procurado obter para si o melhor proveito da relação comercial. Não há, portanto, que se falar aqui em “autonomia da vontade”, no sentido mais tradicional, pois esse conceito no âmbito negocial pressupõe que existam dois interesses antagônicos que no decorrer de um processo se ajustam e desse ajuste surge o contrato. No caso sub examine, sem sombra de dúvida, o que ocorreu foi que um grupo, revestido da imagem de duas empresas, construiu uma composição de forma a maximizar o lucro de ambas vistas de forma conjunta, como se fossem um só ente, sem ter sido feita uma análise individualizada dos resultados ideais para cada empresa. A idéia central foi a de maximizar o lucro do grupo controlador, mesmo que, eventualmente, às custas de uma das partes contratantes, no caso aquela sujeita à regulação mais restrita.” (Sem grifo no original). Observe-se que o elevado índice de revisão questionado (32,54%) soma-se aos exacerbados reajustes anuais concedidos desde 2000 (84,83%), revelando o despropósito desse aumento. Na época do ajuizamento desta ACP a imprensa noticiou que a empresa concessionária de São Paulo (Eletropaulo)11 teve reajuste negativo da tarifa residencial em mais de 7%, ou seja, o valor da tarifa diminuiu, donde se conclui, até mesmo prescindindo-se de conhecimentos técnicos específicos, que o índice de revisão da CELPE é abusivo. Note-se, ainda, que desde a privatização a CELPE cortou dramaticamente seu quadro de servidores, reduzindo seus custos, fator não levado em consideração pela ANEEL para assegurar o equilíbrio do contrato. Assim, não há que se falar em violação ao equilíbrio econômicofinanceiro por parte da decisão questionada, pois o que esta fez foi justamente restabelecer o equilíbrio quebrado pelas rés. 5.2. DO EXAME DO MÉRITO ADMINISTRATIVO: Do mesmo modo, é absolutamente desprovida de fundamento a alegação da agravante de que a decisão do juízo de primeira instância teria adentrado indevidamente na análise da oportunidade e conveniência, matérias reservadas à administração. Sobre o assunto é pertinente transcrever parte da decisão do Desembargador Federal Francisco Cavalcanti no pedido de suspensão de liminar (SL3577-CE), referente a ação civil pública ajuizada contra a revisão tarifária da Companhia Energética do Ceará – COELCE (2005.81.00.006496-2): “Todos os elementos dos atos administrativos, inclusive os discricionários são passíveis de revisão pelo Judiciário, para fins de avaliação 11 http://www.abrage.com.br/noticias/n090107.htm 13 de observância aos princípios constitucionais da Administração Pública explícitos e implícitos e de respeito aos direitos fundamentais. Em face do inciso XXXV do art. 5º da CF, o qual proíbe seja excluída da apreciação judicial a lesão ou ameaça de lesão a direito, o Judiciário pode examinar todos os atos da Administração Pública, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários sob o aspecto da legalidade e da moralidade, nos termos dos arts. 5º, inciso LXXIII e 37 da Carta Magna. A competência discricionária da Administração "é relativa no sentido de que, em todo e qualquer caso, o administrador estará sempre cingido - não importa se mais ou menos estritamente - ao que haja sido disposto em lei, já que discrição supõe comportamento 'intra legem' e não 'extra legem'. Neste sentido pode-se dizer que o administrador se encontra sempre e sempre 'vinculado' aos ditames legais". "A necessidade de autonomia no desempenho de funções regulatórias não pode imunizar a agência reguladora de submeter-se à sistemática constitucional. A fiscalização não elimina a autonomia, mas assegura à sociedade que os órgãos titulares de poder político não atuaram sem limites, perdendo de vista a razão de sua instituição, consistente na realização do bem comum. Esse controle deverá recair não apenas sobre a nomeação e demissão dos administradores das agências, mas também sobre o desempenho de suas atribuições". "Na dicção sempre oportuna de Celso Antônio Bandeira de Mello, mesmo nos atos discricionários não há margem para que a administração atue com excessos ou desvios ao decidir, competindo ao Judiciário a glosa cabível" No caso em análise, foi cabalmente demonstrado pelos autores na petição inicial que o índice de reajuste autorizado pela ANEEL, além de violar o princípio da razoabilidade, infringiu vários dispositivos contratuais, legais e constitucionais, dentre os quais podemos destacar: a) as cláusulas sétima, Subcláusulas Sétima e Décima Quarta do Contrato de Concessão e Cláusula Quarta, itens XXI e XXV do Contrato de Compra e Venda de Ações da Companhia (privatização); b) os princípios da essencialidade e universalidade do serviço público; c) o princípio da modicidade da tarifa; d) da livre concorrência e da defesa do consumidor (art.5º, XXXII e art. 170, IV e V, da CF); e) a obrigação de manter serviço adequado (art. 175, parágrafo único, IV, da CF); f) da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III e art. 170, caput e V, da CF) g) do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) o art. 39, inciso V e, X e 51, incisos IV, X XV e alíneas I, II e III do seu § 1º; h) o art. 6º, §1º da Lei 8.997/95; i) art. 10, §2º, da Lei 8.648/98; j) arts. 20 e 21 da Lei nº8.884/94; k) art. 3º, VIII, IX e XIII da Lei 9.427/96. Este expressivo número de dispositivos contratuais, legais e constitucionais violados, demonstra de forma insofismável a necessidade do poder Judicário de exercer o seu controle jurisdicional dos atos praticados pela agência reguladora no processo de revisão tarifária da CELPE. 5.3. DO PREÇO DA ENERGIA ELÉTRICA ADQUIRIDA DA TERMOPERNAMBUCO Segundo as recorrentes, a decisão impugnada estaria equivocada quanto à possibilidade de aquisição de energia mais barata do que aquela contratada com a Termopernambuco, pois haveria tomado um valor circunstancial 14 como parâmetro, olvidando-se das necessidades contínuas do serviço público, e do fato de que, no momento da referida compra em leilão, o preço era o melhor, ainda que atualmente tal situação tenha se alterado. De início, importa lembrar que o contrato firmado entre a CELPE e a Termopernambuco foi firmado durante o racionamento, sob a ameça do apagão, ou seja, em um momento absolutamente excepcional. Naquela época, de fato, houve períodos em que a cotação da energia elétrica no mercado de curto prazo alcançou o preço de R$ 684,00 MWh. No entanto, tal valor não pode ser considerado como parâmetro de comparação do preço da energia termoelétrica vigente naquele momento, não só por se tratar de um valor absolutamente circunstancial, mas também, conforme afirmações da própria CELPE nos itens 29 e 74 da petição de agravo outrora interposto, em virtude da grande volatilidade do mercado de curto prazo, que somente é procurado pelas empresas distribuidoras para o atendimento de necessidades eventuais. O fato é que a CELPE adquiriu energia elétrica no ano de 2001 a um preço médio de R$43,90/MWh, consoante se extrai das demonstrações contábeis da empresa no exercício social daquele ano12. Este era o valor real da energia elétrica naquela época e que deve ser usado em comparação ao preço de aquisição da energia produzida pela Termopernambuco, fixado no momento da contratação em R$ 104,00/MWh, o que corresponde a uma diferença de quase 150% (cento e cinqüenta por cento). Assim, é de se concluir que mesmo no momento da contratação, a energia produzida pela Termopernambuco não era a mais barata disponível no mercado, merecendo destaque o fato de que o seu fornecimento somente se iniciou em 15 de maio de 2004, ou seja, após o término do racionamento, quando a oferta e o preço da energia já se encontravam regularizados. Do mesmo modo, não se pode esquecer o fato de que a CELPE celebrou um contrato de fornecimento de energia elétrica com parte relacionada (Termopernambuco) pelo longuíssimo prazo de 20 anos, sendo pertinente lembrar, novamente, o voto do então Diretor da ANEEL Isaac Pinto Averbuch: “24. Aí reside o outro ponto frágil da legitimidade dessa relação jurídica que se apresenta com feições de legalidade: uma das partes, no caso a CELPE, não dispõe de toda a liberdade que uma empresa comum tem no sentido de contratar e fixar preços, ou seja, o grupo controlador não pode gerir os destinos da CELPE da mesma forma que o faz em relação à geradora, vez que a CELPE não opera por sua conta e risco. A CELPE é uma empresa concessionária que presta serviço público e está sujeita a regras específicas e, mais que isso, a PRINCÍPIOS, distintos daqueles que outras empresas privadas estão obrigadas a obedecer. A concessão não pode, por exemplo, ser colocada em risco e tem direito ao equilíbrio econômico-financeiro, estando também obrigada pelo contrato de concessão a adquirir a energia que entregará aos seus consumidores pelo menor preço disponível no 12 Informação Obtida no site da CELPE: http://www.guaraniana.com.br/Demonstracoes_Contabeis_Anuais/Celpe/DFP%20Celpe %202001.PDF . 15 mercado. Certamente, ao contratar com uma empresa do mesmo grupo, exige-se um cuidado maior por parte da concessionária no sentido de demonstrar que essa contratação, que não se sujeita aos trâmites negociais de praxe, corresponde realmente ao menor preço disponível no mercado ou, ao menos próximo dele. Mas não é só isso: o contrato, sendo de longa duração, deve ser razoável, não apenas no momento da sua contratação, mas também ao longo da sua execução, ou seja, não deve conter cláusulas de reajuste que levem a um futuro desequilíbrio de grande monta na relação entre concessionária e consumidores ou entre a concessionária e sua fornecedora. Caso haja desequilíbrio, é absolutamente necessário, digo mais, mandatório, que a cláusula econômica do contrato (p. ex., o preço) seja revista, de forma a repor o exigido equilíbrio em relação aos consumidores e a preservar a higidez da concessão. (Sem grifo no original).” Se à época da contratação o preço da energia elétrica já não era o mais barato disponível no mercado, no momento da revisão tarifária essa situação em nada mudara, na medida em que o custo da energia produzida pela Termopernambuco era de R$137,85 MW/h, enquanto que o da energia disponível no mercado situava-se em R$ 57,51 MW/h, conforme leilão do ano de 2005. A energia produzida pela Termopernambuco não é só mais cara do que a energia elétrica produzida no Brasil, mas também em comparação com o preço internacional de termoelétricas da mesma natureza, como se vê do excerto do voto vencido do Diretor da ANEEL Isaac Averbuch: “37. No momento em que foi firmado, o preço da energia era equivalente a US$ 38/Mwh que, obviamente, seria suficiente para pagar o financiamento do investimento, o combustível, os custos de operação e manutenção e remunerar o investidor a uma taxa satisfatória. Hoje, com a energia cotada a R$ 137/Mwh aproximadamente, considerando-se um câmbio de 2,5 R$/US$, chegamos a um preço de energia equivalente a 54,8 US$/Mwh, ou seja, um valor, em dólares americanos, 44,2% maior que o estipulado inicialmente. (...) 43. Ainda no que se refere ao preço da energia, referenciado em dólares, é preciso esclarecer que este valor é completamente díspar em relação aos custos da energia térmica gerada a partir de gás natural ao redor do mundo. Em termos internacionais, o custo dessa energia fica entre 36 e 38 US$/Mwh. O próprio Presidente da Abraget (Associação Brasileira de geradoras Termelétricas) Dr. Xisto Vieira, em entrevista à Revista Energia & Mercados (fevereiro de 2005), ao responder à indagação de qual seria a remuneração [preço da energia] justa para os empreendimentos térmicos, declara: “Varia muito de acordo com o projeto, se é ciclo simples ou combinado, da localização da planta, que interfere no custo de transmissão. Há muitos fatores, mas, na média, seria algo em torno de US$ 40 a US$ 42 por MWh”. Observe-se que o dirigente, na defesa legítima da sua associação, tem o interesse de elevar um pouco os custos dos empreendimentos, buscando uma lucratividade maior para as empresas e não há nada de errado nisso. Assim, trazendo os custos para valores mais realistas, chega-se àquele patamar de 36 a 38 US$/MWh. Note-se que nem o Dr. Vieira que, repita-se tem o interesse legítimo de mencionar custos mais altos para os empreendimentos dos associados da Abraget, ousa ir tão longe quanto o grupo controlador da Termopernambuco que pretende ver reconhecido como legítimo um preço para a sua energia mais de 30% maior que o valor mais alto que o 16 Dr. Vieira mencionou. Não é demais lembrar que a térmica está localizada em condições geográficas muito favoráveis (próxima a porto, gasoduto, subestação e centro de carga), o contribuiria para que os seus custos estivessem entre aqueles mais baixos entre as geradoras térmicas.” (Sem grifo no original). Outro ponto relevante a ser abordado é a duração do contrato celebrado entre a CELPE e a Termopernambuco, correspondente a 20 (vinte) anos. O argumento da CELPE de que o contrato de energia tem que ser longo é absolutamente inconsistente, pois mesmo considerando-o verdadeiro, tal fato não eximiria a CELPE, para dar cumprimento ao contrato de concessão, de estabelecer mecanismos de proteção ao consumidor em caso de oferta abundante de energia hidroelétrica, como acontece atualmente. O que aconteceu é que a CELPE, aproveitando-se de um momento de absoluta excepcionalidade (“apagão”) por ocasião do racionamento de energia, celebrou contrato leonino com uma empresa coligada sua, com condições extremamente vantajosas para o grupo Neoenergia, e agora pretende que consumidor arque com o custo correspondente por longos 20 anos. Se é verdadeira a afirmação da CELPE de que a energia da Termopernambuco é tão competitiva, por que será que tal geradora não a comercializa com ninguém de fora do Grupo Neonergia, já que ela somente vende para a CELPE e para a COELBA, empresas coligadas? A resposta a essa pergunta é óbvia: nenhuma empresa de distribuição com vontade autônoma se submeteria ao contrato nos moldes em que a CELPE aceitou. E por que a CELPE aceitou? Porque não tinha interesse em defender vantagens, pois sabia que o grupo Neonergia como um todo seria beneficiado, afinal o consumidor é quem pagaria a conta. Caso a CELPE tivesse autonomia e pretendesse cumprir o contrato de concessão, isto é, adquirir a energia mais barata possível, certamente não teria celebrado, em época de absoluta excepcionalidade, contrato de 20 anos e, se o fizesse, faria constar mecanismos de proteção da empresa e, por conseguinte, dos consumidores. Esses mecanismos são imprescindíveis, ainda mais porque a CELPE tinha plena ciência de que estava diante de período de excepcionalidade. O que se percebe, sob qualquer ângulo que se aprecie a questão, é que o preço da energia produzida pela Termopernambuco excede em muito o da energia disponível no mercado, restando patente a violação ao princípio da modicidade tarifária e dos seguintes dispositivo do Contrato de Concessão de Serviço Público de Distribuição de Energia Elétrica nº 26/2000-ANEEL, celebrado entre a União (poder concedente, representado pela ANEEL), a CELPE (concessionária), com a interveniência do Estado de Pernambuco e terceiros acionistas: “Cláusula Sétima (...) Sétima Subcláusula. A ANEEL, de acordo com o cronograma apresentado nesta subcláusula, procederá às revisões dos valores das tarifas de comercialização de energia, alterando-os para mais ou menos, considerando as alterações na estrutura de custos e de mercado da Concessionária, os níveis de tarifas observados em empresas similares no contexto nacional e internacional, os estímulos à eficiência e à modicidade das tarifas (...) 17 Décima Quarta Subcláusula. A CONCESSIONÁRIA obriga-se a obter a energia elétrica requerida pelos seus consumidores ao menor custo efetivo, dentre as alternativas disponíveis. Na aplicação dos reajustes e revisões previstos nesta Cláusula, serão observados os limites de repasse dos preços livremente negociados na aquisição de energia elétrica, estabelecidos em resolução da ANEEL. (...).” (sem grifo no original). Como já visto em tópico próprio, as disposições contratuais supra decorrem de imposição do ordenamento jurídico. No entanto, em desconformidade com todo arcabouço contratual, legal e constitucional mencionado, celebrou a CELPE o contrato com a Termopernambuco e quer, a todo custo, que este tenha prevalência em detrimento dos dois outros precedentes e dos consumidores, que embora não tenham dele tomado parte, são chamados a arcar inteiramente com o ônus respectivo. Ora, se preferiu adquirir energia mais cara de sua coligada, evidentemente que não pode repassar os custos respectivos aos consumidores. 5.4. DO PREÇO ATUAL DA ENERGIA TERMOELÉTRICA X HIDROELÉTRICA Argumenta a CELPE, à fls. 1106, que: “(...) a energia nova hidroelétrica foi vendida entre R$97,00 e R$116,00, e a energia nova termelétrica foi vendida entre R$104,00 e R$139,00, sendo preciso notar que não foi colocado à venda nenhum projeto de energia nova hidrlétrica para o nordeste. E os preços dos empreendimentos de energia termelétrica disponíveis para a região nordeste gravitaram entre R$137,74 e RS 138,50, muito perto dos 137,85 referentes ao contrato da TERMOPERNAMBUCO. Em suma, a referida petição demonstra que o preço da energia elétrica 'disponível no mercado' equivale ao da TERMOPERNAMBUCO, não existindo a disparidade alardeada na sentença.” Tenta a recorrente, assim, convencer essa c. Turma julgadora que o preço por ela praticado é equivalente ao da energia hidrelétrica hoje comercializado, estando cumprido, assim, o princípio da modicidade tarifária, bem como que o preço da energia hidrelétrica tomado como parâmetro pela sentença era excepcionalmente baixo, não podendo prevalecer ante os novos valores praticados pelo mercado. Tal argumento, contudo, é absolutamente equivocado, possuindo o raciocínio vícios graves. Primeiramente, tenta tomar como parâmetro o preço da energia hidrelétrica nova, que é aquela proveniente de usinas ainda não construídas ou de recente construção, em que o custo da energia produzida traduz a necessidade de amortização e recuperação dos custos dos investimentos realizados, sendo mais elevado, portanto, do que aquele proveniente de usinas antigas, mais barato em virtude de os investimentos já terem sido amortizados ao longo dos anos. Ora, tal preço é absolutamente inadequando para servir de paradigma no caso presente, pois, como já visto à satisfação acima, o grupo adquirente da 18 CELPE está, por obrigação contratual, proibido terminantemente de repassar os custos da construção da Termelétrica ao consumidor, especialmente por meio da tarifa.13 Assim, embora a Termopernambuco seja de recente construção, não deve o preço de sua energia ser comparado com o de energia hidrelétrica nova, mas sim com o preço de energia hidrelétrica velha, pois só assim, em ambos os casos, não incidirá o ônus decorrente da necessidade de se amortizar o investimento. Em outras palavras, não é porque a Termopernambuco é nova que deve ter o preço de sua energia comparado com o da energia nova hidrelétrica: a sua energia deve ser considerada velha, já que impedida de repassar a amortização do investimento para o consumidor, devendo tomar como paradigma, portanto, também a energia hidrelétrica velha. O argumento da recorrente peca, ainda, porque tenta aplicar preços praticados em 2005/2006 para a revisão tarifária em comento. Não se pode perder de vista que estamos tratando de revisão tarifária que tem por escopo atualizar o contrato em face de eventual desequilíbrio verificado entre os anos de 2000 e 2004, devendo-se tomar por parâmetro, por motivos óbvios, os preços praticados naquele período, e não os existentes no presente momento, que somente poderão ser levados em consideração na futura revisão tarifária. Nesse sentido, com a perspicácia que lhe é peculiar, decidiu o MM. Juiz “a quo” na decisão que rejeitou os embargos de declaração (fls. 1109/1114): “(...) Por outro lado, o índice questionado corresponde a uma revisão tarifária que abrangeu o ano de 2004. Evidentemente, não podem prevalecer, para tal finalidade, os valores relativos a leilões realizados no final do ano de 2005. O princípio da Modicidade Tarifária exigia a contratação da energia pelo valor mais baixo ofertado, no período, o que evidentmente não aconteceu. Ressalte-se também que o valor apresentado no leilão de 2004 não pode ser considerado excepcional, vez que, conforme esclareceu o representante do CHESF nas declarações prestadas ao Ministério Público (fls. 1743, Anexo IX), tal valor está plenamente compatível com o que vem sendo observado para a energia fornecida pela referida companhia, inclusive no que se refere ao mês de janeiro de 2005.” 13 Contrato de compra e venda de ações da CELPE, celebrado entre o Estado de Pernambuco e os novos acionistas da companhia, Cláusula Quarta – Obrigações Especiais dos Compradores – parte final, e item XXI da mesma cláusula: XXI – Promover a instalação de usina termelétrica a gás, no Estado de Pernambuco, através de empresa especificamente constituída para este fim, ou através de terceiros, contratados pelo mesmo, nos termos e condições constantes do Anexo III do EDITAL; .......... As obrigações constantes desta cláusula e do presente CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE AÇÕES, atribuídas ao adquirente e à CELPE, não poderão ser alegadas para reivindicar compensações tarifárias a pretexto de manter o equilíbrio econômico-financeiro da concessão, ou o descumprimento do CONTRATO DE CONCESSÃO e da legislação do serviço público de energia elétrica. 19 5.5. DA POLÍTICA GOVERNAMENTAL DE ESTÍMULO À ENERGIA TERMOELÉTRICA: De acordo os recorrentes, a opção pela produção de energia termoelétrica não foi uma decisão da CELPE ou da Termopernambuco, mas decorrência obrigatória de política governamental a que se encontra vinculada. Tal alegação, contudo, não tem qualquer procedência, pois o programa governamental de incentivo à produção de energia termoelétrica em nenhum momento previu que as distribuidoras de energia elétrica seriam obrigadas a comprar energia das termoelétricas instaladas no país. O programa teve por fim o incentivo da diversificação da matriz energética, mas não assegurou cliente cativo para a compra da energia produzida pelas usinas, devendo elas se submeterem às regras de mercado. É de se notar que por ocasião da compra da CELPE pelo Grupo Iberdrola (hoje Neoenergia), tinha o adquirente a opção de construir uma usina termoelétrica a gás no Estado de Pernambuco com capacidade mínima de 240MW ou pagar uma multa de R$ 40.000.000,00 (cerca de 2,2% do valor pelo qual o controle da CELPE foi adquirido, R$ 1.780.979.194,26 - o mínimo previsto), sem qualquer outra conseqüência. Oportunas as considerações do então Diretor da ANEEL Isaac Pinto Averbuch: “45. Mais alguns fatos precisam ser aqui descritos ou rememorados: a) No Edital de privatização da CELPE havia uma multa (na realidade um incentivo), à construção de uma térmica, mas não uma obrigação, por parte do adquirente da CELPE, de construir a referida usina; se o fez, foi simplesmente por considerar que se tratava de uma boa oportunidade de negócio; além disso, se o negócio não lhe parecesse conveniente, o adquirente, que foi o único participante do leilão de privatização poderia, simplesmente, não ter realizado o negócio ou pago a dita multa, encerrando, por definitivo, o problema; b) Não havia qualquer obrigação de que a energia da térmica fosse vendida à própria CELPE; se o acionista de ambas as companhias assim o fez, foi também, por vislumbrar vantagens negociais; a existência de um PPA pode ser muito conveniente para o empreendedor e seus financiadores, mas não era uma obrigação e nem uma condição necessária para a construção do empreendimento, como bem o provam a existência das usinas merchants e o fato de que as distribuidoras, em sua grande maioria, não têm contratos com partes relacionadas nem são proprietárias de usinas térmicas. Outra opção, que a CELPE não considerou foi a aditivação dos contratos iniciais. A companhia, se dispusesse de autonomia da vontade, poderia, ainda, ter contratado um montante menor de energia, e a térmica levaria uma parte da sua produção para o mercado ou dividiria os contratos entre outras empresas do mesmo grupo; c) A previsão do edital era de uma térmica de 240 MW de potência; se o adquirente da CELPE desejou construir uma planta mais de duas vezes maior (537 MW), o fez por sua conta e risco, o que afasta qualquer argumentação a respeito de uma suposta “obrigação”, pois se a construção da térmica fosse um fardo, a empresa poderia, como já dito, ter optado por não construí-la, ou 20 em última instância, a teria construído no seu porte mínimo. Ao agir de forma distinta foi, mais uma vez, por antever o excelente negócio que a usina poderia vir a ser;” A função da termoelétrica como concebida no processo de privatização apresenta-se indubitavelmente como supletiva, de reserva no fornecimento de energia, para ser utilizada apenas quando necessário. Ao tempo da celebração do contrato entre a CELPE e a Termopernambuco, não existia qualquer obrigação da produção desta ser adquirida pela CELPE, já que a usina em tela é livre para fornecer a outras distribuidoras. Se a CELPE preferiu contratar essa energia sem que houvesse necessidade, cabe a ela arcar com os custos respectivos. Observe-se que o negócio jurídico celebrado entre a CELPE e a TERMOPERNAMBUCO asseguram a esta última o fornecimento de sua produção de energia durante 20 anos, quer a CELPE dela necessite ou não. Criou-se, em outras palavras, um mercado “escravo” e cativo para a produção de energia da Termo, cujo ônus recai não na contratante, mas nos consumidores. O risco da atividade empresarial, nessas circunstâncias, é zero: durante 20 anos não faltará comprador de energia, seja qual for a qualidade do serviço ou mesmo o preço praticado. É evidente que isso é inaceitável. 5.6. DO REPASSE DO CUSTO DE AQUISIÇÃO DA ENERGIA DA TERMOPERNAMBUCO ÀS TARIFAS O contrato de compra e venda da CELPE previa que a empresa não poderia pedir reequilíbrio econômico-financeiro em decorrência das obrigações oriundas da construção da Termopernambuco, nos seguintes termos: “Cláusula Quarta – Obrigações Especiais dos Compradores. (...) XXI – promover a instalação de usina termoelétrica a gás, no Estado de Pernambuco, através de empresa especificamente constituída para este fim, ou através de terceiros, contratados pelo mesmo, nos termos e condições constantes do Anexo III do Edital. (...) As obrigações constantes desta cláusula e do presente Contrato de Compra e Venda de Ações, atribuídas ao adquirente e à CELPE, não poderão ser alegadas para reivindicar compensações tarifárias a pretexto de manter o equilíbrio econômico financeiro da concessão, ou o descumprimento do Contrato de Concessão e da legislação do serviço público de energia elétrica.” Apesar da CELPE afirmar que não postulou na revisão tarifária ressarcir-se dos custos da implantação da termoelétrica, indiretamente é justamente isso que ela tenta fazer, na medida em que, na prática, está obrigando os consumidores a pagar pela energia mais cara da Termopernambuco, mesmo havendo energia mais barata à disposição no mercado, fazendo com que recupere rapidamente o capital investido na construção da usina. É certo que a concessionária tem o direito de repassar ao valor da tarifa o custo da energia adquirida para atendimento de seu mercado, contudo, a partir do momento em que a empresa opta por não adquirir energia pelo preço mais 21 baixo disponível no mercado, é ilicito que repasse esta diferença para os consumidores. Outrossim, não favorece à CELPE o fato do contrato com a Termopernambuco haver sido homologado pela ANEEL, pois tal aprovação não afasta os vícios já apontados, nem a possibilidade de revisão do ato pelo Poder Judiciário. 5.7. DA VENDA DE ENERGIA NÃO PRODUZIDA À CELPE: Outro argumento utilizado nos recursos é o de que cabe ao ONS determinar às usinas o volume de energia a ser enviada a cada distribuidor (despacho de energia), de modo a evitar desperdícios, e que, mesmo não produzindo toda a energia contratada, a termoelétrica tem gastos fixos com o fornecimento de gás e dos custos do gasoduto. Acerca do assunto, além dos argumentos constantes da petição inicial, é de grande relevância transcrever, mais uma vez, trecho do voto vencido do então Diretor da ANEEL Isaac Pinto Averbuch: “O contrato entre a CELPE e a Termopernambuco prevê o fornecimento de 390 MW, em regime de base, 24 horas por dia. De forma sintética, o contrato de fornecimento de gás estabelece um nível de take or pay em 70% do valor contratado, em termos anuais, com flexibilidade para entrega mensal de apenas 56%. Ao final do ano, é feito o balanço entre a quantidade paga e a efetivamente retirada pela térmica. Havendo sobras, estas podem ser compensadas e utilizadas pela térmica ao longo dos sete anos seguintes. Sabe-se, no entanto, que é extremamente raro que a usina gere a plena carga. Assim, a maioria do tempo a empresa é faturada pelo fornecedor de gás apenas no limite do contrato em regime de take or pay. Destarte, a Termopernambuco cobra da CELPE e, por extensão, dos consumidores cativos, um valor correspondente ao que seria pago pelo gás com a usina gerando 100% da energia contratada permanentemente, enquanto os seus custos referentes ao gás são bem menores. Ou seja, a empresa cobra por custos com os quais só arca apenas em situações muito raras. Mais adequado seria que os consumidores pagassem apenas pelo gás efetivamente faturado ou pelo montante em regime de take or pay, o que fosse maior. Na verdade, da forma como o sistema elétrico é realmente operado, o contrato, nos moldes vigentes, termina por gerar lucros astronômicos para a térmica, pois a empresa recebe, no que excede o limite do take or pay, como se gastasse com a compra de gás, quando na realidade seu dispêndio por esse excedente é zero. É de se notar que, embora atualmente não haja necessidade de sua geração no sistema, a usina tem efetivamente gerado energia (por inflexibilidade) nos últimos meses, mas quase sempre em níveis que demandam uma entrega de gás inferior à do limite take or pay do contrato . Considerando que o custo do gás gira entre 45 e 50% do custo total de uma usina térmica, a diferença daquilo que o consumidor paga (como se a usina gerasse consumindo e pagando 100% do gás contratado) e o que efetivamente a usina despende em condições normais (70% do contratado), seria possível reduzir em cerca de 14 a 15% o custo de geração cobrado da Termopernambuco , com reflexos importantes no preço cobrado à CELPE (e, conseqüentemente, dos consumidores cativos) sem reduzir o volume contratado nem a taxa de retorno do investimento da forma como foi concebido. Considerando o peso do 22 combustível nos custos de geração de uma usina térmica, é imprescindível, portanto, rever a forma como os custos do gás são computados para formação do preço da energia fornecida à CELPE, mesmo que os montantes contratados não sejam alterados.”(Sem grifo no original). Ressalte-se que os argumentos acima expostos provém de um dos então Diretores da ANEEL, com larga experiência no setor elétrico, o que afasta alegação da agravante de que a petição inicial teria induzido em erro o juiz de primeiro grau. Em suma, a CELPE está pagando a TERMOPERNAMBUCO o preço cheio da energia, mesmo ciente de que esta energia não está sendo produzida pela Termo. 5.8. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO: De início, percebe-se facilmente o equívoco das recorrentes ao defender que a decisão atacada teria aplicado indevidamente ao caso presente a teoria da imprevisão, porque tal matéria extrapolaria os lindes do pedido. Ora, é cediço que o Juiz ao prolatar qualquer decisão está adstrito apenas ao pedido, mas não aos fundamentos legais apresentados pelas partes, podendo lastrear seu entendimento livremente em disposições jurídicas não invocadas nos autos. Da leitura da decisão vergastada é fácil perceber que ela se ateve ao pedido formulado na petição inicial, dele não extrapolando. A menção à Teoria da Imprevisão foi usada apenas como fundamento, razão pela qual não procede o argumento das recorrentes . Além disso, entende o parquet que o contrato da CELPE com a Termopernambuco em si, desde sua celebração, não pode produzir efeitos jurídicos em relação aos consumidores, na medida em que não foram observadas cláusulas do contrato de concessão e de licitação da CELPE, o princípio da modicidade tarifária, e diversos dispositivos legais e constitucionais já mencionados. O deferimento do pedido, portanto, prescinde da aplicação da Teoria da Imprevisão, a qual somente tem cabimento na hipótese de ser reconhecida a legalidade do contrato no momento de sua feitura. Caso se adote esse entendimento, os requisitos necessários para a aplicação da Teoria da Imprevisão são facilmente identificáveis no caso em análise, afinal a energia da Termopernambuco foi contratada em um período absolutamente excepcional, durante o período de racionamento, que findou em janeiro de 2002. Como dito por Isaac Averbuch em seu voto: “não há sentido em manter durante 20 anos as condições contratuais geradas numa situação de crise, quando elas se mostram claramente desequilibradas em relação a uma das partes.” 6. CONSIDERAÇÃO FINAIS Importa destacar que no ano de 2006 a CELPE obteve um lucro de R$ 217,8 milhões, resultado 62% maior do que o de 2005, conforme notícia em 23 anexo extraída do sítio do Grupo Neoenergia (controlador da CELPE)14, o que afasta o argumento de risco de perda da qualidade do serviço por ausência de recursos, na medida em que a concessão mostra-se com uma saúde invejável. Ainda segundo a notícia referida, a Termopernambuco, empresa também integrante do grupo Neoenergia, apresentou lucro de R$100,3 milhões, fruto, em grande parte, da contratação para fornecimento de energia para a CELPE impugnada nesta ação. Por sua vez, o grupo Neoenergia apresentou lucro de R$995 milhões, resultado 21% maior que o registrado no ano anterior. Por tudo isto, não há que se falar em violação ao equilíbrio econômicofinanceiro em face desta ação civil pública, pois o que ela pretende é justamente restabelecer o equilíbrio quebrado pelas rés. Ressalte-se que não pretende o MPF amesquinhar lucro da concessionária, pois é legítimo que ela o tenha pela prestação do serviço. O que se pretende aqui demonstrar é que a obediência às normas legais que regem a concessão de serviço público, além de imperativo do Estado de direito, não levarão a concessionária à bancarrota, devendo-se afastar os argumentos “ad terrorem” que comumente é invocado até mesmo pela ANEEL para tentar afastar o controle judicial dos ilegais atos administrativos. Por essas razões, espera o Ministério Público Federal seja mantida a decisão recorrida, fazendo justiça aos consumidores do Estado de Pernambuco. Recife, 01 de dezembro de 2008. Antonio Carlos de V. C. Barreto Campello Procurador da República 14 http://www.neoenergia.com/noticias/noticias.asp