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APELAÇÃO CÍVEL (AC413240-PE)
APELANTE:
Termopernambuco
S/A,
Companhia
Energética
Pernambuco–CELPE, e Agência Nacional de Energia Elétrica
de
APELADO: Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de
Pernambuco
MEMORIAL DO RECORRIDO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
ÍNDICE
1. DO OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA...................................................p. 2
2 - DA SENTENÇA RECORRIDA .................................................................p. 3
3 – DOS FUNDAMENTOS DA ACP ............................................................. p. 3
3.1.DO
CONTRATO
DE
CONCESSÃO
DA
CELPE:
REAJUSTE
E
REVISÃO. ........................................................................................ p. 4
3.2. HISTÓRICO E IMPACTO TARIFÁRIO DA COMPRA DE ENERGIA DA
TERMOPERNAMBUCO......................................................................... p. 4
3.2.1. DA VIOLAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS......................P. 5
3.2.2. DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ESSENCIALIDADE E
UNIVERSALIDADE DO SERVIÇO PÚBLICO, DA MODICIDADE DA TARIFA
E DA LIVRE CONCORRÊNCIA....................................................... p.7
3.3. VENDA À CELPE DE ENERGIA ADQUIRIDA NO MERCADO COMO SE
FOSSE PRODUÇÃO PRÓPRIA ...............................................................p. 9
4- DO RECURSO APRESENTADO ..............................................................p.10
5. ANÁLISE DOS ARGUMENTOS APRESENTADOS PELOS RECORRENTES..p. 11
5.1.
QUEBRA
DO
EQUILÍBRIO
ECONÔMICOFINANCEIRO................................................................................... p. 11
5.2. DO EXAME DO MÉRITO ADMINISTRATIVO.....................................p. 12
5.3. DO PREÇO DA ENERGIA ADQUIRIDA DA TERMOPERNAMBUCO ........p. 13
5.4. PREÇO ATUAL DA ENERGIA TERMOELÉTRICA X HIDROELÉTRICA.... p. 17
5.5. DA POLÍTICA GOVERNAMENTAL DE ESTÍMULO À ENERGIA
TERMOELÉTRICA............................................................................. p. 19
5.6. DO REPASSE DO CUSTO DE AQUISIÇÃO DA ENERGIA DA
TERMOPERNAMBUCO ÀS TARIFAS .....................................................p. 20
5.7. DA VENDA DE ENERGIA NÃO PRODUZIDA À CELPE....................... p. 21
5.8. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO..................................... p. 22
6. CONSIDERAÇÃO FINAIS ....................................................................p. 22
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APELAÇÃO CÍVEL (AC413240-PE)
APELANTE:
Termopernambuco
S/A,
Companhia
Energética
Pernambuco–CELPE, e Agência Nacional de Energia Elétrica
de
APELADO: Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado de
Pernambuco
MEMORIAL DO RECORRIDO, MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Insurgem-se os apelantes contra sentença proferida em sede de
ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal e o Ministério Público do
Estado de Pernambuco em face da Agência Nacional de Energia Elétrica, da CELPE e
da Termopernambuco.
Para melhor compreensão de Vossa Excelência, o Ministério
Público Federal passa a fazer breve resumo da demanda, rebatendo, em seguida,
um a um, os argumentos das recorrentes, demonstrando de forma insofismável o
acerto da decisão recorrida.
1. DO OBJETO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
No dia 29 de março de 2005 a ANEEL divulgou a Nota Técnica nº 106/2005SRE/ANEEL, tratando da revisão tarifária periódica da Companhia Energética de
Pernambuco, concessionária de distribuição de energia elétrica neste Estado,
marcada para o dia 29 de abril deste mesmo ano.
Em aludida Nota Técnica, a ANEEL propôs o índice de reajuste de
34,11%, como resultado preliminar. Em virtude da forte pressão da
sociedade pernambucana (amplamente divulgada nos meios de
comunicação), indignada com tamanho aumento da tarifa de energia,
resolveu a CELPE apresentar proposta de parcelamento desse índice em três
anos.
Referida proposta foi parcialmente acatada pela ANEEL em reunião realizada
no dia 09/05/2005, por voto da maioria de seus diretores, vencido o Diretor Isaac
Pinto Averbuch, que proferiu voto dissidente (em anexo). Em face da decisão, foi
editada a Resolução Homologatória nº112, de 9 de maio de 2005, publicada no DOU
de 11/05/2005, por meio da qual foi autorizado o aumento da tarifa no índice de
32,54%, sendo que 24,43% a incidir retroativamente ao dia 29/04/2005 (art. 7º e
14) e o restante, de 8,11%, a incidir nos três anos seguintes, juntamente com os
3
reajustes tarifários anuais.
Os índices mencionados referem-se à media do reajuste, já que há
variação entre os consumidores de baixa e alta tensão.
Foi constatado, no entanto, pelo Ministério Público Federal e Ministério Público
do Estado de Pernambuco, no curso dos procedimentos administrativos que
instruem a ação civil pública, que o índice de reajuste autorizado pela ANEEL é
abusivo e ilegal. Tais abusos consistem basicamente em: a) considerar legítimo o
repasse aos consumidores do custo decorrente da compra, pela CELPE, da energia
produzida pela TERMOPERNAMBUCO (ambas empresas integrantes do grupo
NEOENERGIA), cujo valor corresponde a quase três vezes o valor médio da energia
disponível no mercado; b) repassar integralmente aos consumidores o custo das
perdas de energia elétrica da CELPE, muito superior à média nacional, transferindo
para aqueles o custo de sua ineficiência e o risco de sua atividade econômica.
Com o fim de afastar esses vícios do processo de revisão tarifária
periódica, que ferem fortemente diversos dispositivos contratuais, legais e
constitucionais e majoram indevidamente em muito o índice de reajuste da
tarifa de energia elétrica da CELPE, é que o Ministério Público Federal e o
Ministério Público do Estado de Pernambuco ajuizaram conjuntamente a ação
civil pública em questão.
2 - DA SENTENÇA RECORRIDA
Os pedidos formulados pelo parquet na petição inicial foram acolhidos
por meio de bem fundamentada sentença. Apenas no que se refere ao pedido de
expurgo dos percentuais de perdas técnicas e comerciais repassados para a tarifa
(item “b” supra), entendeu ter havido perda do objeto.
A d. sentença recorrida, por outro lado, “declarou a nulidade da
Resolução Homologatória n.° 112/2005 e do Despacho 892, de 08/11/2004, ambos
da ANEEL, que autorizaram a Revisão Tarifária Extraordinária para a fixação de
novos índices de revisão da tarifa de energia elétrica fornecida pela CELPE aos
consumidores pernambucanos” e determinou, ainda, à ANEEL que “proceda à
revisão do índice questionado e estabeleça o novo índice de revisão tarifária com a
subtração, no seu cálculo, do custo decorrente da aquisição da energia da
TERMOPERNAMBUCO, adotando como paradigma o custo da energia hidrelétrica
então disponível no mercado, considerando o valor de R$ 57,51/MWh, conforme
leilão de 2005.”
Posteriormente, em sede de embargos de declaração, retificou a parte
final da decisão para que constasse o leilão de 2004, ao invés de 2005
(fls.1109/1117)
3 – DOS FUNDAMENTOS DA ACP
A ação civil pública está assentada em sólidos fundamentos, não se
4
limitando a impugnar de forma genérica o abusivo, despropositado e ilegal aumento
da tarifa de energia elétrica. Para melhor compreensão, o Ministério Público Federal
passa a sintetizar os fundamentos da ação, discorrendo sobre os processos de
reajuste e revisão tarifárias previstos para o setor elétrico.
3.1.DO CONTRATO DE CONCESSÃO DA CELPE: REAJUSTE E REVISÃO.
O Contrato de Concessão de Serviço Público de Distribuição de Energia
Elétrica da CELPE, na cláusula sétima, objetivando assegurar o equilíbrio econômicofinanceiro, previu regras de i) reajustes anuais e de ii) revisões periódicas das
tarifas de energia.
Os reajustes visam a evitar a corrosão inflacionária, ao passo que as
revisões consideram as “alterações na estrutura de custos e de mercado da
CONCESSIONÁRIA, os níveis de tarifas observados em empresas similares no
contexto nacional e internacional, os estímulos à eficiência e à modicidade das
tarifas” (sétima subcláusula da cláusula sétima do aludido contrato).
Desde a concessão, foram realizados 04 (quatro) reajustes anuais
consecutivos nas tarifas de fornecimento de energia elétrica praticadas pela CELPE,
que totalizaram o expressivo índice de 84,38%1.
Por ser o ano de 2005 o primeiro depois do quarto reajuste, nos termos
da mesma subcláusula antes parcialmente transcrita, nele teve lugar a revisão
tarifária periódica, consubstanciada na citada Resolução Homologatória nº112/2005,
procedimento que se repetirá a partir de agora a cada quatro anos. Assim, afora os
reajustes acumulados nos quatro anos, incidirá o reajuste decorrente da revisão
tarifária, ora impugnado.
Essa revisão, a fim de manter-se o equilíbrio econômico-financeiro, é
autorizada pelo art. 9o, §2o, da Lei 8.987/952, desde que prevista no contrato, como
ocorre no caso em tela.
Apesar de legítima a revisão tarifária para manter-se o equilíbrio
econômico-financeiro do contrato, no caso sub judice o valor do índice aprovado
pela ANEEL impede o alcance desse objetivo, uma vez que contemplou critérios
propostos pela CELPE em flagrante desobediência a preceitos contratuais, legais e
constitucionais.
3.2. HISTÓRICO E IMPACTO TARIFÁRIO DA COMPRA DE ENERGIA DA TERMOPERNAMBUCO:
O edital de licitação da venda da CELPE elaborado em 1999 pelo Estado
de Pernambuco já previa no item 4.4, XXI, a obrigação do adquirente de instalar
uma usina termelétrica a gás no Estado de Pernambuco com capacidade mínima de
1
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2001:14,85% - 2002: 14,48% - 2003: 27,81% - 2004: 10,42%.
Art. 9o A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e
preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.
…
§ 2o Os contratos poderão prever mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio
econômico-financeiro.
5
240MW, dever este consignado também no contrato de privatização.
Assim, o grupo comprador da CELPE criou a Termopernambuco S/A,
que, por sua vez, construiu uma usina termelétrica com capacidade instalada de
637MW, sendo 520MW líquidos.
Em junho de 2001 a CELPE, já então privatizada, celebrou com a
Termopernambuco contrato de compra e venda de energia elétrica no montante de
390MW mensais, pelo prazo de 20 anos, a qual somente passou a ser fornecida
em 15 de maio de 2004, com o início das operações da termelétrica, em
substituição parcial ao contrato inicial de fornecimento de energia pela CHESF.
Em razão disto, a ANEEL, por meio do despacho no 892, de
08/11/2004, autorizou revisão tarifária extraordinária pleiteada pela CELPE, tendo
como justificativa o aumento de custo na aquisição de energia elétrica, em função
da substituição do contrato inicial com a CHESF pelo contrato com a
Termopernambuco (contrato com parte relacionada).
De fato, o custo da energia produzida pela Termopernambuco é de
R$137,85/MWh, enquanto que o da energia disponível no mercado é de R$ 57,51
(conforme leilão de 2005). O aumento autorizado passaria a vigorar por ocasião do
processo de revisão tarifária ora questionado.
Contudo, o repasse às tarifas do aumento do custo de aquisição de
energia elétrica em razão da aquisição de energia da Termopernambuco não é
legítimo, uma vez que a mudança de fornecedor decorreu de opção exclusiva da
CELPE, que dispunha de energia mais barata para compra no mercado, além de
infringir expressas disposições do contrato de privatização e do contrato de
concessão.
3.2.1. DA VIOLAÇÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS
O Contrato de Concessão de Serviço Público de Distribuição de Energia
Elétrica n
26/2000-ANEEL, celebrado entre a União (poder concedente,
representado pela ANEEL), a CELPE (concessionária), com a interveniência do
Estado de Pernambuco e terceiros acionistas, prevê critérios para a revisão de
tarifa, devendo-se obrigatoriamente levar em consideração a estrutura de custos e
de mercado da concessionária; os níveis de tarifas observados em empresas
similares no contexto nacional e internacional e os estímulos à eficiência e à
modicidade tarifária3.
o
Para ser mais explícito em seu apego ao princípio da modicidade
tarifária, o contrato de concessão previu textualmente, em sua subcláusula
décima quarta da cláusula sétima (fl. 85), que a concessionária teria que obter a
3
“Clásula Sétima (...)
Sétima Subcláusula. A ANEEL, de acordo com o cronograma apresentado nesta subcláusula, procederá às
revisões dos valores das tarifas de comercialização de energia, alterando-os para mais ou menos,
considerando as alterações na estrutura de custos e de mercado da Concessionária, os níveis de tarifas
observados em empresas similares no contexto nacional e internacional, os estímulos à eficiência e à
modicidade das tarifas (...).” (sem grifo no original).
6
energia elétrica ao menor custo efetivo dentre as alternativas disponíveis:
“A CONCESSIONÁRIA obriga-se a obter a energia
elétrica requerida pelos seus consumidores ao menor custo
efetivo, dentre as alternativas disponíveis. Na aplicação dos reajustes
e revisões previstos nesta Cláusula, serão observados os limites de
repasse dos preços livremente negociados na aquisição de energia
elétrica, estabelecidos em resolução da ANEEL. (grifei).
A disposição contratual supra não se resume a simples liberalidade, de
acordo discricionário de vontades das partes contratantes, passível de revisão a
qualquer tempo, mas sim decorre de imposição do ordenamento jurídico,
encontrando seu fundamento de validade na própria Constituição Federal e normas
legais que regem a concessão do serviço público essencial, como será visto nos
tópicos mais abaixo.
Essa obrigação foi mais uma vez lembrada no contrato de compra e
venda de ações da CELPE, celebrado entre o Estado de Pernambuco e os novos
acionistas da companhia. É o que se extrai da leitura da Cláusula Quarta –
Obrigações Especiais dos Compradores – parte final, e item XXI da mesma cláusula:
XXI – Promover a instalação de usina termelétrica a gás, no Estado de
Pernambuco, através de empresa especificamente constituída para este
fim, ou através de terceiros, contratados pelo mesmo, nos termos e
condições constantes do Anexo III do EDITAL;
..........
As obrigações constantes desta cláusula e do presente CONTRATO DE
COMPRA E VENDA DE AÇÕES, atribuídas ao adquirente e à CELPE, não
poderão ser alegadas para reivindicar compensações tarifárias a
pretexto de manter o equilíbrio econômico-financeiro da
concessão, ou o descumprimento do CONTRATO DE CONCESSÃO e da
legislação do serviço público de energia elétrica.
Isso significa dizer que o adquirente da companhia elétrica tinha
ciência, desde o momento da aquisição, que haveria de arcar com os custos
decorrentes da construção da usina termoelétrica.
A ilegalidade é evidente: embora estivesse a CELPE vinculada aos
contratos acima referidos e aos princípios legais e constitucionais mais abaixo
indicados, ciente, portanto, de que deveria sempre buscar a energia mais barata
possível e de que não caberia invocar qualquer custo com a termoelétrica para
pleitear revisão tarifária, celebrou, por opção própria, novo contrato com empresa
coligada, adquirindo por 20 anos parte significativa da energia requerida por preço
quase três vezes superior àquele disponível no mercado.
Quer a todo custo, assim, fazer valer esse contrato em detrimento
dos dois outros precedentes e dos consumidores, que embora não tenham
dele tomado parte, são chamados a arcar inteiramente com o ônus respectivo. Ora,
se preferiu adquirir energia mais cara de sua coligada, evidentemente que não pode
repassar os custos respectivos aos consumidores.
7
Registre-se que a CHESF dispunha de energia mais que suficiente para
abastecer todo o Estado de PERNAMBUCO, conforme informações prestadas por
representantes daquela sociedade de economia mista, no curso dos procedimentos
que lastrearam a ação.
A ANEEL, assim, endossa a magnífica transação da compra de energia
de uma empresa consigo mesmo e cujo custo está sendo repassado integralmente
ao consumidor no processo de revisão tarifária em tela. A CELPE socializa seu
pretenso prejuízo com a compra da energia cara adquirida a Termopernambuco e o
lucro dessa sua coligada, por evidente, é desfrutado apenas pelos seus acionistas
comuns.
Observe-se que a ANEEL, ao invés de homologar referido contrato,
tinha o poder-dever de até mesmo rescindi-lo, fundado no art. 3º, VIII, IX e XIII,
da Lei nº9.427/964 e na Subcláusula Décima Quinta do mencionado contrato de
concessão5.
Há, assim, de se fazer respeitar as cláusulas já transcritas do Contrato
de Concessão e do Contrato de Compra e Venda de Ações da CELPE, não se
permitindo que simples acordo de vontades posterior, celebrado entre partes
coligadas, sobreponha-se a eles. O desrespeito aos contratos firmados com o Poder
Público nos moldes aqui combatidos significa, em suma, ofensa à própria
Constituição Federal e à legislação que rege a matéria. É o que se verá a seguir:
3.2.2. DA VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ESSENCIALIDADE E UNIVERSALIDADE
DO SERVIÇO PÚBLICO, DA MODICIDADE DA TARIFA E DA LIVRE CONCORRÊNCIA.
O serviço de distribuição de energia elétrica, delegado pela União à
concessionária CELPE, por intermédio da ANEEL, autarquia federal de regime
especial, firmado pelo contrato de concessão de distribuição nº 26/2000 – ANEEL, é
de natureza eminentemente pública por determinação constitucional, art. 21 XII,
CF.
4
Art. 3º (Lei 9.427/96) Além das incumbências prescritas nos arts. 29 e 30 da Lei no 8.987, de 13 de fevereiro
de 1995, aplicáveis aos serviços de energia elétrica, compete especialmente à ANEEL:
…
VIII - estabelecer, com vistas a propiciar concorrência efetiva entre os agentes e a impedir a concentração
econômica nos serviços e atividades de energia elétrica, restrições, limites ou condições para empresas, grupos
empresariais e acionistas, quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações, à
concentração societária e à realização de negócios entre si; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de
27.05.98)
IX - zelar pelo cumprimento da legislação de defesa da concorrência, monitorando e acompanhando as práticas de
mercado dos agentes do setor de energia elétrica; (Inciso acrescentado pela Lei nº 9.648, de 27.05.98)
…
XIII - efetuar o controle prévio e a posteriori de atos e negócios jurídicos a serem celebrados entre
concessionárias, permissionárias, autorizadas e seus controladores, suas sociedades controladas ou coligadas e
outras sociedades controladas ou coligadas de controlador comum, impondo-lhes restrições à mútua
constituição de direitos e obrigações, especialmente comerciais e, no limite, a abstenção do próprio ato ou
contrato.”
5
Subcláusula Décima Quinta- A ANEEL poderá determinar à Concessionária a rescisão de qualquer contrato por
ela celebrado, quando verificar que dele possam resultar danos ao serviço público de distribuição de energia
elétrica concedido ou tratamento diferenciado a consumidores que se encontrem na mesma tensão de
fornecimento e na mesma classe de consumo, exceto nos casos previstos na legislação(grifos nossos).
8
Como serviço público, deve ser universal, acessível à população em
geral, especialmente por se tratar de serviço essencial6
O repasse dos valores pagos pela CELPE nos contratos com empresa
do mesmo grupo econômico aos consumidores finais (principal causador
da fixação do índice de 32,54% autorizado pela ANEEL) inviabiliza ou
dificulta excessivamente esse acesso.
Assim, é preciso que a Agência, no exercício da função regulatória (em
particular na fixação de tarifas), dê a devida atenção à modicidade tarifária, tendo
sempre presente que ela decorre dos princípios da universalidade e essencialidade
do serviço público, da defesa do consumidor e da dignidade da pessoa humana.
Releva consignar que o princípio da modicidade tarifária, além
constituir decorrência lógica do princípio da universalidade, encontra fundamento
no art. 175, parágrafo único, IV, da Constituição Federal7, que por sua vez foi
regulamentado pela Lei 8.987/95, que em seu art. 6o , §1o8, inclui a modicidade
tarifária dentro do conceito constitucional de serviço adequado. Referido princípio
confere aplicação, igualmente, ao art. 1o da Constituição Federal que inclui a
dignidade da pessoa humana dentre os fundamentos da República Federativa do
Brasil, na medida em que propicia o acesso a um serviço considerado essencial
pela própria Constituição.
Observe-se que a Lei 9.648/98, em seu artigo 109, regula
expressamente a proibição de repasses dos custos de compra de energia elétrica
para as tarifas aplicáveis aos consumidores finais.
Não há, de parte da ANEEL, qualquer preocupação com a viabilidade
econômica do consumidor-usuário ou mesmo com a fixação do menor valor possível
– referências recorrentes na doutrina, como visto acima assegurando-se,
obviamente, o necessário para manter a eficiência e a regularidade do serviço.
Por sua vez, a Constituição Federal ao colocar no mesmo patamar a
livre concorrência e a defesa do consumidor como princípios a serem observados
pela ordem econômica brasileira (v. art. 170 da CF) a lição do constituinte foi clara:
ambos deveriam somar-se para assegurar preços os mais baixos possíveis.
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8
9
Lei n. 7.783/89:
"Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e
combustíveis;..."
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão,
sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
…
IV – a obrigação de manter serviço adequado.
Art. 6o. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos
usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§ 1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança,
atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas." (sem grifo no original)
“Art. 10. Passa a ser de livre negociação a compra e venda de energia elétrica entre concessionários,
permissionários e autorizados, observados os seguintes prazos e demais condições de transição: (...)
§ 2o Sem prejuízo do disposto no caput, a ANEEL deverá estabelecer critérios que limitem eventuais repasses
do custo da compra de energia elétrica entre concessionários e autorizados para as tarifas de fornecimento
aplicáveis aos consumidores finais não abrangidos pelo disposto nos arts. 12, inciso III, 15 e 16 da Lei no
9.074, de 1995, com vistas a garantir sua modicidade”
9
De fato, a livre concorrência é uma forma eficiente de tutela do
consumidor, na medida em que competitividade induz a uma distribuição de
recursos a mais baixo preço.
Entretanto o serviço público de eletricidade, por sua própria natureza é
prestado quase que integralmente em regime monopolista, tanto que os
consumidores residenciais são denominados “cativos”. Nesses casos, exsurge a
necessidade de uma atuação eficaz das agências reguladoras no sentido de simular
as condições de uma concorrência perfeita, sempre estimulando a eficiência do
serviço e em busca da modicidade das tarifas.
Não obstante esse dever, a ANEEL aceitou o repasse de valores
ao cálculo da tarifa de energia elétrica, valores abusivamente acima do
mercado referentes a contrato firmado entre a CELPE e parte relacionada
(vale dizer, empresa do mesmo grupo econômico). A Agência reguladora contrariou
o sistema normativo vigente e atingiu o direito do consumidor à modicidade
tarifária, sob o pretenso dever de respeito a cláusulas contratuais acordadas entre
as empresas privadas, esquecendo-se dos demais contratos e leis que protegem os
consumidores.
Desse modo, existe todo um arcabouço jurídico, tanto doutrinário como
legal , que impunha obrigação à ANEEL em não considerar os valores de aquisição
da energia, entre a CELPE e a TERMOPERNAMBUCO, no momento da revisão
tarifária. Não agiu por falta de postura regulatória de efetivo estímulo à
concorrência em favor da modicidade das tarifas.
10
3.3. VENDA À CELPE DE ENERGIA ADQUIRIDA NO MERCADO COMO SE FOSSE
PRODUÇÃO PRÓPRIA
A Termopernambuco não tem disponibilidade efetiva de gás natural
para prover a geração de energia suficiente para o atendimento da demanda
contratada pela CELPE, e, por isso, estaria adquirindo parte dessa energia
diretamente no mercado e a revendendo para a CELPE a preços bastante
superiores.
Documento do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS (nos
autos), relaciona a produção mensal da Termopernambuco de maio de 2004,
quando entrou em operação, até abril de 2005. Em nenhum mês a usina produziu
energia suficiente para honrar seu contrato com a CELPE. No mês de julho de 2004,
por exemplo, a produção da usina foi de apenas 51,55MW, significando que todo o
restante repassado à CELPE foi adquirido de outras fontes, isso sem levar em
consideração que aquela usina fornece, ainda, para outro cliente.
A situação acima descrita é de gritante imoralidade: a CELPE, que tem
a obrigação legal e contratual de adquirir a energia pelo preço mais barato
disponível, impôs empresa coligada sua como “atravessadora”. Ao invés de adquirir
a energia diretamente no mercado por cerca de R$ 18,59 o MW, o faz por
10
“Art. 29, XI, da Lei 8.987/95; art. 3o, VIII, IX, XIII, da Lei 9.427/96; art. 3o, II, art. 4o, II, art. 12, IV e Art.13
do Decreto 2.335/97; art. 39, V e §1o da Lei 8.078/90.
10
intermédio da Termopernambuco, pelo preço de R$ 137,83 MWh, repassando todo o
custo adicional daí decorrente aos consumidores.
Não se deve olvidar que os lucros da termoelétrica, nessa situação, são
aumentados de forma substancial, tendo em vista que fica ela livre dos custos de
produção e da aquisição do gás natural, principal componente na formação de suas
despesas.
Torna-se cristalino que a CELPE e a Termopernambuco agem de forma
concatenada, como uma única corporação, buscando seus lucros para o grupo,
mesmo que aparentemente uma das empresas não se beneficie em demasia do
negócio. Nesse contexto, não causaria estranheza se viesse a se constatar que
justamente a empresa concessionária, teoricamente sujeita a maior controle por
parte do Estado, apresentasse lucratividade menor, em detrimento de lucro
astronômico da sua coligada, não sujeita à fiscalização. E ainda vem falar em
desequilíbrio financeiro do contrato de concessão. Se este existe, é em desfavor dos
consumidores.
4- DO RECURSO APRESENTADO
As apelações serão, abaixo, apreciadas em conjunto, tentando-se
sintetizar os principais argumentos utilizados pelos recorrentes, rebatendo-os no
tópico seguinte um a um. São os seguintes os equívocos atribuídos pelos réus à
sentença:
a) destruiria o equilíbrio econômico-financeiro da prestação de serviços
oferecida pela agravante;
b) teria ingressado, indevidamente, no mérito administrativo da resolução da
ANEEL;
c) estaria equivocada quanto à possibilidade de aquisição de energia mais
barata do que aquela contratada com a Termopernambuco, pois haveria
tomado um valor circunstancial como parâmetro, olvidando-se das
necessidades contínuas do serviço público, e do fato de que, no momento
da referida compra em leilão, o preço era o melhor, ainda que atualmente
tal situação tenha se alterado;
d) O preço atual da energia termoelétrica caiu, enquanto que a energia
elétrica nova subiu.
e) não haveria compreendido que a opção pela energia termoelétrica não foi
decisão arbitrária da agravante, mas decorrência obrigatória de política
governamental a que se encontra atreita;
f) enganara-se ao imaginar que a agravante postula revisão tarifária para
ressarcir-se dos custos da implantação da termoelétrica, o que seria
vedado, pois em verdade apenas foram levadas em conta, pela ANEEL, no
cálculo do valor da tarifa, o preço da aquisição da energia em diversas
fontes, tudo na forma dos instrumentos contratuais cabíveis, e sem
qualquer intenção de lucros excessivos;
g) fora induzida a erro pela inicial, ao afirmar que a Termopernambuco
venderia, pelo preço de energia termoelétrica, energia hidrelétrica por ele
adquirida muito mais barato;
h) haveria aplicado indevidamente ao caso presente a teoria da imprevisão, já
11
porque tal matéria extrapolaria os lindes do pedido, já porque não teriam
ocorrido os requisitos básicos para tanto (ocorrência de fato posterior
extraordinário e imprevisível), pois sequer teria acontecido alteração da
equação inicial do contrato.
Como será demonstrado a seguir, tais argumentos não têm qualquer
procedência, senão vejamos:
A partir de agora, o Ministério Público Federal passa a rebater, um a
um, os argumentos exposto pelos recorrentes.
5. ANÁLISE DOS ARGUMENTOS APRESENTADOS PELOS RECORRENTES
5.1. QUEBRA DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO:
Diferentemente do que pretendem convencer os recorrentes, a decisão
atacada não “destruiu” o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Ao contrário, o
que fez a decisão vergastada foi justamente restabelecer dito equilíbrio, que se
encontrava ameaçado em desfavor dos consumidores ante o índice abusivo e ilegal
de revisão tarifária autorizado pela ANEEL.
Com efeito, o equilíbrio econômico-financeiro não pode ser encarado
apenas como uma regra protetiva da empresa concessionária, mas também como
uma forma de resguardar os interesses do Poder Concedente e dos usuários do
serviço público. Em outras palavras, qualquer desequilíbrio na equação inicial de
encargos e vantagens, seja em desfavor da concessionária ou do Poder concedente,
pode ser argüido por qualquer das partes para obter a revisão das tarifas,
majorando-as ou diminuindo-as, de forma a manter o justo preço pelos serviços
prestados.
No caso, o índice de revisão tarifária autorizado pela ANEEL foi inflado
indevidamente em razão do contrato de fornecimento de energia firmado entre a
CELPE e a Termopernambuco, ambas empresas integrantes do grupo Neonergia,
cujo valor do KWh corresponde a quase três vezes o valor médio da energia
disponível no mercado, violando diversos dispositivos contratuais, legais e
constitucionais.
Como bem asseverado na decisão que antecedeu a tutela “a
repercussão do preço da energia comprada à Termopernambuco sobre o reajuste
da tarifa traria, indiretamente, para o grupo controlador da concessionária
vantagem não existente à época da celebração do contrato de concessão,
aumentando o lucro do grupo como um todo. Não significaria propriamente a
concretização do necessário equilíbrio contratual e sim a consagração de um
desequilíbrio em detrimento do consumidor pernambucano.”
Neste aspecto, é oportuno citar as lúcidas considerações do então
Diretor da ANEEL Isaac Pinto Averbuch, no bem fundamentado voto vencido do
processo de revisão tarifária da CELPE:
12
“23.Feitas estas considerações, é importante destacar que a análise do
contrato CELPE-Termopernambuco deve levar em conta duas condições muito
específicas: a primeira é que não se trata de um contrato comum entre
particulares, mas de um contrato em que, ao invés de DUAS, temos apenas,
UMA vontade, vez que o controlador das empresas é o mesmo, embora seus
interesses manifestem-se sob duas pessoas jurídicas diferentes. Assim, não
houve, em nenhum momento, uma discussão legítima entre partes, nas quais,
ambas de boa-fé, teriam procurado obter para si o melhor proveito da relação
comercial. Não há, portanto, que se falar aqui em “autonomia da vontade”, no
sentido mais tradicional, pois esse conceito no âmbito negocial pressupõe que
existam dois interesses antagônicos que no decorrer de um processo se
ajustam e desse ajuste surge o contrato. No caso sub examine, sem
sombra de dúvida, o que ocorreu foi que um grupo, revestido da
imagem de duas empresas, construiu uma composição de forma a
maximizar o lucro de ambas vistas de forma conjunta, como se fossem
um só ente, sem ter sido feita uma análise individualizada dos
resultados ideais para cada empresa. A idéia central foi a de maximizar
o lucro do grupo controlador, mesmo que, eventualmente, às custas de
uma das partes contratantes, no caso aquela sujeita à regulação mais
restrita.” (Sem grifo no original).
Observe-se que o elevado índice de revisão questionado (32,54%)
soma-se aos exacerbados reajustes anuais concedidos desde 2000 (84,83%),
revelando o despropósito desse aumento. Na época do ajuizamento desta ACP a
imprensa noticiou que a empresa concessionária de São Paulo (Eletropaulo)11 teve
reajuste negativo da tarifa residencial em mais de 7%, ou seja, o valor da tarifa
diminuiu, donde se conclui, até mesmo prescindindo-se de conhecimentos técnicos
específicos, que o índice de revisão da CELPE é abusivo. Note-se, ainda, que desde
a privatização a CELPE cortou dramaticamente seu quadro de servidores, reduzindo
seus custos, fator não levado em consideração pela ANEEL para assegurar o
equilíbrio do contrato.
Assim, não há que se falar em violação ao equilíbrio econômicofinanceiro por parte da decisão questionada, pois o que esta fez foi justamente
restabelecer o equilíbrio quebrado pelas rés.
5.2. DO EXAME DO MÉRITO ADMINISTRATIVO:
Do mesmo modo, é absolutamente desprovida de fundamento a
alegação da agravante de que a decisão do juízo de primeira instância teria
adentrado indevidamente na análise da oportunidade e conveniência, matérias
reservadas à administração.
Sobre o assunto é pertinente transcrever parte da decisão do
Desembargador Federal Francisco Cavalcanti no pedido de suspensão de liminar
(SL3577-CE), referente a ação civil pública ajuizada contra a revisão tarifária da
Companhia Energética do Ceará – COELCE (2005.81.00.006496-2):
“Todos os elementos dos atos administrativos, inclusive os
discricionários são passíveis de revisão pelo Judiciário, para fins de avaliação
11
http://www.abrage.com.br/noticias/n090107.htm
13
de observância aos princípios constitucionais da Administração Pública
explícitos e implícitos e de respeito aos direitos fundamentais.
Em face do inciso XXXV do art. 5º da CF, o qual proíbe seja excluída da
apreciação judicial a lesão ou ameaça de lesão a direito, o Judiciário pode
examinar todos os atos da Administração Pública, sejam gerais ou individuais,
unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários sob o aspecto da
legalidade e da moralidade, nos termos dos arts. 5º, inciso LXXIII e 37 da
Carta Magna.
A competência discricionária da Administração "é relativa no sentido de
que, em todo e qualquer caso, o administrador estará sempre cingido - não
importa se mais ou menos estritamente - ao que haja sido disposto em lei, já
que discrição supõe comportamento 'intra legem' e não 'extra legem'. Neste
sentido pode-se dizer que o administrador se encontra sempre e sempre
'vinculado' aos ditames legais".
"A necessidade de autonomia no desempenho de funções regulatórias
não pode imunizar a agência reguladora de submeter-se à sistemática
constitucional. A fiscalização não elimina a autonomia, mas assegura à
sociedade que os órgãos titulares de poder político não atuaram sem limites,
perdendo de vista a razão de sua instituição, consistente na realização do bem
comum. Esse controle deverá recair não apenas sobre a nomeação e demissão
dos administradores das agências, mas também sobre o desempenho de suas
atribuições".
"Na dicção sempre oportuna de Celso Antônio Bandeira de Mello,
mesmo nos atos discricionários não há margem para que a administração atue
com excessos ou desvios ao decidir, competindo ao Judiciário a glosa cabível"
No caso em análise, foi cabalmente demonstrado pelos autores na
petição inicial que o índice de reajuste autorizado pela ANEEL, além de violar o
princípio da razoabilidade, infringiu vários dispositivos contratuais, legais e
constitucionais, dentre os quais podemos destacar: a) as cláusulas sétima,
Subcláusulas Sétima e Décima Quarta do Contrato de Concessão e Cláusula Quarta,
itens XXI e XXV do Contrato de Compra e Venda de Ações da Companhia
(privatização); b) os princípios da essencialidade e universalidade do serviço
público; c) o princípio da modicidade da tarifa; d) da livre concorrência e da defesa
do consumidor (art.5º, XXXII e art. 170, IV e V, da CF); e) a obrigação de manter
serviço adequado (art. 175, parágrafo único, IV, da CF); f) da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, III e art. 170, caput e V, da CF) g) do Código de Proteção e
Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) o art. 39, inciso V e, X e 51, incisos IV, X XV
e alíneas I, II e III do seu § 1º; h) o art. 6º, §1º da Lei 8.997/95; i) art. 10, §2º,
da Lei 8.648/98; j) arts. 20 e 21 da Lei nº8.884/94; k) art. 3º, VIII, IX e XIII da Lei
9.427/96.
Este expressivo número de dispositivos contratuais, legais e
constitucionais violados, demonstra de forma insofismável a necessidade do poder
Judicário de exercer o seu controle jurisdicional dos atos praticados pela agência
reguladora no processo de revisão tarifária da CELPE.
5.3. DO PREÇO DA ENERGIA ELÉTRICA ADQUIRIDA DA TERMOPERNAMBUCO
Segundo as recorrentes, a decisão impugnada estaria equivocada
quanto à possibilidade de aquisição de energia mais barata do que aquela
contratada com a Termopernambuco, pois haveria tomado um valor circunstancial
14
como parâmetro, olvidando-se das necessidades contínuas do serviço público, e do
fato de que, no momento da referida compra em leilão, o preço era o melhor, ainda
que atualmente tal situação tenha se alterado.
De início, importa lembrar que o contrato firmado entre a CELPE e a
Termopernambuco foi firmado durante o racionamento, sob a ameça do apagão, ou
seja, em um momento absolutamente excepcional. Naquela época, de fato, houve
períodos em que a cotação da energia elétrica no mercado de curto prazo alcançou
o preço de R$ 684,00 MWh.
No entanto, tal valor não pode ser considerado como parâmetro de
comparação do preço da energia termoelétrica vigente naquele momento, não só
por se tratar de um valor absolutamente circunstancial, mas também, conforme
afirmações da própria CELPE nos itens 29 e 74 da petição de agravo outrora
interposto, em virtude da grande volatilidade do mercado de curto prazo, que
somente é procurado pelas empresas distribuidoras para o atendimento de
necessidades eventuais.
O fato é que a CELPE adquiriu energia elétrica no ano de 2001 a um
preço médio de R$43,90/MWh, consoante se extrai das demonstrações
contábeis da empresa no exercício social daquele ano12. Este era o valor real da
energia elétrica naquela época e que deve ser usado em comparação ao preço de
aquisição da energia produzida pela Termopernambuco, fixado no momento da
contratação em R$ 104,00/MWh, o que corresponde a uma diferença de quase
150% (cento e cinqüenta por cento).
Assim, é de se concluir que mesmo no momento da contratação, a
energia produzida pela Termopernambuco não era a mais barata disponível no
mercado, merecendo destaque o fato de que o seu fornecimento somente se iniciou
em 15 de maio de 2004, ou seja, após o término do racionamento, quando a oferta
e o preço da energia já se encontravam regularizados.
Do mesmo modo, não se pode esquecer o fato de que a CELPE
celebrou um contrato de fornecimento de energia elétrica com parte relacionada
(Termopernambuco) pelo longuíssimo prazo de 20 anos, sendo pertinente lembrar,
novamente, o voto do então Diretor da ANEEL Isaac Pinto Averbuch:
“24. Aí reside o outro ponto frágil da legitimidade dessa relação jurídica que se
apresenta com feições de legalidade: uma das partes, no caso a CELPE, não
dispõe de toda a liberdade que uma empresa comum tem no sentido de
contratar e fixar preços, ou seja, o grupo controlador não pode gerir os
destinos da CELPE da mesma forma que o faz em relação à geradora, vez que
a CELPE não opera por sua conta e risco. A CELPE é uma empresa
concessionária que presta serviço público e está sujeita a regras específicas e,
mais que isso, a PRINCÍPIOS, distintos daqueles que outras empresas privadas
estão obrigadas a obedecer. A concessão não pode, por exemplo, ser colocada
em risco e tem direito ao equilíbrio econômico-financeiro, estando também
obrigada pelo contrato de concessão a adquirir a energia que
entregará aos seus consumidores pelo menor preço disponível no
12
Informação Obtida no site da CELPE: http://www.guaraniana.com.br/Demonstracoes_Contabeis_Anuais/Celpe/DFP%20Celpe
%202001.PDF .
15
mercado. Certamente, ao contratar com uma empresa do mesmo
grupo, exige-se um cuidado maior por parte da concessionária no
sentido de demonstrar que essa contratação, que não se sujeita aos
trâmites negociais de praxe, corresponde realmente ao menor preço
disponível no mercado ou, ao menos próximo dele. Mas não é só isso: o
contrato, sendo de longa duração, deve ser razoável, não apenas no
momento da sua contratação, mas também ao longo da sua execução,
ou seja, não deve conter cláusulas de reajuste que levem a um futuro
desequilíbrio de grande monta na relação entre concessionária e
consumidores ou entre a concessionária e sua fornecedora. Caso haja
desequilíbrio, é absolutamente necessário, digo mais, mandatório, que a
cláusula econômica do contrato (p. ex., o preço) seja revista, de forma a repor
o exigido equilíbrio em relação aos consumidores e a preservar a higidez da
concessão. (Sem grifo no original).”
Se à época da contratação o preço da energia elétrica já não era o mais
barato disponível no mercado, no momento da revisão tarifária essa situação em
nada mudara, na medida em que o custo da energia produzida pela
Termopernambuco era de R$137,85 MW/h, enquanto que o da energia disponível
no mercado situava-se em R$ 57,51 MW/h, conforme leilão do ano de 2005.
A energia produzida pela Termopernambuco não é só mais cara do que
a energia elétrica produzida no Brasil, mas também em comparação com o preço
internacional de termoelétricas da mesma natureza, como se vê do excerto do voto
vencido do Diretor da ANEEL Isaac Averbuch:
“37. No momento em que foi firmado, o preço da energia era equivalente a
US$ 38/Mwh que, obviamente, seria suficiente para pagar o financiamento
do investimento, o combustível, os custos de operação e manutenção e
remunerar o investidor a uma taxa satisfatória. Hoje, com a energia cotada
a R$ 137/Mwh aproximadamente, considerando-se um câmbio de 2,5
R$/US$, chegamos a um preço de energia equivalente a 54,8
US$/Mwh, ou seja, um valor, em dólares americanos, 44,2% maior que
o estipulado inicialmente. (...)
43. Ainda no que se refere ao preço da energia, referenciado em dólares, é
preciso esclarecer que este valor é completamente díspar em relação
aos custos da energia térmica gerada a partir de gás natural ao redor
do mundo. Em termos internacionais, o custo dessa energia fica entre
36 e 38 US$/Mwh. O próprio Presidente da Abraget (Associação Brasileira de
geradoras Termelétricas) Dr. Xisto Vieira, em entrevista à Revista Energia &
Mercados (fevereiro de 2005), ao responder à indagação de qual seria a
remuneração [preço da energia] justa para os empreendimentos térmicos,
declara: “Varia muito de acordo com o projeto, se é ciclo simples ou
combinado, da localização da planta, que interfere no custo de transmissão.
Há muitos fatores, mas, na média, seria algo em torno de US$ 40 a US$ 42
por MWh”. Observe-se que o dirigente, na defesa legítima da sua associação,
tem o interesse de elevar um pouco os custos dos empreendimentos,
buscando uma lucratividade maior para as empresas e não há nada de errado
nisso. Assim, trazendo os custos para valores mais realistas, chega-se àquele
patamar de 36 a 38 US$/MWh. Note-se que nem o Dr. Vieira que, repita-se
tem o interesse legítimo de mencionar custos mais altos para os
empreendimentos dos associados da Abraget, ousa ir tão longe quanto o grupo
controlador da Termopernambuco que pretende ver reconhecido como legítimo
um preço para a sua energia mais de 30% maior que o valor mais alto que o
16
Dr. Vieira mencionou. Não é demais lembrar que a térmica está
localizada em condições geográficas muito favoráveis (próxima a
porto, gasoduto, subestação e centro de carga), o contribuiria para que
os seus custos estivessem entre aqueles mais baixos entre as
geradoras térmicas.” (Sem grifo no original).
Outro ponto relevante a ser abordado é a duração do contrato
celebrado entre a CELPE e a Termopernambuco, correspondente a 20 (vinte) anos.
O argumento da CELPE de que o contrato de energia tem que ser longo é
absolutamente inconsistente, pois mesmo considerando-o verdadeiro, tal fato não
eximiria a CELPE, para dar cumprimento ao contrato de concessão, de estabelecer
mecanismos de proteção ao consumidor em caso de oferta abundante de energia
hidroelétrica, como acontece atualmente.
O que aconteceu é que a CELPE, aproveitando-se de um momento de
absoluta excepcionalidade (“apagão”) por ocasião do racionamento de energia,
celebrou contrato leonino com uma empresa coligada sua, com condições
extremamente vantajosas para o grupo Neoenergia, e agora pretende que
consumidor arque com o custo correspondente por longos 20 anos.
Se é verdadeira a afirmação da CELPE de que a energia da
Termopernambuco é tão competitiva, por que será que tal geradora não a
comercializa com ninguém de fora do Grupo Neonergia, já que ela somente vende
para a CELPE e para a COELBA, empresas coligadas? A resposta a essa pergunta é
óbvia: nenhuma empresa de distribuição com vontade autônoma se submeteria ao
contrato nos moldes em que a CELPE aceitou. E por que a CELPE aceitou? Porque
não tinha interesse em defender vantagens, pois sabia que o grupo Neonergia como
um todo seria beneficiado, afinal o consumidor é quem pagaria a conta.
Caso a CELPE tivesse autonomia e pretendesse cumprir o contrato de
concessão, isto é, adquirir a energia mais barata possível, certamente não teria
celebrado, em época de absoluta excepcionalidade, contrato de 20 anos e, se o
fizesse, faria constar mecanismos de proteção da empresa e, por conseguinte, dos
consumidores. Esses mecanismos são imprescindíveis, ainda mais porque a CELPE
tinha plena ciência de que estava diante de período de excepcionalidade.
O que se percebe, sob qualquer ângulo que se aprecie a questão, é que
o preço da energia produzida pela Termopernambuco excede em muito o da energia
disponível no mercado, restando patente a violação ao princípio da modicidade
tarifária e dos seguintes dispositivo do Contrato de Concessão de Serviço Público de
Distribuição de Energia Elétrica nº 26/2000-ANEEL, celebrado entre a União (poder
concedente, representado pela ANEEL), a CELPE (concessionária), com a
interveniência do Estado de Pernambuco e terceiros acionistas:
“Cláusula Sétima (...)
Sétima Subcláusula. A ANEEL, de acordo com o cronograma apresentado
nesta subcláusula, procederá às revisões dos valores das tarifas de
comercialização de energia, alterando-os para mais ou menos, considerando
as alterações na estrutura de custos e de mercado da Concessionária, os níveis
de tarifas observados em empresas similares no contexto nacional e
internacional, os estímulos à eficiência e à modicidade das tarifas (...)
17
Décima Quarta Subcláusula. A CONCESSIONÁRIA obriga-se a obter a
energia elétrica requerida pelos seus consumidores ao menor custo
efetivo, dentre as alternativas disponíveis. Na aplicação dos reajustes e
revisões previstos nesta Cláusula, serão observados os limites de repasse dos
preços livremente negociados na aquisição de energia elétrica, estabelecidos
em resolução da ANEEL. (...).” (sem grifo no original).
Como já visto em tópico próprio, as disposições contratuais supra
decorrem de imposição do ordenamento jurídico. No entanto, em desconformidade
com todo arcabouço contratual, legal e constitucional mencionado, celebrou a CELPE
o contrato com a Termopernambuco e quer, a todo custo, que este tenha
prevalência em detrimento dos dois outros precedentes e dos consumidores,
que embora não tenham dele tomado parte, são chamados a arcar inteiramente
com o ônus respectivo. Ora, se preferiu adquirir energia mais cara de sua coligada,
evidentemente que não pode repassar os custos respectivos aos consumidores.
5.4. DO PREÇO ATUAL DA ENERGIA TERMOELÉTRICA X HIDROELÉTRICA
Argumenta a CELPE, à fls. 1106, que:
“(...) a energia nova hidroelétrica foi vendida entre R$97,00 e
R$116,00, e a energia nova termelétrica foi vendida entre R$104,00 e
R$139,00, sendo preciso notar que não foi colocado à venda nenhum projeto
de energia nova hidrlétrica para o nordeste. E os preços dos empreendimentos
de energia termelétrica disponíveis para a região nordeste gravitaram entre
R$137,74 e RS 138,50, muito perto dos 137,85 referentes ao contrato da
TERMOPERNAMBUCO.
Em suma, a referida petição demonstra que o preço da energia elétrica
'disponível no mercado' equivale ao da TERMOPERNAMBUCO, não existindo a
disparidade alardeada na sentença.”
Tenta a recorrente, assim, convencer essa c. Turma julgadora que o
preço por ela praticado é equivalente ao da energia hidrelétrica hoje comercializado,
estando cumprido, assim, o princípio da modicidade tarifária, bem como que o preço
da energia hidrelétrica tomado como parâmetro pela sentença era excepcionalmente
baixo, não podendo prevalecer ante os novos valores praticados pelo mercado.
Tal argumento, contudo, é absolutamente equivocado, possuindo o
raciocínio vícios graves.
Primeiramente, tenta tomar como parâmetro o preço da energia
hidrelétrica nova, que é aquela proveniente de usinas ainda não construídas ou de
recente construção, em que o custo da energia produzida traduz a necessidade de
amortização e recuperação dos custos dos investimentos realizados, sendo mais
elevado, portanto, do que aquele proveniente de usinas antigas, mais barato em
virtude de os investimentos já terem sido amortizados ao longo dos anos.
Ora, tal preço é absolutamente inadequando para servir de paradigma
no caso presente, pois, como já visto à satisfação acima, o grupo adquirente da
18
CELPE está, por obrigação contratual, proibido terminantemente de repassar os
custos da construção da Termelétrica ao consumidor, especialmente por meio da
tarifa.13
Assim, embora a Termopernambuco seja de recente construção, não
deve o preço de sua energia ser comparado com o de energia hidrelétrica nova,
mas sim com o preço de energia hidrelétrica velha, pois só assim, em ambos os
casos, não incidirá o ônus decorrente da necessidade de se amortizar o
investimento.
Em outras palavras, não é porque a Termopernambuco é nova que
deve ter o preço de sua energia comparado com o da energia nova hidrelétrica: a
sua energia deve ser considerada velha, já que impedida de repassar a amortização
do investimento para o consumidor, devendo tomar como paradigma, portanto,
também a energia hidrelétrica velha.
O argumento da recorrente peca, ainda, porque tenta aplicar preços
praticados em 2005/2006 para a revisão tarifária em comento. Não se pode perder
de vista que estamos tratando de revisão tarifária que tem por escopo atualizar o
contrato em face de eventual desequilíbrio verificado entre os anos de 2000 e
2004, devendo-se tomar por parâmetro, por motivos óbvios, os preços praticados
naquele período, e não os existentes no presente momento, que somente poderão
ser levados em consideração na futura revisão tarifária.
Nesse sentido, com a perspicácia que lhe é peculiar, decidiu o MM. Juiz
“a quo” na decisão que rejeitou os embargos de declaração (fls. 1109/1114):
“(...) Por outro lado, o índice questionado corresponde a uma revisão tarifária
que abrangeu o ano de 2004. Evidentemente, não podem prevalecer, para tal
finalidade, os valores relativos a leilões realizados no final do ano de 2005. O
princípio da Modicidade Tarifária exigia a contratação da energia pelo valor
mais baixo ofertado, no período, o que evidentmente não aconteceu.
Ressalte-se também que o valor apresentado no leilão de 2004 não
pode ser considerado excepcional, vez que, conforme esclareceu o
representante do CHESF nas declarações prestadas ao Ministério Público (fls.
1743, Anexo IX), tal valor está plenamente compatível com o que vem sendo
observado para a energia fornecida pela referida companhia, inclusive no que
se refere ao mês de janeiro de 2005.”
13
Contrato de compra e venda de ações da CELPE, celebrado entre o Estado de Pernambuco e os
novos acionistas da companhia, Cláusula Quarta – Obrigações Especiais dos Compradores – parte final,
e item XXI da mesma cláusula:
XXI – Promover a instalação de usina termelétrica a gás, no Estado de Pernambuco,
através de empresa especificamente constituída para este fim, ou através de terceiros,
contratados pelo mesmo, nos termos e condições constantes do Anexo III do EDITAL;
..........
As obrigações constantes desta cláusula e do presente CONTRATO DE COMPRA E
VENDA DE AÇÕES, atribuídas ao adquirente e à CELPE, não poderão ser alegadas
para reivindicar compensações tarifárias a pretexto de manter o equilíbrio
econômico-financeiro da concessão, ou o descumprimento do CONTRATO DE
CONCESSÃO e da legislação do serviço público de energia elétrica.
19
5.5. DA POLÍTICA GOVERNAMENTAL DE ESTÍMULO À ENERGIA TERMOELÉTRICA:
De acordo os recorrentes, a opção pela produção de energia
termoelétrica não foi uma decisão da CELPE ou da Termopernambuco, mas
decorrência obrigatória de política governamental a que se encontra vinculada.
Tal alegação, contudo, não tem qualquer procedência, pois o programa
governamental de incentivo à produção de energia termoelétrica em nenhum
momento previu que as distribuidoras de energia elétrica seriam obrigadas a
comprar energia das termoelétricas instaladas no país. O programa teve por fim o
incentivo da diversificação da matriz energética, mas não assegurou cliente cativo
para a compra da energia produzida pelas usinas, devendo elas se submeterem às
regras de mercado.
É de se notar que por ocasião da compra da CELPE pelo Grupo
Iberdrola (hoje Neoenergia), tinha o adquirente a opção de construir uma usina
termoelétrica a gás no Estado de Pernambuco com capacidade mínima de 240MW
ou pagar uma multa de R$ 40.000.000,00 (cerca de 2,2% do valor pelo qual o
controle da CELPE foi adquirido, R$ 1.780.979.194,26 - o mínimo previsto), sem
qualquer outra conseqüência.
Oportunas as considerações do então Diretor da ANEEL Isaac Pinto
Averbuch:
“45. Mais alguns fatos precisam ser aqui descritos ou rememorados:
a) No Edital de privatização da CELPE havia uma multa (na realidade um
incentivo), à construção de uma térmica, mas não uma obrigação, por parte
do adquirente da CELPE, de construir a referida usina; se o fez, foi
simplesmente por considerar que se tratava de uma boa oportunidade de
negócio; além disso, se o negócio não lhe parecesse conveniente, o
adquirente, que foi o único participante do leilão de privatização poderia,
simplesmente, não ter realizado o negócio ou pago a dita multa, encerrando,
por definitivo, o problema;
b) Não havia qualquer obrigação de que a energia da térmica fosse vendida
à própria CELPE; se o acionista de ambas as companhias assim o fez, foi
também, por vislumbrar vantagens negociais; a existência de um PPA pode ser
muito conveniente para o empreendedor e seus financiadores, mas não era
uma obrigação e nem uma condição necessária para a construção do
empreendimento, como bem o provam a existência das usinas merchants e o
fato de que as distribuidoras, em sua grande maioria, não têm contratos com
partes relacionadas nem são proprietárias de usinas térmicas. Outra opção,
que a CELPE não considerou foi a aditivação dos contratos iniciais. A
companhia, se dispusesse de autonomia da vontade, poderia, ainda, ter
contratado um montante menor de energia, e a térmica levaria uma parte da
sua produção para o mercado ou dividiria os contratos entre outras empresas
do mesmo grupo;
c) A previsão do edital era de uma térmica de 240 MW de potência; se o
adquirente da CELPE desejou construir uma planta mais de duas vezes maior
(537 MW), o fez por sua conta e risco, o que afasta qualquer argumentação a
respeito de uma suposta “obrigação”, pois se a construção da térmica fosse
um fardo, a empresa poderia, como já dito, ter optado por não construí-la, ou
20
em última instância, a teria construído no seu porte mínimo. Ao agir de forma
distinta foi, mais uma vez, por antever o excelente negócio que a usina
poderia vir a ser;”
A função da termoelétrica como concebida no processo de privatização
apresenta-se indubitavelmente como supletiva, de reserva no fornecimento de
energia, para ser utilizada apenas quando necessário. Ao tempo da celebração do
contrato entre a CELPE e a Termopernambuco, não existia qualquer obrigação da
produção desta ser adquirida pela CELPE, já que a usina em tela é livre para
fornecer a outras distribuidoras. Se a CELPE preferiu contratar essa energia sem
que houvesse necessidade, cabe a ela arcar com os custos respectivos.
Observe-se que o negócio jurídico celebrado entre a CELPE e a
TERMOPERNAMBUCO asseguram a esta última o fornecimento de sua produção de
energia durante 20 anos, quer a CELPE dela necessite ou não. Criou-se, em outras
palavras, um mercado “escravo” e cativo para a produção de energia da Termo,
cujo ônus recai não na contratante, mas nos consumidores. O risco da atividade
empresarial, nessas circunstâncias, é zero: durante 20 anos não faltará comprador
de energia, seja qual for a qualidade do serviço ou mesmo o preço praticado. É
evidente que isso é inaceitável.
5.6. DO REPASSE DO CUSTO DE AQUISIÇÃO DA ENERGIA DA TERMOPERNAMBUCO
ÀS TARIFAS
O contrato de compra e venda da CELPE previa que a empresa não
poderia pedir reequilíbrio econômico-financeiro em decorrência das obrigações
oriundas da construção da Termopernambuco, nos seguintes termos:
“Cláusula Quarta – Obrigações Especiais dos Compradores.
(...)
XXI – promover a instalação de usina termoelétrica a gás, no Estado de
Pernambuco, através de empresa especificamente constituída para este fim,
ou através de terceiros, contratados pelo mesmo, nos termos e condições
constantes do Anexo III do Edital.
(...)
As obrigações constantes desta cláusula e do presente Contrato de Compra e
Venda de Ações, atribuídas ao adquirente e à CELPE, não poderão ser alegadas
para reivindicar compensações tarifárias a pretexto de manter o equilíbrio
econômico financeiro da concessão, ou o descumprimento do Contrato de
Concessão e da legislação do serviço público de energia elétrica.”
Apesar da CELPE afirmar que não postulou na revisão tarifária
ressarcir-se dos custos da implantação da termoelétrica, indiretamente é
justamente isso que ela tenta fazer, na medida em que, na prática, está obrigando
os consumidores a pagar pela energia mais cara da Termopernambuco, mesmo
havendo energia mais barata à disposição no mercado, fazendo com que recupere
rapidamente o capital investido na construção da usina.
É certo que a concessionária tem o direito de repassar ao valor da
tarifa o custo da energia adquirida para atendimento de seu mercado, contudo, a
partir do momento em que a empresa opta por não adquirir energia pelo preço mais
21
baixo disponível no mercado, é ilicito que repasse esta diferença para os
consumidores.
Outrossim, não favorece à CELPE o fato do contrato com a
Termopernambuco haver sido homologado pela ANEEL, pois tal aprovação não
afasta os vícios já apontados, nem a possibilidade de revisão do ato pelo Poder
Judiciário.
5.7. DA VENDA DE ENERGIA NÃO PRODUZIDA À CELPE:
Outro argumento utilizado nos recursos é o de que cabe ao ONS
determinar às usinas o volume de energia a ser enviada a cada distribuidor
(despacho de energia), de modo a evitar desperdícios, e que, mesmo não
produzindo toda a energia contratada, a termoelétrica tem gastos fixos com o
fornecimento de gás e dos custos do gasoduto.
Acerca do assunto, além dos argumentos constantes da petição inicial,
é de grande relevância transcrever, mais uma vez, trecho do voto vencido do então
Diretor da ANEEL Isaac Pinto Averbuch:
“O contrato entre a CELPE e a Termopernambuco prevê o fornecimento
de 390 MW, em regime de base, 24 horas por dia. De forma sintética, o
contrato de fornecimento de gás estabelece um nível de take or pay em 70%
do valor contratado, em termos anuais, com flexibilidade para entrega mensal
de apenas 56%. Ao final do ano, é feito o balanço entre a quantidade paga e a
efetivamente retirada pela térmica. Havendo sobras, estas podem ser
compensadas e utilizadas pela térmica ao longo dos sete anos seguintes.
Sabe-se, no entanto, que é extremamente raro que a usina gere a plena
carga. Assim, a maioria do tempo a empresa é faturada pelo fornecedor de gás
apenas no limite do contrato em regime de take or pay.
Destarte, a Termopernambuco cobra da CELPE e, por extensão, dos
consumidores cativos, um valor correspondente ao que seria pago pelo gás
com a usina gerando 100% da energia contratada permanentemente,
enquanto os seus custos referentes ao gás são bem menores. Ou seja, a
empresa cobra por custos com os quais só arca apenas em situações muito
raras. Mais adequado seria que os consumidores pagassem apenas pelo gás
efetivamente faturado ou pelo montante em regime de take or pay, o que
fosse maior. Na verdade, da forma como o sistema elétrico é realmente
operado, o contrato, nos moldes vigentes, termina por gerar lucros
astronômicos para a térmica, pois a empresa recebe, no que excede o
limite do take or pay, como se gastasse com a compra de gás, quando
na realidade seu dispêndio por esse excedente é zero. É de se notar que,
embora atualmente não haja necessidade de sua geração no sistema, a usina
tem efetivamente gerado energia (por inflexibilidade) nos últimos meses, mas
quase sempre em níveis que demandam uma entrega de gás inferior à do
limite take or pay do contrato . Considerando que o custo do gás gira entre 45
e 50% do custo total de uma usina térmica, a diferença daquilo que o
consumidor paga (como se a usina gerasse consumindo e pagando 100% do
gás contratado) e o que efetivamente a usina despende em condições normais
(70% do contratado), seria possível reduzir em cerca de 14 a 15% o
custo de geração cobrado da Termopernambuco , com reflexos
importantes no preço cobrado à CELPE (e, conseqüentemente, dos
consumidores cativos) sem reduzir o volume contratado nem a taxa de retorno
do investimento da forma como foi concebido. Considerando o peso do
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combustível nos custos de geração de uma usina térmica, é imprescindível,
portanto, rever a forma como os custos do gás são computados para formação
do preço da energia fornecida à CELPE, mesmo que os montantes contratados
não sejam alterados.”(Sem grifo no original).
Ressalte-se que os argumentos acima expostos provém de um dos
então Diretores da ANEEL, com larga experiência no setor elétrico, o que afasta
alegação da agravante de que a petição inicial teria induzido em erro o juiz de
primeiro grau.
Em suma, a CELPE está pagando a TERMOPERNAMBUCO o preço cheio
da energia, mesmo ciente de que esta energia não está sendo produzida pela
Termo.
5.8. APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO:
De início, percebe-se facilmente o equívoco das recorrentes ao
defender que a decisão atacada teria aplicado indevidamente ao caso presente a
teoria da imprevisão, porque tal matéria extrapolaria os lindes do pedido.
Ora, é cediço que o Juiz ao prolatar qualquer decisão está adstrito
apenas ao pedido, mas não aos fundamentos legais apresentados pelas partes,
podendo lastrear seu entendimento livremente em disposições jurídicas não
invocadas nos autos. Da leitura da decisão vergastada é fácil perceber que ela se
ateve ao pedido formulado na petição inicial, dele não extrapolando. A menção à
Teoria da Imprevisão foi usada apenas como fundamento, razão pela qual não
procede o argumento das recorrentes .
Além disso, entende o parquet que o contrato da CELPE com a
Termopernambuco em si, desde sua celebração, não pode produzir efeitos jurídicos
em relação aos consumidores, na medida em que não foram observadas cláusulas
do contrato de concessão e de licitação da CELPE, o princípio da modicidade
tarifária, e diversos dispositivos legais e constitucionais já mencionados. O
deferimento do pedido, portanto, prescinde da aplicação da Teoria da Imprevisão, a
qual somente tem cabimento na hipótese de ser reconhecida a legalidade do
contrato no momento de sua feitura.
Caso se adote esse entendimento, os requisitos necessários para a
aplicação da Teoria da Imprevisão são facilmente identificáveis no caso em análise,
afinal a energia da Termopernambuco foi contratada em um período absolutamente
excepcional, durante o período de racionamento, que findou em janeiro de 2002.
Como dito por Isaac Averbuch em seu voto: “não há sentido em manter durante
20 anos as condições contratuais geradas numa situação de crise, quando
elas se mostram claramente desequilibradas em relação a uma das partes.”
6. CONSIDERAÇÃO FINAIS
Importa destacar que no ano de 2006 a CELPE obteve um lucro de R$
217,8 milhões, resultado 62% maior do que o de 2005, conforme notícia em
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anexo extraída do sítio do Grupo Neoenergia (controlador da CELPE)14, o que afasta
o argumento de risco de perda da qualidade do serviço por ausência de recursos, na
medida em que a concessão mostra-se com uma saúde invejável.
Ainda segundo a notícia referida, a Termopernambuco, empresa
também integrante do grupo Neoenergia, apresentou lucro de R$100,3 milhões,
fruto, em grande parte, da contratação para fornecimento de energia para a CELPE
impugnada nesta ação. Por sua vez, o grupo Neoenergia apresentou lucro de
R$995 milhões, resultado 21% maior que o registrado no ano anterior.
Por tudo isto, não há que se falar em violação ao equilíbrio econômicofinanceiro em face desta ação civil pública, pois o que ela pretende é justamente
restabelecer o equilíbrio quebrado pelas rés.
Ressalte-se que não pretende o MPF amesquinhar lucro da
concessionária, pois é legítimo que ela o tenha pela prestação do serviço. O que se
pretende aqui demonstrar é que a obediência às normas legais que regem a
concessão de serviço público, além de imperativo do Estado de direito, não levarão
a concessionária à bancarrota, devendo-se afastar os argumentos “ad terrorem”
que comumente é invocado até mesmo pela ANEEL para tentar afastar o controle
judicial dos ilegais atos administrativos.
Por essas razões, espera o Ministério Público Federal seja mantida a
decisão recorrida, fazendo justiça aos consumidores do Estado de Pernambuco.
Recife, 01 de dezembro de 2008.
Antonio Carlos de V. C. Barreto Campello
Procurador da República
14
http://www.neoenergia.com/noticias/noticias.asp
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APELAÇÃO CÍVEL (AC413240-PE) APELANTE: Termopernambuco