ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
JAST
Nº 70029037983
2009/CÍVEL
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
INTERDIÇÃO
DE
ESTABELECIMENTO
COMERCIAL.
EXPLORAÇÃO
SEXUAL
DE
MENORES.
Comprovado à saciedade nos autos que no
estabelecimento apelado se praticava com
habitualidade a exploração sexual comercial de
menores, impostiva a reforma da sentença para
o efeito de interditá-lo permanentemente.
Descabida a pretensão de afastamento da
multa. Precedentes.
APELAÇÃO CÍVEL
1ª apelação provida.
2ª apelação desprovida.
Nº 70029037983
M.P.
..
M.C.
.
OITAVA CÂMARA CÍVEL
COMARCA DE PORTO ALEGRE
1º APELANTE/APELADO
2º APELANTE/APELADO
DECISÃO
Vistos.
Cuida-se
de
MONOCRÁTICA
apelações
interpostas
pelo
MINISTÉRIO
PÚBLICO e MOTEL COLISEU, porquanto inconformados com a sentença
que, exarada nos autos da ação civil pública aforada pelo primeiro em
face do segundo, julgou parcialmente procedente o pedido para o efeito
de condenar o requerido ao pagamento de vinte salários mínimos
nacionais, em favor do Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do
Adolescente de Porto Alegre, no prazo de trinta dias a contar do trânsito
em julgado da condenação (fls. 542/545 e v.)
Nas razões recursais do MINISTÉRIO PÚBLICO, juntadas às
fls. 547/553, verifica-se a pretensão do insurgente a reverter o
entendimento questionado para o efeito de ver determinada a interdição
do estabelecimento demandado. Tece considerações a respeito do
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contexto
fático-probatório.
provimento da inconformidade.
Colaciona
jurisprudência.
Requer
o
Por sua vez, o MOTEL COLISEU, às fls. 582/584 pretende o
afastamento da multa aplicada na sentença questionada.
Ambas irresignações foram contra-arrazoadas (fls. 575/581;
592/597).
Em parecer de fls. 600/607, a Procuradora de Justiça opinou
pelo provimento da 1ª apelação e desprovimento da 2ª.
É o relatório.
A situação trazida à desate comporta condições de ser
solucionada nos termos ditados pelo art. 557 do CPC, pois, a respeito do
tema, em casos análogos, existe orientação jurisprudencial harmônica
nesta Corte.
decidir
a
No ponto, evitando-se tautologia, adota-se como razões de
manifestação
da
DRA.
ANA
LUIZA
MÉRCIO
LARTIGAU,
Procuradora de Justiça que subscreve o parecer de fls. 600/607, cujos
termos seguem transcritos:
“(...)
Esclareço que em face da condução lógica do raciocínio que
desenvolverei neste parecer, examino os recursos, na ordem cronológica
inversa em que foram interpostos, iniciando, pois, pelo segundo e, após,
enfrentando os argumentos do primeiro.
Do recurso do segundo apelante
Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério
Público em face do Motel Coliseu, representado por seus proprietários
Wilson Bertoletti e Maria Ceccatto, em que postula o autor a decretação
da interdição definitiva do estabelecimento cumulada com a condenação
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do apelante ao pagamento de indenização cível face à lesão a interesses
e direitos coletivos e difusos
relacionados à Infância e Juventude na
ordem de 250 (duzentos e cinquenta) salários mínimos nacionais, ou
valor superior a critério judicial, com recolhimento ao Fundo Municipal da
Criança e do Adolescente de Porto Alegre.
A sentença proferida às fls. 542/545, pelo Dr. José Antônio
Daltoé Cezar, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na
inicial, condenado o demandado ao pagamento de vinte salários mínimos
nacionais, desacolhendo, todavia, o pedido de interdição definitiva do
Motel Coliseu.
Do conjunto probatório trazido aos autos, não resta qualquer
dúvida que o demandado desrespeitou os direitos entabulados para
proteção da infância e juventude, ao permitir que crianças e adolescentes
fossem
submetidas
à
exploração
sexual
comercial
em
seu
estabelecimento. Isso porque ingressavam livremente nas dependências
do motel em questão, sem qualquer controle, com o único fim de
realizarem “programas” com indivíduos que os abordavam em via
pública, em ponto localizado nas proximidades.
Os depoimentos de crianças e adolescentes acostados aos
autos confirmam a prática reiterada de prostituição de menores no Motel
Coliseu. As testemunhas, todas elas vítimas de exploração sexual
comercial, afirmam que os funcionários do estabelecimento, muitas
vezes, permitiam que seus freqüentadores entrassem, sem apresentarem
documentos de identificação para verificar a idade, fatos que, por certo,
afastam as alegações do apelante, no sentido de que seus funcionários
eram orientados a impedir a entrada de menores de idade nas suas
dependências. E aqui, cumpre transcrever trecho da sentença que bem
analisa a prova coligida aos autos à fl. 544, senão vejamos:
“... a vítima D., em juízo, fls. 307/308, reconheceu ter ficado
hospedada nas dependências do hotel demandado em uma oportunidade,
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quando
ainda
era
adolescente,
não
lhe
sendo
pedida
qualquer
identificação na ocasião, tendo mantido relacionamento sexual no local.
Segundo a vítima, outras amigas suas, também adolescentes na época,
teriam tentado ingressar no estabelecimento, todavia sem sucesso, haja
vista que a fiscalização exercida pelos funcionários do local impediu seu
ingresso”.
A vítima P., fls. 308/310, em juízo, igualmente reconheceu
ter ficado hospedada no local, quando era adolescente, para a prática
sexual, sem que lhe tenha sido pedida qualquer documentação. Por fim,
a vítima afirmou conhecer outras adolescentes que praticavam a
prostituição no estabelecimento demandado.
A testemunha Lúcia, a vítima A., fls. 310/313, e as
informantes Isabel, fl. 319, Sônia, fls. 419/422, Mareni, fls. 422/424, em
juízo, pouco acrescentaram para a correta solução do processo.
Embora o informante David, funcionário do estabelecimento
demandado, as testemunhas Simone e Sílvia, ex-funcionárias do motel, e
a
testemunha Jéferson, morador das imediações do motel, tenham
afirmado, em juízo, fls. 313/319, que o local não permite a entrada de
crianças e adolescentes, verdade é que não apenas uma, mas duas
adolescentes afirmaram, com segurança, ter ficado hospedadas no local,
para realizar a prostituição.
Assim, dos autos extrai-se a conduta imoral e ilegal do
demandado, que não só era conivente com a exploração sexual de
menores, como incentivava-a permitindo livremente, tal prática, nas
dependências de seu estabelecimento, em total desrespeito aos preceitos
constitucionais que asseguram à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, “o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade
e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
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forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão.”, nos termos do artigo 227 da Lei Maior.
Na realidade, resta claro das provas coligidas aqui que o
comércio sexual de crianças, e adolescentes, era a maior fonte de renda
do Motel Coliseu, conhecido por clientes e policiais, como sendo um local,
que, literalmente, franqueava essa torpe atividade.
Assim, deve ser improvido o recurso interposto pelo
Motel Coliseu, devendo ser mantida a sentença que condenou o requerido
ao pagamento da multa equivalente a vinte salários mínimos nacionais, a
meu sentir, fixada em valor ínfimo, ante o mais do que evidente
descumprimento da normas de proteção à criança e ao adolescente.
Do recurso do primeiro apelante
que
Pretende o apelante, em síntese, a reforma da sentença no
respeita
ao
pedido
por
ele
formulado
de
interdição
do
estabelecimento demandado – Motel Coliseu. E para tanto, afirma, com
razão, que os atos perpetrados pelo apelado são acentuadamente graves.
Tenho que o recurso merece provimento.
Ora, Excelências, no caso, restou cabalmente demonstrado
através da prova testemunhal colhida (conforme análise do recurso
interposto pelo Motel Coliseu), que o demandado omitia-se, permitindo,
de forma reiterada e habitual, o acesso de menores às dependências de
seu estabelecimento, para a prática de programas sexuais, em total
desrespeito
aos
direitos
previstos
Adolescente e na Constituição Federal.
no
Estatuto
da
Criança
e
do
O depoimento de Patrícia (...) (fls. 308/310), menor de
idade, à época dos fatos narrados na inicial, é firme e seguro no sentido
de confirmar que o estabelecimento em questão era utilizado por
menores para a prática da prostituição. Ressaltou, inclusive, que na
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esquina de tal motel, as meninas ficavam aguardando clientes e, depois,
com eles dirigiam-se até lá.
No mesmo sentido é o depoimento de Adriana (...) que,
embora tenha alegado em juízo não mais lembrar da localização do
referido motel, perante o Ministério Público afirmou, com segurança, em
seu depoimento: “...a existência de dois hotéis com o mesmo nome,
Coliseu, os quais também permitem o ingresso de meninas para a prática
de programas; o primeiro fica na primeira rua a direita, após o ingresso
na
Rua
(...),
sendo
que
a
declarante
fez
programas
em
tal
estabelecimento e, pelo que sabe, atualmente outras meninas também
freqüentam aquele hotel para a mesma finalidade.”
Assim,
tenho
que
a
sentença
merece
reforma
neste
particular, impedindo a reiteração de atos atentatórios aos direitos de
proteção à integridade física, moral e psíquica de crianças e adolescentes
que habitualmente freqüentam as dependências do Motel Coliseu e,
conseqüentemente, são vítimas da exploração sexual comercial.
Tal atitude, exige uma resposta efetiva do Poder Judiciário,
com o fim de impedir que condutas degradantes como esta, devidamente
demonstrada nos autos, continuem sendo livremente praticadas contra a
sociedade, a família e, em especial, contra as próprias crianças e
adolescentes, roubando-lhes a infância, a juventude e a possibilidade de
uma vida digna.
Vê-se
que
a
presente
Ação
Civil
Pública
foi
julgada
procedente, por entender o magistrado à fl. 545 que, “...ficou evidente a
hospedagem de crianças e adolescentes nas dependências do Motel
Coliseu.” Ora, se evidente está a “hospedagem”, entendo incoerente a
não interdição do estabelecimento que, como se viu, não só a permite,
mas a promove, como fonte principal de sua renda.
Assim, insisto, nosso ordenamento jurídico dispõe que a
criança e o adolescente tem prioridade absoluta, sendo dever do Estado,
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sociedade e família, garantirem seus direitos. Portanto, afastar o pedido
de interdição do Motel Coliseu, é referendar a prática ilegal e imoral da
exploração sexual comercial infanto-juvenil e permitir sim, com o aval do
Judiciário, que o demandado e outros tantos estabelecimentos do gênero
continuem lucrando, e muito, com a “venda” das nossas crianças e
adolescentes, que, como é sabido, acarreta conseqüências terríveis e na
sua grande maioria, irreversíveis, na vida dessas crianças e adolescentes
e de suas famílias.
(...)”
Exatamente
nesse
sentido,
em
casos
semelhante,
distribuído a esta Relatoria, perante o Colegiado desta Oitava Câmara
Cível, em sessão realizada na data de 16/04/2009, à unanimidade, foi
julgada a APC nº 70028132009, cuja ementa vem assim vazada:
“APELAÇÃO CÍVEL. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA
PREVISTA NO ART. 250 DO ECA. Tendo restado
suficientemente claro nos autos que os
demandados
permitiram
o
ingresso
de
adolescente em motel de sua propriedade desacompanhada dos pais ou responsáveis e
sem autorização escrita destes-, mantém-se a
condenação dos recorrentes à pena pecuniária
de 20 salários mínimos, valor este que
observou- para sua fixação- a reiteração da
conduta dos demandados. Apelo desprovido.”
Não destoa do que está explicitado supra o que se
depreende dos seguintes arestos jurisprudenciais:
“APELAÇÃO CÍVEL. ECA. APURAÇÃO DE
INFRAÇÃO
ADMINISTRATIVA.
Existindo
elementos suficientes nos autos a comprovar a
infração prevista no art. 250 do Estatuto da
Criança e do Adolescente, cumpre a condenação
do estabelecimento-réu ao pagamento de
multa, independente da aferição de dolo ou
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culpa. NEGARAM PROVIMENTO.” (Apelação
Cível Nº 70027456607, Oitava Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui
Portanova, Julgado em 16/04/2009)
“APELAÇÃO CÍVEL. ESTATUTO DA CRIANÇA E
DO
ADOLESCENTE.
REPRESENTAÇÃO.
INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. ART. 250 DO
ECA. HOSPEDAGEM DE MENOR EM MOTEL.
Incide em infração administrativa prevista no
art. 250 do ECA aquele que hospeda em
estabelecimento de sua propriedade menor
desacompanhada dos pais ou responsável ou,
ainda, sem autorização escrita destes, ou da
autoridade judiciária, mormente a hospedagem
se destinando a encontros sexuais. Possível a
aplicação de multa em salários mínimos, em
face da extinção do salário de referência,
observando-se os limites previstos no art. 250
do ECA. APELAÇÃO DESPROVIDA.” (Apelação
Cível Nº 70026975730, Sétima Câmara Cível,
Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz
Planella Villarinho, Julgado em 25/03/2009)
Diante do exposto, fulcro no art. 557 do CPC, dá-se
provimento ao 1º apelo e nega-se provimento ao 2º.
Intimem-se.
Porto Alegre, 22 de junho de 2009.
DES. JOSÉ S. TRINDADE,
Relator.
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TJRS - Apelação Cível nº 70029037983 - Acórdão