CONSTRUCIONISMO – APREENDENDO UMA VISÃO Autora: Paula Antonelli Penteado [email protected] www.paulapenteado.com.br Psicóloga clínica / Terapeuta de família e casal Membro titular da Associação de Terapia de Família do Rio de Janeiro - ATF-RJ Especialista em terapia de família e casal pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - IPUB Aluna da especialização em clínica psicanalítica no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ – IPUB Resumo: O objetivo central é dissertar sobre o construcionismo social e suas aplicações práticas dentro do contexto de família e, observar como estas relações dentro dos núcleos familiares extremamente próximas podem interferir na construção de uma identidade individual dentro de um grupo para, portanto, termos subsídios suficientes para observarmos estas relações com novas lentes. Trabalharemos com a finalidade de explanar sobre do que se trata o construcionismo; trajetória de sua formação passando pelo seu desenvolvimento e culminando no formato que se apresenta hoje, contextualizar terapia de família, cibernética e novos paradigmas. Seguiremos falando das realidades conversacionais e da interação com os outros, permitindo assim dissertar sobre a construção e reconstrução de nossa identidade dentro do contexto social atual. Para tanto, tomaremos alguns autores pautados no objetivo central do trabalho como: Emerson F. Rasera e Marisa Japur dissertando sobre origens, definições, diferenças e críticas do construcionismo social; Rosana Rapizo e as cibernéticas de primeira e segunda ordem; Carla Guanaes e seu discurso construcionista social; Carlos E. Sluzki, que trata da rede social com importância relevante na formação da identidade do sujeito; entre outros. Palavras-chave: Construcionismo social; trajetória; reconstrução; identidade; família. Abstract: Keywords: Apresentação “O construcionismo social é ... uma teoria sobre teorias, e uma teoria que nos lembra que teorias são, em última instância, práticas relacionais”. (McNamee) O construcionismo social está inserido no que se convencionou chamar de pósmodernismo. Segundo Lyotard (1979), a expressão designa o estado de nossa cultura seguindo as transformações que, desde o final do século XIX, alteraram as regras do jogo da ciência, literatura, e artes. É marcado pela incredulidade em relação às metanarrativas e à destruição do projeto de realizar a universalidade de acordo com o espírito modernista. Dentro desta concepção, todas as metanarrativas, incluindo a justiça, a ética, a razão, têm uma história, são culturalmente e temporalmente localizadas. Dentro do construcionismo, podermos destacar a centralidade da linguagem em uso e dos processos relacionais na produção do conhecimento; o caráter local (social, histórico e cultural) do conhecimento científico e de qualquer explicação acerca da natureza do mundo e a função construtora/organizadora de tais explicações como práticas sociais que criam formas de vida e de relação. Para o construcionismo, as teorias não representam a “verdade” sobre o mundo e as coisas, pois são construções sociais. O conhecimento é compartilhado entre comunidades sociais, profissionais e culturais e não pode ser isolado de seus contextos. São frutos da negociação de sentidos em contextos particulares. A linguagem no construcionismo é entendida como a linguagem em uso, como uma prática social construtora da realidade. Como afirma Shotter (2000), quando as pessoas conversam, elas estão construindo sentidos, práticas sociais ou, formas de vida e de relacionamentos. Na abordagem construcionista, a linguagem não é um mero veículo para expressar nossas idéias. Ela é a condição de nosso pensamento. Ela é um instrumento ativo na construção de realidades e fatos de nosso mundo tanto cotidiano como científico. As conversações e narrativas são os meios que encontramos para criar realidades (Shotter, 2000). Segundo Shotter (2000), comum a todas as versões construcionistas, é a noção de que não é a dinâmica de uma mente individual ou as características localizadas em um mundo externo que devem constituir nosso objeto de investigação, mas sim o fluxo da atividade comunicativa humana, uma vez que são os processos conversacionais que possibilitam a produção de conhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo em que vivemos (Guanaes, 2006). Ainda para Guanaes (2006), para uma abordagem construcionista importam mais o processo conversacional do que o que está “dentro da mente das pessoas” e os processos relacionais de construção das realidades e de interpretação do mundo. Abordagem construcionista adota uma perspectiva relacional do Eu onde, o Eu não é considerado algo independente da interpretação. Ele é uma forma de “me dizer” e de “ser dito”. É sempre parte de uma conversação e/ou narrativa. Nascimento e Formação Contextualizando, a terapia de família teve seu início, nos anos 40, marcado pela interdisciplinariedade. O pensamento sistêmico, de von Bertalanffy, juntamente com a cibernética, que ocupava-se dos processos de comunicação e controle dos sistemas, deu início a um novo momento na prática psicoterápica. A cibernética tinha como conceitos chaves a informação e a organização e temas como a relação observador/observado. Dentro dessa nova perspectiva teórica, incluía, além da cibernética, teorias como a da informação, dos jogos e sistemas gerais e, propunha-se a estudar princípios organizativos que se aplicavam simultaneamente ao campo das máquinas artificiais, aos organismos vivos e aos fenômenos psicológicos e sociais. Cibernética emerge como ciência da inter e da transdisciplinariedade reunindo esforços de cientistas de diversas áreas e países (Rapizo, 1996). Rapizo (1996), ressalta que a cibernética divide-se em dois momentos importantes ao longo de seu desenvolvimento: a cibernética de primeira ordem, que narra uma definição dos sistemas baseada na estabilidade e voltada para a estrutura e os mecanismos que ocorrem dentro do sistema. Traz uma idéia implícita de que os sistemas funcionam como uma meta, um propósito de funcionamento ótimo que equivale ao equilíbrio; e, no segundo momento, a cibernética de segunda ordem que reintroduz ao campo temas como o conhecimento, a linguagem, a construção do sentido e da subjetividade. O processo auto-referencial da cibernética deu origem a um salto criativo, que, em interações recursivas, redefine as ciências e os campos de atuação enlaçados a ela, criando novas ordens, como no próprio processo de auto-organização ao qual se dedica atualmente seu interesse (Rapizo, 1996). Para a autora, além de todo o contexto que apresenta das cibernéticas, a redefinição do interesse de estudo da cibernética coloca-a em consonância com as teorias contrucionistas, com o estudo do papel da linguagem na construção da realidade, do conhecimento e da subjetividade. A definição de construcionismo social é uma tarefa que demanda investimento de procura na literatura existente e na produção constante e crescente dos últimos anos. Segundo Gergen (1985, 1997), o construcionismo é definido como um movimento. Outros relatam apenas uma semelhança familiar (Burr, 1995), entre autores considerados construcionistas, e outros ainda, afirmam não existir uma psicologia construcionista social (Potter apud Nightingale e cromby, 1999). Para alguns autores, segundo Burr (1995), o surgimento do construcionismo na psicologia é datado de 1973 com a publicação do artigo Social Psychology as History, de Kenneth Gergen. Mas, para Gergen (1985, 1997), questionando a possibilidade de marcar o surgimento do construcionismo dessa forma, a história do construcionismo social está inserida no contexto do desenvolvimento da ciência, pautada por três críticas ao fazer científico que contribuíram para a construção de uma concepção alternativa aos pressupostos do conhecimento como posse do indivíduo: a crítica social, a crítica ideológica e, a crítica retórico-literária (Gergen, 1985, 1997). Essas críticas contribuíram por meio de suas diferentes proposições como: a organização de uma nova inteligilibilidade, na qual as noções de conhecimento com representação, de verdade e de relacionalidade forma questionadas e, uma nova concepção de linguagem apareceu, assumindo importância central no entendimento dos processos de significação. Embora não consideradas “construcionistas”, construíram um terreno fértil para a emergência dessa forma alternativa de investigação, principalmente ao destacar a influência dos contextos sócio-históricos e dos processos discursivos na produção de conhecimento (Gergen, 1985, 1997). Guanaes (2006), relembra Shotter (1997) dizendo que, com base nas críticas, o construcionismo emergiu como uma forma alternativa de investigação social que busca mudar a agenda de argumentação em ciência ao dar destaque a: centralidade da linguagem em uso e dos processos relacionais na construção do conhecimento; caráter local (social, histórico e cultural) do conhecimento científico e demais explicações sobre a natureza o mundo e; a função construtora/organizadora de tais explicações, uma vez que estas se constituem práticas sociais, criadoras de formas de vida e de relação. É relevante ressaltar que as relações, sob o prisma construcionista, não são fixas e estáveis, ao contrário, são mutáveis e flexíveis. Sempre em construção. Desenvolvimento e Construção Em consonância com o discurso de Rapizo, Carla Guanaes ressalta que questionar a universalidade das coisas são construções sociais. Para ela, nossa vida se encontra entrelaçada as realidades conversacionais que criamos em nossas interações com os outros. A perspectiva construcionista social estimula uma reflexão sobre as implicações de nossas descrições de realidade para a construção de práticas sociais e formas de vida e aponta o entrelaçamento entre a realidade e o discurso. Segundo a autora, são estas construções discursivas que informam nosso estar no mundo, criando a possibilidade de realizações conjuntas, organizando práticas sociais e legitimando determinadas formas de vida (Guanaes, 2006). Ainda para Guanaes (2006), esta perspectiva aponta o entrelaçamento entre a realidade e o discurso. São estas construções discursivas que informam nosso estar no mundo, criando a possibilidade de realizações conjuntas, organizando práticas sociais e legitimando determinadas formas de vida. Ao falar de teoria como um discurso em vez de uma representação da realidade, o construcionismo social opõem-se ao realismo científico, que sustentado pela lógica positivista, defende a possibilidade de apreensão da verdade com base no método (Guanaes, 2006). O construcionismo social pode ser chamado de discurso, pode identificar um conjunto de descrições nos estudos construcionistas que, atuando como ferramentas críticas, contribuem na construção de um certo entendimento sobre o mundo e as pessoas. A autora entende o processo de produção de sentidos como uma realização conjunta, uma investigação construcionista, para um entendimento das formas de interação e diálogo que as pessoas constroem enquanto se relacionam (Guanaes, 2006). Maturação “A elaboração de novas idéias da libertação das formas habituais de pensamento e expressão. A dificuldade não está nas novas idéias, mas em escapar das velhas, que se ramificam por todos os cantos”. (J. M. Keynes) Alguns autores usam sua próprias experiências pessoais aliadas as teorias estudadas para reinventar uma maneira de estar no mundo. Sob uma ótica diferenciada e como se usassem lentes de um óculos, esses autores aprumam suas teorias para um momento singular da terapia no mundo. Podemos pensar nestas teorias como sendo reflexos dos relacionamentos em formação. Todo o tempo estamos nos relacionando, começando e alterando nossas formas de interagir. Usamos a rede de relacionamentos o tempo todo. Carlos Sluki (1997), usa o construcionismo não só como um constructo intelectual mas como uma ferramenta clínica. Sluki (1997), por experiências pessoais, percebeu novas culturas permeadas por contextos culturais desconhecidos a ele. Discorreu sobre a rede social pessoal, o conjunto de seres que interagimos de maneira constante, com quem trocamos sinais, nos comunicamos e que nos tornam reais. Para ele, nossa identidade é construída e reconstruída através de outros - familiares, amigos, inimigos, conhecidos, companheiros e todos aqueles que nos relacionamos e dessas experiências de interação. Portanto, esses “outros”, que fazem parte da nossa construção diária de relacionamentos enquanto co-construtores, são parte intrínseca de nossa identidade. Ressalva que a “fronteira” descrita por ele representa a micro-ecologia de que os pacientes se apercebem e que também podemos indagar facilmente, ou seja, o conjunto daqueles que interagem com o indivíduo em sua realidade social cotidiana. O modelo da rede social nos provê uma ferramenta conceitual útil e poderosa para organizar as experiências pessoais e coletivas (Sluki, 1997). O autor discorre sobre o universo relacional de um indivíduo que, abrange os contextos culturais e sub-culturais em que estamos imersos, os contextos históricos, políticos, econômicos, religiosos, de meio-ambiente, de existência ou carência de serviços públicos e de idiossincrasias de uma região, país ou hemisfério (Sluki, 1997). Para Tom Andersen (1991), a palavra falada não tem o mesmo significado necessariamente para quem escuta. Isso suscita uma crítica ao construcionismo social como se fosse uma certa percepção de que tudo pode e não existe lei. Andersen (1991), trata a mudança como podendo ser limitação e evolução. Para ele, a primeira mudança está relacionada ao agir de uma pessoa (comportamento), quando essa mudança é instruída ou trazida de fora. Ainda, outra mudança que vem de dentro, onde as premissas do agir (do comportamento), os aspectos do conhecer e do sentir são ampliados. Devemos escutar o que realmente dizem e não o que realmente tencionam dizer. Em um contexto geral, o que vai fazer a diferença é a pessoa se conectar com seu próprio recurso. O autor ressalta o sistema-significado que pode ser visto como um grupo de pessoas vinculadas a mesma idéia de fazer algo em relação a uma determinada situação e, Multiversa, significando que um mesmo e determinado fenômeno ou problema pode ser visto e compreendido de muitas maneiras diferentes. Ele convida os participantes do fenômeno para se juntarem e trocarem idéias sobre os problemas sem dizer que algo está certo ou errado. Tentar com que as pessoas vejam a situação de lados diferentes e trocar informações para poder ver se algo é novo e pode ser aproveitado. Como uma troca de idéias e um interesse mútuo que o autor resume em curiosidade (Andersen, 1991). Para Andersen (1991), o construcionismo é acreditar que quando você conta uma história você está criando essa história, como sistemas lingüísticos e sistema humanos: construindo e desconstruindo problemas. Construindo uma perspectiva “Escutem o que eles realmente dizem, e não o significado que querem dar!” (Harry Goolishian) “O mundo da experiência é sempre muito mais rico do que qualquer possibilidade de discurso que possamos fazer sobre ele” (Grandesso, 2000, p.200). Abrindo esta discussão sobre a construção de uma perspectiva pautada no construcionismo e apoiada pelas teorias citadas, podemos iniciar relembrando Schenker (2008), que relata a importância do contexto em que fomos criados para a formação de nossas perspectivas. Apoiados nesta abordagem construcionista e, para dar continuidade a seqüência proposta, falaremos da importância da rede social em nossas vidas. Quando pensamos nas diferentes pessoas que partilham conosco nossas vidas, podemos observar várias histórias, personagens, discursos e infinitas maneiras de relatar que proporcionaram uma ampliação das diferentes narrativas que se apresentando. Uma teia de histórias vai se formando e a rede aos poucos se apresenta. O que seria então esta rede? A rede social, para alguns autores, é definida como: “A soma de todas as relações que um indivíduo percebe como significativas ou define como diferenciadas da massa anônima da sociedade” Sluzki (1997, p.41). “A noção de rede é um convite a ver-se a si mesmo como um participante reflexivo e não como o objeto social de uma massa humana”. Pakman, citado por Zuma (2004, p.55). “Organização por meio do discurso, por meio de termos, símbolos ou metáforas, de um fluxo de experiência vivida, em uma seqüência temporal e significativa” Grandesso (2000, p.199). Compartilhamos com os autores citados sobre quando narramos um evento, organizamos nossas ações e estruturamos a experiência vivida através do tempo e do que é considerado significativo. As narrativas não são estáticas, são construções complexas nas quais existe um primeiro plano - o que se conta - e também um segundo plano - que funciona como pano de fundo. Nesta segunda instância estão as lacunas e as possibilidades, fazendo com que as narrativas estejam sempre abertas a uma reconstrução transformadora. Vimos a importância em conhecer outras narrativas possíveis, como autores descritos e suas teorias, e poder articular o que nos faz sentido naquele momento e com aquele contexto. Bateson citado em Andersen (1997, p. 38), diz que fazer uma imagem de uma situação é fazer certos tipos de distinções, que sempre existe mais a se ver que aquilo que é visto por alguém, que existem muitas imagens não feitas de várias situações e talvez ainda mais importante, uma grande possibilidade de duas pessoas fazerem distinções diferentes da mesma situação apresentada ou mapas diferentes do mesmo território. Ou seja, o autor nos ajuda a pensar sobre a mesma coisa de maneiras separadas, como o trabalho proposto, em observar as relações estreitas através de outras posições, com olhares distintos de um mesmo objeto, porém, de pontos diferentes. Se pensarmos que as várias descrições de diferentes participantes das relações forem igualmente interessantes, na medida em que, novos repertórios incluem novos modos de estar na rede e relacionar-se com seus integrantes. O outro modifica e amplia a relação, possibilitando novas distinções do que era antes de estar em grupo, ou em um grupo específico. Acreditarmos que a incorporação de outras falas, vivências e sentimentos, em velhos discursos, modificam os mesmos. E por acreditarmos, é que buscamos trabalhar com a rede e não com indivíduos, na expectativa de que a rede amplie as descrições individuais e traga soluções para descrições muitas vezes saturadas de problemas, déficits e faltas. “Fazer distinções é um ato do descritor. Este ato está certamente relacionado aos seus interesses, conhecimento, história, etc. Decorre desse fato, o principal aspecto - dois diferentes descritores, na mesma situação, provavelmente farão descrições diferentes, apresentando, portanto, descrições diferentes que levam, inevitavelmente, a explicações diferentes do descrito” (Andersen, 1991, p.48). O construcionismo social entende a linguagem como construtora de realidades e nos propõe uma prática relacional que nos capacita a uma linguagem como ação. Parte do princípio de que é através dela que: “Somos capazes de manter um contato humano significativo entre pessoas, e é mediante este que compartilhamos a realidade” (Anderson e Goolishian, 1988, p.49). Dentro do construcionismo, adota-se a premissa de que sistemas humanos são sistemas lingüísticos e sua variação de que o sistema terapêutico também é um sistema lingüístico. Nesse sentido, caracteriza o que Anderson e Goolishian (1988) chamam de sistema formado pelo problema, do qual fazem parte as pessoas que tem em comum a idéia de que algo precise de respostas, soluções, ajustes ou negociações. Existem muitas idéias de solução para um problema, tantas quantas forem as pessoas envolvidas nele ou comprometidas com sua dissolução. Em uma conversa terapêutica, é pouco útil que cada uma dessas pessoas se concentre apenas na sua maneira como sendo a melhor e mais funcional. Pelo contrário, para a postura construcionista, a conversa terapêutica propõe através do diálogo, a busca e a exploração que possibilite um intercambio e um cruzamento das diferentes idéias para que esse processo possa desenvolver continuamente novos significados em direção à resolução de um problema. Este fato só é possível porque os sistemas não são fixos. É no diálogo que os sistemas desenvolvem uma linguagem própria, confirmam os significados, produzem padrões e regularidades que possibilitam a predição. Como os problemas são construídos nas relações a partir das conversas, também é a partir delas que se diluirão. Quando isso acontece, não é apenas a definição do problema que vai se modificando, mas também o número de pessoas que continuam compartilhando da idéia que originalmente os uniu. Nesta perspectiva, não existe um lado certo e outro errado, e sim, formas diferentes de observar. A resolução de um problema traz como conseqüência a dissolução do próprio sistema. Da mesma maneira que os sistemas são fluidos, assim também o são nossas idéias sobre eles (Anderson e Goolishian, 1988, p.43), ou seja, as teorias que temos sobre o mundo são descrições úteis em um dado momento, mas sujeitas a mudança através do tempo. “A linguagem e as palavras são como mãos que buscam algo; poderíamos dizer que a linguagem é um órgão do sentido. Mas as palavras são mais do que isso. Como uma mão que agarra e segura, as palavras captam e guardam significados. Assim, (as palavras influenciam) os significados a que chegamos. As palavras não são inocentes... Acontece também, frequentemente, descrever-se uma pessoa como deprimida ou tendo uma depressão. Esta prática da linguagem constrói uma compreensão particular da pessoa e essa compreensão contribui para o nosso relacionamento com ela” (Andersen, 2004, p.24). Quando nos deparamos com reflexões, nos deparamos com nossas conversas internas, pensando no impacto que nossas falas trazem para nós mesmos e para os outros com quem nos relacionamos. Seriam as conversas sobre conversas? “Até que ponto serei responsável por abrir meus sentimentos e ser assim perturbado por aquilo que me sensibiliza? É mais plausível que seja eu responsável por minhas descrições e pelo significado que dou a elas. Sou, também, responsável pelas minhas falas e atos. Até que ponto serei responsável pela abertura de outras pessoas, provocada pelo distúrbio que lhes causei? Provavelmente não posso ser responsável pela descrição e seu correspondente significado criados pelas pessoas, e não posso ser responsável pelas falas e atos que as pessoas apresentam aos meus sentidos” Andersen (1991). Aprendemos que ninguém muda ninguém e ninguém muda sozinho, é nas relações que nos transformamos. Nas relações, podemos transformar apenas a nós, tudo parte de nós mesmos. Mesmo porque não podemos falar do outro, precisamos falar para o outro e com o outro através da nossa emoção. Nossas descrições falam de nós, daquilo que nos mobilizou e não do outro. Portanto, quanto mais soubermos de nós mesmos em outros contextos, mais nos ajudará a entender o outro. A abordagem construcionista oferece a possibilidade de desenharmos um novo referencial, no qual todos os tipos de dualismo podem ser superados. O construcionismo fica sendo um ponto de vista para o observador no qual ele se desloca na consideração de um self que olha para o universo para o reconhecimento do self como parte de um multiverso social. Esta perspectiva sustenta que a unidade organizacional dos sistemas é mantida pelas interações, que a mudança ocorre através da estabilidade, que a autonomia ocorre através das limitações e que nos limites encontramos possibilidades. As relações entre pessoas emergem como um processo de comunicação no qual diferentes parceiros constroem os papeis recíprocos, e juntos, constroem um contexto interpessoal dentro de um domínio consensual. Os participantes não são apenas observadores do que o outro está produzindo e sim participantes desta construção. Ressaltamos os valores familiares pela perspectiva de Schenker, que destaca o processo de identificação que se organiza na família e é mediada pelas pessoas significativas desta família em sua interação com o mundo social, sendo a partir daí que o sujeito torna-se membro da sociedade, construindo sua maneira de se relacionar. Mais adiante, usaremos Schenker para dar suporte a nosso caso clínico escolhido, para ilustrar nossa dissertação com maior clareza. Valores no construcionismo Dando seguimento ao construcionismo e suas peculiaridades, explanaremos agora, dentro da teoria construcionista, valores familiares segundo a ótica de Schenker, sempre objetivando apontar as relações íntimas entre pessoas e seus contextos atuais. Ressaltamos a importância deste segmento para solidificar nossa dissertação sobre a as relações íntimas entre pessoas e, por este motivo, nada melhor que o contexto familiar, contexto este extremamente fértil no quesito relação, para situar nosso estudo. A autora compreende a categoria valores, dentro de uma proposta específica demonstrada por ela, enfocando a relação entre os princípios organizadores, conformadores e as propensões à permanência, juntamente com as práticas, as conjunturas e as alterações de diferentes períodos e de diferentes fontes no interior das representações de modelos culturais da família e da sociedade (Schenker, 2008). Ainda para a Schenker (2008), o processo de identificação se organiza no seio da família através da socialização primária e da socialização secundária, conceitos nominados por Berger e Luckman (2002). A socialização primária ocorre na infância e é mediada pelas pessoas significativas da família em sua interação com o mundo social, sendo a partir daí que o sujeito torna-se membro da sociedade. A socialização secundária introduz o sujeito já socializado em novos setores do mundo objetivo da sociedade em que vive. Do ponto de vista histórico, como vimos no capítulo três, a instituição familiar paga um preço alto por causa da modernização na sociedade ocidental por ocorrer com uma velocidade muito grande e com novas configurações pouco estudadas ainda em processo de assimilação social. Nesse contexto, os valores ainda embutidos nas famílias vão de encontro com essas novas configurações de forma conflitante, conforme explicitamos no capítulo sobre a família e suas configurações. Naturalmente, o sujeito vai se relacionar com o outro a partir do que foi internalizado apreendido com seus agentes socializadores e, nesse momento, pode enfrentar os conflitos entre as suas expectativas e suas possibilidades no mundo atual. Formam-se as questões sobre quais realmente são esses valores familiares; como eles estão sendo repassados para as novas gerações e; como as relações dos participantes são formadas e mantidas (Schenker, 2008). Para a autora, a questão central do conflito entre gerações passa pela forma como são negociados a passagem dos valores familiares ao longo da história familiar. Os conflitos se evidenciam por meio do modo como, no interior da família, aparecem os conceitos de hierarquia, infantilização e expectativa. Schenker (2008), prossegue seguindo os postulados de Louis Dumont (1970, 1974, 1985), ressaltando que dentro da sociologia da organização familiar, apresenta modelos hierárquicos e igualitários. A família de organização hierárquica se mostra com funções e papeis familiares nitidamente delineados. Já a família de organização igualitária segue a ideologia do igualitarismo. Porém, conforme a modernização gera impacto na família essa organização familiar vai tomando um corpo diferente do conhecido anteriormente. O que a família representou no passado com uma instituição repressora não tem mais o mesmo peso. O conceito de hierarquia, para a autora, influencia a constituição dos valores familiares e, a infantilização não promove a autonomia e desenvolvimento dos filhos. A expectativa dos pais pode também não corresponder à realização pessoal e profissional dos filhos, gerando conflitos dentro da família (Schenker, 2008). Os valores familiares são adquiridos por meio da educação e a educação é um processo que ocorre durante toda a vida e tem efeitos conservadores de longa duração. Schenker (2008), ressalta que se um adulto significativo vê o seu filho como bom ou mau, e a relação se estabelece em consonância com essa visão, a criança se desenvolverá de acordo. A qualidade da relação que se refere ao clima emocional das relações é capaz de gerar intimidade, comunicação ou conflito. O vínculo é uma das forças impulsionadoras para a referência de transmissão de valores. Esse vínculo se transforma durante o ciclo vital e, para que esse vínculo de confiança ocorra é necessário que o sujeito se alimente do apoio e da proteção que recebe (Schenker, 2008). O afeto entre pais e filhos é precondição para que os filhos se identifiquem com os valores dos pais, aumentando a probabilidade de tê-los como modelos de comportamento (Brook et al., 1990). Mesmo na adolescência, período natural de um afastamento dos pais, não impede que as relações familiares permaneçam fortes. O que modifica entre a infância e a adolescência é o grau de dependência emocional que o jovem apresenta em relação aos pais. A identificação dos filhos em relação aos pais é o chamado conceito de modelo. Os filhos absorvem quaisquer valores transmitidos pelos pais por meio de seu comportamento. Eles são seu primeiro modelo influente. Através desta perspectiva, podemos pensar sobre a importância do meio social para a formação e desenvolvimento do ser humano. O quanto precisamos de apoio e suporte durante nosso crescimento e desenvolvimento e, quais são as ferramentas que construímos durante nossa trajetória que vão nos ajudar a organizar e priorizar nossas necessidades ao longo de nossas vidas e construções e, nossa necessidade de aproximação e convivência íntima com outros. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS • ANDERSEN, T. (1991). Processos Reflexivos. Rio de Janeiro: Noos, 1991. • GUANAES, C. (2006). A construção da mudança em terapia de grupo: um enfoque construcionista social. São Paulo: Vetor, 2006. • RAPIZO, R. (1996). Terapia sistêmica de família da instrução a construção. Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2002. • RAZERA, E. & JAPUR, M. (2007). Grupo como construção social: aproximações entre construcionismo social e terapia de grupo. São Paulo: Vetor Editora, 2007. • SCHENKER, M. (2008). Valores familiares e uso abusivo de drogas. Rio de janeiro: Editora Fiocruz, 2008. • SLUZKI, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. • VASCONCELLOS, M. J. E. (2008). Pensamento sistêmico: O novo paradigma da ciência. São Paulo: Papirus, 2002.