CONSTRUCIONISMO – APREENDENDO UMA VISÃO
Autora: Paula Antonelli Penteado
[email protected]
www.paulapenteado.com.br
Psicóloga clínica / Terapeuta de família e casal
Membro titular da Associação de Terapia de Família do Rio de Janeiro - ATF-RJ
Especialista em terapia de família e casal pelo Instituto de Psiquiatria da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ - IPUB
Aluna da especialização em clínica psicanalítica no Instituto de Psiquiatria da
Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ – IPUB
Resumo:
O objetivo central é dissertar sobre o construcionismo social e suas aplicações
práticas dentro do contexto de família e, observar como estas relações dentro dos
núcleos familiares extremamente próximas podem interferir na construção de uma
identidade individual dentro de um grupo para, portanto, termos subsídios suficientes
para observarmos estas relações com novas lentes.
Trabalharemos com a finalidade de explanar sobre do que se trata o
construcionismo; trajetória de sua formação passando pelo seu desenvolvimento e
culminando no formato que se apresenta hoje, contextualizar terapia de família,
cibernética e novos paradigmas. Seguiremos falando das realidades conversacionais e
da interação com os outros, permitindo assim dissertar sobre a construção e
reconstrução de nossa identidade dentro do contexto social atual.
Para tanto, tomaremos alguns autores pautados no objetivo central do trabalho
como: Emerson F. Rasera e Marisa Japur dissertando sobre origens, definições,
diferenças e críticas do construcionismo social; Rosana Rapizo e as cibernéticas de
primeira e segunda ordem; Carla Guanaes e seu discurso construcionista social;
Carlos E. Sluzki, que trata da rede social com importância relevante na formação da
identidade do sujeito; entre outros.
Palavras-chave: Construcionismo social; trajetória; reconstrução; identidade; família.
Abstract:
Keywords:
Apresentação
“O construcionismo social é ... uma teoria sobre teorias, e uma teoria que nos lembra que
teorias são, em última instância, práticas relacionais”. (McNamee)
O construcionismo social está inserido no que se convencionou chamar de pósmodernismo. Segundo Lyotard (1979), a expressão designa o estado de nossa cultura
seguindo as transformações que, desde o final do século XIX, alteraram as regras do
jogo da ciência, literatura, e artes. É marcado pela incredulidade em relação às
metanarrativas e à destruição do projeto de realizar a universalidade de acordo com o
espírito modernista. Dentro desta concepção, todas as metanarrativas, incluindo a
justiça, a ética, a razão, têm uma história, são culturalmente e temporalmente
localizadas.
Dentro do construcionismo, podermos destacar a centralidade da linguagem em
uso e dos processos relacionais na produção do conhecimento; o caráter local (social,
histórico e cultural) do conhecimento científico e de qualquer explicação acerca da
natureza do mundo e a função construtora/organizadora de tais explicações como
práticas sociais que criam formas de vida e de relação.
Para o construcionismo, as teorias não representam a “verdade” sobre o mundo e
as coisas, pois são construções sociais. O conhecimento é compartilhado entre
comunidades sociais, profissionais e culturais e não pode ser isolado de seus
contextos. São frutos da negociação de sentidos em contextos particulares.
A linguagem no construcionismo é entendida como a linguagem em uso, como
uma prática social construtora da realidade. Como afirma Shotter (2000), quando as
pessoas conversam, elas estão construindo sentidos, práticas sociais ou, formas de
vida e de relacionamentos.
Na abordagem construcionista, a linguagem não é um mero veículo para expressar
nossas idéias. Ela é a condição de nosso pensamento. Ela é um instrumento ativo na
construção de realidades e fatos de nosso mundo tanto cotidiano como científico. As
conversações e narrativas são os meios que encontramos para criar realidades
(Shotter, 2000).
Segundo Shotter (2000), comum a todas as versões construcionistas, é a noção de
que não é a dinâmica de uma mente individual ou as características localizadas em um
mundo externo que devem constituir nosso objeto de investigação, mas sim o fluxo da
atividade comunicativa humana, uma vez que são os processos conversacionais que
possibilitam a produção de conhecimento sobre nós mesmos e sobre o mundo em que
vivemos (Guanaes, 2006).
Ainda para Guanaes (2006), para uma abordagem construcionista importam mais o
processo conversacional do que o que está “dentro da mente das pessoas” e os
processos relacionais de construção das realidades e de interpretação do mundo.
Abordagem construcionista adota uma perspectiva relacional do Eu onde, o Eu não é
considerado algo independente da interpretação. Ele é uma forma de “me dizer” e de
“ser dito”. É sempre parte de uma conversação e/ou narrativa.
Nascimento e Formação
Contextualizando, a terapia de família teve seu início, nos anos 40, marcado pela
interdisciplinariedade. O pensamento sistêmico, de von Bertalanffy, juntamente com a
cibernética, que ocupava-se dos processos de comunicação e controle dos sistemas,
deu início a um novo momento na prática psicoterápica.
A cibernética tinha como conceitos chaves a informação e a organização e temas
como a relação observador/observado. Dentro dessa nova perspectiva teórica, incluía,
além da cibernética, teorias como a da informação, dos jogos e sistemas gerais e,
propunha-se a estudar princípios organizativos que se aplicavam simultaneamente ao
campo das máquinas artificiais, aos organismos vivos e aos fenômenos psicológicos e
sociais. Cibernética emerge como ciência da inter e da transdisciplinariedade reunindo
esforços de cientistas de diversas áreas e países (Rapizo, 1996).
Rapizo (1996), ressalta que a cibernética divide-se em dois momentos importantes
ao longo de seu desenvolvimento: a cibernética de primeira ordem, que narra uma
definição dos sistemas baseada na estabilidade e voltada para a estrutura e os
mecanismos que ocorrem dentro do sistema. Traz uma idéia implícita de que os
sistemas funcionam como uma meta, um propósito de funcionamento ótimo que
equivale ao equilíbrio; e, no segundo momento, a cibernética de segunda ordem que
reintroduz ao campo temas como o conhecimento, a linguagem, a construção do
sentido e da subjetividade.
O processo auto-referencial da cibernética deu origem a um salto criativo, que, em
interações recursivas, redefine as ciências e os campos de atuação enlaçados a ela,
criando novas ordens, como no próprio processo de auto-organização ao qual se
dedica atualmente seu interesse (Rapizo, 1996).
Para a autora, além de todo o contexto que apresenta das cibernéticas, a
redefinição do interesse de estudo da cibernética coloca-a em consonância com as
teorias contrucionistas, com o estudo do papel da linguagem na construção da
realidade, do conhecimento e da subjetividade.
A definição de construcionismo social é uma tarefa que demanda investimento de
procura na literatura existente e na produção constante e crescente dos últimos anos.
Segundo Gergen (1985, 1997), o construcionismo é definido como um movimento.
Outros relatam apenas uma semelhança familiar (Burr, 1995), entre autores
considerados construcionistas, e outros ainda, afirmam não existir uma psicologia
construcionista social (Potter apud Nightingale e cromby, 1999).
Para alguns autores, segundo Burr (1995), o surgimento do construcionismo na
psicologia é datado de 1973 com a publicação do artigo Social Psychology as History,
de Kenneth Gergen. Mas, para Gergen (1985, 1997), questionando a possibilidade de
marcar o surgimento do construcionismo dessa forma, a história do construcionismo
social está inserida no contexto do desenvolvimento da ciência, pautada por três
críticas ao fazer científico que contribuíram para a construção de uma concepção
alternativa aos pressupostos do conhecimento como posse do indivíduo: a crítica
social, a crítica ideológica e, a crítica retórico-literária (Gergen, 1985, 1997). Essas
críticas contribuíram por meio de suas diferentes proposições como: a organização de
uma nova inteligilibilidade, na qual as noções de conhecimento com representação, de
verdade e de relacionalidade forma questionadas e, uma nova concepção de
linguagem apareceu, assumindo importância central no entendimento dos processos
de significação. Embora não consideradas “construcionistas”, construíram um terreno
fértil para a emergência dessa forma alternativa de investigação, principalmente ao
destacar a influência dos contextos sócio-históricos e dos processos discursivos na
produção de conhecimento (Gergen, 1985, 1997).
Guanaes (2006), relembra Shotter (1997) dizendo que, com base nas críticas, o
construcionismo emergiu como uma forma alternativa de investigação social que
busca mudar a agenda de argumentação em ciência ao dar destaque a: centralidade da
linguagem em uso e dos processos relacionais na construção do conhecimento; caráter
local (social, histórico e cultural) do conhecimento científico e demais explicações
sobre a natureza o mundo e; a função construtora/organizadora de tais explicações,
uma vez que estas se constituem práticas sociais, criadoras de formas de vida e de
relação. É relevante ressaltar que as relações, sob o prisma construcionista, não são
fixas e estáveis, ao contrário, são mutáveis e flexíveis. Sempre em construção.
Desenvolvimento e Construção
Em consonância com o discurso de Rapizo, Carla Guanaes ressalta que questionar
a universalidade das coisas são construções sociais. Para ela, nossa vida se encontra
entrelaçada as realidades conversacionais que criamos em nossas interações com os
outros.
A perspectiva construcionista social estimula uma reflexão sobre as implicações de
nossas descrições de realidade para a construção de práticas sociais e formas de vida e
aponta o entrelaçamento entre a realidade e o discurso. Segundo a autora, são estas
construções discursivas que informam nosso estar no mundo, criando a possibilidade
de realizações conjuntas, organizando práticas sociais e legitimando determinadas
formas de vida (Guanaes, 2006).
Ainda para Guanaes (2006), esta perspectiva aponta o entrelaçamento entre a
realidade e o discurso. São estas construções discursivas que informam nosso estar no
mundo, criando a possibilidade de realizações conjuntas, organizando práticas sociais
e legitimando determinadas formas de vida.
Ao falar de teoria como um discurso em vez de uma representação da realidade, o
construcionismo social opõem-se ao realismo científico, que sustentado pela lógica
positivista, defende a possibilidade de apreensão da verdade com base no método
(Guanaes, 2006).
O construcionismo social pode ser chamado de discurso, pode identificar um
conjunto de descrições nos estudos construcionistas que, atuando como ferramentas
críticas, contribuem na construção de um certo entendimento sobre o mundo e as
pessoas. A autora entende o processo de produção de sentidos como uma realização
conjunta, uma investigação construcionista, para um entendimento das formas de
interação e diálogo que as pessoas constroem enquanto se relacionam (Guanaes,
2006).
Maturação
“A elaboração de novas idéias da libertação das formas habituais de pensamento e
expressão. A dificuldade não está nas novas idéias, mas em escapar das velhas, que se
ramificam por todos os cantos”. (J. M. Keynes)
Alguns autores usam sua próprias experiências pessoais aliadas as teorias
estudadas para reinventar uma maneira de estar no mundo. Sob uma ótica
diferenciada e como se usassem lentes de um óculos, esses autores aprumam suas
teorias para um momento singular da terapia no mundo. Podemos pensar nestas
teorias como sendo reflexos dos relacionamentos em formação. Todo o tempo
estamos nos relacionando, começando e alterando nossas formas de interagir. Usamos
a rede de relacionamentos o tempo todo.
Carlos Sluki (1997), usa o construcionismo não só como um constructo intelectual
mas como uma ferramenta clínica. Sluki (1997), por experiências pessoais, percebeu
novas culturas permeadas por contextos culturais desconhecidos a ele. Discorreu
sobre a rede social pessoal, o conjunto de seres que interagimos de maneira constante,
com quem trocamos sinais, nos comunicamos e que nos tornam reais. Para ele, nossa
identidade é construída e reconstruída através de outros - familiares, amigos,
inimigos, conhecidos, companheiros e todos aqueles que nos relacionamos e dessas
experiências de interação. Portanto, esses “outros”, que fazem parte da nossa
construção diária de relacionamentos enquanto co-construtores, são parte intrínseca
de nossa identidade.
Ressalva que a “fronteira” descrita por ele representa a micro-ecologia de que os
pacientes se apercebem e que também podemos indagar facilmente, ou seja, o
conjunto daqueles que interagem com o indivíduo em sua realidade social cotidiana.
O modelo da rede social nos provê uma ferramenta conceitual útil e poderosa para
organizar as experiências pessoais e coletivas (Sluki, 1997).
O autor discorre sobre o universo relacional de um indivíduo que, abrange os
contextos culturais e sub-culturais em que estamos imersos, os contextos históricos,
políticos, econômicos, religiosos, de meio-ambiente, de existência ou carência de
serviços públicos e de idiossincrasias de uma região, país ou hemisfério (Sluki, 1997).
Para Tom Andersen (1991), a palavra falada não tem o mesmo significado
necessariamente para quem escuta. Isso suscita uma crítica ao construcionismo social
como se fosse uma certa percepção de que tudo pode e não existe lei. Andersen
(1991), trata a mudança como podendo ser limitação e evolução. Para ele, a primeira
mudança está relacionada ao agir de uma pessoa (comportamento), quando essa
mudança é instruída ou trazida de fora. Ainda, outra mudança que vem de dentro,
onde as premissas do agir (do comportamento), os aspectos do conhecer e do sentir
são ampliados. Devemos escutar o que realmente dizem e não o que realmente
tencionam dizer. Em um contexto geral, o que vai fazer a diferença é a pessoa se
conectar com seu próprio recurso. O autor ressalta o sistema-significado que pode ser
visto como um grupo de pessoas vinculadas a mesma idéia de fazer algo em relação a
uma determinada situação e, Multiversa, significando que um mesmo e determinado
fenômeno ou problema pode ser visto e compreendido de muitas maneiras diferentes.
Ele convida os participantes do fenômeno para se juntarem e trocarem idéias sobre
os problemas sem dizer que algo está certo ou errado. Tentar com que as pessoas
vejam a situação de lados diferentes e trocar informações para poder ver se algo é
novo e pode ser aproveitado. Como uma troca de idéias e um interesse mútuo que o
autor resume em curiosidade (Andersen, 1991).
Para Andersen (1991), o construcionismo é acreditar que quando você conta uma
história você está criando essa história, como sistemas lingüísticos e sistema
humanos: construindo e desconstruindo problemas.
Construindo uma perspectiva
“Escutem o que eles realmente dizem, e não o significado que querem dar!” (Harry
Goolishian)
“O mundo da experiência é sempre muito mais rico do que qualquer possibilidade de
discurso que possamos fazer sobre ele” (Grandesso, 2000, p.200).
Abrindo esta discussão sobre a construção de uma perspectiva pautada no
construcionismo e apoiada pelas teorias citadas, podemos iniciar relembrando
Schenker (2008), que relata a importância do contexto em que fomos criados para a
formação de nossas perspectivas. Apoiados nesta abordagem construcionista e, para
dar continuidade a seqüência proposta, falaremos da importância da rede social em
nossas vidas.
Quando pensamos nas diferentes pessoas que partilham conosco nossas vidas,
podemos observar várias histórias, personagens, discursos e infinitas maneiras de
relatar que proporcionaram uma ampliação das diferentes narrativas que se
apresentando. Uma teia de histórias vai se formando e a rede aos poucos se apresenta.
O que seria então esta rede? A rede social, para alguns autores, é definida como:
“A soma de todas as relações que um indivíduo percebe como significativas ou define
como diferenciadas da massa anônima da sociedade” Sluzki (1997, p.41).
“A noção de rede é um convite a ver-se a si mesmo como um participante reflexivo e não
como o objeto social de uma massa humana”. Pakman, citado por Zuma (2004, p.55).
“Organização por meio do discurso, por meio de termos, símbolos ou metáforas, de um
fluxo de experiência vivida, em uma seqüência temporal e significativa” Grandesso
(2000, p.199).
Compartilhamos com os autores citados sobre quando narramos um evento,
organizamos nossas ações e estruturamos a experiência vivida através do tempo e do
que é considerado significativo. As narrativas não são estáticas, são construções
complexas nas quais existe um primeiro plano - o que se conta - e também um
segundo plano - que funciona como pano de fundo. Nesta segunda instância estão as
lacunas e as possibilidades, fazendo com que as narrativas estejam sempre abertas a
uma reconstrução transformadora.
Vimos a importância em conhecer outras narrativas possíveis, como autores
descritos e suas teorias, e poder articular o que nos faz sentido naquele momento e
com aquele contexto.
Bateson citado em Andersen (1997, p. 38), diz que fazer uma imagem de uma
situação é fazer certos tipos de distinções, que sempre existe mais a se ver que aquilo
que é visto por alguém, que existem muitas imagens não feitas de várias situações e
talvez ainda mais importante, uma grande possibilidade de duas pessoas fazerem
distinções diferentes da mesma situação apresentada ou mapas diferentes do mesmo
território. Ou seja, o autor nos ajuda a pensar sobre a mesma coisa de maneiras
separadas, como o trabalho proposto, em observar as relações estreitas através de
outras posições, com olhares distintos de um mesmo objeto, porém, de pontos
diferentes. Se pensarmos que as várias descrições de diferentes participantes das
relações forem igualmente interessantes, na medida em que, novos repertórios
incluem novos modos de estar na rede e relacionar-se com seus integrantes. O outro
modifica e amplia a relação, possibilitando novas distinções do que era antes de estar
em grupo, ou em um grupo específico.
Acreditarmos que a incorporação de outras falas, vivências e sentimentos, em
velhos discursos, modificam os mesmos. E por acreditarmos, é que buscamos
trabalhar com a rede e não com indivíduos, na expectativa de que a rede amplie as
descrições individuais e traga soluções para descrições muitas vezes saturadas de
problemas, déficits e faltas.
“Fazer distinções é um ato do descritor. Este ato está certamente relacionado aos seus
interesses, conhecimento, história, etc. Decorre desse fato, o principal aspecto - dois
diferentes descritores, na mesma situação, provavelmente farão descrições diferentes,
apresentando, portanto, descrições diferentes que levam, inevitavelmente, a explicações
diferentes do descrito” (Andersen, 1991, p.48).
O construcionismo social entende a linguagem como construtora de
realidades e nos propõe uma prática relacional que nos capacita a uma linguagem
como ação. Parte do princípio de que é através dela que:
“Somos capazes de manter um contato humano significativo entre pessoas, e é mediante
este que compartilhamos a realidade” (Anderson e Goolishian, 1988, p.49).
Dentro do construcionismo, adota-se a premissa de que sistemas humanos são
sistemas lingüísticos e sua variação de que o sistema terapêutico também é um
sistema lingüístico. Nesse sentido, caracteriza o que Anderson e Goolishian (1988)
chamam de sistema formado pelo problema, do qual fazem parte as pessoas que tem
em comum a idéia de que algo precise de respostas, soluções, ajustes ou negociações.
Existem muitas idéias de solução para um problema, tantas quantas forem as pessoas
envolvidas nele ou comprometidas com sua dissolução. Em uma conversa terapêutica,
é pouco útil que cada uma dessas pessoas se concentre apenas na sua maneira como
sendo a melhor e mais funcional. Pelo contrário, para a postura construcionista, a
conversa terapêutica propõe através do diálogo, a busca e a exploração que possibilite
um intercambio e um cruzamento das diferentes idéias para que esse processo possa
desenvolver continuamente novos significados em direção à resolução de um
problema. Este fato só é possível porque os sistemas não são fixos. É no diálogo que
os sistemas desenvolvem uma linguagem própria, confirmam os significados,
produzem padrões e regularidades que possibilitam a predição. Como os problemas
são construídos nas relações a partir das conversas, também é a partir delas que se
diluirão. Quando isso acontece, não é apenas a definição do problema que vai se
modificando, mas também o número de pessoas que continuam compartilhando da
idéia que originalmente os uniu. Nesta perspectiva, não existe um lado certo e outro
errado, e sim, formas diferentes de observar.
A resolução de um problema traz como conseqüência a dissolução do próprio
sistema. Da mesma maneira que os sistemas são fluidos, assim também o são nossas
idéias sobre eles (Anderson e Goolishian, 1988, p.43), ou seja, as teorias que temos
sobre o mundo são descrições úteis em um dado momento, mas sujeitas a mudança
através do tempo.
“A linguagem e as palavras são como mãos que buscam algo; poderíamos dizer que a
linguagem é um órgão do sentido. Mas as palavras são mais do que isso. Como uma mão
que agarra e segura, as palavras captam e guardam significados. Assim, (as palavras
influenciam) os significados a que chegamos. As palavras não são inocentes... Acontece
também, frequentemente, descrever-se uma pessoa como deprimida ou tendo uma
depressão. Esta prática da linguagem constrói uma compreensão particular da pessoa e
essa compreensão contribui para o nosso relacionamento com ela” (Andersen, 2004,
p.24).
Quando nos deparamos com reflexões, nos deparamos com nossas conversas
internas, pensando no impacto que nossas falas trazem para nós mesmos e para os
outros com quem nos relacionamos. Seriam as conversas sobre conversas?
“Até que ponto serei responsável por abrir meus sentimentos e ser assim perturbado por
aquilo que me sensibiliza? É mais plausível que seja eu responsável por minhas
descrições e pelo significado que dou a elas. Sou, também, responsável pelas minhas
falas e atos. Até que ponto serei responsável pela abertura de outras pessoas, provocada
pelo distúrbio que lhes causei? Provavelmente não posso ser responsável pela descrição e
seu correspondente significado criados pelas pessoas, e não posso ser responsável pelas
falas e atos que as pessoas apresentam aos meus sentidos” Andersen (1991).
Aprendemos que ninguém muda ninguém e ninguém muda sozinho, é nas relações
que nos transformamos. Nas relações, podemos transformar apenas a nós, tudo parte
de nós mesmos. Mesmo porque não podemos falar do outro, precisamos falar para o
outro e com o outro através da nossa emoção. Nossas descrições falam de nós,
daquilo que nos mobilizou e não do outro. Portanto, quanto mais soubermos de nós
mesmos em outros contextos, mais nos ajudará a entender o outro.
A abordagem construcionista oferece a possibilidade de desenharmos um novo
referencial, no qual todos os tipos de dualismo podem ser superados. O
construcionismo fica sendo um ponto de vista para o observador no qual ele se
desloca na consideração de um self que olha para o universo para o reconhecimento
do self como parte de um multiverso social. Esta perspectiva sustenta que a unidade
organizacional dos sistemas é mantida pelas interações, que a mudança ocorre através
da estabilidade, que a autonomia ocorre através das limitações e que nos limites
encontramos possibilidades.
As relações entre pessoas emergem como um processo de comunicação no qual
diferentes parceiros constroem os papeis recíprocos, e juntos, constroem um contexto
interpessoal dentro de um domínio consensual. Os participantes não são apenas
observadores do que o outro está produzindo e sim participantes desta construção.
Ressaltamos os valores familiares pela perspectiva de Schenker, que destaca o
processo de identificação que se organiza na família e é mediada pelas pessoas
significativas desta família em sua interação com o mundo social, sendo a partir daí
que o sujeito torna-se membro da sociedade, construindo sua maneira de se
relacionar. Mais adiante, usaremos Schenker para dar suporte a nosso caso clínico
escolhido, para ilustrar nossa dissertação com maior clareza.
Valores no construcionismo
Dando seguimento ao construcionismo e suas peculiaridades, explanaremos agora,
dentro da teoria construcionista, valores familiares segundo a ótica de Schenker,
sempre objetivando apontar as relações íntimas entre pessoas e seus contextos atuais.
Ressaltamos a importância deste segmento para solidificar nossa dissertação sobre
a as relações íntimas entre pessoas e, por este motivo, nada melhor que o contexto
familiar, contexto este extremamente fértil no quesito relação, para situar nosso
estudo.
A autora compreende a categoria valores, dentro de uma proposta específica
demonstrada por ela, enfocando a relação entre os princípios organizadores,
conformadores e as propensões à permanência, juntamente com as práticas, as
conjunturas e as alterações de diferentes períodos e de diferentes fontes no interior das
representações de modelos culturais da família e da sociedade (Schenker, 2008).
Ainda para a Schenker (2008), o processo de identificação se organiza no seio da
família através da socialização primária e da socialização secundária, conceitos
nominados por Berger e Luckman (2002). A socialização primária ocorre na infância
e é mediada pelas pessoas significativas da família em sua interação com o mundo
social, sendo a partir daí que o sujeito torna-se membro da sociedade. A socialização
secundária introduz o sujeito já socializado em novos setores do mundo objetivo da
sociedade em que vive.
Do ponto de vista histórico, como vimos no capítulo três, a instituição familiar
paga um preço alto por causa da modernização na sociedade ocidental por ocorrer
com uma velocidade muito grande e com novas configurações pouco estudadas ainda
em processo de assimilação social. Nesse contexto, os valores ainda embutidos nas
famílias vão de encontro com essas novas configurações de forma conflitante,
conforme explicitamos no capítulo sobre a família e suas configurações.
Naturalmente, o sujeito vai se relacionar com o outro a partir do que foi internalizado
apreendido com seus agentes socializadores e, nesse momento, pode enfrentar os
conflitos entre as suas expectativas e suas possibilidades no mundo atual. Formam-se
as questões sobre quais realmente são esses valores familiares; como eles estão sendo
repassados para as novas gerações e; como as relações dos participantes são formadas
e mantidas (Schenker, 2008).
Para a autora, a questão central do conflito entre gerações passa pela forma como
são negociados a passagem dos valores familiares ao longo da história familiar. Os
conflitos se evidenciam por meio do modo como, no interior da família, aparecem os
conceitos de hierarquia, infantilização e expectativa.
Schenker (2008), prossegue seguindo os postulados de Louis Dumont (1970, 1974,
1985), ressaltando que dentro da sociologia da organização familiar, apresenta
modelos hierárquicos e igualitários. A família de organização hierárquica se mostra
com funções e papeis familiares nitidamente delineados. Já a família de organização
igualitária segue a ideologia do igualitarismo. Porém, conforme a modernização gera
impacto na família essa organização familiar vai tomando um corpo diferente do
conhecido anteriormente.
O que a família representou no passado com uma instituição repressora não tem
mais o mesmo peso. O conceito de hierarquia, para a autora, influencia a constituição
dos valores familiares e, a infantilização não promove a autonomia e desenvolvimento
dos filhos. A expectativa dos pais pode também não corresponder à realização pessoal
e profissional dos filhos, gerando conflitos dentro da família (Schenker, 2008).
Os valores familiares são adquiridos por meio da educação e a educação é um
processo que ocorre durante toda a vida e tem efeitos conservadores de longa duração.
Schenker (2008), ressalta que se um adulto significativo vê o seu filho como bom
ou mau, e a relação se estabelece em consonância com essa visão, a criança se
desenvolverá de acordo.
A qualidade da relação que se refere ao clima emocional das relações é capaz de
gerar intimidade, comunicação ou conflito. O vínculo é uma das forças
impulsionadoras para a referência de transmissão de valores. Esse vínculo se
transforma durante o ciclo vital e, para que esse vínculo de confiança ocorra é
necessário que o sujeito se alimente do apoio e da proteção que recebe (Schenker,
2008). O afeto entre pais e filhos é precondição para que os filhos se identifiquem
com os valores dos pais, aumentando a probabilidade de tê-los como modelos de
comportamento (Brook et al., 1990). Mesmo na adolescência, período natural de um
afastamento dos pais, não impede que as relações familiares permaneçam fortes. O
que modifica entre a infância e a adolescência é o grau de dependência emocional que
o jovem apresenta em relação aos pais.
A identificação dos filhos em relação aos pais é o chamado conceito de modelo.
Os filhos absorvem quaisquer valores transmitidos pelos pais por meio de seu
comportamento. Eles são seu primeiro modelo influente.
Através desta perspectiva, podemos pensar sobre a importância do meio social
para a formação e desenvolvimento do ser humano. O quanto precisamos de apoio e
suporte durante nosso crescimento e desenvolvimento e, quais são as ferramentas que
construímos durante nossa trajetória que vão nos ajudar a organizar e priorizar nossas
necessidades ao longo de nossas vidas e construções e, nossa necessidade de
aproximação e convivência íntima com outros.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
•
ANDERSEN, T. (1991). Processos Reflexivos. Rio de Janeiro: Noos, 1991.
•
GUANAES, C. (2006). A construção da mudança em terapia de grupo: um
enfoque construcionista social. São Paulo: Vetor, 2006.
•
RAPIZO, R. (1996). Terapia sistêmica de família da instrução a construção.
Rio de Janeiro: Instituto Noos, 2002.
•
RAZERA, E. & JAPUR, M. (2007). Grupo como construção social:
aproximações entre construcionismo social e terapia de grupo. São Paulo:
Vetor Editora, 2007.
•
SCHENKER, M. (2008). Valores familiares e uso abusivo de drogas. Rio de
janeiro: Editora Fiocruz, 2008.
•
SLUZKI, C. E. (1997). A rede social na prática sistêmica: alternativas
terapêuticas. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997.
•
VASCONCELLOS, M. J. E. (2008). Pensamento sistêmico: O novo
paradigma da ciência. São Paulo: Papirus, 2002.
Download

Anexo - real medical center