PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIãO TRF/fls. ____ Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro APELAÇÃO CRIMINAL (ACR) Nº 12134/PB (2003.82.01.005981-6) APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APDO : ALBERTO NEPOMUCENO APDO : ANGELA MARIA DA COSTA APDO : PAULO SÉRGIO NARTINS CORREIA ADV/PROC : PAULO RODRIGUES DA ROCHA ORIGEM : 6ª VARA FEDERAL DA PARAíBA - PB RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO RELATÓRIO O Senhor DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO: Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença prolatada pelo MM. Juízo da 6ª Vara da Paraíba que, ao julgar parcialmente procedente a acusação, condenou Alberto Nepomuceno, Ângela Maria da Costa e Paulo Sérgio Martins Correia como incursos no art. 312 do CP. Nas razões recursais (fls. 318/328), o Ministério Público postula a reforma da dosimetria, a fim de que as penas aplicadas aos réus sejam majoradas. Segundo o apelante, o comportamento das vítimas, a personalidade dos agentes, bem como a elevada gravidade das circunstâncias e consequências do crime, impõem uma condenação maior. Apresentadas contrarrazões, às fls. 362/379, a defesa alega, preliminarmente, a existência de litispendência e requer o reconhecimento da nulidade do processo. No mérito, aduz que a insatisfação do Parquet com a penalidade não deve ser acolhida. Nesta instância, remetidos os autos à Procuradoria Regional da República, opinou-se pelo provimento do apelo (fls. 388/389). É o relatório. Ao revisor. ACR nº 12134-PB 1 MACBCL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIãO TRF/fls. ____ Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro APELAÇÃO CRIMINAL (ACR) Nº 12134/PB (2003.82.01.005981-6) APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APDO : ALBERTO NEPOMUCENO APDO : ANGELA MARIA DA COSTA APDO : PAULO SÉRGIO NARTINS CORREIA ADV/PROC : PAULO RODRIGUES DA ROCHA ORIGEM : 6ª VARA FEDERAL DA PARAíBA - PB RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO VOTO O Senhor DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO: Na presente apelação, o Ministério Público insurge-se, especificamente, em face da penalidade imposta na sentença aos acusados Alberto Nepomuceno, Ângela Maria da Costa e Paulo Sérgio Martins Correia. Denunciados em virtude de fortes indícios de falsificação de contracheques de servidores da Prefeitura de Damião/PB, comarca de Barra de Santa Rosa/PB, no decorrer das investigações, as provas foram enfáticas em demonstrar que os denunciados detinham a posse jurídica sobre os recursos destinados ao pagamento dos servidores que, na verdade, não foram realizados por um longo período, durante o qual os valores foram desviados dos cofres públicos. Entre os anos de 1998 e 2000, foram desviados os valores correspondentes aos salários de dezenove servidores da educação da Prefeitura de Damião/PB, fatos que levaram ao oferecimento presente denúncia pelo MPF (ação penal nº 2003.82.01.005981-6). Na esfera estadual, por sua vez, foi proposta a ação penal nº 078200006940 contra o ex-prefeito Allan Pontes Nepomuceno e os funcionários da prefeitura Ângela Maria da Costa, Paulo Sérgio Martins Correia e Jocineuda Souza de Pontes, em face de possível desvio de verba pública ocorrido, especificamente, nos meses de outubro, novembro e dezembro do ano 2000. Antes de adentrar ao mérito, analisaremos nulidade suscitada pela defesa, nas contrarrazões. Alega-se que os acusados foram denunciados pelos mesmos fatos em dois processos diversos - na Ação Penal nº 078200006940, da Justiça Estadual, e na Ação Penal nº 2003.82.01.005981-6, da Justiça Federal -, o que representaria bis in idem. Analisando as ações penais mencionadas, vê-se que o processo instaurado na justiça estadual teve como objeto o desvio de verba pública ACR nº 12134-PB 2 MACBCL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIãO TRF/fls. ____ Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro ocorrido na Prefeitura de Damião/PB, no período de outubro a dezembro de 2000, quando não houve complementação da União ao FUNDEF. Por seu turno, a ação ajuizada na Justiça Federal teve como foco apurar o desvio de verbas repassadas pela União à conta do FUNDEF, que deveriam ter sido destinadas ao pagamento de professores da Prefeitura de Damião/PB, em alguns meses do período de 1998 a 2000. Apesar de o tipo penal imputado aos acusados ser o mesmo, os fatos que deram origem às denúncias são diversos. Logo, não há identidade entre as ações penais. Nulidade rejeitada. Passemos à análise do mérito da apelação criminal. Segundo o Parquet, ao fixar as penas dos acusados, o juízo deixou de considerar alguns dos fatores, elencados no art. 59 do CP, que justificam a majoração da pena-base. Por oportuno, transcrevo trecho da sentença relativo à dosimetria: APLICAÇÃO DA PENA O art. 312 do CP comina pena cumulativa de reclusão, de 02 (dois) a 12 (doze) anos, e multa, não sendo aplicável, ao crime acima, o disposto no art. 59, inciso I, do CP, que diz respeito à hipótese de cominação alternativa. (a)Circunstâncias Judiciais do art. 59 do CP (a.1) Culpabilidade * A culpabilidade (juízo de reprovação) revela-se normal ao tipo penal cometido, isto é, os acusados usaram de suas condições privilegiadas junto ao serviço público municipal, para proporcionar o desvio de pagamentos de servidores, o que não extrapola a própria configuração típica; (a.2) Antecedentes * Os réus não possuem antecedentes penais, conforme certidões de fls. 140/162, das quais não constam condenações criminais com trânsito em julgado; (a.3) Conduta social * Não há elementos aferíveis; ACR nº 12134-PB 3 MACBCL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIãO TRF/fls. ____ Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro (a.4) Personalidade do agente * Diante do alto grau de subjetividade desse item, não é possível aferi-lo negativamente para incrementar a pena base; (a.5) Motivos do crime * Os motivos são usuais à espécie do crime, quais sejam, manipular os recursos públicos destinados ao pagamento de servidores, proporcionando o desvio; (a.6) Circunstâncias do crime * As circunstâncias do crime favoreceram sua prática, mas todas estão diretamente relacionadas com o múnus público exercido pelos acusados (artigo 327 do CP), constituindo-se, pois, como elementar do tipo, razão pela qual não devem ser apreciadas nesta fase; (a.7) Consequências do crime * As consequências do crime merecem ser, razoavelmente, avaliadas, no sentido de permitirem um incremento proporcional da pena base. Embora os pagamentos dos servidores foram adimplidos pela via jurisdicional (v. Apenso I), causaram transtornos e custos adicionais aos trabalhadores da Educação do Município. O próprio Município de Damião teve prejuízos, haja vista a necessidade de arcar com o ônus da sucumbência decorrente da pletora de ações judiciais intentadas para forçar a recomposição dos danos; (a.8) Comportamento da vítima * As vítimas, no caso concreto, foram os servidores municipais, lesados em seus vencimentos, bem como a União, subtraída em seus recursos públicos que compunham, especialmente, um fundo específico, destinado ao incremento de ações destinadas à melhoria da Educação no Município; (b) Pena base Como visto, somente as consequências podem ser, razoavelmente, avaliadas em desfavor dos acusados, razão pela ACR nº 12134-PB 4 MACBCL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIãO TRF/fls. ____ Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro qual aumento a pena para 03 (três) anos de reclusão, para cada um deles. No que tange à pena pecuniária, fixo em 20 (vinte) dias-multa, ao valor unitário, em face das circunstâncias econômicas do réu, que não aparentaram, nos autos, sinais exteriores de riqueza, de R$ 151,00 (cento e cinquenta e um reais), correspondente a um salário mínimo vigente no ano em cessou a atividade pública dos acusados, à frente da tesouraria do Município (dezembro/2000), o que totaliza o valor, a título de multa, de R$ 3.020,00 (três mil e vinte reais), para cada um dos acusados. (c) Aumento de pena Cargos em comissão No Apenso I do Inquérito Policial, constam as Portarias n. 0012/00 e 003/97, mediante as quais o prefeito de Damião-PB, Allan Pontes Nepomuceno, nomeia Ângela Maria da Costa e Alberto Nepomuceno para o exercício do cargo em comissão de tesoureiro do Município. Alberto Nepomuceno exerceu o cargo a partir de 20.01.1997, enquanto que Ângela Maria da Costa assumiu o múnus a partir de 03.04.2000. De acordo com o artigo 327, § 2º, do Código Penal, a pena deve ser aumentada da terça parte, quando os acusados ocuparem cargos em comissão, razão pela qual aumento a pena desses acusados para 04 (quatro) anos de reclusão, deixando-a, definitivamente, nesse montante. (d) Pena definitiva Em consequência, torno definitivas as penas fixadas nos itens anteriores, condenando os réus, cumulativamente, à: (i) Alberto Nepomuceno e Ângela Maria da Costa - pena de reclusão de 04 (quatro) anos e multa de R$ 3.020,00 (três mil e vinte reais); (ii) Paulo Sérgio Martins Correia - pena de reclusão de 03 (três) anos e multa de R$ 3.020,00 (três mil e vinte reais). ACR nº 12134-PB 5 MACBCL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIãO TRF/fls. ____ Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro Considerando que a avaliação das circunstâncias objetivas do art. 59 do CP perpassa pela análise do modus operandi, exporemos brevemente como ocorreram os desvios de verba pública imputados aos réus. Alberto Nepomuceno e Ângela Maria da Costa, ora apelados, exerciam, no período de 1998 a 2000, a função de tesoureiros do Município de Damião/PB, competindo-lhes realizar os pagamentos dos servidores da educação. Por sua vez, o réu Paulo Sérgio auxiliava a ré Ângela na confecção dos contracheques. À época, os pagamentos eram realizados em espécie, o que fragilizava ainda mais o sistema, facilitando o desvio de recursos especialmente daqueles que detinham a posse dos valores em razão do cargo. Para se apropriarem da verba, os acusados falsificaram as assinaturas dos servidores nos respectivos contracheques e, por vários meses, dezenove professores não receberam seus vencimentos ou receberam em valor inferior ao declarado nos contracheques. Embora os crimes de falso devam ser absorvidos pelo de peculato, porque foram apenas instrumento para a execução do crime fim, neste caso, a forma como os agentes orquestraram o esquema criminoso afasta-se da culpabilidade normal à espécie e justifica uma maior reprovação da conduta, diante da audácia do modus operandi. A sentença também deve ser reformada no tocante à avaliação das consequências do delito. Neste ponto, deve ser levado em consideração não apenas o prejuízo causado ao erário, mas também o dano aos professores que, por vários meses, tiveram suas rendas suprimidas ou reduzidas pelos acusados. Para não falar da lesão à educação. Aos alunos. Ao futuro das crianças. Para a fixação da pena-base, inexiste cálculo matemático preciso que determine a sanção em função do número de circunstâncias desfavoráveis e favoráveis aos acusados. Os elementos analisados devem, portanto, ser considerados em seu conjunto. Deste modo, tendo como referência a avaliação das circunstâncias negativas e positivas aos agentes, dou provimento ao apelo acusatório para aumentar a pena-base dos acusados para 04 (quatro) anos de reclusão, além de 30 (trinta) dias-multa, à razão de R$151,00, valor do salário mínimo à época dos fatos. Existente causa de aumento da pena em desfavor de Alberto Nepomuceno e Ângela Maria da Costa (art. 327, §2º, do CP), resulta a pena ACR nº 12134-PB 6 MACBCL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIãO TRF/fls. ____ Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro definitiva dos acusados em 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime semiaberto. Inexistentes causas de modificação da pena em relação ao réu Paulo Sérgio Martins Correia, fixo a pena definitiva em 04 (quatro) anos de reclusão, a ser cumprida em regime aberto. E, como atendidos os requisitos do art. 44 do CP, fica mantida a substituição da pena privativa por restritivas de direitos. Nestes termos, DOU PROVIMENTO à apelação criminal do Ministério Público. É como voto. Recife, 12 de março de 2015. Desembargador Federal MARCELO NAVARRO RELAT O R ACR nº 12134-PB 7 MACBCL PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIãO TRF/fls. ____ Gabinete do Desembargador Federal Marcelo Navarro APELAÇÃO CRIMINAL (ACR) Nº 12134/PB (2003.82.01.005981-6) APTE : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL APDO : ALBERTO NEPOMUCENO APDO : ANGELA MARIA DA COSTA APDO : PAULO SÉRGIO NARTINS CORREIA ADV/PROC : PAULO RODRIGUES DA ROCHA ORIGEM : 6ª VARA FEDERAL DA PARAíBA - PB RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO NAVARRO EMENTA: PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ART. 312 DO CP. DESVIO DE VERBA PÚBLICA FEDERAL. PENALIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS AOS ACUSADOS. PENA-BASE MAJORADA. RECURSO PROVIDO. 1. Aproveitando-se das facilidades do cargo de tesoureiros, os réus desviaram, em vários meses dos anos de 1998, 1999 e 2000, valores repassados pela União para o pagamento dos servidores municipais da área da educação. Ao todo foram dezenove servidores que tiveram suas rendas suprimidas ou reduzidas pelos acusados, que falsificavam suas assinaturas nos respectivos contracheques. 2. O modus operandi narrado na denúncia afasta-se da culpabilidade normal à espécie e justifica uma maior reprovação da conduta, diante da audácia dos réus. Ademais, as consequências foram graves diante não só do prejuízo ao erário, como também do dano causado às vítimas indiretas do crime. 3. Circunstâncias judiciais que autorizam a majoração da penabase para 04 (quatro) anos de reclusão. 4. Apelação criminal provida. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação criminal do Ministério Público, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 12 de março de 2015. Desembargador Federal MARCELO NAVARRO RELAT O R ACR nº 12134-PB 8 MACBCL