PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI APELAÇÃO CRIMINAL Nº 10994 SE (0000925-74.2013.4.05.8500) APTE : ANTÔNIO DOS SANTOS VIEIRA ADV/PROC : JOSE ANTONIO SANTOS FERREIRA E OUTROS APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 1ª VARA FEDERAL DE SERGIPE - SE RELATOR : JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI - Primeira Turma RELATÓRIO O JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI (Relator): Cuida-se de apelação criminal interposta por ANTôNIO DOS SANTOS VIEIRA em face de sentença de fls. 100/123 que julgou procedente a denúncia, para condenar o apelante pela prática do delito previsto no art. 304 do Código Penal –CP (uso de documento falso), com as sanções do art. 297 do mesmo diploma legal. Entendeu o Magistrado do 1º grau que o denunciado, ao ser abordado por policiais rodoviários federais na BR-235, em 13/03/2013, no Município de Nossa Senhora do Socorro/SE, apresentou Carteira Nacional de Habilitação falsa. As penas foram definitivamente fixadas em 3 anos de reclusão, inicialmente em regime aberto, substituída por duas sanções restritivas de direitos, mais o pagamento de 15 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato. Nas razões do recurso (fls. 128/133), ANTôNIO DOS SANTOS VIEIRA sustenta que os fatos residentes nos autos não autorizam um decreto condenatório. Destaca que os policiais autores da prisão prestaram depoimentos contraditórios entre si, uma vez que “ uma testemunha afirma que o apelante informou não ser habilitado mas lhe apresentou uma CNH” , enquanto a outra disse “ ter visto o seu colega policial Herick Rangel retirar dos documentos do recorrente uma CNH falsa” . Alega que a falsificação era tão grosseira que era incapaz de iludir o cidadão comum. Argumenta que o delito do art. 304 do CP é fazer uso de documento falso, e não simplesmente portá-lo. Ao final, pugna pelo provimento do apelo, para absolver o réu por insuficiência de provas, na forma do art. 386, VI, do Código de Processo Penal –CPP, ou, alternativamente, seja reconhecido o excesso das penas aplicadas, reduzindo-as para os valores mínimos cominados ao delito. Contrarrazões do MINISTéRIO PúBLICO FEDERAL –MPF pelo improvimento do apelo (fls. 137/139). Em parecer, a Procuradoria Regional da República da 5ª Região opinou nos seguintes termos (fls. 150/152v): ACR 10994 SE M1089 1 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO (ARTS. DE HABILITAçãO FALSA. TIPICIDADE 304 E 297 DO CóDIGO PENAL). CARTEIRA NACIONAL DA CONDUTA PELO SIMPLES PORTE DO DOCUMENTO FALSO. DOSIMETRIA. EXCESSO. O réu foi preso em flagrante delito com Carteira Nacional de Habilitação (CNH) falsa, o que configurou o tipo do art. 304 do Código Penal. O simples porte de CNH por condutor de veículo já caracteriza o uso do documento, por se tratar de documento de porte obrigatório. A divergência sobre se o réu teria apresentado espontaneamente a CNH aos policiais rodoviários ou se um deles a retirou da carteira de documentos daquele é irrelevante para a tipificação do delito. A pena privativa de liberdade, fixada em três anos de reclusão, é incompatível com a ausência de circunstâncias judiciais desfavoráveis e de agravantes. Redução ao mínimo legal. Parecer pelo parcial provimento do recurso. É o relatório. Ao eminente revisor. JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI Relator ACR 10994 SE M1089 2 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI APELAÇÃO CRIMINAL Nº 10994 SE (0000925-74.2013.4.05.8500) APTE : ANTÔNIO DOS SANTOS VIEIRA ADV/PROC : JOSE ANTONIO SANTOS FERREIRA E OUTROS APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 1ª VARA FEDERAL DE SERGIPE - SE RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO LIMA (CONVOCADO) - Primeira Turma EMENTA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304 DO CP). FALSIFICAÇÃO NÃO GROSSEIRA. PORTE DA CNH INAUTÊNTICA. CONFIGURAÇÃO DO DELITO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO RÉU. REDUÇÃO DAS PENAS. 1. Apelação criminal interposta por A.S.V. em face de sentença que o condenou pela prática do delito previsto no art. 304 do CP (uso de documento falso), com as sanções do art. 297 do mesmo diploma legal, com penas definitivamente fixadas em 3 anos de reclusão, inicialmente em regime aberto, substituída por duas sanções restritivas de direitos, mais o pagamento de 15 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato. 2. É certo que os policiais rodoviários federais que realizaram a abordagem do réu logo perceberam a inautenticidade da CNH em nome de A.S.V.. Este fato, porém, não retira a força do laudo pericial constante aos autos, que concluiu que a falsificação não é grosseira, hábil para enganar o homem médio. É que, ao contrário das pessoas de diligência ordinária, os policiais, como agentes da manutenção da ordem pública e do combate ao crime, possuem maior facilidade para detectar contrafações. Isto posto, tem-se que a CNH falsificada continha potencialidade lesiva para a caracterização do crime de uso do documento falso. 3. Apesar da certeza da falsidade documental, a instrução criminal não foi capaz de esclarecer a controvérsia sobre a apresentação ou não, pelo réu, da CNH quando da abordagem pelos policiais rodoviários federais. 4. Portar CNH quando o agente estiver conduzindo veículo, por se tratar de prescrição legal prevista no CTB, é “ fazer uso”do documento. Se o documento for falso, como na hipótese presente, o agente pratica o delito do art. 304 do CP. In casu, o crime de uso de documento falso consumou-se no instante em que o réu dirigiu seu veículo portando CNH inautêntica. Irrelevante tenha sido o documento apresentado voluntariamente pelo agente ou retirado de suas mãos pela autoridade competente, pois, nesse momento, apenas descobriu-se que o réu praticara o crime. Precedentes do STJ. ACR 10994 SE M1089 3 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI 5. Na primeira fase da dosimetria da pena, não se vislumbra qualquer peculiaridade no caso concreto capaz de valorar negativamente as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. Desta forma, ausentes agravante, atenuantes ou causas de aumento ou de diminuição de pena, reduz-se as sanções impostas para o mínimo legal, ou seja, 2 anos de reclusão, inicialmente em regime aberto (art. 33, § 2º, “ c” , do CP), substituída por duas sanções restritivas de direitos (art. 44 do CP), nos termos da sentença, mais o pagamento de 10 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos. 6. Apelação parcialmente provida, apenas para reduzir as penas impostas na sentença. VOTO O DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO LIMA (Relator Convocado): Cuida-se de apelação criminal interposta por ANTôNIO DOS SANTOS VIEIRA em face de sentença de fls. 100/123 que julgou procedente a denúncia, para condenar o apelante pela prática do delito previsto no art. 304 do CP (uso de documento falso), com as sanções do art. 297 do mesmo diploma legal. Entendeu o Magistrado do 1º grau que o denunciado, ao ser abordado por policiais rodoviários federais na BR-235, em 13/03/2013, no Município de Nossa Senhora do Socorro/SE, fez uso de Carteira Nacional de Habilitação –CNH falsa. As penas foram definitivamente fixadas em 3 anos de reclusão, inicialmente em regime aberto, substituída por duas sanções restritivas de direitos, mais o pagamento de 15 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato. Nas razões do recurso (fls. 128/133), ANTôNIO DOS SANTOS VIEIRA sustenta que os fatos residentes nos autos não autorizam um decreto condenatório. Destaca que os policiais autores da prisão prestaram depoimentos contraditórios entre si, uma vez que “ uma testemunha afirma que o apelante informou não ser habilitado mas lhe apresentou uma CNH” , enquanto a outra disse “ ter visto o seu colega policial Herick Rangel retirar dos documentos do recorrente uma CNH falsa” . Alega que a falsificação era tão grosseira que era incapaz de iludir o cidadão comum. Argumenta que o delito do art. 304 do CP é fazer uso de documento falso, e não simplesmente portá-lo. Ao final, pugna pelo provimento do apelo, para absolver o réu por insuficiência de provas, na forma do art. 386, VI, do CPP, ou, alternativamente, seja reconhecido o excesso das penas aplicadas, reduzindo-as para os valores mínimos cominados ao delito. Conheço do recurso, porque estão presentes seus pressupostos de admissibilidade intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse e ausência de fato ACR 10994 SE M1089 4 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI extintivo e impeditivo do direito de recorrer) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal). No meu sentir, a sentença merece ser parcialmente reformada. Dispõem os arts. 304 e 297 do CP, in verbis: Uso de documento falso Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem os arts. 297 a 302: Pena - a cominada à falsificação ou à alteração. Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa. Não há controvérsia nos autos acerca da falsidade documental. Conforme o Laudo nº 087/2013 –SETEC/SR/DPF/SE (fls. 36/40), a CNH de número de espelho 876651123, emitida em 23/09/2011 em nome de ANTôNIO DOS SANTOS VIEIRA (CPF Nº 999.333.495-30), é materialmente falsa. Ademais, em consulta realizada no DENATRAN, verificou-se que inexiste o número de registro constante na CNH em questão. Os policiais rodoviários federais que prenderam o réu em flagrante também relataram, na fase inquisitiva e em juízo, que, no instante da abordagem, realizaram consultas nos sistemas disponíveis (INFOSEG e SERPRO), onde se verificou a inexistência de registro e que o condutor não possuía CNH (vide fls. 02 e 04 do IPL e mídia digital à fl. 80). É certo que os policiais Herick Rangel do Nascimento e Márcio André Machado Santos logo perceberam a inautenticidade da CNH em nome de ANTôNIO. Este fato, porém, não retira a força do laudo pericial constante às fls. 36/40 do IPL, que concluiu que a falsificação não é grosseira, hábil para enganar o homem médio. É que, ao contrário das pessoas de diligência ordinária, os policiais, como agentes da manutenção da ordem pública e do combate ao crime, possuem maior facilidade para detectar contrafações. “ Não se trata de crime impossível a falsificação de Carteira Nacional de Habilitação quando o falso é detectado policiais rodoviários, na medida em que estes são preparados para verificarem a falsificação de documentos e estão acostumados a lidar com situações como a que ora se analisa, portanto hábil o documento falso para causar potencialidade lesiva” (ACR 0043577-96.2010.4.01.3400, Desembargador Federal Tourinho Neto, TRF1 - Terceira Turma, e-DJF1 DATA:31/01/2013 PAGINA:69.). ACR 10994 SE M1089 5 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI Pelo exposto, tem-se que a CNH falsificada continha potencialidade lesiva para a caracterização do crime de uso do documento falso. Prossigo. Analisando detidamente os autos, tem-se que, apesar da certeza da falsidade documental, como visto alhures, a instrução criminal não foi capaz de esclarecer a controvérsia sobre a apresentação ou não, pelo réu, da CNH quando da abordagem pelos policiais rodoviários federais. ANTôNIO afirma que não exibiu o documento falso, e que o policial Herick puxou a CNH falsa de dentro da sua carteira de cédulas, tese também defendida pela declarante Claudinete Silva Batista, companheira do réu presente no local do suposto fato delituoso. No mesmo sentido, depoimento do policial Márcio, que disse ter visto seu colega Herick retirar a CNH falsa da carteira de ANTôNIO (mídia digital à fl. 80). Doutra banda, o policial Herick sustenta que, a princípio, ANTôNIO disse que não possuía habilitação; todavia, após ser alertado sobre a possibilidade de ter sua moto retida, entregou-lhe tal documento espontaneamente (fls. 02/03 do IPL e mídia digital à fl. 80). Realizada acareação entre os dois policiais rodoviários, Márcio modificou seu primeiro depoimento e passou a asseverar que, diante da distância e da pouca iluminação do local, não sabe se ANTôNIO entregou a CNH inautêntica à Herick ou se este retirou a CNH da carteira do réu. Herick, por seu turno, continuou afirmando que foi ANTôNIO que, voluntariamente, entregou-lhe a CNH falsa (mídia digital à fl. 97). Essa discussão, entretanto, no meu sentir, pouco interessa para solução do deslinde. O crime do art. 304 do CP depende, para sua consumação, da forma corrente de utilização de cada documento. Via de regra, “ aquele com quem é encontrado o documento falsificado não pratica o delito de uso de documento falso, havendo necessidade, outrossim, que o agente, volitivamente, o utilize, apresentando-o como se 1. fosse verdadeiro” Como exceção, tem-se exatamente o caso dos autos. Explico. A exigência de habilitação para conduzir veículo automotor é disciplinada pelo Código de Trânsito Brasileiro –CTB nos arts. 140 e seguintes. Conduzir veículo sem os documentos de porte obrigatório, incluindo-se, segundo o art. 1º, I, da Resolução 1 GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói: Impetus, 2008. p. 1196. ACR 10994 SE M1089 6 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI nº 205/2006 do CONTRAN, a Carteira Nacional de Habilitação, é, inclusive, infração de trânsito prevista no art. 232 do CTB. Ou seja, como exceção à regra acima exposta, penso que portar CNH quando o agente estiver conduzindo veículo, por se tratar de prescrição legal prevista no CTB, é “ fazer uso”do documento. Em outras palavras, por força do CTB, que impõe o porte da CNH para condução de veículo, o mesmo já configura o uso em potencial. Se o documento for falso, como na hipótese presente, o agente pratica o delito do art. 304 do CP. In casu, o crime de uso de documento falso consumou-se no instante em que o réu dirigiu seu veículo portando CNH inautêntica. Irrelevante tenha sido o documento apresentado voluntariamente pelo agente ou retirado de suas mãos pela autoridade competente, pois, nesse momento, apenas descobriu-se que o réu praticara o crime. Na lição de Cezar Roberto Bitencourt2: “Quando se tratar de Carteira Nacional de Habilitação, o simples porte caracteriza o crime, embora somente seja exibido por solicitação da Autoridade de Trânsito. Nessa hipótese, portá-la é “fazer uso”. Na hipótese de outro documento, a nosso juízo, o simples “porte de documento”, que apenas é encontrado mediante revista da autoridade competente, não caracteriza este crime”. No mesmo sentido, destaco excerto do voto do Ministro Assis Toledo, nos autos do REsp 63370/SP, julgado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça em 14/05/1996: Com efeito, se o réu conduzia o veículo portando carteira de habilitação falsificada é porque a usava nas circunstâncias. O Código Nacional de Trânsito exige que o motorista “porte a carteira de habilitação”e a exiba quando solicitada. Portanto, portar a carteira, para dirigir, é sem dúvida uma das modalidades de uso desse documento, caracterizando a sua exibição a confirmação do intuito doloso da conduta do agente. O crime em exame depende para sua consumação da forma corrente de utilização de cada documento. Assim, um cheque, uma nota promissória, falsificados, encontrados em poder de motorista, na direção de veículo, pode não caracterizar o crime de uso, por não aperfeiçoamento da ação típica, ou seja “fazer uso”do documento. Trazer consigo um cheque, uma nota promissória,, não é, ainda, extrair desses papéis a utilidade que eles possuem em função de sua finalidade. Mas, a carteira de motorista, ao contrário, tem esta finalidade: a de ser portada para eventual exibição à autoridade. Fora dessa hipótese é que se poderia pôr em dúvida a existência de um autêntico “uso”do documento em causa. Eis alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal (destaques acrescidos): EMENTA: RESP - PENAL - CRIME DE FALSO - USO DE DOCUMENTO FALSO - CARTEIRA DE HABILITAÇÃO - FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA CONTRAVENÇÃO PENAL - A EXECUÇÃO DA CONDUTA DELITUOSA 2 BITENCOURT, Cesar Roberto. Código Penal Comentado. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1131. ACR 10994 SE M1089 7 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI PRECISA SER IDONEA PARA ALCANÇAR RESULTADO JURIDICAMENTE RELEVANTE. O SUJEITO ATIVO DO CRIME DEFINIDO NO ART. 304, CP, NÃO PARTICIPA DO 'ITER CRIMINIS' DO FALSO MATERIAL OU IDEOLOGICO. AO CONTRARIO, RECEBE O FALSO E, DOLOSAMENTE, O UTILIZA. QUANDO O MOTORISTA FAZ USO DE DOCUMENTO FALSO (CARTEIRA DE HABILITAÇÃO) A CONSUMAÇÃO SE DA NO MOMENTO EM QUE DIRIGE O CARRO, NA VIA PUBLICA. NÃO SE CONFUNDAM CONSUMAÇÃO - E - DESCOBERTA DA CONSUMAÇÃO. A PRIMEIRA PODE OCORRER SEM A SEGUNDA. A EXIBIÇÃO DA CARTEIRA, ASSIM, AINDA QUE SOLICITADA, E FATO POSTERIOR A - CONSUMAÇÃO. SE, AO EXIBILA, O POLICIAL, A VISTA DESARMADA E IMEDIATAMENTE, CONSTATA A FALSIDADE, A EXECUÇÃO SE EVIDENCIA INEFICAZ, IMPROPRIA PARA ATINGIR O EVENTO TIPICO. TRATA-SE DE CRIME IMPOSSIVEL. TODO FALSO E MENTIRA, MAS NEM TODA MENTIRA E FALSO (CRIME). APESAR DISSO, RESTA EVIDENCIADO, O MOTORISTA DIRIGIA O CARRO, SEM A DEVIDA HABILITAÇÃO, NA VIA PUBLICA, O QUE CONFIGURA CONTRAVENÇÃO PENAL. (ART. 32). (RESP 199400232764, LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, STJ - SEXTA TURMA, DJ DATA:17/10/1994 PG:27921 REPDJ DATA:12/12/1994 PG:34282 RSTJ VOL.:00066 PG:00450 ..DTPB:.) EMENTA: PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. PRATICA O CRIME CAPITULADO NO ART. 304, DO CODIGO PENAL, AQUELE QUE CONDUZ VEICULO PORTANDO CARTEIRA DE HABILITAÇÃO FALSA, NÃO IMPORTANDO AS CIRCUNSTANCIAS DO CONHECIMENTO DA AUTORIDADE POLICIAL. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO, POREM IMPROVIDO. (RESP 199000041538, WILLIAM PATTERSON, STJ - SEXTA TURMA, DJ DATA:01/07/1991 PG:09207 RT VOL.:00675 PG:00424 ..DTPB:.) CRIMINAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO ADQUIRIDA SEM PRESTAÇÃO DOS EXAMES NECESSARIOS E COM ASSINATURA FALSA. IRRECUSAVEL O DOLO GENERICO, NÃO SENDO ACEITAVEL A ESCUSA DE QUE O DESVIO DOS AGENTES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA EXPEDIÇÃO DE CARTEIRAS DE HABILITAÇÃO FALSAS DA MARGEM A QUE SE TENHA COMO VERDADEIRAS AS CARTEIRAS ADQUIRIDAS SEM O ATENDIMENTO DAS EXIGENCIAS LEGAIS. O FATO DE PORTAR O DOCUMENTO, PARA DIRIGIR O VEÍCULO, IMPORTA SEM USO, POIS SÓ COM ELE ESTA O MOTORISTA AUTORIZADO A DIRIGIR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (RE 117810, Relator(a): Min. CARLOS MADEIRA, Segunda Turma, julgado em 28/02/1989, DJ 31-03-1989 PP-04334 EMENT VOL-01535-04 PP-00610) Como razões adicionais a este julgamento, vale transcrever parte do Parecer da Procuradoria Regional da República da 5ª Região (fls. 151/151v –destaques acrescidos): 11. Não obstante o art. 304 do Código Penal mencione “fazer uso”, a análise a fazer aqui é se a conduta de portar a carteira nacional de habilitação (CNH) corresponderia a fazer uso dela, de modo a trais as sanções daquele tipo penal. É de conhecimento geral que, no Brasil, apenas podem conduzir veículos automotores aqueles que sejam devidamente habilitados, após aprovação em testes ACR 10994 SE M1089 8 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI teóricos e práticos eliminatórios, realizados no órgão de controle, o respectivo Departamento Estadual de Trânsito. 12. Trata-se de exigência disciplinada no art. 140 e seguintes do Código de Trânsito Brasileiro (CTB –Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997), os quais tratam da habilitação para conduzir veículo automotor e elétrico, cuja ignorância não se aceita alegar (art. 21 do Código Penal). 13. Ademais, o CTB, no art. 159, § 1º, obriga o porte da permissão para dirigir ou da CNH quando o condutor estiver na direção do veículo. Dessa forma, quanto à CNH, por se tratar de documento de porte obrigatório, a situação é peculiar, ou seja, o simples porte já caracteriza o uso do documento [...]. 14. Dessa maneira, a divergência sobre se o réu teria apresentado espontaneamente a CNH aos policiais rodoviários ou se um deles a retirou da carteira de documentos do acusado é irrelevante para a tipificação do delito. De posse da habilitação falsa no momento da abordagem, ao conduzir o veículo, ANTôNIO DOS SANTOS VIEIRA praticou o crime do art. 304 do CP. Desta forma, independentemente se o réu apresentou ou não o documento inidôneo quando abordado pelos policiais rodoviários federais, o simples porte da CNH falsa, por si só, já implica na consumação do delito do art. 304 do CP, não merecendo retoques, neste ponto, a sentença fustigada. Passo à dosimetria da pena. Na primeira fase da dosimetria da pena, não vislumbro qualquer peculiaridade no caso concreto capaz de valorar negativamente as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. Culpabilidade: o réu agiu com culpabilidade e reprovabilidade inerentes à espécie, assim não cabendo valoração negativa neste ponto. Antecedentes, conduta social e personalidade: em relação a estes itens, nada há nos autos que as desabone. Motivos, circunstâncias e consequências do crime: as circunstâncias em que o delito foi praticado são as implícitas ao tipo, como também o são os motivos e as consequências. Comportamento da vítima: o comportamento da vítima (Estado) não contribuiu para o delito. Isto posto, reduzo a pena-base privativa de liberdade para o mínimo legal, ou seja, 2 anos de reclusão, e a pena de multa para 10 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato. Ausentes agravantes, atenuantes ou causas de aumento ou de diminuição de pena, torno as penas definitivas em 2 anos de reclusão, inicialmente em regime aberto (art. 33, § 2º, “c”, do CP), substituída por duas sanções restritivas de direitos (art. 44 do CP), nos termos da sentença, mais o pagamento de 10 diasmulta, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos. ACR 10994 SE M1089 9 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI Com essas considerações, dou parcial provimento à apelação, apenas para reduzir as penas impostas na sentença. É como voto. DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO LIMA Relator Convocado ACR 10994 SE M1089 10 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI APELAÇÃO CRIMINAL Nº 10994 SE (0000925-74.2013.4.05.8500) APTE : ANTÔNIO DOS SANTOS VIEIRA ADV/PROC : JOSE ANTONIO SANTOS FERREIRA E OUTROS APDO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ORIGEM : 1ª VARA FEDERAL DE SERGIPE - SE RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO LIMA (CONVOCADO) Primeira Turma EMENTA. PENAL E PROCESSUAL PENAL. USO DE DOCUMENTO FALSO (ART. 304 DO CP). FALSIFICAÇÃO NÃO GROSSEIRA. PORTE DA CNH INAUTÊNTICA. CONFIGURAÇÃO DO DELITO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS AO RÉU. REDUÇÃO DAS PENAS. 1. Apelação criminal interposta por A.S.V. em face de sentença que o condenou pela prática do delito previsto no art. 304 do CP (uso de documento falso), com as sanções do art. 297 do mesmo diploma legal, com penas definitivamente fixadas em 3 anos de reclusão, inicialmente em regime aberto, substituída por duas sanções restritivas de direitos, mais o pagamento de 15 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo vigente ao tempo do fato. 2. É certo que os policiais rodoviários federais que realizaram a abordagem do réu logo perceberam a inautenticidade da CNH em nome de A.S.V.. Este fato, porém, não retira a força do laudo pericial constante aos autos, que concluiu que a falsificação não é grosseira, hábil para enganar o homem médio. É que, ao contrário das pessoas de diligência ordinária, os policiais, como agentes da manutenção da ordem pública e do combate ao crime, possuem maior facilidade para detectar contrafações. Isto posto, tem-se que a CNH falsificada continha potencialidade lesiva para a caracterização do crime de uso do documento falso. 3. Apesar da certeza da falsidade documental, a instrução criminal não foi capaz de esclarecer a controvérsia sobre a apresentação ou não, pelo réu, da CNH quando da abordagem pelos policiais rodoviários federais. 4. Portar CNH quando o agente estiver conduzindo veículo, por se tratar de prescrição legal prevista no CTB, é “ fazer uso”do documento. Se o documento for falso, como na hipótese presente, o agente pratica o delito do art. 304 do CP. In casu, o crime de uso de documento falso consumou-se no instante em que o réu dirigiu seu veículo portando CNH inautêntica. Irrelevante tenha sido o documento apresentado voluntariamente pelo agente ou retirado de suas mãos pela autoridade competente, pois, nesse momento, apenas descobriu-se que o réu praticara o crime. Precedentes do STJ. 5. Na primeira fase da dosimetria da pena, não se vislumbra qualquer peculiaridade no caso concreto capaz de valorar negativamente as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP. Desta forma, ausentes agravante, atenuantes ou causas de aumento ou de diminuição de pena, reduz-se as sanções impostas para o mínimo legal, ou seja, 2 anos de reclusão, inicialmente em regime aberto (art. 33, ACR 10994 SE M1089 11 PODER JUDICIáRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO GABINETE DO JUIZ FRANCISCO CAVALCANTI § 2º, “ c” , do CP), substituída por duas sanções restritivas de direitos (art. 44 do CP), nos termos da sentença, mais o pagamento de 10 dias-multa, cada um no valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos. 6. Apelação parcialmente provida, apenas para reduzir as penas impostas na sentença. ACÓRDÃO Vistos e relatados os presentes autos, DECIDE a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento. Recife/PE, 10 de abril de 2014. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL FLÁVIO LIMA Relator Convocado ACR 10994 SE M1089 12