ANDRÉ LUIZ CID MAIA A CORRELAÇÃO ENTRE LEGITIMIDADE E SENTENÇA. I- INTRODUÇÃO: É imperioso, no início do trabalho, delimitar os conceitos que serão utilizados. Legitimidade pode abranger tanto condição de ação , quanto pressuposto processual . Quando tratar-se de condição de ação , a legitimidade também conhecida como legitimatio ad causam ou legitimação para a causa, é um requisito de admissibilidade de uma decisão sobre o mérito da causa, com a aplicação do direito objetivo relativamente à pretensão deduzida em juízo. Esta legitimação vem a ser, na expressão de Alfredo Buzaid, a pertinência subjetiva da ação: a ação deve ser proposta por quem se diz titular do interesse subordinante, ou prevalecente, da pretensão, em face daquele cujo interesse, de conseqüência, esteja subordinado ao do autor. Consiste na individualização daquele a quem pertence o interesse de agir e daquele em frente do qual se formula a pretensão levada ao Judiciário. Diz respeito a legitimação para agir à posição de autor e réu em relação a um litígio. Só os titulares dos interesses em conflito têm direito à prestação jurisdicional e ficam obrigados a subordinar-se, in casu, ao poder ou império estatal. Diferentemente da legitimatio ad causam, a legitimidade ad processum refere-se ao processo, à relação jurídica processual. É um pressuposto processual, é a capacidade de estar em juízo. Segundo ensina Amílcar de Castro, ela “...consiste na faculdade de praticar atos processuais válidos, a que sejam atribuídos efeitos jurídicos (1) ____________________________________________________________ 1 ANDRÉ LUIZ CID MAIA Diz respeito, portanto, à capacidade processual, ou seja, à aptidão de uma pessoa para ser parte, isto é, sujeito de direitos e obrigações, faculdades e poderes, ônus e deveres, quer como autor ou réu , quer como interveniente, num processo.( 2 ). Em suma, e como bem explica Hélio Tornaghi ( 3 ) é a legitimatio ad processum a capacidade de estar em juízo, pressuposto processual regulamentado nos arts. 7° e 13 da Codificação nacional de 1973, e que se deixa ficar num plano abstrato, vale dizer, alheado de qualquer concreção, verbis: “ Legitimatio ad causam e legitimatio ad processum . A legitimação de que trata este dispositivo é para a causa, é a titularidade do direito de ação. Nada tem que ver com a legitimatio da processum, que é a capacidade para ir a juízo. A primeira é condição da ação ; a outra é pressuposto processual. Uma pessoa pode ter a primeira e não ter a segunda ( p. ex.: pode ser credor , mas ser incapaz). E vice-versa, ter a segunda mas não ter a primeira ( ser plenamente capaz mas não ser credor, senão apenas amigo do credor). A legitimatio ad causam deve ser aferida em cada caso. A legitimatio ad processum é examinada em abstrato, independente de qualquer situação atual e concreta. “ Resta, agora, verificar a última expressão em exame, vale dizer, a sentença. Alexandre Freitas Câmara, ( 4 ) afirma que o CPC contém , em seu art. 162 , uma definição de sentença , segundo o qual esta seria “ o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa. Esta definição tem o nítido fim de evitar divergências doutrinárias e jurisprudenciais , máxime quanto ao cabimento do recurso contra os provimentos judiciais. Esta redação não mais existe. Após a reforma, define o CPC sentença como o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 . O artigo 267 estabelece quando o processo será extinto sem resolução de mérito e o 269, por sua vez, estabelece os casos onde há resolução ____________________________________________________________ 2 ANDRÉ LUIZ CID MAIA de mérito , não mais falando em extinção do processo. Sem dúvidas de melhor técnica. É ainda Freitas Câmara que propõe que se defina sentença como o provimento judicial que põe termo ao ofício de julgar do magistrado, resolvendo ou não o objeto do processo. Afirma-se, tão somente, que com a sentença o juiz cumpre seu ofício de julgar . Tal ofício de julgar estará encerrado, quer tenha o juiz proferido sentença que contenha resolução de mérito, quer não o contenha. ____________________________________________________________ 3 ANDRÉ LUIZ CID MAIA DESENVOLVIMENTO: II-1. LEGITIMIDADE AD CAUSAM E DECISÃO FINAL DEFINITIVA Apesar de a legitimidade, ensina Vicente Greco (5) ser examinada no processo e ser uma condição do exercício da ação, a regra é a de que as normas definidoras da parte legítima estão no direito material, porque é ele que define as relações jurídicas entre os sujeitos de direito, determinando quais os respectivos titulares. Assim , somente a análise cuidadosa das relações que jurídicas entre os sujeitos , a serem submetidas ao Judiciário, determinará a legitimatio ad é causam. Essa análise, via de regra, é simples, desde que as relações jurídicas também apareçam claras e simples. Todavia, nem sempre isso acontece. Às vezes, as relações jurídicas são entrelaçadas ou complexas, ou, então, podem não estar plenamente definidas porque os fatos estão obscuramente conhecidos. Nestes casos, a errada qualificação das relações jurídicas pode levar a um erro de legitimidade, acabando por demandar quem não podia fazê-lo. Por outro lado, é comum que o problema da legitimidade ad causam dependa de definição jurídica a ser provada junto com o mérito da causa, de modo que somente no final da causa se percebe o vício nos pólos subjetivos da ação. Luiz Guilherme Marinoni, ( 6 ) não se afasta desse entendimento, considerando que se as condições da acão ( entre elas a legitimidade, como é lógico) devem ser apreciadas apenas em virtude da afirmação do autor ( o autor afirma-se proprietário do imóvel na ação de reivindicação, pouco importando a prova realizada, e neste caso, por exemplo, existe condição da ação ) ou se devem estar presentes em face da afirmação constante na petição inicial e da prova realizada no processo ( o autor afirma ser proprietário do imóvel e a prova é ____________________________________________________________ 4 ANDRÉ LUIZ CID MAIA no sentido de que outro é seu proprietário, pelo que faltaria, por exemplo, legitimidade para a causa ) , o fato é que as condições da ação, por dizerem respeito ao direito material fazem com que a afirmação de ausência de uma delas seja, na realidade, um caso de afirmação macroscópica de falta de amparo do autor perante o direito material. Ora, se no processo individual, exceto hipóteses excepcionais , o juiz afirma que o autor não tem legitimidade para a causa porque não é titular do direito material , ele está afirmando que o autor não tem direito material a ser postulado. No Recurso Extraordinário 104.469-1, Relator Ministro Octávio Galloti, o STF deixou expresso que : “ negando provimento à apelação dos autores, assim argumentou o acórdão recorrido, na trilha do voto do Relator, eminente Desembargador Manoel Coelho: É discutível em doutrina se a declaração de saneamento opera preclusão quanto às condições da ação, se nessa interlocutória irrecorrida, ficam elas reconhecidas como presentes. De minha parte, apesar da Súmula 424 do Supremo Tribunal Federal, tenho por certo que o saneamento expresso sobre a presença das condições da ação não impede o Juiz de rever essa matéria ao ensejo da sentença final , se verificar nessa oportunidade que a interlocutória delirou gravemente, afirmando condição inexistente, máxime quando o erro versa sobre legitimatio ad causam, que sempre envolve de certo modo o próprio mérito da causa, pela singela razão de que não existe, e nem pode existir, direito sem sujeito .( grifo nosso). Na espécie, aliás, a declaração de saneamento quanto à presença das condições da ação, apresenta-se destituída de adequada força decisória, pois emerge de uma decisão esteriotipada, mais que isso, mimiografada, sem qualquer acréscimo motivador, embora a questão tivesse sido agitada na contestação. Mas, ainda que assim não fosse, a sentença teria se resguardado, como se resguardou, de eventual invalidade por rever a matéria preclusa, ao decidir pela improcedência e não pela carência de ação, como se estivesse o seu prolator a ouvir a recomendação da CALMON DE PASSOS (7) sobre a maneira desse contornar o impasse. Diz efetivamente o citado processualista que “ afirmada a existência das condições da ação e verificando o juiz, ao ter de prolatar ____________________________________________________________ 5 ANDRÉ LUIZ CID MAIA sua sentença de mérito, que elas inexistem, só lhe resta a alternativa da improcedência, vedada a solução para carência de ação.” Galeno Lacerda (8) afirma que certas questões relativas ao mérito interessam fundamentalmente à relação processual – são elas a possibilidade jurídica do pedido e a legitimação ad causam... Nesta matéria, a ausência de recurso contra decisão interlocutória nenhuma eficácia terá. Continua a impender ao juiz, enquanto perdurar a jurisdição, a obrigação primordialíssima de perquirir dos pressupostos que legitimam o direito de ação . Se, acaso, em despacho irrecorrido, tiver considerado existentes tais condições, nem por isso ficará isento de dever de retratar-se, na hipótese de erro. Não poderá , mesmo, decidir as demais questões de mérito, se o autor carecer do título para agir. Pois que o título é que condiciona a solução daquelas questões. Se dele estiver desprovido o autor, impedido ficará o juiz de prestar a obrigação correspondente, pela ausência de conflito legítimo entre as partes. Só lhe cumpre declarar a carência de ação, sem se pronunciar sobre as questões prejudiciais. Absurdo seria, por exemplo, que um juiz, após reconhecer qualidade ao autor, em ação para contestar a legitimidade de filho, não pudesse retificar o erro diante de provas categóricas de que o mesmo autor não era a pessoa a quem a lei concede o direito de agir ,e que, por isto, diante de uma absurda preclusão, se visse forçado a julgar a questão de estado relativa ao suposto filho . Conforme se vê, a posição de Calmon de Passos ( pág. 10 ) diverge da posição de Galeno Lacerda. Aquele entende que na fase decisória o magistrado deve julgar improcedente o pedido, ainda que por ausência de legitimidade ad causam do autor, enquanto Galeno Lacerda considera que , mesmo assim, a hipótese é de carência de ação e , portanto, de extinção do feito sem apreciação do mérito. Tendo em vista a íntima ligação entre a legitimatio ad causam e o mérito, parece-me mais correta a posição do Prof. Calmon de Passos. Esta posição de vanguarda é sustentada, ao extremo, por Adroaldo Furtado Fabrício (9) ,no sentido de que a legitimidade de parte seria, na verdade, uma questão de mérito, ao entender que a falta da legitimidade para a causa ____________________________________________________________ 6 ANDRÉ LUIZ CID MAIA equivaleria à ausência de direito material. Nesse diapasão, vejamos o que diz o autor, ao tratar da legitimidade de parte: ” Relativamente a esta “condição”, parece ainda mais difícil sustentar-se que seja matéria estranha ao mérito. Efetivamente, ao sentenciar que o autor não tem legitimatio ad causam, denega-lhe o juiz, clarissimamente, o bem jurídico a que aspirava, posto que à sua demanda responde: “Se é que existe o direito subjetivo invocado, dele não és titular”. Proclamando o juiz, por outro lado, ilegitimidade passiva ad causam, declara que, em face do réu, não tem o autor razão ou direito. Em qualquer dos casos, há clara prestação jurisdicional de mérito, desfavorável ao autor – vale dizer, sentença de improcedência . “ O posicionamento de Adroaldo Furtado Fabrício não pode ser aceito em toda sua amplitude, sob pena de se negar vigência ao inciso VI, do art. 267 do Código de Processo Civil que, expressamente, determina a extinção do feito sem resolução do mérito quando ausente a legitimidade ad causam. Melhor o ensinamento supra de Calmon de Passos. A questão não é meramente acadêmica e gera conseqüências importantes. Dinamarco ( Liebman e a Cultura Processual Brasileira ) ensina que o problema da correta qualificação dessas situações surge quando se trata de discutir a incidência da coisa julgada material sobre essas decisões – porque ,como dispõe a lei , não fazem coisa julgada as sentenças ou acórdãos que extinguem o processo sem julgamento do mérito, podendo a demanda ser livremente reproposta depois desta extinção. Assim, em se julgando como carecedor de ação o autor ao invés da improcedência do pedido estar-se-ia diante de coisa julgada apenas formal e não material, embora fosse analisada questão efetivamente de mérito. Trata-se, como se viu, de aplicação radical dos elementos das condições da ação , quando então os órgãos jurisdicionais prolatam provimentos que avaliam de fato o mérito da ____________________________________________________________ 7 ANDRÉ LUIZ CID MAIA demanda, mas se pronunciam como se a questão de carência de ação houvesse sido acatada. É ainda Dinamarco que relata que alguns tribunais nacionais já se conscientizaram do tema, reconhecendo que, na verdade , se está diante de falsas carências de ação , quando então há que se reconhecer que houve pronunciamento de mérito da questão posta em juízo , pelo que se opera a coisa julgada material combatível, assim, somente pela ação rescisória e não pela reabertura do debate em processo diverso. II-2. LEGITIMIDADES E ANÁLISE QUANDO DA LAVRATURA DE DECISÃO FINAL. Há vários anos esta árdua matéria é discutida e até hoje, não raro, são levadas aos Tribunais controvérsias a seu respeito. Falar em correlação entre legitimidade e sentença é discutir, também, a meu ver, o alcance da preclusão das questões já decididas ou que deveriam ter sido decididas no curso no processo. É, exatamente, a esse respeito que o trabalho, a partir de agora, será desenvolvido. Orosimbo Nonato , em 1943 , ao analisar a “coisa julgada” e o então despacho saneador, deixou expresso, forte em Batista Martins, que o saneador não tem vida autônoma e sua eficácia depende da natureza da questão resolvida. Nos limites do julgamento e em face da natureza da questão, que ele solve, produz sem dúvida coisa julgada . ____________________________________________________________ 8 ANDRÉ LUIZ CID MAIA Alguns anos depois, Candido Mota Filho afirmava com relação à legitimidade ad processum que se o juiz só podia examiná-la pelo contexto probatório, não haveria preclusão . Se o juiz decidiu que os autores eram partes ilegítimas, porque não tinham direito, por carência de ação e assim se pronunciou sobre a ilegitimidade causal, matéria de mérito, possível de ser apreciada na sentença. Mesmo admitida a legitimatio ad processum no saneador, não teria havido julgamento do mesmo da legitimatio ad causam , que só feita afinal e assim sendo não se operou a preclusão. Em 1962, ainda sob o império do Código de 1939, manteve-se inalterada, ficando patente que se a legitimidade a questão ficou realmente decidida pelo despacho saneador constituiu-se , assim, a coisa julgada, não mais passível de impugnação pelo recurso. Nesse mesmo ano, ficou assentado que não se pode, na segunda instância, pronunciar nulidade, repelida em despacho saneador não impugnado. O E. Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária de 01 de junho de 1964, editou a Súmula 424 com o seguinte enunciado: TRANSITA EM JULGADO O DESPACHO SANEADOR DE QUE NÃO HOUVE RECURSO, EXCLUÍDAS AS QUESTÕES DEIXADAS, EXPLICITA OU IMPLICITAMENTE, PARA A SENTENÇA. Portanto, a Corte Excelsa consolidou entendimento. Se a legitimidade tinha sido analisada pelo despacho saneador, irrecorrido, não poderia o magistrado , quando da prolação da sentença alterar sua posição, considerando ilegítima parte anteriormente tida como legítima. Somente no caso de silêncio ou expressamente não tocada, teria o juiz a porta aberta para julgar quando da decisão final. E assim a jurisprudência passou a se posicionar, em consonância com a Súmula do STF. Veja-se : Ocorreu preclusão quanto à ilegimitidade ad causam operada pelo despacho saneador de que não houve recurso apesar de intimados ____________________________________________________________ 9 ANDRÉ LUIZ CID MAIA regularmente os interessados. O saneador decidiu da legitimidade das partes, tanto ativa como passiva, tanto ad processum como ad causam, nos termos do art. 294, I, do CPC, não ficando para a sentença qualquer questão ligada a essa matéria. Não tenho havido recurso, ocorreu a preclusão. .... Estou que o acórdão recorrido decidiu bem êsse ponto, julgando ter havido preclusão quanto à ilegitimidade ad causam operada pelo despacho saneador de que não houve recurso... Não se negou que a ilegitimidade ad causam possa ser conhecida e decretada em apelação. Aliás, o acórdão não se omitiu na matéria. A ela expressamente se referiu para dizer que, sobre tal questão, ocorrera preclusão pela ausência de recurso legalmente hábil para revivê-la. (10) Dessa forma, questão decidida no saneador irrecorrido não poderia mais ser apreciada em posterior pronunciamento judicial. Tanto a forma como a substância do saneador passaram a configurar matéria preclusa. Tudo parecia certo e resolvido até que em 1973 entra em vigor o novo Código de Processo Civil , modificando o entendimento até então adotado. O Desembargador Emílio Gischkow (11), então integrando do C. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, bem ilustra a mudança: as questões de direito processual, relacionadas com a legitimidade ad processum, uma vez decididas, ficam preclusas, não havendo interposição de recurso. As de direito material e que dizem com a legitimidade ad causam , significando o exame da titularidade de direito material não ficam preclusas com o saneamento pois a existência do direito material é indisponível e deve ser solucionada com o mérito (8). O texto do § 3° do art. 267 não deixa dúvida: a matéria constante dos n°s IV,V e VI pode ser conhecida de ofício, pelo Juiz, enquanto não proferida a sentença de mérito Moniz de Aragão (12)afirma que a sentença de mérito é a que definiu com caráter final, aplicando-se, portanto, o preceito do texto, tribunais também aos superiores , julgando originariamente ou em grau de recurso. E mais: Disso resulta que assim o Juiz como o Tribunal poderão aplicar a matéria dos três incisos, se a encontrarem demonstrada nos autos, mesmo que as partes não hajam suscitado. Há, porém, limite a essa possibilidade, que resulta da natureza do recurso: Somente os que são considerados ordinários, contendo devolução ____________________________________________________________ 10 ANDRÉ LUIZ CID MAIA integral, poderão ensejá-lo. O recurso extraordinário, que subordina a atuação do Supremo Tribunal Federal aos pressupostos constitucionais de sua admissibilidade, nem sempre ensejará essa apreciação, sendo necessário fazer distinção entre a fase de conhecimento e a do julgamento propriamente dito, sem o que não se poderia chegar a bom resultado. Com efeito, proposta a questão sobre a ilegitimidade da parte, não pode o Tribunal eximir-se de apreciá-la, sob a alegação de preclusão, sendo-lhe mesmo possível apreciá-la de ofício. A boa doutrina recusa que as questões no art. 267, IV,V e VI do Código de Processo sejam objeto de preclusão se apreciadas no saneador, afirmando o ilustre Amaral Santos (13 ) que uma tal conclusão constituiria negativa de vigência do art. 267, § 3° que autoriza o juiz a conhecer, de oficio, em qualquer tempo e grau de jurisdição, as referidas questões. O que esse dispositivo está a dizer é que matéria de tanta monta, tanto que mereceu norma especial, pode ser conhecida e decidida de ofício , em primeiro e segundo grau de jurisdição. Conforme pensamos, são ainda palavras do Professor, os juízes de apelação podem dela conhecer e decidir de ofício. E, se o podem, nada obsta a que a parte interessada provoque julgamento a respeito . Diante da mudança, o que fazer com a Súmula 424 do STF? A resposta é dada pelo único órgão apto a fazê-lo, o próprio Supremo Tribunal Federal. Nos autos do já mencionado recurso extraordinário 104.469-1, do Distrito Federal, julgado em 14 de maio de 1985, em o qual foi Relator o douto Ministro Octavio Gallotti, nos seguintes termos: Despacho Saneador que considerou presentes as condições da ação e do qual não se manifestou recurso. A Súmula n° 424 continua em vigor, salvo para as hipóteses previstas no art. 267 ,§ 3° , do vigente Código de Processo Civil, em que não ocorre a preclusão. E prossegue o culto Ministro, em nota n° 5, ao art 331 do Código de Processo Civil, observa THEOTÔNIO NEGRÃO (14) que a Súmula 424 continua ____________________________________________________________ 11 ANDRÉ LUIZ CID MAIA em vigor “ salvo nos casos do art. 267, § 3° , em que não ocorre a preclusão .Arrima-se esse entendimento em acórdão desta Turma, relatado pelo eminente Ministro Alfredo Buzaid, no Agravo de Instrumento n° 89.518 ( AGRG) , de cuja ementa destaca o seguinte tópico: O art. 267 , § 3° , do Código de Processo Civil admite que o juiz, de ofício, em qualquer tempo ou grau de jurisdição, enquanto não proferida a sentença de mérito, aprecie as condições de admissibilidade da ação, indicadas no art. 267, IV do mesmo Código. Mas essa norma é circunscrita, de regra, aos recursos ordinários “ ( RTJ 105/1038 ) Destarte, princípio inovado pelo Código de 1973 afasta a divergência com a Súmula n° 424 , no tocante à tese do Recurso. Aí está. A ilegitimidade ad causam, como uma das condições da ação (art. 267. VI, CPC ), deve ser conhecida de ofício ( art. 301 , § 4° , CPC) e em qualquer tempo e grau de jurisdição ( art. 267, § 3° , CPC ) , inocorrendo preclusão. Assim estabelecido, o Superior Tribunal de Justiça, como não poderia deixar de ser, passou a seguir este entendimento, verbis: silenciando o juiz monocrático sobre a ilegitimidade da parte, nenhum impedimento existe para que o Tribunal a quo decidisse sobre essa matéria de ofício, como efetivamente o fez, em face do disposto no art. 267 , § 3° do Código de Processo Civil. A jurisprudência é pacífica no sentido de que a matéria relativa aos pressupostos processuais e às condições da ação, pode ser apreciada de ofício, em qualquer grau de jurisdição, enquanto não proferida sentença de mérito. Ditou cátedra o Ministro Demócrito Reinaldo ao dizer que é tormentosa a questão de se saber se o Tribunal, ao julgar a apelação poderia decidir sobre a ilegitimidade das partes, já que esta questão , embora laconicamente, havia sido apreciada no Saneador, pelo juiz monocrático. Quanto ao artigo 267, § 3 ° ,tem proclamado a jurisprudência: admite que o juiz , de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, enquanto não proferida sentença de mérito, aprecie as condições de admissibilidade da ação, indicadas no art. 267, VI, do mesmo Código(15 ). A ilegitimidade ad causam, como uma das condições da ____________________________________________________________ 12 ANDRÉ LUIZ CID MAIA ação- artigo 267 , VI, CPC, deve ser conhecida de ofício – art. 301, § 4° , do CPD, em qualquer tempo ou grau de jurisdição – art. 267, § 3° do CPC, inocorrendo preclusão a respeito ( Resp 55, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo ). Nos termos da lei ( CPC art. 267, § 3° e artigo 301, §4° ) ao Judiciário incumbe apreciar, mesmo de ofício, os requisitos de admissibilidade da tutela jurisdicional, a saber, pressupostos processuais e condições da ação ( Resp. 10.113, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo ). Também não há qualquer conflito com a Súmula 424, que foi editada ainda na vigência do Código de Processo de 1939, redigida quando a sistemática processual era diversa. José Rogério Cruz e Tucci afirmam: ... e isso porque a matéria relativa aos pressupostos processuais e às condições de admissibilidade da ação extravasa do poder de disposição das partes e subordina-se à investigação de ofício pelo Estado , como uma das conseqüências de ser a ação um direito contra ele exercitável que, por isso, lhe dá o poder , correspectivo, de examinar de ofício os pressupostos do processo e as condições da ação, mesmo que ocorra a revelia do réu. A possibilidade de cognição ex officio dessa matéria corresponde, evidentemente, à garantia de boa administração da justiça, sendo que eventual inércia do magistrado “ lo hace responsabel de mal desempeño del cargo, por grave omissón.” Chiovenda advertia, a propósito, que, quando o sistema processual reclama um determinado pressuposto de validade do processo, delineia-se ele de um interesse público, e, portanto, seu exame deve ser efetivado oficiosamente pelo agente do Poder Público. ____________________________________________________________ 13 ANDRÉ LUIZ CID MAIA Repita-se, pois, que por força do disposto no aludido § 3° do art. 267, inexiste preclusão pro judicato , ainda que o juiz tenha decidido expressamente a respeito daquelas questões. Assim, se no curso do processo , enquanto não proferida a sentença de mérito, descobrir o juiz que se equivocara acerca de uma de tais questões, decidindo-a com desacerto, mandam-lhe o princípio da economia processual, a função de dirigente do processo, conforme as disposições do Código ( art. 125 ) e do dever de velar pela rápida solução do litígio reexaminá-la e decidi-la novamente. É o que autoriza o referido § 3° do art. 267, conforme o qual “ o juiz conhecerá de ofício, em qualquer tempo e grau de jurisdição, das aludidas matérias, enquanto não proferida sentença de mérito. O julgador – afirma Jorge Lus Dall’ Agenol – tem o dever de conduzir o processo despido de quaisquer vícios; se porventura vislumbrando ele a existência de determinado pressuposto processual , declarar saneado o processo, poderá, evidentemente, em momento ulterior, reexaminar o assunto, sob pena de até de o juiz ter de decidir com afronta a norma imperativa ( que determina constante atuação em prol da regularidade do processo ) e contrariando , inclusive, sua própria convicção. Assevera, ainda, em recente monografia que tal critério há de prevalecer dada a natureza das normas que disciplinam a matéria, onde sobressai o interesse do próprio Estado na prestabilidade do processo. Adotando esse mesmo entendimento, Ernane Fidélis dos Santos conclui que , no concernente aos pressupostos processuais positivos ou negativos e às denominadas condições da ação, a matéria interessa substancialmente à atividade jurisdicional. Por via de conseqüência, a respeito dessa temática não há se falar em julgamento explícito, e muito menos em implícito, sujeito a preclusão, uma vez que não se pode conceber a distribuição de justiça pelo Estado sem que ____________________________________________________________ 14 ANDRÉ LUIZ CID MAIA estejam preenchidas as condições de admissibilidade do julgamento da lide. A questão é de ordem pública. Acrescente-se, sob tal ótica, que os fins publicísticos do processo civil contemporâneo, como observam Devis Echandia e Dinamarco, transcendem os interesses das partes, de modo que a ausência de preclusão favorece a manutenção de situações jurídico – processuais cuja eliminação desestabiliza a ordem pública: As condições da ação permanecem sujeitas a verificação pelos órgãos judiciários enquanto perdurar o processo, podendo ser proclamada a carência de ação a qualquer tempo. Partilhando dessa mesma opinião, Ovídio Baptista da Silva ressalta ser bem compreensível, pelos padrões modernos, a evidente repulsa dos tribunais pátrios, os quais, cada vez com maior freqüência, têm proclamado que a decisão a respeito das condições de admissibilidade da ação não enseja preclusão sendo possível ao juiz, ao julgar a demanda, reapreciar a matéria e decidir em sentido antagônico ao seu próprio pronunciamento anterior. Realmente, consoante a experiente afirmação do ilustre Jurista gaúcho, os pretórios de nosso País, pouco a pouco, vêm sufragando esse correto entendimento, tendo, inclusive, sido consagrado no Simpósio de Curitiba, e reiterado no VI Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada, em sua conclusão n° 9, verbis: em se tratando de condições da ação, não ocorre preclusão, mesmo existindo explícita decisão a respeito (16). Citando Alfredo Buzaid , caminha o Ministro Milton Luiz Pereira: No código de processo civil vigente, matéria relativa a pressupostos processuais , perempção, litispendência, coisa julgada e condições de admissibilidade da ação pode ser apreciada, de ofício, pelo juiz em qualquer tempo e grau de jurisdição ordinária, enquanto não proferida sentença de mérito ( Código de Processo Civil, art. 267 ).Para o Juiz não há preclusão da decisão de qualquer das aludidas questões, ainda quando não impugnada a decisão mediante recurso, porque a respeito delas o juiz é o dominus litis e a lei não quis obrigá-lo a julgar o mérito ____________________________________________________________ 15 ANDRÉ LUIZ CID MAIA quando está evidenciada a falta de pressupostos processuais, a perempção, a litispendência, a coisa julgada e a não ocorrência das condições de admissibilidade da ação. Este poder que o Código conferiu ao juiz nos dois graus de jurisdição ordinária, não traduz tendência do procedimento inquisitorial, antes está conforme com as mais modernas conquistas do direito processual civil contemporâneo. Verifica-se, pois, que em relação à matéria enunciada no art. 267, IV,V e VI não se aplica o Verbete n° 424 da Súmula. Desde o Resp 8.214- MG- Rel. Ministro Dias Trindade, in DJU de 24.06.89 , a compreensão do STJ é está: Não se acham acobertados pelos efeitos da preclusão as matérias decididas no saneamento do processo e que são examináveis de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição. ( Recurso Especial 68.280/GO). Mais recentemente, vale dizer, em 2002, a posição do STJ foi ratificada, com brilhante voto do Ministro Sálvio de Figueiredo – Resp 343.750MG . Vale repetir seus argumentos relativos à Súmula 424 do STF. Considerou S. Exa. que a Súmula deve ser entendida modus in rebus. Em primeiro lugar, porque o Código de Processo Civil de 1973 não mais contempla o instituto do despacho saneador ( exceto por um cochilo do legislador, no art. 338 ) , dado que o saneamento passou a ser difuso exercendo o juiz atividade saneadora desde quando examina a petição inicial. Em segundo porque , consoante hoje explícito até mesmo em lei ( art. 267, § 3° c/c art. 301 , § 4° ) não há preclusão em se tratando de pressupostos processuais e condições da ação. Por fim , é de se observar que as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pela Lei 10.444 , de 07 de maio de 2002 , em absolutamente nada interferem no raciocínio aqui desenvolvido. Com razão , o saneamento do feito continua a existir ; o juiz pode manifestar-se desde a apresentação da petição inicial ; quando o direito admite transação, na audiência preliminar e , ____________________________________________________________ 16 ANDRÉ LUIZ CID MAIA quando não admite , no mesmo ato que ordenar a produção de provas e até na sentença, ainda que a questão já tenha sido objeto de debate e decisão. Para confirmar o alegado, basta verificar o Agravo Regimental no Recurso Especial 678.131, Rel.Ministro Ari Pargendler, julgado em 06 de outubro de 2005, com a seguinte ementa: PROCESSO CIVIL. CONDIÇÕES DA AÇÃO. A decisão que, em meio ao processo , reconhece a legitimidade das partes está a salvo da preclusão, que pode ser modificada, até ex officio, em qualquer grau de jurisdição ordinária, enquanto a sentença ou o acórdão não transitarem em julgado. Agravo regimental não provido. ____________________________________________________________ 17 ANDRÉ LUIZ CID MAIA III- CONCLUSÃO: Concluindo, pode-se afirmar que a legitimidade é verificada passo a passo no curso processual e na sentença, quando o juiz encerra a sua atividade jurisdicional, registrada ao magistrado é autorizado rever sua posição eventualmente anteriormente ( nesta altura, a ausência de legitimidade para a causa acarreta a improcedência do pedido – decisão final definitiva – adquirindo a qualidade de coisa julgada formal e material e não acarreta a extinção do feito sem resolução do mérito – decisão final terminativa, onde só há a formação da coisa julgada formal ), não havendo que se falar em preclusão, até mesmo por ser a mesma sanção imposta à parte, porque consiste na perda de uma faculdade processual ; para o juiz só opera a preclusão maior, ou seja, a coisa julgada e , mesmo assim, forte e nova corrente doutrinária se posiciona favoravelmente a uma “ relativização “ da coisa julgada, em hipóteses especiais, como por exemplo, na sentença inconstitucional - mas isto é assunto , apesar de intrigante e desafiador , que desborda do tema objeto deste estudo - . ____________________________________________________________ 18 ANDRÉ LUIZ CID MAIA Referências Bibliográficas: (1) Celso Agrícola Barbi, Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro, São Paulo, 1975, v.1. t1., pág. 65, n 36. (2) José Frederico Marques, Manual de Direito Processual Civil, São Paulo, 1974, v.1. p. 247.n 223 (3) Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, 1974 ,v.1, p.100 (4) Lições de Direito Processual Civil, vol I, Editora Lumem Iuris, 6ª. Edição (5) Direito Processual Brasileiro, 1° v. , Editora Saraiva, p. 79 (6) Manual do Processo de Conhecimento, Editora Revista dos Tribunais, 5 a. Edição (7) Comentários, vol. III., pág. 456 (8) Despacho Saneador – Editora Livraria Sulina – 1953, pág. (167 e 168) (9 )Extinção do Processo e Mérito da Causa. In: Revista de Processo nº 58 (10 )Recurso Extraordinário 62.477- São Paulo, Rel. Min. Hermes Lima, Terceira Turma, 24 de novembro de 1967 (11) Revista de Jurisprudência do T.J.R.G.S., n° 51 , pág. 280 a 282 (12) Comentários do CPC – Forense , II, pág. 450. (13) Primeiras Linhas, 3ª. Edição, II, pág. 235. (14) Código de Processo Civil e Legislação Processual em Vigor , 14 a. Edição, ed. Revista dos Tribunais, pág. 145 (15) RTJ , vol.. 105, pág. 267 ; RTJ, 112/ 1.404 (16) Rev. Dos Tribunais, vol. 640, item 7- Inocorrência de Preclusão Pro Judicato da Matéria Cognoscível de Ofício – pág. 23 e 24 . ____________________________________________________________ 19