FORMAÇÃO SÓCIOTERRITORIAL E POPULAÇÃO NO MUNÍCIPIO DE SÃO CARLOS-SP: CONTRADIÇÕES INERENTES AO “DESENVOLVIMENTO” Felipe Lehnenn Osório [email protected] Graduação em Geografia – Universidade Federal de Uberlândia Carlos Roberto Bernardes de Souza Júnior [email protected] Graduação em Geografia - Universidade Federal de Uberlândia Resumo São Carlos-SP é um munícipio com características próprias dentro do padrão brasileiro, se destaca como polo tecnológico e industrial, atraindo grandes contingentes de migrantes, principalmente nordestinos. Buscamos analisar as características desta população visando a compreensão das contradições inerentes ao desenvolvimento econômico, para tanto tentamos fazer uma análise conjunta da formação sócioterritorial do munícipio. Através do uso dos dados estatísticos disponibilizados pelo IBGE e DATASUS pudemos perceber como estes podem mascarar a realidade social, já que as visitas a campo nos mostraram suas contradições. Também pudemos perceber como as universidades influenciam a área em seu entorno e geram atividades diretas e indiretas que modificam as interações dos sujeitos sociais. Abstract São Carlos-SP is a city with unique characteristics amongst the Brazilian standards, being a well-known technological and industrial pole, which attracts large contingents of migrants, mainly northeasters. We try to analyze the main characteristics of this population in order to comprehend the contradictions that are inherent to the economic growth, to do so we attempt to make a combined analysis of the socioterritorial formation of the city. Using statistical data provided by IBGE and DATASUS we could perceive how those can mask the social reality, seen as our camp research showed its contradictions. We also had the opportunity to notice how the universities exert influence over its area, generating activities (in)directly that modify the social subjects’ interactions. Palavras-Chaves: São Carlos; Formação Sócioterritorial; População. Keywords: São Carlos; Socioterritorial Formation; Population. Eixo 8: Geografia Urbana Introdução São Carlos nasceu em meio a povoações do século XVIII, as quais surgiram devido ás constantes rotas bandeirantistas que por lá passavam em seu caminho até as minas de Cuiabá e Goiás. Oficialmente tem-se a criação da sesmaria do Pinhal como o marco primeiro do povoamento da região. Este se intensificou em 1857, quando havia algumas casas no entorno da capela. Em 1865 é elevada à categoria de vila, tendo sua câmara ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1183 municipal emancipada. Em 1880 a vila passa a ser reconhecida como cidade e em 1886 tem uma população de 16.104 habitantes, número expressivo, comparado aos 6.897 de 1874. Durante este período a economia cafeeira foi essencial para o munícipio, sendo este o seu principal produto de exportação desde 1840. Tal foi a importância deste que o brasão do munícipio é cercado por dois ramos de café. Em 1884 esta atividade se intensifica por conta da chegada da ferrovia, a qual acelerava os fluxos para a reprodução desta economia ao passo em que colaborava para a construção de uma rede mais eficiente, pois conectava a produção ao porto de Santos. Esta ferrovia também ajudou a consolidar o centro urbano em meio à região, principalmente politicamente. Sendo assim, neste período, se pudéssemos voltar no tempo, observaríamos uma população rica em homens de cor: trabalhadores escravos que eram a principal mão de obra destes cafezais. Com a abolição da Escravatura em 1888 e o início das políticas de subsidio à imigração (as quais se intensificaram entre 1880 e 1904), o perfil étnico desta população foi se alterando consideravelmente, tal como visto em Monsma (2010). O fluxo mais intenso de imigrantes veio na primeira metade dos anos 1890, pois em 1907 a cidade já estava fora da expansão da fronteira cafeeira, tendo a maior parte dos seus cafezais já plantados (MONSMA, 2010). A maioria dos imigrantes eram italianos, tal qual podemos ver na TABELA 1. É interessante perceber a velocidade com que a população destes aumenta, refletindo uma tendência presente em todo o oeste paulista. Estes tinham tamanho destaque em São Carlos que a cidade era sede de um vice-consulado do governo italiano. Boa parte destes trabalharam nas grandes lavouras cafeeiras até 1929, quando a crise faz com que a atividade se torne insustentável. A partir deste momento os imigrantes passam a atuar em outras atividades. TABELA 1: Mudanças na população de São Carlos, 1886-1907. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1184 1185 FONTE: MONSMA, 2010, p.513. A industrialização de São Carlos se fez com o capital advindo da exploração da mais-valia destes trabalhadores negros (assalariados ou em regime de colonato, já não mais escravos) e imigrantes na economia cafeeira. Os grandes latifundiários foram responsáveis pela construção de grande parte da infraestrutura urbana do munícipio para propiciar o desenvolvimento de novas atividades. Entre os anos de 1930 e 1940 houve um intenso fluxo de migrantes de outras regiões para o estado de São Paulo, motivados particularmente pela industrialização e urbanização. Durante a década de 1950, São Carlos já pode ser considerada como um centro manufatureiro relevante não somente entre as cidades do interior do estado de São Paulo, como também no cenário nacional. Em abril de 1953 é implantada a Escola de Engenharia de São Carlos, a qual viria a se tornar a USP (Campus São Carlos). Na década de 1970 é instalada a UFSCar. Estas duas universidades foram responsáveis por impulsionar a cidade rumo ao crescimento econômico, tecnológico e educacional. Seguido a isso houve a instalação de várias empresas médias e pequenas, assim como algumas grandes. Tanto as fornecedoras de produtos quanto as de serviços se interessam pelo espaço da cidade. Também é importante ressaltarmos o papel da Fundação Parque de Alta Tecnologia de São Carlos (ParqTec), a qual foi instalada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em 1984, tendo como fim do desenvolvimento regional e a melhoria na logística. Segundo o portal de notícias G1 (2012) é a cidade com mais doutores por habitante no Brasil, sendo 1.7 mil doutores para os 221.950 habitantes, algo próximo de um para cada 135 habitantes. A média nacional é de um doutor para cada 5.423 habitantes, ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 ou seja, São Carlos tem um diferencial muito relevante. Outro reflexo disso é que a cidade tem 15 patentes para cada 100.000 habitantes, enquanto a média nacional é 3 por 100.000, segundo dados do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual. As principais indústrias que estão instaladas em São Carlos são a Volkswagen, Tecunseh, FaberCastell e Eletrolux. Cerca de 200 empresas são consideradas como pertencentes a indústrias de ponta. Existem também, várias empresas dos setores de desenvolvimento de materiais e de ótica. Entre as de menos tecnologia temos várias fábricas de produtos têxteis, tais como toalhas, produção na qual a cidade se destaca. Estas ocupam um papel muito importante no município, tal qual elencado na tabela abaixo. TABELA 2: Dados relativos às empresas em São Carlos-SP Importância das Empresas privadas em São Carlos-SP Número de empresas atuantes 10.667 Unidades Número de unidades locais 11.035 Unidades Pessoal ocupado assalariado 73.820 Pessoas Pessoal ocupado total 88.439 Pessoas Salário médio mensal 3,5 Salários mínimos Salários e outras remunerações 1.776.257 Mil Reais FONTE: IBGE, 2011. Percebemos por meio desta que as empresas privadas são grandes empregadoras no município, oferecendo salários médios de 3,5 salários mínimos. Aprofundando um pouco com a experiência empírica podemos verificar que isto não se reflete em sua integridade no território. O número de empregos informais gerados é desconsiderado, assim como o fato de alguns dos mais qualificados aumentarem o valor geral da média. Como pudemos verificar em campo, o grande problema é que a grande massa dos trabalhadores são operários que ganham salários mínimos ou menos em postos informais e trabalham fazendo horas extras frequentes, enquanto uma pequena parte são funcionários especializados que ganham grandes salários e trabalham menos horas. As condições de trabalho não são as mesmas, assim como os operários não conseguem ser tão competitivos no mercado e são postos como empregados cativos pelas empresas, as quais conseguem, portanto, manter o salário de forma a propiciar maior apropriação de mais-valia. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1186 Fundamentação teórica A análise dos dados demográficos faz-se como um aporte essencial para a geografia na medida em que nos confere meios para a compreensão dos processos que se dão no meio social e se materializam no território (DAMIANI, 2013). Tentamos entender as contradições inerentes ao processo de desenvolvimento capitalista, assim como as maneiras pelas quais estas se mascaram nos discursos. Propomo-nos tentar desvendar as condições sociais e a estrutura da população da cidade de São CarlosSP. Neste trabalho tentaremos entender como alguns destes dados se correlacionam e se espacializam no movimento da realidade. Para tanto utilizamos a categoria analítica território, a qual ganha importância incialmente na geografia Ratzeliana, onde é vista como uma manifestação do espaço vital (GOMES, 2010). Esta ganha destaque no Brasil a partir dos anos setenta, com o advento das correntes humanistas e críticas que houve uma renovação dos estudos do Território (GOMES, 2010). Na última, esta se torna a categoria essencial dos estudos, por a chave para analisar os processos do capital, principalmente no que tange às suas contradições. O território é também uma escala de análise, mas não deve ser visto apenas como substrato material das relações sociais, deve ser encarado como reflexo e construção da sociedade no espaço. Logo, devemos considerar que o território é uma categoria relacional, que só existe na medida em que o jogo de poder, ou seja, os processos de exclusão e rarefeção dos discursos (FOUCAULT, 2012) se espacializam. O território é denso, contraditório, é a escala de ação política, mas o essencial é que sua “síntese está no homem, ser genérico e histórico, natural e social, concomitantemente” (SAQUET, 2013, p.173). Sendo assim, tentamos fazer uma análise territorial da cidade de São Carlos através dos dados estatísticos coletados pelo IBGE. São Carlos está localizada no estado de São Paulo, na mesorregião de Araraquara. A cidade está delimitada pelas coordenadas: 47º30´W e 48º30´W, 21º30´S e 22º30´S. Sua localização é privilegiada, pois é praticamente o centro geográfico do estado. A vegetação é arbórea nas áreas férteis de mata atlântica e arbustiva nas zonas de cerrado. O clima é considerado temperado de altitude, apresentando duas estações claramente delimitadas: um verão chuvoso e um inverno seco (PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO CARLOS, 2014). A área total do município é de 1.137,332 km². MAPA 1: Localização da Cidade de São Carlos-SP. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1187 1188 FONTE: Fundação Wikimédia, acesso em quatro de fevereiro de 2014 <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/8/82/SaoPaulo_Municip_SaoCarlos.svg /800px-SaoPaulo_Municip_SaoCarlos.svg.png> A cidade é conhecida por ser um polo econômico de grande relevância para o país, muito por conta da presença de duas universidades importantes: a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), as quais tem como foco a formação de profissionais na área de ciências exatas. Além disso, tem duas unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), se configurando, portanto como um polo de pesquisa e ensino. Metodologia Busca-se analisar os dados disponibilizados pelo IBGE, tanto através da plataforma “Cidades”, quanto do “Sistema IBGE de Recuperação Automática (SIDRA)”, para perceber as contradições que se manifestam no território da cidade de São Carlos-SP. Para tanto, partimos de uma perspectiva materialista-históricadialética, tentando elaborar uma visão crítica dos dados. Complementarmente, foi realizada busca bibliográfica e trabalho de campo com o intuito de aprofundar a discussão, de forma a não nos prendermos no espaço pelo espaço ou na estatística pura. Sendo assim, tentamos compreender o espaço através de seus usos, partindo da compreensão que o essencial não é aquilo que se mostra, mas os processos que se colocam por trás. Objetivos Compreender sucintamente a formação e a lógica territorial do município de São Carlos, localizado no estado federativo de São Paulo, Brasil, através de análises dos dados estatístico-populacionais disponibilizados pelo IBGE. Para tanto, busca-se ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 compreender as bases históricas da atual formação sócioterritorial do munícipio, analisar a população e suas dinâmicas, correlacionar tais dados com a infraestrutura e e entender as manifestações e os efeitos das contradições inerentes ao processo capitalista no território. Compreensões gerais acerca do desenvolvimento recente Entre os anos de 1991 e 2010 temos um gradativo aumento da população o município, onde esta passa de 158.221 para 221.950, configurando um crescimento explosivo que ocorre, possivelmente, devido ao atrativo industrial da cidade. Por conta do alto padrão de vida proporcionado e do city marketing o munícipio se tornou alvo de expressivo fluxo de migrantes. De acordo com nossas pesquisas de campo, grande parte destes vindos da região Nordeste. Outro fator a ser levado em consideração acerca dos anos 90 é a criação de diversos na UFSCar, os quais podem ter atraído um contingente populacional flutuante que não é passível de ser visualizado nos dados. TABELA 3: Evolução Populacional em São Carlos-SP, no estado de São Paulo e no Brasil. São Carlos São Paulo Brasil 1991 158.221 31.588.925 146.825.475 1996 174.433 33.844.339 156.032.944 2000 192.998 37.032.403 169.799.170 2007 212.956 39.827.570 183.987.291 2010 221.950 41.262.199 190.755.799 FONTE: IBGE, 2010. Em 2010 a população rural recenseada foi de 8.866, enquanto a urbana foi de 221.936, mostrando que é um munícipio que segue o padrão urbano brasileiro. A área rural não é central para a economia de São Carlos, afinal se constitui como um polo industrial e tecnológico. O número de filhos dos casais também tem diminuído consideravelmente por conta do custo para sustenta-los. Também vemos que a expectativa de vida tem melhorado por conta dos avanços da medicina, os quais têm contribuído para uma modificação gradual da pirâmide etária. GRÁFICO 1: Pirâmide Etária de São Carlos-SP, do estado de São Paulo e do Brasil. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1189 1190 Ao comparar as tendências, podemos verificar que São Carlos está a frente daquelas apresentadas pela nação. Através da análise das pirâmides etárias é possível perceber que a população de São Carlos está a envelhecer lentamente, pois a base da pirâmide é bem fina e a população economicamente ativa compõe ampla maioria no momento. Parte deste fato se deve ao grande número de migrantes. Encaramos que no futuro isto pode se apresentar como um problema, quando esta população atingir a aposentadoria não haverá população economicamente ativa o bastante para sustenta-la. Entretanto, devemos levar em consideração que este “desbalanço” pode estar a ocorrer devido à presença das universidades e empresas. Se a indústria continuar se expandindo e as universidades atraindo alunos é possível que a pirâmide etária continue com a mesma composição na faixa da população economicamente ativa, mas com o topo consideravelmente mais largo. O Índice de Desenvolvimento Humano registrado no município em 2010 foi de 0,805, classificado como muito alto (PNUD). É um avanço em relação ao de 1991, onde apresentava o valor de 0,620, que seria classificado como médio (PNUD). O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal não funciona da mesma maneira daquele que se aplicam aos países, os fatores que são levados em consideração são a longevidade, a renda e a educação. Analisemos então um dos fatores centrais em São Carlos: a renda dos habitantes. Além disso, podemos verificar que o PIB per capita registrado em 2011 foi de R$ 26.634,32, sendo que o do Brasil na mesma época foi de R$ 21.252,00 (IBGE). Mesmo que a renda esteja consideravelmente acima da média brasileira, temos que levar em consideração que o IDHM também é calculado em função da qualidade da educação. A educação é central por conta do seu papel na formação do cidadão, sendo chave para a eliminação da desigualdade social, afinal dá aos sujeitos ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 meios para superarem suas condições sociais. Em termos quantitativos, em 2012 foram registradas 27.625 matrículas no Ensino Fundamental e 9.430 no Ensino Médio em São Carlos. Porém estes dados não nos dizem muita coisa, recorremos então a outro dado, o qual se refere um pouco mais à realidade do ensino, as médias das escolas no Exame Nacional do Ensino Médio de 2012. Através dos dados disponibilizados é possível perceber que as médias das escolas, tanto públicas quanto privadas, estão próximas ou acima daquelas alcançadas a nível nacional, sendo esta 513,82 (INEP, 2013). Destarte, podemos considerar que o ensino em São Carlos está em um patamar bem elevado em relação ao resto do país. Mesmo assim, é inegável a existência de um abismo entre as médias das escolas públicas e privadas. A disparidade é tão grande que não houve sequer uma escola pública que conseguiu uma média acima dos 600 pontos, algumas tiveram dificuldades até para chegar as 500 pontos, enquanto não há uma escola particular abaixo desta última média. Mesmo assim, ao analisar a escolaridade da população atual (como podemos verificar no gráfico abaixo) podemos perceber que a grande maioria da população completou ao menos o ensino médio. É possível, portanto, considerar que a mão de obra é qualificada o bastante ao menos para o exercício de suas funções fabris. Entretanto, é necessário que seja entendido que uma parcela da população não possui sequer o ensino fundamental completo, sendo relegada, possivelmente, a serviços de baixa seguridade social, ou empregos informais, tais como diaristas, garçons e outras funções geradas indiretamente pelas universidades e empresas. GRÁFICO 2: Escolaridade da população de 15 anos ou mais em São Carlos-SP de acordo com o Censo 2010. FONTE: IBGE, 2010. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1191 As duas universidades com certeza influenciam no fato, pois ambas são classificados como polos de excelência em suas respectivas áreas. A USP de São Carlos, particularmente, é um centro de referência internacional, principalmente no que refere aos estudos de automação. Portanto é inegável que eles elevam o patamar do ensino (mesmo que a nível superior) no município, pois a própria existência dos professores e os constantes alunos que se formam compõem um universo de profissionais extremamente qualificados. No que concerne longevidade, entram uma série de fatores, dentre eles destacamos a qualidade da saúde pública na cidade. Na tabela abaixo podemos discernir quais os hospitais e a respectiva quantidade de leitos, assim como a quantidade destes disponibilizados para o Sistema Único de Saúde (SUS). Através dela percebe-se que o número de leitos destinados à Saúde pública é praticamente a metade do total disponível, o que está mais perto do ideal do que em muitas cidades brasileiras. Porém, é importante lembrarmos que este dado não é qualitativo, pois de nada adianta vários leitos se o atendimento não for adequado. TABELA 4: Relação dos hospitais, leitos totais disponíveis e quantos destes estão disponíveis para o SUS. Hospital Casa de saúde Hospital Escola Municipal prof. Dr. Horácio Carlos Panepucci Hospital Unimed São Carlos Santa Casa de São Carlos Leitos 13 18 16 99 SUS 0 18 0 60 FONTE: DATASUS, 2012. Entretanto conseguimos perceber a importância da UFSCar para a cidade, pois o curso de medicina ofertado por esta oferece assistência a toda São Carlos e microrregião homônima. A presença de professores doutores que além de atenderem a comunidade também realizam projetos de pesquisa e extensão colabora para a melhora da qualidade do serviço ofertado. Na experiência empírica pudemos verificar que o serviço de saúde público é de qualidade, surpreendendo às expectativas. A infraestrutura é mais adequada do que a da maioria das cidades brasileiras e o atendimento por parte dos profissionais é de qualidade, mesmo que muitos dos médicos sejam recém-formados. A mortalidade no munícipio tem aumentado gradativamente quando observamos apenas os números absolutos, entretanto em uma análise minimamente mais criteriosa percebemos que acompanha o crescimento vegetativo da cidade. Como podemos ver no gráfico abaixo ela tem se mantido estável na última década, sem grandes alterações, ela segue o padrão da microrregião. GRÁFICO 4: Número de Óbitos segundo abrangência e ano. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1192 1193 Sendo assim, justifica-se o crescimento do IDHM em São Carlos, pois foram justamente os dados que são levados em consideração para a formulação destes aqueles que mais tiveram melhorias nos últimos vinte anos. Entretanto, percebemos que tais dados não são suficientes para revelarem as contradições sociais existentes no município. O IDHM não tem a capacidade de desvelar as desigualdades que se manifestam no território. Contradições e (des)igualdades Para realizarmos a análise das contradições que se manifestam no território utilizaremos do índice de Gini, o qual traduz a concentração de renda. Para tanto ele considera “zero” como a completa igualdade de renda e “um” como a completa desigualdade, onde apenas uma pessoa retém toda a renda. Por exemplo, o índice do Brasil em 2001 era de 0,553 e em 2012 passou para 0,519, o que significa que diminuiu consideravelmente a disparidade entre pobres e ricos. Entretanto, a Hungria, por exemplo, em 2009 apresentou um índice de 0,247. Portanto, ainda estamos longe do ideal, países menos economicamente desenvolvidos que o nosso, tal como a Argentina, apresentam um índice melhor (no caso 0,458 segundo análise de 2009). GRÁFICO 7: Índice de Gini de São Carlos-SP entre 1991 e 2010. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1194 FONTE: DATASUS, 2010. Levando isso em consideração, analisamos a evolução do Índice de Gini municipal de São Carlos. Podemos ver que após anos 1990 ele aumenta estrondosamente por conta da chegada dos migrantes nordestinos. Destarte, há uma reestruturação da lógica territorial do munícipio, onde este consegue se recuperar da situação durante os anos 2000, principalmente por conta do impulso econômico que ocorre no país como um todo. Este índice reflete as mudanças na estrutura populacional do munícipio durante as últimas duas décadas. Tentaremos então perceber quais os fatores que influenciaram e influenciam na desigualdade da renda em São Carlos. Para tanto, consideremos as taxas de desemprego no munícipio. GRÁFICO 8: Taxa de desemprego em São Carlos entre 1991 e 2010. FONTE: DATASUS, 2010 ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 A indústria não conseguiu absorver toda a mão de obra, o que levou a uma taxa de desemprego muito maior do que o convencional, principalmente ao considerarmos que os anos 1990 foram muito prósperos economicamente. Entretanto os dados a primeira vista são contraditórios, pois praticamente todos os outros números têm apresentado melhorias nos últimos vinte anos. Tomemos por exemplo a proporção de pessoas com baixa renda (a qual é considerada como um ou dois salários mínimos) apresentada no gráfico abaixo. Ela se estreita drasticamente no final dos anos 1990. 1195 GRÁFICO 9: Proporção de Pessoas com baixa renda em São Carlos-SP entre 1991 e 2010. FONTE: DATASUS, 2010. Se olharmos meramente de forma superficial não conseguiremos entender como o desemprego aumentou, mas a proporção de pessoas com baixa renda diminuiu. Destarte, temos de lembrar que em 1994 foi instituído o plano Real por Fernando Henrique Cardoso, este estabilizou a economia nacional e fez com que ela se aquecesse. Logo, a remuneração dos empregos melhorou substancialmente, fazendo com que boa parte das pessoas que estão classificadas como baixa renda neste período na realidade fossem os desempregados e profissionais informais. É importante, portanto, que consideremos as dinâmicas territoriais do período para conseguirmos ir para além das explicações do óbvio. Esta dedução partiu do conhecimento empírico adquirido pela vivência dos autores em combinação com um olhar históricogeográfico, pois não conseguimos encontrar nada que explicasse este processo particular de São Carlos em periódicos ou livros. No entanto é inegável que os dados refletem desigualdades que ainda estão presentes na cidade. Por exemplo, por mais que o abastecimento de água e esgoto sejam quase integrais(DATASUS, 2000), ainda existem moradores que não tem sequer a mínima infraestrutura sanitária, vivendo em condições abaixo daquelas de grande parte da população. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 A incidência da pobreza no munícipio em 2003 foi registrada com valor de 12,8%, atingindo uma parcela significativa da população (IBGE, 2003). Contudo, quando olhamos para o valor da pobreza subjetiva, ou seja, daqueles que se consideram como tais, verificamos que cai para 9,29% (IBGE, 2003), concluímos que isto se deve ao fato de que a infraestrutura urbana se adequa à necessidade de muitos ao ponto de conseguirem viver bem com menos. Considerações finais Verificamos ao longo deste trabalho que mesmo em um munícipio diferenciado da realidade brasileira, tal qual é São Carlos, ainda persistem contradições sociais decorrentes do modo capitalista de produção. Por mais que os dados nos mostrem que a cidade tem se desenvolvido, algumas disparidades sociais continuam, comparemos a titulo de exemplo o bairro Cidade Aracy com um condomínio fechado como o Damha. FOTO 4: Casa em Cidade Aracy, São Carlos-SP. FONTE: Google StreetView, acesso em 04 de Fevereiro de 2014. FOTO 5: Portaria do Condomínio de Luxo Damha I. FONTE: Google StreetView, acesso em 04 de Fevereiro de 2014. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1196 Através da análise da paisagem podemos entender o espaço como um palimpsesto, um mosaico de acumulações desiguais de tempos. A FOTO 4 parece ser extraída de um passado distante, quando na realidade é contemporânea à FOTO 5. Que há um desenvolvimento decorrente da instalação das industrias e da aceleração dos fluxos do capital no território é algo inegável, entretanto, devemos nos questionar: quem realmente se beneficia deste “desenvolvimento”? A riqueza capitalista é produzida em cima da apropriação do trabalho alheio, ou seja, da mais-valia e isto se espacializa nas diferenças sócioterritoriais como as aqui propostas. O território não existe apenas para aqueles que detém o poder, temos de pensa-lo na medida em que afeta o cotidiano daqueles que realmente produzem nele, nos que factualmente o usam. Por mais que o operário seja a fonte de todo o desenvolvimento da cidade, ele nem sempre consegue ter acesso a tudo que ele batalhou para construir, mesmo que inconscientemente. O território é usado pelo capital tanto quanto pelos sujeitos sociais, mas é o primeiro que realmente se beneficia dele mais efetivamente. Porém, existem (re)ações, os homens não ficam parados no tempo e no espaço. A análise populacional é uma possibilidade rica para a geografia a partir do momento em que não nos prendemos apenas na demografia, quando passamos a tentar entender os fenômenos no processo da realidade. O presente trabalho pode elucidar questões referentes às diversas formas como a população é resultado das relações da infraestrutura com a superestrura, mas que também as afetam. Se não fosse pelos imigrantes nordestinos dos anos 1990 São Carlos poderia ter se tornado uma cidade diferente no presente, entretanto as lógicas do ordenamento territorial brasileiro e as desigualdades regionais promoveram um fluxo migratório que desestruturou o munícipio. Ver estas interações entre os sujeitos e o espaço, tentando entende-las nas diversas escalas de ação é o papel do geografo na sociedade, pois é a partir disso que poderemos lutar por um mundo mais justo. Referências bibliográficas DAMIANI, A. População e Geografia. São Paulo: Contexto, 2013. FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collége de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. 22. Ed. São Paulo: Edições Loyolla, 2012. GOMES, P.C.C. Geografia e Modernidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. MONSMA, K. Vantagens de imigrantes e desvantagens de negros: emprego, propriedade, estrutura familiar e alfabetização depois da abolição no oeste paulista. Dados [online], vol.53, n.3, 2010. pp. 509-543. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1197 SAQUET, M. A. Abordagens e concepções de território. São Paulo: Outras Expressões, 2013. PARQTEC <http://www.parqtec.com.br/> Portal de Notícias G1. São Carlos é a 1ª em nº de doutores por habitante na América Latina. 26 de Abril de 2012. <http://g1.globo.com/sp/sao-carlos- regiao/noticia/2012/04/sao-carlos-primeira-numero-de-doutores-por-habitante-naamerica-latina.html> Acesso em 06 de Fevereiro de 2014. PREFEITURA DE SÃO CARLOS-SP <http://www.saocarlos.sp.gov.br/index.php/historia-da-cidade/115269-historia-de-saocarlos.html> Acesso em 06 de Fevereiro de 2014. ISBN: 978-85-99907-05-4 I Simpósio Mineiro de Geografia – Alfenas 26 a 30 de maio de 2014 1198