Jornalismo e sensacionalismo
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JORNALISMO E SENSACIONALISMO:
O FATO, A NOTÍCIA E O SHOW 1
Bruna da Silva Fiori
Taís Barbosa Nicoletti
Vinícius Pacheco Bozza
Violeta Ayumi Teixeira Araki
Faculdade de Comunicação Social ―Jornalista Roberto Marinho‖ de Presidente Prudente
Universidade do Oeste Paulista
Resumo
O presente artigo Jornalismo e sensacionalismo: o fato, a notícia e o show, pretende
evidenciar os recursos sensacionalistas utilizadas nas matérias das edições de 9 de abril
a 14 de maio de 2008 da revista Veja sobre o caso Isabella Nardoni. Busca-se separar as
informações relevantes daquelas que tinham apenas o objetivo de comover o público
leitor. Quanto à metodologia, a pesquisa emprega o estudo de caso, a pesquisa
qualitativa e a pesquisa bibliográfica. Os resultados apontam que a cobertura jornalística
apresenta exploração do acontecimento, enaltecendo, portanto, o caráter mais atraente
das notícias. As publicações observadas continham linguagem que, indiretamente, fazia
pré-julgamento dos envolvidos. Falta de imparcialidade é outro ponto levantado pela
interpretação dos elementos da reportagem.
Palavras-chave: sensacionalismo, revista Veja, jornalismo, imprensa
Abstract
The present article intends to evince the sensationalistic resources used at the texts at
Veja magazine 9th and 14th issues of May, about Isabella Nardoni case. It aims to
separate the relevant information from those which aimed to touch the readers.
Regarding the methodology, the study employs the case study, qualitative
research and bibliographic review. The results show that the press coverage has an
exploration of the event lauding the most attractive character of the reportage. The
analyzed texts contained a kind of language that, indirectly, did a prejudgment of the
people involved in it. Unbiasedness is another fact observed through the interpretation
of the reportage elements.
Key-words: sensationalistic, Veja magazine, journalism, press
Introdução
Sensacionalismo é um mecanismo de tratamento da informação utilizado pela mídia
com o objetivo de alcançar audiência que será convertida em capital. Isso ocorre através
da exploração de informações que não são de interesse público, são utilizadas técnicas
1
Artigo produzido para a disciplina de Teoria e Método de Pesquisa em Comunicação, do 4º termo
Comunicação Social, do curso de Comunicação Social da Unoeste.
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de dramaturgia através da criação de personagem que formam uma narrativa capaz de
envolver, criar opiniões, consenso e sentimentos no público.
Casos como o de Isabella Nardoni, ocorrido no ano de 2008, são
exaustivamente explorados pelos meios de comunicação a fim de envolver o público
através da comoção gerada pelos recursos sensacionalistas. Um exemplo de cobertura
que usou como base o direcionamento sensacionalista foi a realizada pela revista Veja, a
de maior circulação no país. O caso Nardoni foi abordado com um excessivo
dimensionamento e posicionamento, a partir dos quais a publicação se pautou para
favorecer seu próprio retorno de vendas.
A pesquisa objetiva identificar o uso do sensacionalismo, os mecanismos
utilizados para este fim e o efeito que esse posicionamento causa nas vendas da revista
Veja. Com isso, pretende-se desvendar como aparece o sensacionalismo dentro das
coberturas da publicação, usando como base para isso as matérias sobre o caso Nardoni
publicadas nas edições de 9 de abril a 14 de maio de 2008.
Materiais e métodos
Para alcançar os objetivos determinados e conseguir obter resultados, a pesquisa utiliza
um método, ou seja, um processo racional para alcançar um determinado resultado:
O método é o conjunto das atividades sistemáticas e racionais que, com
maior segurança e economia, permite alcançar o objetivo – conhecimentos
válidos e verdadeiros -, traçando o caminho a ser seguido, detectando erros e
auxiliando as decisões do cientista. (LAKATOS; MARCONI, 1991b, p. 46)
Nesta pesquisa, o método utilizado foi o estudo de caso. Goldenberg (1997, p.
33-34) apresenta uma definição sobre este método científico:
O estudo de caso não é uma técnica específica, mas uma análise holística, a
mais completa possível, que considera a unidade social estudada como um
todo, seja um indivíduo, uma família, uma instituição ou uma comunidade,
com o objetivo de compreendê-los em seus próprios termos. O estudo de caso
reúne o maior número de informações detalhadas, por meio de diferentes
técnicas de pesquisa, com o objetivo de apreender a totalidade de uma
situação e descrever a complexidade de um caso concreto.
Também se emprega a pesquisa qualitativa, que é descritiva e interpreta os
dados indutivamente, como forma ordenada de raciocínio, visando descobrir a realidade
dos fatos para que os mesmos possam sair da análise de dados particulares e nos
encaminhar para as noções gerais do assunto abordado, respondendo melhor as questões
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propostas. ―Na pesquisa qualitativa a preocupação do pesquisador não é com a
representatividade numérica do grupo pesquisado, mas com o aprofundamento da
compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição, de uma
trajetória etc.‖ (GOLDENBERG, 1997, p. 14)
A pesquisa bibliográfica, caracterizada como coleta de dados, busca construir
um conhecimento que apoiará o desenvolvimento da pesquisa. ―Dessa forma, a pesquisa
bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas
propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões
inovadoras.‖ (MARCONI; LAKATOS, 1991a, p. 183)
Usando desses recursos, serão analisadas todas as publicações que envolveram
o caso Isabella Nardoni no período de 9 de abril de 2008 até 14 de maio de 2008, sendo
assim uma documentação indireta, ou seja, elaborada a partir de material já publicado,
constituindo principalmente livros e periódicos. Por isso, ela também se valerá da
pesquisa documental, cuja "[...] característica da [...] fonte de coleta de dados está
restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes
primárias." (MARCONI, LAKATOS, 1991a, p. 174)
Fundamentação teórica
Jornalismo impresso
Pode-se considerar a imprensa como toda forma de jornalismo impresso. Ou seja,
aquele que necessita do texto visual para existir. O nome ―imprensa‖ está devidamente
associado à história, já que se relaciona à invenção revolucionária dos meios de
comunicação, a prensa. Na Antiguidade, as informações eram passadas oralmente, pois
a maioria das pessoas era analfabeta e a Igreja controlava os meios do saber. Com a
invenção da prensa pelo alemão Johannes Guttenberg no século XV, a informação pode
ser mais facilmente disseminada à população. Isso resultou num encadeamento de
evoluções comunicativas que mudaria para sempre a maneira como o ser humano lidaria
com as mensagens enviadas e recebidas.
O jornalismo impresso tem na informação textual e na visualidade os pontos
fortes para a perpetuação da sua categoria. O fato de ser facilmente manuseável também
contribui no sentido de um grande número de pessoas procurarem os jornais e as
revistas periodicamente. Textos impressos podem ser lidos e relidos a qualquer hora e
lugar. Não tem a instantaneidade de veículos que trazem os fatos no exato minuto em
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que acontecem, mas tem a versatilidade de os leitores poderem voltar à página quando
não conseguirem entender a mensagem.
De acordo com o jornalista Alberto Dines (1986), cada tipo de veículo é
dirigido e absorvido por um determinado mecanismo sensorial. Isso não quer dizer que
a grande diferença entre os veículos informativos não acentue ainda mais a luta pela
audiência do telespectador ou ouvinte e pela fidelidade do leitor.
A retenção é o que mais importa, pois os veículos, na competição para fazer
valer sua força, procuram fazer com que suas mensagens sejam mais bem
retidas. A resposta da audiência será uma conseqüência da retenção obtida.
(DINES, 1986, p. 66)
O jornalismo impresso, para atender a essa nova forma interpretativa e
analítica, teve que rever suas bases, sua estética, seu modo próprio de ser. Jornais e
revistas começaram a ser melhor paginados, mais organizados quanto ao conteúdo, e as
informações ganharam um aspecto mais profundo e permanente. E há ainda outro item a
ser discutido sobre o impresso. Ele tem a capacidade da personalização da informação:
mesmo que cada exemplar de jornal ou de revista seja lido por diferentes leitores, cada
um deles encontra algo muito particular no que leu.
Quanto mais massificadas forem a sociedade e a informação, mais o ser
humano procurará formas exclusivas de informação, e os meios eletrônicos,
pela própria natureza da recepção, são coletivos. O jornal consegue atender a
cada leitor que o manuseia e, na medida que o satisfaz, torna-se sua
propriedade. (DINES, 1986, p. 77)
Revista
A revista é um dos meios de comunicação mais difundidos no Brasil, sendo algumas
delas detentoras de tiragens superiores a um milhão por semana 2. Este veículo apresenta
uma quantidade grande de informações associadas a um custo relativamente pequeno.
São vários os elementos que caracterizam a revista e a diferenciam dos outros
produtos jornalísticos impressos. Um deles é a sua periodicidade, ou seja, a frequência
com que novas edições são publicadas, como argumenta Scalzo (2009). Dependendo da
revista, o período de tempo entre uma edição e outra pode ser de uma semana, de quinze
dias, de um mês ou de qualquer outro intervalo regular. Segundo a autora, esse tempo
2
Média de circulação paga em junho de 2008 da revista Veja, segundo o IVC (Instituto
Verificador de Circulação)
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maior permite que os jornalistas contratados possam desenvolver melhor suas
produções, já que terão um prazo mais elástico, o que possibilita o desenvolvimento de
reportagens mais completas, melhor editadas e com um aprofundamento maior dos
assuntos. Scalzo também explica que as matérias de revista trazem novos ângulos, já
que elas precisam ir além da notícia:
Não dá para imaginar uma revista semanal de informações que se limita a
apresentar para o leitor, no domingo, um mero resumo do que ele já viu e
reviu durante a semana. É sempre necessário explorar novos ângulos, buscar
notícias exclusivas, ajustar o foco para aquilo que se deseja saber, e entender
o leitor de cada publicação. (SCALZO, 2009, p. 41)
Outro fator determinante da revista é a característica de criar e manter uma
identidade própria, acostumando o leitor ao seu formato. Ali (2009) conclui que os
responsáveis por estas publicações criam o costume no público de sempre procurar
determinado assunto ou seção no mesmo lugar, sem deixar de inovar em conteúdo. ―Os
editores trabalham para fazer uma revista diferente a cada edição, mas sempre de acordo
com uma estrutura coerente e harmoniosa, reconhecível pelo leitor.‖ (ALI, 2009, p. 18)
Outro fator que diferencia a revista dos outros formatos de jornalismo impresso
é o apuro gráfico. O design das revistas é mais preocupado com o impacto visual que
será exercido no público, pois os diagramadores têm consciência de que o leitor não
separa o texto do trabalho artístico feito para complementá-lo. Tudo é planejado para
conseguir a melhor transmissão de conteúdo e informação:
Para conseguir transmitir e passar ideias do conteúdo, é preciso manipular e
equilibrar todos os componentes: mensagem, linguagem, imagens, tipografia,
espaço, cor, sequência, contrastes, ordem e tudo o mais para orquestrá-los em
um todo visualmente unificado e intelectualmente consistente (ALI, 2009, p.
96)
Ali ainda comenta que cada revista deve ter a sua missão editorial bem
definida, ou seja, saber quem é seu público leitor, qual é seu objetivo e qual é o tema
que a mesma deve tratar. Sem isso, as reportagens perdem o foco, os jornalistas não
conseguem distinguir o que se encaixa ou não na linha editorial e o público não terá
suas expectativas atendidas.
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Sensacionalismo
O sensacionalismo é uma forma de expressão da notícia que exagera na carga
emocional e apela para um discurso que prioriza a espetacularização. Para Angrimani
(1995) sensacionalismo nasce quando a notícia recebe um tratamento sensacional
ganhando dimensões exageradas que não respeitam os limites da realidade.
Todas essas definições convergem para alguns pontos comuns.
Sensacionalismo é tornar sensacional um fato jornalístico que, em outras
circunstâncias editoriais, não mereceria esse tratamento. Como o adjetivo
indica, trata-se de sensacionalizar aquilo que não é necessariamente
sensacional, utilizando-se para isso de um tom escandaloso, espalhafatoso.
Sensacionalismo é a produção de noticiário que extrapola o real, que super
dimensiona o fato. Em casos mais específicos, inexiste a relação com
qualquer fato e a ―notícia‖ é elaborada como mero exercício ficcional.
(ANGRIMANI, 1995, p. 10)
O processo de espetacularização busca no insólito e na extravagância,
ingredientes que comovam e manipulem opiniões. O compromisso com a realidade
defendido pelo jornalismo fica mascarado por uma série de técnicas que transformam
notícia em mercadoria lucrativa:
Entretanto, quando a notícia deixa de ser o relato e passa a ser a maneira, ou a
roupagem com que é apresentada – rápida, sem apuração rigorosa, feérica,
fantasiosa, vestida para chocar, exagerada, apelando para as sensações, o
assombro, a admiração ou a repulsão do consumidor -, deixa de ser notícia,
falseando a imagem da realidade. Ressalta-se nuances de poucas relevâncias,
apenas garantidores de emoções, e contribui-se para reforçar mitos e
crendices. (JORGE, 2008, p. 78)
Para Angrimani (1995) a mensagem sensacionalista é, ao mesmo tempo,
imoral-moralista e não limita com rigor o domínio da realidade e da representação.
Nessa soma de ambigüidades se revela um agir dividido, esquizofrênico. O
sensacionalismo é ferramenta do jornalismo para seduzir o público e alcançar o lucro.
Um exemplo da notícia transformada em espetáculo foi a cobertura da vida e
morte da princesa Diana, da Inglaterra. Ao comentar .o assédio da mídia e os
exageros na apuração do episódio final, o jornalista Alberto Dines criticou
por meio da Folha de S. Paulo: ―A Sociedade-Espetáculo armou o cenário
para a acomodação de Diana e convocou o cantor Elton John para os funerais
em Westminster‖. Ou seja, embrulhou a tragédia em papel de presente, com
valores-notícias usados de propósito para configurar o show business e
manter o assunto na parada sucesso: romance, poder, dinheiro, fama,
violência, destruição e morte. (JORGE, 2008, p. 73)
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Quando um jornalista transforma um fato em notícia, ele considera fatores que
levem o público a consumir a mercadoria:
O sensacional no jornal vende tanto quanto a matéria de fundo: diferente do
jornal publicitário, a mercadoria do jornal liberal é a informação,
sensacionalizada e mutilda para tornar-se mais vendável,mas ainda um artigo
de real procura dos consumidores. Sob essa perspectiva, jornais podem
vender tudo, desde que lhes seja lucrativo. (MARCONDES FILHO, 1989, p.
88)
Segundo Angrimani (1995) a linguagem comumente empregada pelos
sensacionalistas, busca aproximar-se da fala, muitas vezes sem o respeito às normas
gramaticais, estratégia utilizada para envolver emocionalmente o público que sente uma
aproximação com o interlocutor:
Ainda dentro do ponto de vista jornalístico, a linguagem sensacionalista não
pode ser sofisticada, nem o estilo elegante. A linguagem utilizada é a
coloquial, não aquela que os jornais informativos comuns empregam, mas a
coloquial exagerada, com emprego excessivo de gíria e palavrões. Como se
verá adiante, a linguagem sensacionalista não admite distanciamento, nem a
proteção da neutralidade. É uma linguagem que obriga o leitor a se envolver
emocionalmente com o texto, uma linguagem editorial ―clichê‖.
(ANGRIMANI, 1995, p. 10)
A partir desses conceitos, o próximo capítulo apresenta uma análise sobre a
abordagem que a revista Veja dispensou para o caso Isabela Nardoni.
Resultados e discussão
Como proposta da pesquisa, este tópico será dedicado ao levantamento de dados
partindo da análise das edições da revista Veja que publicaram informações sobre o
caso Isabela.
Na primeira página da reportagem de capa (p. 89) do dia 09 de abril de 2008,
(ano 41 - nº 14), o texto é introduzido pelo caso da menina Isabella, demonstrando que a
produção daquele grande material jornalístico só foi desenvolvida a partir da
repercussão causada pela morte da garota de cinco anos. A foto de Isabella também
aparece nesta página entre outras de várias crianças envolvidas em casos de crimes, sob
um efeito gráfico sombrio. O texto apresenta termos como ―chocante‖ e ―garotinha‖,
que caracterizam a reportagem na função emotiva, explicitando que aquela produção
jornalística apresenta julgamentos de valor.
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Em um pequeno trecho da página 90 apresentam-se questionamentos sobre a
capacidade do ser humano de cometer atos de brutalidade como os exemplificados na
página anterior. Uma das frases aborda diretamente o caso da menina Isabella. ―Como
entender que o sorriso lindo e angelical de Isabella possa ter sido substituído pela
máscara da morte ao frescor de seus 5 anos de vida?‖ (TEIXEIRA, 2008, p. 90).
Percebe-se uma linguagem poética (preocupada com a forma que a mensagem é
apresentada) que desperta pré-julgamentos e sentimentos no leitor.
A morte da menina só volta a ser abordada diretamente na página 96, em texto
de Juliana Linhares e reportagem de Renata Moraes, e se estende até a página 97. Sob o
título ―O anjo e o monstro‖, a reportagem tem o intuito de apresentar os últimos
acontecimentos relacionados ao caso. No decorrer do texto volta a aparecer o termo
―chocante‖, agora definindo a versão apresentada pela Polícia em que Alexandre
Nardoni e Ana Carolina Jatobá estariam sendo considerados os assassinos. A partir
disso começa a ser montado um perfil para o pai de Isabella: Alexandre é definido como
violento e descontrolado.
Alexandre Nardoni é tido como uma pessoa violenta. Das quinze
testemunhas ouvidas até agora pela polícia, dez afirmaram ter tido
conhecimento de que ele agredia fisicamente a mulher. No prédio em que
Nardoni e Anna Carolina residiam antes de se mudar para o atual
apartamento, moradores contam que as brigas eram tão freqüentes e ruidosas
que já haviam resultado em quatro advertências. (MORAES, 2008, p. 97)
Na sequência da reportagem, a revista apresenta a situação em que Alexandre e
Anna Carolina se conheceram, o momento acadêmico de ambos, detalhes sobre o
relacionamento do casal, o ciúme que existiria entre eles, a relação ruim entre a atual
esposa de Alexandre e a ex-namorada dele, Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella,
sempre com informações obtidas com amigos de ambos e testemunhas já interrogadas
pela polícia. Porém se analisadas, elas não levam a conclusão alguma. A única função
de tais informações na reportagem é conseguir prender o leitor em características
cotidianas do casal que a revista já interpretava como o possível culpado do caso.
Em seguida, o relato da reação do pai ao ver a filha caída direciona o público
para a hipótese já apresentada pelos policiais como ―chocante‖. ―Os policiais que
investigam o caso contam que o pai de Isabella não se abateu. ‗Ele não chorou durante o
depoimento‘, disse o investigador. ‗Só chorou quando foi colocado dentro da viatura
que o levaria a detenção.‘‖(MORAES, 2008, p. 97)
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O parágrafo continua com uma interpretação da declaração dada acima.
―Lágrimas e comoção ou a ausência delas em depoimentos não provam nada.
Criminosos podem ter dons teatrais ou não. A reação de Nardoni é apenas mais um
elemento do mistério que reveste o assassino cruel de Isabella, dona de um lindo e
angelical sorriso.‖ (MORAES, 2008, p. 97). É perceptível que a intenção da frase inicial
era deixar o leitor com a sensação de que o mistério ainda não foi resolvido e que não se
sabe quem é o assassino. A matéria ainda é composta por fotografias de Isabella,
Alexandre e Anna Carolina Jatobá. A primeira imagem mostra a menina sorridente com
gestos delicados. Em outra foto, pai e madrasta de Isabella aparecem no momento da
prisão com expressões frias e apáticas. Uma relação possível de se fazer entre as fotos e
o título e de que Isabella seria o anjo, enquanto o pai e a madrasta representariam os
monstros.
Em contrapartida, a edição de 14 de maio de 2008 (ano 41, nº 19) apresenta
uma reportagem sobre os desdobramentos das investigações na página 104. O texto
apresenta uma análise sobre o pedido de prisão decretado pelo Ministério Público,
apontando que a prisão seria temporária, já que em casos semelhantes a Justiça aceitou a
reivindicação do advogado dos réus. Percebe-se uma posição imparcial por parte da
revista nesta edição.
O caso Isabella é exposto na capa e entre as páginas 84 e 91 (ano 41- n° 16) da
revista Veja, que traz como manchete da capa a expressão ―Para a polícia, não há mais
dúvidas sobre a morte de Isabella: FORAM ELES‖. As duas últimas palavras aparecem
em caixa alta e tamanho grande.
A capa é ilustrada com a foto do casal Alexandre Nardoni e Anna Carolina
Jatobá, na qual são focados os olhos de ambos. A reportagem do caso Isabella está na
página 84, na seção da revista intitulada Geral. Ocupa oito páginas. A reportagem é de
Naiara Magalhães, Adriana Dias Lopes Kalleo Coura e Renata Moraes. É demonstrada,
já na capa, a posição que a revista adota perante o caso, o qual ainda estava em fase de
investigação na época: a culpa do casal pela morte da menina é ―ilustrada‖ pela foto. Os
olhares frios do pai e da madrasta de Isabella são contrastantes com o fundo em preto,
como se eles estivessem cercados por uma espécie de ―treva‖ que envolveria seu
suposto crime. A frase ―foram eles‖, em caixa alta torna explícito que a revista torna a
suposição da polícia como verdade absoluta, sem que esta possa sofrer qualquer tipo de
contestação. Dessa forma, os próprios leitores são propensos a assimilar a informação
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como única verossímil. Já na capa, portanto, a revista dá sua sentença de culpa ao casal,
disfarçada nas afirmações das autoridades.
A matéria sobre a morte da menina Isabella tem o título: Frios e dissimulados,
seguido do subtítulo: Pai e madrasta mataram Isabella, numa sequência de agressões
que começou ainda no carro, conclui a polícia. A palavra ―mataram‖ no início do
subtítulo demonstra a despreocupação dos jornalistas em esperar o final da investigação
policial, o julgamento e a sentença do juiz do caso para dar o derradeiro parecer sobre o
crime. Ou seja, não há preocupação com a apuração correta dos fatos. Quanto ao título,
composto por dois fortes adjetivos, percebe-se que a opinião do veículo é baseada
totalmente em afirmações da polícia. O leitor é persuadido a crer que o casal acusado do
assassinato se encaixa realmente no perfil descrito pelos adjetivos.
Nas duas primeiras páginas que abrem a matéria especial sobre o caso Isabella,
a ilustração é de Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni, com Isabella no meio dos
dois. As fotos escolhidas para montar a ilustração são focadas nos rostos do trio. A
madrasta e o pai aparecem com os semblantes sérios, condizentes com o título da
matéria (frios e dissimulados). Por outro lado, a foto da menina é focada em sua
fisionomia alegre.
No parágrafo pelo qual se inicia a reportagem, o inquérito policial é alvo de
manipulação dos jornalistas quando eles o usam para justificar a construção do texto, no
qual o pai e a madrasta são tomados como os assassinos.
O monstro que matou a menina Isabella e que seu pai, Alexandre Nardoni, em
carta divulgada à imprensa, prometeu não sossegar até encontrar estava, afinal,
diante do espelho. E a mulher, que em carta afirmou ser a criança ―tudo‖ na sua
vida, ajudou a matá-la com as próprias mãos. Tal é a conclusão a que chegaram
os responsáveis pelo inquérito policial. (COURA et al, 2008, p. 84)
A revista afirma que, pelo fato de a investigação da morte não ficar a cargo da
Delegacia de Homicídios e sim dos policias que a iniciaram, ganhou-se em precisão no
levantamento dos indícios. A revista, além de publicar a declaração desnecessariamente
exibicionista do delegado, ainda se permite classificar positivamente o trabalho dos
policiais no caso, quando estes, na verdade, estão fazendo somente a obrigação a eles
incumbida.
Nas seis páginas seguintes há a ilustração da reconstituição do crime com o
título ―O crime passo a passo‖. Nos onze quadrinhos descrevendo aquela que teria sido
a sequência dos acontecimentos precedentes da morte, Alexandre e Anna Carolina são
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desenhados com traços intimidantes. Seus rostos são adornados com expressões
raivosas. A sequência é feita com base em testemunhas e em opiniões de peritos e
investigadores. Em nenhum momento é citado que estas são provas definitivas.
Na página 87, a foto é a do casal Nardoni escoltado por dezenas de policias
com a legenda: ―ESCOLTA. Sete carros policiais acompanharam o casal à delegacia‖.
A primeira foto dramatiza a história da menina que adorava o pai, mas mesmo assim foi
assassinada por ele. A segunda expõe para o público o sentimento de perda da mãe,
sendo um elemento fundamental para carregar de emoção humana a reportagem
sensacionalista.
As fotos das páginas 88 e 89 são da garota Isabella e de sua mãe, Ana Carolina
Oliveira, que aparece enxugando as lágrimas. Abaixo está a seguinte legenda: AMOR
INCONDICIONAL. Segundo Ana Carolina, mãe de Isabella, a menina tinha um ‗amor
incondicional‘ pelo pai.
O parágrafo a seguir conta os acontecimentos com base nas declarações dos
peritos: ―Segundo os investigadores e os peritos, ela foi espancada e asfixiada pela
madrasta no interior do veículo [...]‖. Mas no final, percebe-se o tom mais tendencioso
utilizado pelos jornalistas para comover o leitor, dando ênfase ao ponto de vista do
veículo jornalístico.
O rosto sujo de sangue da menina foi limpo com uma toalha. Nardoni, então,
cortou a tela de proteção da janela de um dos quartos e arremessou a filha
para morte. Quando foi lançada, Isabella ainda estava vida, em estado de
letargia por causa da asfixia sofrida no carro. Em seguida o casal deu início
a seu espetáculo de frieza e dissimulação. (COURA et al, 2008, p. 84, grifo
nosso)
Nos parágrafos seguintes da reportagem, é contada a história de Alexandre
Nardoni. A vida que levava, as posses que tinha, a faculdade na qual se formou. Porém,
a maneira como é colocado o perfil do pai de Isabella conduz o leitor à ideia de ser ele
uma pessoa acomodada e dependente financeiramente do pai. Somente aspectos
negativos da vida pessoal e profissional dele são ressaltados.
Quando era estudante de faculdade, tinha um Vectra último modelo,
comprado pelo pai [...]. Era dono de uma concessionária de motos e fazia
estágio no escritório do pai, o advogado tributarista Antonio Nardoni. O
apartamento na Zona Norte de São Paulo em que Nardoni morava com a
mulher e os dois filhos — com três quartos, piscina, sauna, quadra esportiva e
sala de ginástica, avaliado em 25 000 reais — também foi presente de
Antonio Nardoni. (COURA et al, 2008, p. 84)
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Na sequência do linchamento moral de Alexandre Nardoni pela revista, vem
também, e com igual peso, a desmoralização de sua companheira, Anna Carolina
Jatobá. No parágrafo da página 88, a madrasta de Isabella é caracterizada como
―esquentada‖. Os jornalistas de Veja levantam até a ficha policial do pai de Anna
Carolina para somar aspectos negativos à madrasta. Segundo a reportagem de Coura et
al (2008, p. 88), ―o pai, Alexandre Jatobá, responde a nove processos na Justiça (a
maioria por não pagamento de dívidas e um por furto de energia)‖.
Os depoimentos contra a família Jatobá são na maioria de pessoas próximas a
ela, que se dispuseram a falar depois que o crime estourou na mídia, e percebe-se a falta
de uma apuração melhor nas informações colhidas. Não obstante, no parágrafo seguinte
vem à luz mais uma tentativa de descrever o casal como dois seres nefastos. Episódios
em que o pai e a madrasta teriam maltratado seus dois filhos (Pietro e Cauã) são
revelados por Ana Carolina Oliveira, mãe de Isabella. Quem teria lhe afirmado isto fora
a própria filha. ―Anna Carolina, em meio a uma discussão com o marido, motivada por
ciúmes, jogou sobre a cama o filho Cauã, de 11 meses, antes de partir para cima de
Nardoni, furiosa. A criança teria começado a chorar e Isabella acudiu.‖ (COURA et al.,
2008, p. 84)
A matéria termina dizendo que a polícia ainda tencionaria pedir a prisão
preventiva de Nardoni e Anna Carolina. Antes mesmo da sentença e do acúmulo de
provas definitivas pelo judiciário, a revista dá seu parecer final.
Se condenados ao final do processo, a morte de Isabella não será a única a
aterradora culpa que carregarão. Eles são pais de duas crianças, cuja vida
estará para sempre marcada pelas cenas a que elas — muito provavelmente
— assistiram aterrorizadas. (COURA et al., 2008, p. 84, grifo nosso)
A edição do dia 16 de abril (ano 41, nº 15) trouxe duas páginas, 94 e 95, com o
caso Isabela. A matéria de Juliana Linhares faz um resumo do processo de investigação
do crime, ressaltando os indícios que apontavam o pai e madrasta da vítima como
culpados.
O texto com o título ―Isabela continua a morrer‖, desenvolve-se em tópicos
apresentando algumas informações obtidas pela polícia, estas que são chamadas de
revelações, foram reunidas de forma a criar o roteiro de uma história com lacunas, que
seriam preenchidas pela conclusão do leitor que foi dirigida pela forma como foram
colocadas as informações.
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Após as ―revelações‖ serem colocadas, um texto fechou a matéria. Nele é
recapitulada a situação do casal Nardoni que foram presos por oito dias e soltos. A
intenção da matéria é dizer que o crime ainda não tem uma conclusão, mas as
investigações apontam para o pai e a madrasta de Isabela. Na última frase do texto o
apelo emocional e atribuição de culpa a Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá,
ficam muito claro. ―[...] o crime que atingiu Isabela continuará ecoando em forma de
dissimulação, mentira e covardia‖. (LINHARES, 2008a, p. 95)
As provas apresentadas pela revista mostram o trabalho da polícia nas
investigações, que ainda não foram concluídas, portanto, não se pode fazer afirmações
embasadas num inquérito inconcluso. O sensacionalismo aparece quando o caso é
tratado e maneira a enfatizar a culpa dos suspeitos.
Para a reportagem, uma foto grande de Isabela foi usada, ocupando quase uma
página inteira, assim a imagem da menina sorrindo comove o público. Certa passagem
do texto é ilustrada com uma imagem recuperada das câmeras de segurança de um
supermercado, onde a menina e os acusados aparecem horas antes do crime. E abaixo,
uma foto de Anna Carolina Jatobá sendo solta. As imagens são elementos empregados
para trabalhar com o emocional do leitor e de forma explícita apresentar um
maniqueísmo ao colocar os suspeito como o mal absoluto.
A edição de Veja do dia 30 de abril (ano 41, nº 17) estampa mais duas páginas
com o caso Isabela. A reportagem de Marcelo Carneiro ocupou as páginas 84 e 85 e
explora uma nova prova fornecida pela polícia. De acordo com as investigações,
Alexandre Nardoni se contradisse ao declarar em seu depoimento o tempo em que
Isabela teria ficado sozinha no apartamento, pois a perícia conseguiu determinar o
tempo exato de sua chegada ao prédio. Com essa informação a revista procura enfatizar
a culpa de ambos os acusados. A matéria também ataca delegados e investigadores da
polícia, que de acordo com a revista estavam divulgando informações erradas para a
imprensa.
O título ―Ainda mais acusados‖ além de afirmar a culpa dos indiciados, ainda
enfatiza o fato. Um infográfico é responsável por ilustrar o passo a passo do tempo
determinado pelas investigações, que é colocado de maneira a confrontar com as
declarações de Nardoni, afirmando mais uma vez a sua culpa.
A imagem utilizada foi captada da entrevista cedida pelos acusados ao
Fantástico, com a legenda: ―[...] a defesa faz o que pode.‖ Na última frase é perceptível
na linguagem o posicionamento apelativo. ―[...] Ministério Público [...] seja cuidadoso o
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suficiente para evitar que se lance uma cortina de fumaça sobre a brutalidade que ceifou
a vida da pequena Isabela.‖ (CARNEIRO, 2008, p. 85)
Todas
as
colocações
apresentadas
exemplificam
o
posicionamento
sensacionalista da revista Veja na cobertura do caso Isabela Nardoni. O exagero,
exploração da emotividade e alarmismo, são características do tratamento sensacional
encontrado nas divulgações midiáticas sensacionalista e estes formaram visto e
pontuados na análise realizada.
Considerações finais
A sentença que condenou o casal à prisão foi expedida quase dois anos depois do crime
(em 27 de março de 2010), pelo juiz Maurício Fossen. Mas é certo que, muito antes
disso, o público já tinha sua opinião formada com base nas acusações da mídia. A
cobertura exagerada dos meios de comunicação fez do crime quase uma novela, com
seus mocinhos e vilões bem definidos. E enquanto as investigações corriam, o país
vivenciava, através das publicações impressas e das transmissões de TV, uma espécie de
fórum, em que se precisava alcançar a justiça a qualquer preço. Para tanto, a mídia
levou a população a acusar e julgar sem, em momento algum, refletir.
As divulgações da revista Veja acusavam os suspeitos de forma taxativa e
explícita. A linguagem apelativa aplicada pelo veículo contribuiu para que o público
cobrasse justiça através da punição rígidas dos acusados. Leitores foram
emocionalmente manipulados por um vocabulário e fotos tendenciosas.
A
imparcialidade, pré-requisito principal para o jornalismo de credibilidade, foi ignorada
em detrimento da linha sensacionalista adotada pela revista.
O objetivo geral proposto por este projeto, que era identificar o
sensacionalismo nas coberturas do caso Isabella Nardoni, foi alcançado. Os elementos
que caracterizam o tratamento sensacionalista às notícias, foram pontuados e analisados.
A exploração da emotividade, do exagero na divulgação dos fatos que aumentava a
dimensão do ocorrido e a linguagem apelativa, foram considerados os principais
mecanismos utilizados pela revista ao abusar do sensacionalismo.
Notou-se grande repercussão na sociedade obtida pelo engrandecimento das
notícias. Devido ao exagero empregado na cobertura, imprensa e mídia transformaram o
caso Nardoni em assunto para a população por várias semanas seguidas. Entretanto não
foram conseguidas informações suficientemente confiáveis para que os efeitos do
sensacionalismo nas vendas pudessem ser discutidos.
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Mesmo com a ausência do dado citado acima, é possível concluir que as
versões do fato produzidas pela revista Veja influenciaram um grande número de
pessoas,
manipulando a opinião das mesmas, e espetacularizando todo o
desenvolvimento da investigação relativa ao caso. Assumindo uma postura antiética, a
publicação usou vários mecanismos sensacionalistas para conseguir reter a atenção do
leitor por várias edições.
Referências
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