Ana Carolina Limeira Pró‐Reitoria de Pós‐Graduação e Pesquisa Lato Sensu em Gestão da Assistência Farmacêutica Trabalho de Conclusão de Curso PROJETO DE IMPLANTAÇÃO DE ATENÇÃO FARMACÊUTICA AOS USUÁRIOS DE TALIDOMIDA ATENDIDOS NA FARMÁCIA AMBULATORIAL DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA Autor: Ana Carolina Limeira Gomes Orientador: Lia Lusitana Cardozo de Castro Brasília ‐ DF 2010 2 ATENÇÃO FARMACÊUTICA AO PACIENTE USUÁRIO DE TALIDOMIDA Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Gestão da Assistência Farmacêutica da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do certificado de Especialista. Orientadora: Lia Lusitana Cardozo de Castro Brasília 2010 3 RESUMO O desastre ocorrido no final da década de 50 e início da década de 60 em virtude do uso da talidomida por gestantes, ocasionando uma epidemia de focomegalia, representou um marco para o surgimento das ações de farmacovigilância com ênfase em um novo paradigma sobre o uso dos medicamentos. Os pacientes usuários de talidomida permanecem desprovidos de ações que visem à provisão de forma responsável do tratamento farmacológico com o propósito de alcançar resultados concretos que melhorem a qualidade de vida desses pacientes. Desta forma, o presente projeto propõe realizar, baseado no Método Dáder, o seguimento farmacoterapêutico dos pacientes usuários de talidomida atendidos na farmácia ambulatorial do Hospital Universitário de Brasília. 4 ABSTRACT The accident occurred in the late 50s and early 60s due to the use of thalidomide by pregnant women, causing an epidemic of focomegalia, represented a landmark in the emergence of pharmacovigilance activities with emphasis on a new paradigm on the use of medicines. The patients using thalidomide remain discover of actions aimed to supply in a responsible way of pharmacological therapy in order to achieve results that improve the quality of life of these patients. Therefore, the aim of the present project was to propose, based on the Dáder methodology, realize a pharmacotherapy following in the outpatients attended in the Ambulatorial Pharmacy of the University Hospital of Brasilia. 5 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 6 2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 8 2.1. TALIDOMIDA 8 2.2. PROPRIEDADES FÍSICO-QUÍMICAS/ MECANISMO DE AÇÃO 111 2.3. MECANISMO DE AÇÃO 12 2.4. APLICAÇÕES CLÍNICAS 14 2.4.1. ERITEMA NODOSO LEPROSO (ENL) 15 2.4.2. DST/ AIDS 15 2.4.3. DOENÇA DO ENXERTO VERSUS HOSPEDEIRO (GRAFT-VERSUSHOST DISEASE) 16 2.4.4. LESÕES CUTÂNEAS DO LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO 17 2.4.5. MIELOMA MÚLTIPLO 17 2.4.6. DOENÇA DE CROHN 18 2.5. ATENÇÃO FARMACÊUTICA 19 3. ESTRATÉGIA E FORMULÁRIOS DE APLICAÇÃO DO MODELO DE ATENÇÃO FARMACÊUTICA EM PACIENTE USUÁRIO DE TALIDOMIDA 21 3.1. FORMULÁRIO 1 – PRIMEIRA ENTREVISTA 22 3.2. FORMULÁRIO 2 – AVALIAÇÃO DA SITUAÇÃO 24 3.3. FORMULÁRIO 3 – FASE DE INTERVENÇÃO FARMACÊUTICA 25 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 26 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 27 6 1. Introdução A Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1993, publicou a “Declaração de Tóquio”, documento esse resultado da discussão do papel do farmacêutico no sistema de atenção à saúde. Como objeto de consenso foi definido que a “prática” é o meio do qual uma profissão fornece conhecimento e produtos para a sociedade. O foco central da prática farmacêutica deve ser o uso racional de medicamentos(1). Múltiplos determinantes e diferentes profissionais envolvem a utilização de medicamentos. As diretrizes farmacoterápicas adequadas para a condição clínica do indivíduo são elementos essenciais para a determinação do emprego dos medicamentos. Todavia, é importante ressaltar que a prescrição e o uso dos mesmos são influenciados por fatores de natureza cultural, social, econômica e política(2, 3). A excessiva medicalização e mercantilização do modelo de assistência à saúde adotado no mundo ocidental contemporâneo colocam os medicamentos em um espaço importante no processo saúde/doença, sendo praticamente impossível pensar a prática médica ou a relação médico x paciente sem a presença desses produtos(4). Diante deste contexto, a morbimortalidade relacionada ao uso de medicamentos é um grande problema de saúde pública(5, 6). Reações adversas a fármacos é uma causa importante de morbidade e mortalidade. Estima-se que essas reações ocorrem entre 10-20% dos pacientes hospitalizados, além disso, é a causa de 3-6% das admissões hospitalares entre pacientes de todas as idades e 3– 24% entre pacientes idosos(7). A morbimortalidade por esta causa é considerada comum e o custo estimado é da ordem de 136 bilhões de dólares ao ano nos EUA(8). Uma revisão sistemática sobre os atendimentos de emergência relacionados ao uso de medicamentos(9) considerou dados de oito ensaios retrospectivos e quatro prospectivos. Os resultados indicaram que 28% de todos os atendimentos de emergência estão relacionados aos medicamentos. Destes atendimentos, 70% diziam respeito a situações evitáveis e 24% deles resultaram em internação hospitalar. Esta mesma pesquisa revela que os problemas mais comuns relacionados aos medicamentos são: as reações adversas, a não aderência ao tratamento e a prescrição inadequada. Outro estudo(10) mostra que os eventos adversos relacionados a medicamentos aumentam em 1,88 o risco de mortalidade e que 27% dos eventos relatados são atribuídos à 7 negligência. Segundo o autor, uma solução viável para o problema é aumentar a interação entre médico e farmacêutico. Diante deste contexto, a atenção farmacêutica conceituada classicamente como “a provisão responsável do tratamento farmacológico com o propósito de alcançar resultados concretos que melhorem a qualidade de vida do paciente”(11) surge como alternativa que busca melhorar a qualidade do processo de utilização de medicamentos alcançando resultados concretos. O desastre ocorrido no final da década de 50 e início da década de 60 em virtude do uso da talidomida por gestantes, ocasionando uma epidemia de focomegalia, representou um marco para o surgimento das ações de farmacovigilância com ênfase em um novo paradigma sobre o uso dos medicamentos(12). Diante do exposto, ainda são escassas as estratégias de atenção farmacêutica focada nos pacientes usuários de talidomida. 8 2. Revisão bibliográfica 2.1. Talidomida Talidomida [(±) – α – ( N - phthalimido glutarimida)] é um composto racêmico neutro derivado do ácido glutâmico, sintetizada primeiramente em 1953 pela companhia farmacêutica suíça CIBA (13) e introduzida no mercado, em 1957, com o nome de Contergan® pela companhia farmacêutica alemã Chemie Grünenthal, sendo indicada como sedativo, tranqüilizante e antiemético para controle de enjôos matinais em mulheres grávidas(14, 15). Os estudos pré-clínicos iniciais realizados em roedores para a avaliação da capacidade sedativa do fármaco não demonstraram letalidade mesmo com sua utilização em dose excessiva, sugerindo, desta forma, que se tratava de um medicamento seguro(16). Embora tais estudos preliminares tenham sido limitados, o medicamento foi testado em mais de 1000 adultos e crianças, sendo bem tolerado e parecendo ser uma boa alternativa aos sedativos já utilizados(17). Por apresentar características químicas similares aos barbitúricos e com a vantagem de não causar dependência e acreditar-se ser seguro, o fármaco tornou-se um sedativo amplamente utilizado pela população, sendo comercializado com pelo menos 46 diferentes nomes pelo mundo(18), apesar de nunca ter sido aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA) devido a indícios de potencial surgimento de neurite irreversível e falta de estudos mais contundentes com relação à sua segurança(18, 19). Contudo, com o intuito de aumentar a venda do produto, a companhia farmacêutica promoveu uma ampla campanha publicitária com o slogan “completamente inócuo, completamente seguro”, com anúncios programados para publicações médicas de primeira linha, além de milhares de cartas para médicos e farmacêuticos do mundo inteiro(20). Ocorreu ainda, por parte do fabricante, a ampliação das indicações terapêuticas do medicamento, sendo sugerido para tratamento de irritabilidade, dificuldade de concentração, síndrome do pânico, ejaculação precoce, tensão pré-menstrual, desordens funcionais do estômago e vesícula biliar, doenças infecciosas febris, depressão leve, ansiedade, hipertireoidismo e tuberculose. Associações medicamentosas com outros compostos também foram 9 comercializadas pela Grunenthal. Esses produtos eram indicados para resfriados, tosse, cefaléias e asma. Uma das apresentações farmacêuticas na forma líquida era usualmente utilizada em hospitais alemães para sedar crianças durante exame eletroencefalográfico(21). No entanto, entre os anos de 1958-61 foi verificado o nascimento de mais de 10.000 bebês, cujas mães utilizaram uma única dose do fármaco durante a gestação, com defeitos congênitos como: focomelia, dismelia, amelia, hipoplasticidade óssea e outras anormalidades – na orelha, no coração e demais órgãos internos(22) (Figura 1). Foi observado ainda, que o maior risco de teratogenicidade ocorria quando o fármaco era ingerido entre a 3ª e 8ª semanas de concepção(14, 15, 23) . Em torno de 40% das crianças afetadas morriam no primeiro ano de vida(24). Figura 1: Má-formações relacionadas ao uso da talidomida. Fonte: Schardein e Moore Em novembro de 1961 na Alemanha, durante o North Rhein-Westphalia Pediatric Meeting, o médico geneticista Widukind Lenz, após a apresentação de 34 casos de recémnatos com graves deformidades das extremidades, levantou publicamente a possibilidade de as anomalias congênitas relatadas terem sido provocadas pelo consumo de talidomida durante a gestação, e, como resultado, a mesma foi retirada do mercado europeu e canadense em 1961 e 1962, respectivamente(14). No Brasil, entretanto, devido à total falta de informação quanto aos efeitos adversos já comprovados, o medicamento continuou sendo vendido como uma 10 droga “isenta de efeitos colaterais”, pelo menos até meados de 1962, sendo de fato retirado do mercado somente em 1965, ou seja, com pelo menos quatro anos de atraso(16). Talidomida produz respostas teratogênicas variáveis entre diferentes tipos de mamíferos. Os roedores são mais resistentes à teratogenicidade provocada pela talidomida, em contrapartida, coelhos são mais sensíveis aos efeitos teratogênicos do fármaco. Desta maneira, se espécies não-roedoras como coelhos tivessem sido utilizados nos testes iniciais, tais efeitos teriam sido evidentes e a droga nunca seria aprovada(25). Diversos mecanismos de teratogenicidade foram propostos. Em um deles, o defeito pode estar relacionado à estrutura protéica do colágeno, fundamental na gênese do tecido conjuntivo, já que a enzima prolil-oxidase, básica na estrutura do colágeno, é inibida in vitro pela droga(26). Em 1994, D´amato et al postularam que as má-formações associadas ao uso da talidomida eram resultado de interferências da droga com a vasculogênese, sendo esta uma proposta bem aceita atualmente(13) A talidomida ressurgiu em 1965 com Sheskin, um dermatologista israelense, que fez uma interessante descoberta enquanto tratava seus pacientes leprosos com a talidomida: ele estava prescrevendo o fármaco por suas propriedades sedativas, mas notou que os pacientes com Eritema Nodoso Leproso apresentavam uma melhora significativa de suas lesões com apenas 2 dias de tratamento, mantendo a inflamação controlada (27). Essa descoberta levou ao interesse e às pesquisas a respeito das atividades imunomoduladora da talidomida, que foi aprovada em 1998 pelo FDA para esta indicação(26). Na década de 80, passou a ser a principal estratégia terapêutica utilizada na complicação pós-transplante alogênico de medula óssea, a doença do enxerto contra hospedeiro, um processo imunomediado, envolvendo o linfócito T, com manifestações mucocutâneas, que podem ser controladas pelo seu efeito supressor sobre o fator necrose tumoral alfa(28, 29). 11 2.2. Propriedades físico-químicas/ Mecanismo de ação A molécula da talidomida (1) é um derivado sintético do ácido glutâmico. A metodologia sintética para sua obtenção tem como primeira etapa a condensação do (R,S)ácido glutâmico com anidrido ftálico (3), seguida da etapa chave da rota sintética que constitui na condensação do intermediário ftalimídico (4) com amônia em alta temperatura(30) (Figura 2). Figura 2: Rota sintética de obtenção da molécula de talidomida É um composto quiral constituído da soma equimolar dos enantiômeros D(+) e L(-) que se interconvertem sob condições fisiológicas (Figura 3). É um pó branco cristalino estável, tem peso molecular de 258,2 e ponto de fusão de 275-278º C, e é moderadamente solúvel em água. Sua forma sólida é estável, porém é espontaneamente hidrolisada em solução com o pH 6,0 ou maior , produzindo pelo menos 12 produtos de hidrólise, sendo 11 compostos quirais(31). O Fármaco é comercialmente utilizado sob a forma de mistura racêmica e existem diferenças farmacocinéticas e farmacodinâmicas entre as isoformas D(+) e L (-). O 12 enantiômero L(-) está relacionado com os efeitos imunomoduladores e suspeita-se que seja responsável pelos efeitos teratogênicos(32, 33) , enquanto o enantiômero D(+) é responsável, principalmente, pelos efeitos sedativos do fármaco(33). Figura 3: Estrutura dos enantiômeros da talidomida 2.3. Mecanismo de ação O exato mecanismo de ação que explica as propriedades imunomoduladoras, antiinflamatórias e antiangiogênicas da talidomida ainda não se encontra claramente delineado, apesar de ocorrer o envolvimento modulatório das citocinas inflamatórias como fator de necrose tumoral (TNF-α), Interferon gama (IFN- γ), interleucina 10 (IL-10), interleucina 12 (IL-12), cicloxigenase 2 (COX-2) e possivelmente o fator de transcrição do fator nuclear kappa B (NF-κB)(22). Devido à baixa solubilidade do fármaco e a sua alta velocidade de hidrólise em solventes aquosos, a determinação desses mecanismos in vitro torna-se complicada(25). 13 A talidomida diminui os níveis do Fator de Necrose Tumoral ( TNF-α ) e do Interferon gama (IFN-γ)(34). O TNFα é responsável pela regulação de diversas cascatas e representa um importante alvo terapêutico nas doenças inflamatórias. No Eritema Nodoso Leproso (ENL), estas citocinas encontram-se geralmente elevadas e a melhora clínica de pacientes tratados com talidomida corresponde à redução das mesmas(35). A ação do fármaco sobre o TNF-α é mediado por meio da aceleração da degradação de seu RNA mensageiro, que não o elimina completamente, mas diminui sua meia- vida de 30 minutos para 17 minutos(35). Entretanto, em contraste com os efeitos supressores da talidomida na produção de TNFα por monócitos e macrófagos, a superindução de TNFα dependente de interleucina ocorre em linfócitos CD4 e CD8 tratados com talidomida, o que indica uma elaborada farmacologia que ainda não é compreendida na resposta inflamatória(34). As atividades anti-inflamatórias e anti-angiogênicas da talidomida são controladas em parte pelo do fator de transcrição nuclear kappa-B (NF-κB), que encontra-se localizado no citoplasma ligado à proteínas inibitórias (por exemplo, Iκ- Bα ou outras proteínas Iκ- B). Um vez estimulado por indutores como TNF α, produz uma cascata de fosforilação que resulta na dissociação das proteínas inibitórias, tornando-o livre para expressar genes envolvidos no crescimento celular, supressão da apoptose, metástase e respostas imunes e inflamatórias. A inativação de NF-κB mediada pela talidomida ocorre em várias células, incluindo células endoteliais e epiteliais, células T, e células mielóides(34, 35). A talidomida também parece diminuir a relação entre os linfócitos T-auxiliares (Thelper) e os T-inflamatórios, aumentando a produção dos auxiliares e diminuindo a produção dos inflamatórios. Tal efeito possui implicações no tratamento do ENL porque as células Tauxiliares são usualmente elevadas nas lesões de pele dos pacientes durante os episódios agudos. O fármaco também mostrou aumentar citocinas como interleucina 4 (IL-4) e interleucina 5 (IL-5)(36). Da mesma maneira, o fármaco inibiu a produção de Interferon γ em células mononucleares da circulação periférica e os efeitos estimulantes do Fator de Crescimento da Insulina 1 (IGF 1) na condrogênese e no desenvolvimento do tecido esquelético, provavelmente por meio da inibição do fator de crescimento dos genes αvβ3 – integrina(34). A interferência com as integrinas - necessárias à angiogênese - com a expressão do gene de fator de crescimento pode contribuir para respostas imunomoduladoras via NF-κB. O 14 TNFα (ou interleucina 1β) induz a acumulação de um fator inflamatório e angiogênico, o chamado Fator de Hipóxia Induzido 1-α (HIF-1α) em células renais por meio de uma via que parece envolver o NF-κB. Talvez a talidomida suprima a atividade de HIF-1α através de sua atividade anti-TNFα(22, 35). É importante ressaltar que em estudo realizado por Neben et al (2001) não foi possível a verificação de decréscimo nas concentrações de TNFα em pacientes que respondiam à talidomida, sugerindo que outros mecanismos podem estar relacionados em suas atividades terapêuticas(37). A talidomida também tem despertado interesse por suas propriedades antiangiogênicas. A descoberta de que o fármaco inibe a indução da COX-2 mediada por lipossacarídeos por meio da desestabilização de seu RNA mensageiro e a subseqüente biossíntese de prostaglandina E2 explica em parte a inibição da angiogênse(22, 35) . Tal propriedade foi relacionada com a habilidade de tratar algumas formas de câncer, por meio da diminuição dos vasos sanguíneos que alimentam os tumores. Estudos realizados com córnea de coelhos mostraram que a talidomida bloqueia a ação de potentes fatores angiogênicos como o Fator de Crescimento Fibroblástico (bFGF) e o Fator de Crescimento Endotelial Vascular (VEGF)(22). Os efeitos imunomoduladores da droga também podem produzir uma resposta antitumoral aditiva. Uma inibição dose-dependente da interleucina 6, um fator de crescimento relacionado ao câncer, foi notada após tratamento com talidomida(34). 2.4. Aplicações clínicas Desde sua reintrodução na terapêutica, a talidomida contemplou diversas entidades clínicas. Nos meados da década de 60, as dermatopatias foram as primeiras condições patológicas a serem tratadas com índice de resposta próximos a 90% de remissão(38). Nos anos seguintes sua utilização foi abrangendo outras doenças como as reumatopatias autoimunes, seguidas pelas doenças do enxerto contra o hospedeiro, síndrome de imunodeficiências adquirida (AIDS), e, nos dias atuais, as neoplasias hematológicas e os tumores sólidos(39, 40). 15 No Brasil, a talidomida só pode ser indicada e utilizada no âmbito dos seguintes programas oficiais, conforme portaria SVS/MS nº 354/97(41) hanseníase (reação hansênica, tipo eritema nodoso ou tipo II); DST/AIDS (úlcera aftóide idiopática em pacientes portadores de DST/AIDS); e doenças crônicas degenerativas (lúpus eritematoso e doença do enxerto contra hospedeiro). A Resolução-RDC nº 34/00 (42) autoriza também a utilização da talidomida no tratamento do mieloma múltiplo refratário à quimioterapia. Ainda no âmbito de autorização para a utilização terapêutica da talidomia, a portaria SAS n° 858/ 2002 estabelece protocolo para utilização na doença de Crohn(43). 2.4.1. Eritema Nodoso Leproso (ENL) A hanseníase ou lepra é uma infecção causada pelo Mycobacterium leprae, que acomete predominantemente a pele e os nervos periféricos e está dividida em três tipos: tuberculóide, intermediária (boderline) e lepromatosa(44). Vários estudos já demosntraram níveis aumentados de TNF-α e IL1, principalmente TNFα no soro de pacientes com ENL. A ação dessas citocinas inflamatórias reside em sinergismo sobre o endotélio capilar, levando a um aumento na permeabilidade durante a reação inflamatória in vivo e in vitro(45, 46). A talidomida age reduzindo a produção de TNF- α através do bloqueio da produção do RNA mensageiro desta citocina(47). A ação da talidomida em reduzir os níveis de TNF-α e em menor proporção de IL1 ocasiona melhora nos sintomas locais e sistêmicos do ENL, por inibir a quimiotaxia das células inflamatórias em direção às lesões(45). 2.4.2. DST/ AIDS É provável que a talidomida possa exercer uma atividade anti-HIV através da interferência na produção do TNFα, que induz diretamente a expressão do vírus na célula infectada pela estimulação do fator nuclear NF-κB, um fator de transcrição essencial para a expressão do vírus da imunodeficiência humana (HIV)(48). Estudos sugerem um bloqueio do efeito estimulante do TNFα na replicação do HIV in vitro pela talidomida em células 16 mononucleares de sangue periférico de pacientes com infecção avançada de HIV(49, 50) . Contudo, estudo in vivo mostrou-se contraditórios com relação a esta inibição(51). O fármaco mostrou atividade moderada em pacientes soropositivos com Sarcoma de Kaposi. Um estudo na fase II com pacientes tomando 100mg de droga por dia resultou em uma resposta de 35%; níveis séricos de herpesvírus 8 foram reduzidos em todos os que tiveram resposta. Em outro ensaio, com doses de 200 a 1000mg, o tratamento resultou em respostas parciais em 40% dos indivíduos, e a doença manteve-se estável em 10% dos mesmos. Complicações hematológicas mostraram-se raras(52, 53). Resultados de estudos randomizados e controlados com placebo de pacientes soropositivos com dolorosas úlceras aftosas mostraram melhora em 50% dos pacientes, com melhora das lesões severas e refratárias com uma dose de 100 a 200mg por dia. A resposta às sensações de dor e queimação era rápida (menos de duas semanas), mas recaídas eram freqüentes após o término da terapia(51). A função da talidomida no tratamento de condições patológicas associadas ao HIV tem sido bastante animadora. A Caquexia, por exemplo, caracterizada por perda progressiva de peso e da musculatura acompanhada de distúrbios metabólicos como anorexia e diarréia é comum no estágio terminal da AIDS, e tem sido tratada com talidomida. Resultados de vários estudos demonstraram um ganho de peso com o fármaco em um curto período de tempo(54, 55). 2.4.3. Doença do Enxerto versus Hospedeiro (Graft-versus-host disease) A doença crônica do “Enxerto versus hospedeiro” é a complicação mais freqüente após transplante de medula óssea e ocorre em aproximadamente 40% dos pacientes que sobrevivem por 100 dias após o transplante(56). Dentre as manifestações clínicas mais comuns desta doença estão a diarréia, doenças na pele, disfunção hepática e mucosites orais(57). Estudos clínicos com diferentes terapias para a doença mostraram que muitos pacientes respondem com sucesso ao tratamento, entretanto muitos deles não conseguem resultados satisfatórios(58, 59). Em um estudo realizado por HuyPham et al, mostrou-se que a combinação da talidomida ou de um derivado da mesma (N-hidroxitalidomida) com a ciclosporina A, em baixas concentrações, leva a um aumento da atividade terapêutica e pode diminuir a 17 toxicidade de ambos(60). Este resultado é corroborado com estudos realizados por Tamura et al. (1990) e Vogelsang et al. (1988)(59, 61). As respostas à doença de alto risco ou refratária, entretanto, variaram de 20 a 88%, com toxicidade aceitável(62). Assim, a talidomida parece ser útil como uma terapia imunossupressora adjuvante, mais do que como um agente de primeira linha no tratamento desta doença. 2.4.4. Lesões cutâneas do Lúpus Eritematoso Sistêmico Lupus eritematoso sistêmico caracteriza-se por ser uma doença sistêmica que envolve os tecidos cutâneos e mucocutâneos. A talidomida foi investigada quanto a seus benefícios terapêuticos sobre esta condição patológica, em pacientes que não respondiam mais à terapia convencional, através de diversos estudos. Em estudos não-randomizados, a talidomida foi moderadamente eficiente no tratamento das lesões cutâneas refratárias do Lúpus Eritematoso Sistêmico. As respostas clínicas variaram de 84 a 100% com doses diárias de 50-400mg. Em um estudo com uma dose de 300mg por dia, o uso de esteróides foi reduzido em mais de 50%. A talidomida é considerada uma terapia de segunda linha para esta doença, devido a diversos relatos de neurotoxicidade e reincidência após a suspensão da terapia(22). 2.4.5. Mieloma múltiplo O mieloma múltiplo (MM) é uma doença maligna caracterizada pela infiltração medular com plasmócitos dericados de um clone anômalo, sustentado pela proeminente angiogênese, que se fixa nos fatores estimulantes de crescimento do endotélio e dos fibroblastos, associados à ação das moléculas de adesão, das interleucinas 6 (IL-6), IL-3, IL1β e IL-10, dos fatores estimulantes do crescimento de granulócitos e monócitos e do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α)(39). Neoplasia invariavelmente fatal, apresenta incidência de 4/100.000 pessoas/ ano, ocupando cerca de 15% das doença hematológicas malignas(39). 18 Caracteriza-se por ser uma doença sistêmica, com sintomatologia variável onde se destacam as dores ósseas, os sintomas secundários à anemia, os distúrbios metabólicos e renais capazes que gerar grave comprometimento físico e emocional do indivíduo. A terapia convencional produz remissão satisfatória, porém temporária, permitindo que a doença continue seu curso. Os melhores esquemas quimioterápicos promovem até 90% de remissão, porém permanece sem modificar o tempo de sobrevida(63). Nesse contexto, estudos mostram que a talidomida parece ser o primeiro fármaco a demonstrar uma significativa resposta clínica nos casos de MM recidivo nos últimos 20 anos e, por isso, pode ser considerada como um tratamento alternativo para os pacientes tratados com terapia convencional ou àqueles submetidos a transplantes(64). Os efeitos terapêuticos da talidomida em pacientes com MM pode ser devido à sua capacidade em inibir o crescimento de novos vasos sanguíneos (angiogênese), fenômeno observado em muitos tumores. A supressão destes novos vasos sanguíneos impede o suprimento de sangue ao tumor, não ocorrendo assim a alimentação de suas células(65). Sua eficácia ainda não está provada, já que os estudos de fase III ainda não estão completos, mas sua utilidade na Mieloma Múltiplo refratário é significativa. Resultados de estudos moleculares identificaram vários mecanismos pelos quais a talidomida pode ser ativa neste tipo de câncer. Estes incluem: redução da adesão celular, indução de apoptose, inibição da angiogênese na medula e aumento da imunidade ao mieloma por meio da estimulação de células natural Killers e aumento de sua citotoxicidade. A talidomida é considerada uma droga candidata para novos estudos pelo National Cancer Institute para outros tipos de cânceres(22). 2.4.6. Doença de Crohn A Doença de Crohn, que parece ser pelo menos em parte mediada por TNFα e interleucina 12 (IL-12), foi efetivamente controlada com talidomida em pacientes dependentes de esteróides por curtos períodos de tempo. A melhora clínica foi demonstrada por meio da freqüência de evacuação, das fístulas, e do chamado índice de atividade da Doença de Crohn(66, 67). Além disso, a necessidade de esteróides foi reduzida pela metade em um estudo. A talidomida também mostrou ser benéfica em pacientes refratários ao tratamento com 19 infliximab, um anticorpo que inibe o TNFα, ou como uma terapia adjuvante(67). Estudos controlados e multicênctricos estão em andamento com o objetivo de acessar a eficácia da droga, já que esta doença inflamatória do intestino pode ter um curso clínico variável. Após quase 40 anos do desastre ocorrido com o lançamento da talidomida no mercado mundial, o fármaco ressurge com promissoras atividades terapêuticas imunomoduladoras e antinflamatórias para uma variedade de condições patológicas. Contudo, os esforços continuam com o intuito da elucidação exata do seu mecanismo de ação e de seus metabólitos, assim como estratégias para aumentar sua segurança. 2.5. Atenção farmacêutica A atenção farmacêutica como prática profissional foi primeiramente definida por Hepler e Strand (1990) como a provisão responsável do tratamento farmacológico com o propósito de alcançar resultados concretos que melhorem a qualidade de vida dos pacientes. Em 1993, a Organização Mundial de Saúde (OMS), após ampla discussão sobre a participação do farmacêutico no sistema de atenção à saúde, recomendou que a prática da atenção farmacêutica contemplasse toda a comunidade e não só o paciente e ainda reconheceu o profissional farmacêutico como sendo um dispensador de atenção à saúde, que pode participar ativamente na prevenção de enfermidades e na promoção da saúde, junto com outros membros da equipe de saúde, direcionando sua atenção no uso racional de medicamentos(1). A proposta de Consenso Brasileiro de Atenção Farmacêutica, resultado de grupo de trabalho organizado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), preconiza que a atenção farmacêutica seja um modelo de prática farmacêutica, desenvolvida no contexto da Assistência Farmacêutica, onde esteja inserido nesse modelo diferentes atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades, compromissos e co-responsabilidades na prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, de forma integrada à equipe de saúde. É a interação direta do farmacêutico com o usuário, visando uma farmacoterapia racional e a obtenção de resultados definidos e mensuráveis, voltados para a melhoria da qualidade de vida do paciente (68). 20 Desta forma, de acordo com a proposta, a atenção farmacêutica deve estar orientada para a educação em saúde orientação farmacêutica (incluindo a promoção do uso racional de medicamentos), dispensação, atendimento e acompanhamento farmacêutico, registro sistemático das atividades, mensuração e avaliação dos resultados, com o propósito de redução da morbimortalidade relacionadas aos medicamentos(68). A prática de atenção farmacêutica possui como foco principal o seguimento farmacoterapêutico do paciente. Segundo consenso em Atenção Farmacêutica editado pelo Ministerio de Sanidad y Consumo da Espanha(69) o seguimento farmacoterapêutico é definido como uma prática profissional personalizada na qual o farmacêutico se responsabiliza pelas necessidades do paciente relacionadas ao medicamento. Isto se realiza mediante a detecção, prevenção e resolução de problemas relacionados com medicamentos (PRM). Esta prática implica em um comprometimento, e deve prestar-se de forma continuada, sistematizada e documentada, em colaboração com o próprio paciente e com os demais profissionais do sistema de saúde, com a finalidade de alcançar resultados concretos que melhore a qualidade de vida do paciente(70). Vários métodos de seguimento farmacoterapêutico foram desenvolvidos ou foram adaptados de outros já existente e são empregados para tal objetivo. O Método Dáder de seguimento farmacoterapêutico foi desenhado pelo Grupo de Investigación en Atención Farmacéutica da Universidad de Granada, Espanha, em 1999, para ser utilizado em farmácia comunitárias, sendo aplicável em qualquer paciente. O Método Dáder se baseia na obtenção da história farmacoterapêutica do paciente que compreende os problemas de saúde que apresenta e a(s) terapia(s) medicamentosa(s) em curso. O serviço é oferecido ao paciente e, havendo concordância do mesmo, realiza-se a primeira entrevista para a coleta de informações sobre a história farmacoterapêutica do paciente, incluindo informações sobre preocupações e problemas de saúde, perguntas específicas sobre cada medicamento e revisão de sistemas. Em seguida, é feita a avaliação do estado de situação do paciente em data determinada com o intuito de relacionar os problemas de saúde e o uso de medicamentos relatados pelo paciente e com isso, identificar os possíveis PRM’s apresentados. Após esta identificação, são realizados os planos de intervenções farmacêuticas necessárias para resolver os PRM’s e, posteriormente a avaliação dos resultados obtidos com a intervenção. Após a análise dos resultados, são traçados as estratégias para a avaliação das mudanças ocorridas nos problemas de saúde e no tratamento farmacológico após a 21 intervenção (novo estado de situação) e um plano de seguimento acordado com o paciente (entrevistas sucessivas). A principal vantagem do Método Dáder é o fato de proporcionar tempo para a avaliação das informações em conjunto com o estudo, proporcionando com isso uma análise mais criteriosa da literatura disponível sobre o determinado problema. 3. Estratégia e formulários de aplicação do modelo de atenção farmacêutica em paciente usuário de talidomida A aplicação do modelo de atenção farmacêutica proposto será realizada em todos os pacientes usuários de talidomida atendidos na Farmácia Ambulatorial do Hospital Universitário de Brasília – HUB. Os formulários propostos foram adaptados do Método Dáder de seguimento farmacoterapêutico. O paciente será convidado a participar da entrevista e, ao concordar, encaminhado a uma sala reservada para total privacidade do mesmo. Antes de iniciar a primeira entrevista, o paciente será esclarecido sobre em que consiste a atenção farmacêutica, seus objetivos, suas implicações e todos os demais parâmetros envolvidos no processo de seguimento farmacoterapêutico. Caso concorde com a oferta do serviço será dado início à coleta dos dados. Serão utilizados os formulários apresentados a seguir para a primeira entrevista, a avaliação da situação farmacoterapêutica do paciente e a intervenção farmacêutica. 3.1.Formulário 1 - Primeira entrevista Dados do paciente Data: Nome: Idade: Sexo: Profissão: Endereço: Telefone: Médico principal: Médicos especialistas: Cuidador: Dados clínicos relevantes Histórico médico passado: Condições mórbidas existentes: Medicamentos utilizados Nome 1: Histórico do medicamento Data de início: Utiliza? Quem prescreveu? Data de nasc: 23 Para quê? Sentiu melhora? Desde quando? Quanto usa? Como usa? Até quando? Dificuldade no uso? Algo estranho? Hábitos alimentares: Outros tipos de terapias: Observações: 3.2.Formulário 2 - Avaliação da situação Paciente: Data: Sexo: Idade: IMC: Alergias: Avaliação da situação Problemas de saúde Problemas de saúde Observações Início Controlado Preocupa Início Medicamentos Medicamento Posologia (p.a) Avaliação Conhecimento/ Necessidade adesão Data Efetividade Segurança Parâmetros Intervenção farmacêutica Suspeita de PRM Data 25 3.3.Formulário 3 - Fase de intervenção farmacêutica Paciente: Data de início: Tipo de PRM: 1 2 PRM: 3 4 5 6 Risco de PRM: Medicamento (s): Problema de saúde: Descrição do PRM: Causa do PRM: ( )interação ( ) Não adesão ( ) Duplicidade ( ) nenhuma das anteriores/ Descrever: Estratégia para resolver o PRM: Via de comunicação Observações: ( ) verbal farmacêutico - Paciente ( ) escrita farmacêutico Paciente ( ) verbal farmacêutico Paciente - médico ( ) escrita farmacêutico Paciente - médico 4. Considerações finais Após desastre ocorrido nas décadas de 50 e 60 devido ao consumo não controlado da talidomida, as autoridade sanitárias adotaram diversas medidas para controle e fiscalização da segurança e eficácia desse medicamento, assim como a adoção de planos e estratégias objetivando o seu uso racional. A talidomida retornou ao contexto terapêutico mundial com uso e benefícos terapêuticos comprovados para diversas doenças relacionados à processo inflamatórios e imunológicos. Contudo, sua utilização, no Brasil, exige o cumprimento de legislação sanitária para a garantia de segurança ao usuário e à população. Frente ao espoxto, ainda existem fragilidades nas medidas e planos de acompanhamento farmacoterapêutico do paciente usuário de talidomida no Sistema de Saúde Nacional, motivo pelo qual objetivou a estruturação do presente projeto que visa a realização da prática de atenção farmacêutica ao referido grupo de pacientes. 27 5. Referências Bibliográficas 1. 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