A Educação pela Pedra
João Cabral de Melo Neto
João Cabral de Melo Neto
(1920 - 1999)
• Nasceu em Recife (PE);
• Infância nos engenhos de açúcar
da família;
• Contato com a literatura de
cordel;
• Carreira diplomática;
• Afeição pela Espanha (Sevilha, Barcelona,..);
• Membro da Academia Brasileira de Letras;
O Estilo
“Para mim a poesia é uma construção,
como uma casa. Isso aprendi com Le
Corbusier. A poesia é uma composição.
Quando digo composição quero dizer uma
coisa construída, planejada – de fora para
dentro (...) Vou fazer uma poesia de
extensão tal, com tais e tais elementos,
coisas que vou colocando como se fossem
tijolos.”
O Poeta-engenheiro
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Geração de 45
Rigor Formal
Ausência de subjetivismo
Poesia = Construção, Composição
Despojamento linguístico
 vocabulário preciso
 palavra concreta
• Exatidão
 imagens nítidas, precisas
Obras
• Pedra do Sono (1942)
• O Engenheiro (1945)
• Psicologia da
Composição (1947)
• O Cão sem Plumas
(1950)
• Morte e Vida Severina
(1956)
• Paisagem com figuras
(1956)
• Uma Faca só Lâmina
(1956)
• Quaderna (1960)
• A Educação pela
Pedra (1966)
• Museu de Tudo (1975)
• Auto do Frade (1984)
• Agrestes (1985)
• Tecendo a manhã
(1999)
A Educação Pela Pedra
(Estrutura)
• Publicado em 1966;
• Dividida em 4 partes:
 Nordeste (a) – 12 poemas, 16 versos
 Não – Nordeste (b) – 12 poemas, 16 versos
 Nordeste (A) – 12 poemas, 24 versos
 Não – Nordeste (B) – 12 poemas, 24 versos
• Temas:
 motivos nordestinos
 experiências diplomáticas
 fazer literário
 plasticidade
 reflexão existencial
Nordeste (a)
• Universo que está na base de compreensão do mundo
cabralino – berço do peta e motivo de sua poesia:
O mar e o canavial
O sertanejo falando
Duas das festas da morte
Na morte dos rios
Coisas de cabeceira, Recife
A fumaça no sertão
A educação pela pedra
Elogio da usina e e Sofia de Mello Breyer Andresen
O urubu mobilzado
Fazer o seco, fazer o úmido
Uma mulher e o Beberibe
A educação pela pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
Fora para dentro
para aprender da pedra, frequentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
Dicção = concisão
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
Moral = resistência
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta; Carnadura = poética
a de economia, seu adensar-se compacta;
lições da pedra (de fora para dentro, Economia = adensar-se
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Dentro pra fora
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
Pedra = integrante
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
do sertanejo
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra; lá a pedra,
Deve ser vivida
uma pedra de nascença, entranha a alma.
O sertanejo falando
A fala a nível do sertanejo engana:
as palavras dele vêm, como rebuçadas
(palavras confeito, pílula), na glace
de uma entonação lisa, de adocicada.
Enquanto que sob ela, dura e endurece
o caroço de pedra, a amêndoa pétrea,
dessa árvore pedrenta (o sertanejo)
Fala adocicada, lenta
incapaz de não se expressar em pedra.
e mansa = Invólucro
para palavra-pedra
Daí porque o sertanejo fala pouco:
Surge da vida
as palavras de pedra ulceram a boca
seca do sertão
e no idioma pedra se fala doloroso;
o natural desse idioma fala à força.
Daí também porque ele fala devagar:
tem de pegar as palavras com cuidado,
confeitá-la na língua, rebuçá-las;
pois toma tempo todo esse trabalho.
Não – Nordeste (b)
• Abandona a secura do sertão e entra no universo das
bailarinas espanholas que aparecem como seres exilados, ou
de prateleiras com coisas de Sevilha, além dos poemas que
tematizam o fazer poético:
De Bernarda a Fernanda de Utreta
Uma mineira em Brasília
Nas covas de Baza
Sobre o sentar - / estar-no-mundo
Coisas de cabeceira, Sevilha
Dois P.S. a um poema
Tecendo a manhã
Fábula de um arquiteto
Uma ouriça
Catar feijão
Nas covas de Gadix
Mesma mineira em Brasília
Tecendo a manhã
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
Poema sinestésico
Luz viria do som de
Cada um dos galos
Que formam um toldo
Sem armação
O entrelaçar do grito
dos galos = imagem
da Intertextualidade
Tecer o texto
Catar Feijão
Metáfora do ato
Catar feijão se limita com escrever:
de escrever
joga-se os grãos na água do alguidar
Comparação entre
e as palavras na da folha de papel;
Escrever e catar feijão
e depois, joga-se fora o que boiar.
Jogar na água/papel
Certo, toda palavra boiará no papel,
O que boiar vai fora
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele, (musicalidade, leveza)
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Pedra não bóia
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
Aquilo que é ruim
o de que entre os grãos pesados entre
para o feijão
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
pode ser bom para
um grão imastigável, de quebrar dente.
a poesia
Certo não, quando ao catar palavras:
Palavra-pedra.
a pedra dá à frase seu grão mais vivo: Poesia deve provocar,
obstrui a leitura fluviante, flutual,
Machucar, deixar
açula a atenção, isca-a com o risco.
Marcado.
Nordeste (A)
• Retorna à temática nordestina, porém os temas
se refinam, intensifica-se a ironia, a paródia e o
humor negro;
• O sertão ressurge nos seus rios, caatingas, praias,
bananeiras, mandacarus, hospitais e lavouras,
mas também nos escarros, nos
gestos grotescos, nos aleijões,
no barro, nas agulhas, etc.
• O mesmo sertão visto com
outros olhos.
Duas bananas & a bananeira
Agulhas
Rios sem discurso
The Country of the Houyhnhnms
Os rios de um dia
O hospital da caating
A cana-de-açúcar de agora
Bifurcados de “Habitar o tempo”
The Country of the Houyhnhnms (outra composição)
Psicanálise do açúcar
Os reinos do amarelo
O sol em Pernambuco
Duas bananas & a Bananeira
Entre a caatinga tolhida e raquítica
Mandacaru se ergue
Entre uma vegetação ruim, de orfanato: Verde no meio da
No mais alto, a mandacaru se edifica
Caatinga = ofensa
A torre gigante e de braço levantado; Para outras vegetações
Quem o depara, nessas chãs atrofiadas, Rijo, com braço pra
Pensa que ele nasceu ali por acaso;
Cima, como se “desse
Mas ele dá nativo , e daí fazer-se
Uma banana”
Assim alto e com braço para o alto. (...)
Se veja a banana que ele, madacaru
Humaniza e compara
Dá em nome da caatinga anã e irmã.
o mandacaru com a
Bananeira.
(...)
Fruto da bananeira é
Banana gesto de rebeldia e indecente;
Fútil.
Os Reinos do Amarelo
A terra lauta da Mata produz e exibe
um amarelo rico (se não o dos metais):
o amarelo do maracujá e os da manga,
o do oiti-da-praia, do caju e do cajá;
amarelo vegetal, alegre de sol livre,
beirando o estridente, de tão alegre,
(...)
Só que fere a vista.um amarelo outro:
se animal, de homem: de corpo humano;
de corpo e vida; de tudo o que segrega
(sarro ou suor, bile íntima ou ranho),
ou sofre (o amarelo de sentir triste,
de ser analfabeto, de existir aguado):
(...)
Embora comum ali, esse amarelo humano
ainda dá na vista (mais pelo prodígio):
pelo que tardam a secar, e ao sol dali,
tais poças de amarelo, de escarro vivo.
Elenca riquezas de
cor amarelada
(vegetação + sol)

Outro amarelo
Animal e pobre
podremente
Não – Nordeste (B)
• Poemas marcados pela metafísica:
A urbanização do regaço
Os vazios do homem
Num monumento à aspirina
Comedores jantando
Retrato de escritor
Ilustração para a “carta dos puros” de V.M.
Na Baixa Andaluzia
Para mascar com chiclets
O regaço humanizado
Habitar o tempo
Duas faces do jantar dos comedores
Para a Feira do Livro
Num monumento à aspirina
Claramente: o mais prático dos sóis,
o sol de um comprimido de aspirina:
de emprego fácil, portátil e barato,
compacto de sol na lápide sucinta.
Principalmente porque, sol artificial,
que nada limita a funcionar de dia,
que a noite não expulsa, cada noite,
sol imune às leis de meteorologia,
a toda hora em que se necessita dele
levanta e vem (sempre num claro dia):
acende, para secar a aniagem da alma,
quará-la, em linhos de um meio-dia.
Convergem: a aparência e os efeitos
da lente do comprimido de aspirina:
o acabamento esmerado desse cristal,
polido a esmeril e repolido a lima,
prefigura o clima onde ele faz viver
e o cartesiano de tudo nesse clima.
De outro lado, porque lente interna,
de uso interno, por detrás da retina,
não serve exclusivamente para o olho
a lente, ou o comprimido de aspirina:
ela reenfoca, para o corpo inteiro,
o borroso de ao redor, e o reafina.
Poema descaradamente irônico, mas reverente. Compara a
aspirina – sua forma – ao sol: sol que traduz vida que é
“imune às leis da meteorologia” por funcionar à noite.
Cultua-lhe a forma, quase como um parnasiano.
• Ilustração para a “Carta aos puros” de V.M.
 Vinícius ironiza “os homens sem sal, em cujos
corpos tensos corre sangue incolor” ou os que
“se julgam portadores da verdade”. João Cabral
utiliza a idéia e contrasta dois tipos de cal – uma
que constrói, e outra que destrói; uma bem
vestida; outra, com salário de nortista.
• Na baixa Andaluzia
 arquitetura e paisagem da Andaluzia são
comparadas sensualmente a uma mulher.
• Para mascar chiclets
 goma de mascar = símbolo temporal. Tudo é
unido e mastigado, ruminado pelo leitor que
caminha pelo livro.
Para a Feira do Livro
Folheada, a folha de um livro retoma
o lânguido vegetal de folha folha,
e um livro se folheia ou se desfolha
como sob o vento a árvore que o doa;
folheada, a folha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,
e nada finge vento em folha de árvore
melhor do que o vento em folha de livro.
Todavia, a folha, na árvore do livro,
mais do que imita o vento, profere-o:
a palavra nela urge a voz, que é vento,
ou ventania, varrendo o podre a zero.
Silencioso: quer fechado ou aberto,
Incluso o que grita dentro, anônimo:
só expõe o lombo, posto na estante,
que apaga em pardo todos os lombos;
modesto: só se abre se alguém o abre,
e tanto o oposto do quadro na parede,
aberto a vida toda, quanto da música,
viva apenas enquanto voam as suas redes.
Mas apesar disso e apesar do paciente
(deixa-se ler onde queiram), severo:
exige que lhe extraiam, o interroguem
e jamais exala: fechado, mesmo aberto.
• Habitar o tempo
 dialoga com Bifucados de Habitar o Tempo.
Resgata a expressão “matar o tempo” para
chegar idéia de irreversibilidade do tempo. É
preciso viver o tempo, habitar nele ultrapassando
a postura acomodada dos comedores.
• Para a Feira do Livro
 livro = objeto que se abre a cada leitor, mas
apenas se esse leitor o abrir. Ele é oposto do
quadro da parede, sempre aberto a quem passa
por ele, mesmo sem atenção. O livro é exigente e
severo, mesmo que paciente, como pedra,
fechado, mesmo que aberto.
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A Educação pela Pedra