Desempenho, Orientação para Aprendizagem e Comprometimento: um Estudo Multinível na Administração Pública Brasileira Autoria: Aleksandra Pereira dos Santos, Jairo Eduardo Borges Andrade, Jacob Arie Laros, Teresa Manuela Marques dos Santos Dias Rebelo Propósito Central do Trabalho: O objetivo é identificar preditores do desempenho no trabalho em carreiras na administração pública brasileira, por meio de uma análise multinível que inclui variáveis dos níveis individual e organizacional. Investigou-se duas dimensões relativas ao desempenho: voltado para a tarefa e para o contexto. Participaram da pesquisa 1.015 servidores públicos federais brasileiros das carreiras de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (EPPGG), Analista em Planejamento e Orçamento (APO), Analista de Finanças e Controle (AFC) e Analista em Tecnologia da Informação (ATI). Os dados foram obtidos por questionários e fontes secundárias. Os questionários mediram, em dois momentos: expressão de competências no desempenho, orientação cultural para aprendizagem, comprometimentos organizacional e com a carreira e entrincheiramento na carreira. As contribuições mais relevantes para explicar o desempenho voltado para o contexto foram: percepções individual e agregada de orientação cultural para aprendizagem e comprometimento organizacional afetivo. O desempenho voltado para a tarefa é explicado principalmente por duas variáveis, ambas presentes nos níveis individual e organizacional: investimentos em ações de TD&E e percepções de orientação cultural para aprendizagem. São apresentadas recomendações e limitações e discutidas as contribuições desses achados. Marco Teórico: O comportamento humano no trabalho não pode ser compreendido apenas pela análise das características dos indivíduos ou das organizações onde realizam aquele trabalho. Esta premissa é evidentemente bem conhecida entre aqueles que investigam ou exercem atividades relacionadas ao comportamento humano no trabalho. Contudo, muitos estudos que investigam competências, ou outros aspectos associados à expressão delas nesse comportamento, frequentemente utilizam um método inadequado para capturar as influências do contexto organizacional, pois não tomam por base as teorias multiníveis. O principal pressuposto dessas teorias é o reconhecimento do papel preditor desempenhado por variáveis provenientes de diferentes níveis (Puente-Palacios & Laros, 2009). Esses níveis podem ser entendidos como segmentos de interesse teórico, que representam coletividades humanas, sendo determinados de acordo com a natureza do fenômeno a ser investigado. Níveis relevantes de análise podem ser duplas, equipes de trabalho, subunidades, unidades produtivas, escolas e organizações, desde que ofereçam contribuição à compreensão de determinado comportamento ou fenômeno individual (Freitas, 2005; Kozlowski & Klein, 2000; PuentePalacios & Borges-Andrade, 2005). Fenômenos de natureza individual, tais como desempenho, expressão de competências ou satisfação no trabalho, podem ser tratados como resultantes de variáveis de natureza distinta da individual. Apesar de existirem evidências empíricas sugerindo que variáveis de contexto são capazes de predizer desempenho individual (Brandão, 2009; Coelho Jr., 2009; Derue & Morgeson, 2007; Morgeson & Hoffmann, 1999), a literatura empírica que investiga estas relações ainda é restrita (Coelho Jr. & BorgesAndrade, 2011). Existe a necessidade de incorporar a modelagem multinível em desenhos de pesquisa no campo do comportamento organizacional e no trabalho, com objetivo de consolidá-la como importante instrumento de planejamento, análise e interpretação de pesquisas empíricas. Este estudo tem como objetivo desenvolver e testar um modelo teórico multinível de investigação do desempenho no trabalho de servidores públicos em carreiras integrantes da administração federal brasileira. Pretende-se verificar a existência de relações 1 entre variáveis individuais (por exemplo, cargo gerencial ocupado, horas investidas em TD&E, vínculos psicológicos com a organização e com a carreira) e organizacionais (natureza jurídica, orientação cultural para aprendizagem, área de política pública, por exemplo) e o desempenho no trabalho. Serão apresentados a seguir os principais pressupostos relacionados à variável critério desse estudo, assim como o modelo teórico de investigação.Trata-se de um modelo multinível, uma vez que apresenta variáveis preditivas de diferentes níveis (PuentePalácios & Laros, 2009). Encontra-se estruturado em dois níveis de análise: onde servidores (nível I) pertencentes às carreiras de Estado pesquisadas são agrupados em unidades organizacionais (nível II). Para fins deste estudo, o nível II de análise corresponde aos ministérios, às autarquias e às fundações que integram a administração pública federal (APF) brasileira, onde aqueles servidores podem estar desenvolvendo suas atividades de trabalho. A teoria utilizada nesse estudo pode ser sintetizada pela proposta de Sonnentag e Frese (2002), apoiada nos estudos de Telusk, Hoffmann e Quinley (2002). Assume-se as perspectivas individuais e situacionais na compreensão do desempenho no trabalho. Método de investigação se pertinente: Participaram da pesquisa 1.015 servidores, pertencentes a 59 unidades de análise do nível II. A média corresponde a 17,20 participantes por unidade, com o mínimo de 6 servidores em cada. Destes, 36,8% pertenciam ao gênero feminino, 68% possuíam pós graduação (estrito e lato senso) e 42,8% ocupavam cargo comissionado (seja de natureza técnica ou gerencial).Para o teste do modelo teórico proposto (Figura 1) foram utilizados dados primários e secundários. Os primários foram coletados por questionários enviados por meio eletrônicos aos servidores integrantes das carreiras estudadas, em períodos diferenciados, entre agosto de 2010 e dezembro de 2011. Os secundários foram obtidos nas bases de dados do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. A variável critério desse estudo corresponde ao desempenho no trabalho. Foi mensurada a partir de quatro escalas autoaplicadas de expressão de competências – cada uma correspondente às carreiras de Estado integrantes do estudo – na qual foram identificados nove itens de mesmo conteúdo relativos a duas dimensões transversais, uma voltada à tarefa e outra relativa ao contexto. As demais medidas utilizadas nesse estudo, em ambos os níveis, são: comprometimento organizacional afetivo, horas investidas em TD&E, percepção de orientação cultural para aprendizagem, comprometimento com a carreira, entrincheiramento na carreira, cargo gerencial ocupado, escolaridade, mobilidade, tempo na carreira, investimentos em TD&E, percepção coletiva de orientação cultural para aprendizagem, proporção de servidores de carreira, área de política pública e tamanho da unidade. Resultados e contribuições do trabalho para a área: Os dois modelos de investigação propostos, para a predição do desempenho no trabalho voltado para uma dimensão do contexto e outra da tarefa, ajustam-se a uma regressão multinível e resultaram em efeitos significativos. A variável escolaridade mostrou efeitos significativos no que se refere ao desempenho. Servidores com maior escolaridade apresentam níveis mais elevados de desempenho nas dimensões investigadas de contexto e tarefa. Uma recomendação às organizações públicas aqui investigadas é o incentivo ao desenvolvimento dos servidores públicos por meio de cursos de mestrado e doutorado. Outra variável de controle que se mostrou significativa, em ambas dimensões de desempenho, foi o tamanho da organização, medido em termos do número de servidores. Brandão et al. 2012 encontraram relações similares quando analisaram tamanho de agências bancárias públicas e o desempenho individual de seus gerentes. Uma suposição é que organizações com maior número de servidores têm ambientes organizacionaisl mais complexos, que exigem níveis mais elevados de desempenho. Dentre as variáveis explicativas, revelaram efeitos 2 significativos em ambas as dimensões de desempenho investigadas: proporção de servidores pertencentes às carreiras e percepções de orientação cultural para aprendizagem individual e agregada. A primeira variável refere-se ao nível II. Organizações cuja proporção de servidores pertencentes às carreiras da administração pública é maior, os indivíduos apresentam escores mais elevados no desempenho. Esse é um indicador objetivo de orientação cultural para aprendizagem- Pode sugerir a necessidade de profissionalização das organizações públicas, como parte do desenvolvimento de uma cultura de aprendizagem. Profissionalização tal como proposta por Santos (2001), que se refere ao desenvolvimento do corpo de funcionários submetidos aos deveres objetivos de seus cargos, com competências claras e vinculação hierárquica. O foco da profissionalização é, portanto, no estabelecimento de carreiras estruturadas. Outro indicador de orientação cultural para a aprendizagem, obtido por meio de uma medida subjetiva (percepção), apresentou efeitos bastante relevantes nas duas dimensões de desempenho analisadas. Horas investidas em TD&E (nível I, β = 0,26) também tiveram efeitos positivos bastante importantes para o desempenho relativo à tarefa. A quantidade de horas de TD&E constitui um indicador de investimento individual na aprendizagem formal, para promover a aquisição de competências (Abbad & Borges-Andrade, 2004; Sonnentag et al., 2004). No modelo do desempenho relacionado à dimensão contexto outras variáveis explicativas do nível I revelaram-se significativas: comprometimento organizacional afetivo e comprometimento com a carreira (fatores identidade e planejamento). Indivíduos com escores mais elevados nesses três constructos de natureza atitudinal expressam em maior grau o desempenho relacionado a essa dimensão. Algumas limitações desse estudo merecem ser destacadas. O primeiro refere-se ao uso de medidas de autorelato, especialmente aquelas relativas às variáveis critério. Além disso, o estudo de natureza transversal e de delineamento não experimental impede o estabelecimento de relações causais entre as variáveis. Não obstante as limitações apresentadas anteriormente, o estudo apresenta contribuições essenciais para o estudo do desempenho dos membros de carreiras de Estado no setor público brasileiro Referências bibliográficas: Bastos, A. V. B., Pinho, A. P. M., Aguiar, C. V. N., e Meneses, I. G. (no prelo). Comprometimento organizacional aprimoramento e evidencias de validade do modelo tridimensional de Meyer e Allen no contexto brasileiro (manuscrito submetido à publicação). Brandão, H. P., Borges-Andrade, J. E., Puente-Palacios, K., & Laros, J. A. (2012). Relationships between learning, context and competency: a multilevel study. BAR. Brazilian Administration Review, 9(1), 1-22. Retrieved from http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S180776922012000100002&lng=en&tlng=en. http://dx.doi.org/10.1590/S180776922012000100002. Sonnentag, S., Niessen, C., & Ohly, S. (2004). Learning at work: training and development. In C.L. Cooper, & I.T. Robertson (Orgs.), International Review of Industrial and Organizational Psychology, 19, 249-289. London: John Wiley & Sons. Rebelo, T. & Gomes, A. D. (2011). The OLC Questionnaire: A Measure to Assess an Organization’s Cultural Orientation towards Learning. In A. Mesquita, Technology for Creativity and Innovation: Tools, Techniques and Applications (pp. 216-236). New York: Hershey. 3