Reforma Gerencial em Minas Gerais: Análise da Satisfação dos Servidores com as Políticas e Práticas de Gestão de Pessoas a partir do Choque de Gestão1 Autoria: Antônio Luiz Marques, Ariane Rocha Albergaria, Kelly de Morais, Michelle de Souza Rocha Resumo Este artigo é o resultado de uma pesquisa que analisou o nível de satisfação dos servidores públicos em relação às políticas e práticas de recursos humanos em vigor no estado de Minas Gerais, a partir do Choque de Gestão (2003-2009). O grau de satisfação dos servidores foi avaliado por meio de 10 construtos: comunicação, condições de trabalho, segurança no trabalho, qualidade de vida no trabalho, recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, remuneração, benefícios, avaliação de desempenho e oportunidade de carreira. Realizou-se um estudo de caso múltiplo envolvendo três Secretarias de Estado: Educação, Saúde e Planejamento e Gestão. De uma população de 141.164 servidores, extraiuse uma amostra com 95% de certeza, aleatória, estratificada por órgão pesquisado, totalizando 925 respondentes. O questionário adotado foi elaborado e validado por Marques, Adorno e Borges (2005), tomando como referência a literatura sobre gestão de recursos humanos e qualidade de vida no trabalho. O questionário é estruturado em escalas multi-ítem tipo Likert com seis categorias que vão de “concordo totalmente” a “discordo totalmente”. Os dados quantitativos foram submetidos à análise estatística com o SPSS 13.0 e envolveu estatística descritiva, análises de conglomerado, correlação, variância, medidas de tendência central e qui-quadrado. O referencial teórico aborda o tema gestão de pessoas e a gestão de pessoas no serviço público, apontando as mudanças gradativas que vêm ocorrendo nesta área. As principais políticas de gestão de pessoas implementadas pelo governo de Minas Gerais no contexto do Choque de Gestão são descritas. A análise dos dados revelou que a população pesquisada é composta, em sua maioria por mulheres. O nível de escolaridade dos servidores é elevado para os padrões nacionais comparativamente aos índices do IBGE (2000). Constatou-se que 42,4% dos servidores ganham no máximo três salários mínimos e apenas 7,7 ganham mais de dez. Dos 10 indicadores de avaliação da satisfação com a política de gestão de pessoas, apenas 2 receberam avaliação satisfatória: recrutamento e seleção e condições de trabalho. A boa avaliação para o indicador recrutamento e seleção está relacionada ao sentimento de justiça, considerado pelos servidores, na escolha de profissionais através do sistema de concurso público. A avaliação positiva do indicador condições de trabalho refere-se apenas à adequação das ferramentas e das tecnologias para realização do trabalho. O alto nível de escolaridade, a estabilidade no emprego e as dificuldades de mobilidade na carreira parecem influenciar os níveis de insatisfação com a política. Mesmo assim, a maioria dos servidores raramente ou nunca pensa em pedir demissão. Os resultados indicam a necessidade de melhorar as políticas e as práticas de gestão de pessoas em todos os quesitos avaliados. O processo de recrutamento e seleção por concurso público pode ser o principal responsável pela admissão de pessoas com nível de escolaridade acima do necessário para as atividades a serem realizadas e com expectativas acima do que as instituições públicas podem oferecer. 1 1. Introdução Compreender o contexto de mudanças é essencial para compreender a necessidade de novas práticas de gestão, em especial da gestão de pessoas. No contexto marcado pela competição intensificada, exigências do consumidor e da comunidade, demanda por maior autonomia no trabalho, tecnologia da informação, demanda por atividades mais criativas e inovadoras, as formas tradicionais de gestão não mais atendem às necessidades organizacionais. Os projetos de reestruturação, os programas de qualidade e produtividade, a implantação do trabalho em células, a diminuição e flexibilização dos níveis hierárquicos esbarram em sistemas tradicionais de gestão de pessoas que não acompanham os processos de mudança (WOOD; FILHO, 2004). As mudanças internas e externas estão pressionando o RH a ampliar seu foco de atuação, deixando para trás a sua tradicional função administrativa e incorporando novas funções e estratégias mais abrangentes. Nesse contexto as áreas de recursos humanos estão passando, nas últimas décadas, por transformações profundas que trazem mudanças no seu papel, na sua composição, no perfil do empregado da área de recursos humanos e nas relações de trabalho empregado-empregador (DUTRA, 2002; FISCHER, 2002). A necessidade de mudanças na gestão de pessoas não é uma necessidade apenas das empresas privadas. As organizações públicas também vêm sendo submetidas a pressões por mudanças visando o aumento da sua eficiência, maior agilidade e redução da complexidade burocrática. Novos modelos de gestão do Estado que favoreçam o atendimento rápido e eficiente das demandas dos cidadãos e da forma de atender a essas demandas são uma realidade. Dadas essas pressões ambientais, o Estado passa por um processo desafiante em que substituiu, parcialmente, a administração pública burocrática por uma administração gerencial, mais parecida com as empresas privadas (PENENGO, 1997). A par desse desafio, o governo de Minas Gerais implementou, a partir de 2003, o chamado “Choque de Gestão” que representa uma combinação de medidas que buscam o ajuste estrutural das contas públicas de Minas Gerais e a modernização do arranjo institucional e do modelo de gestão de estado, visando melhorar a qualidade e reduzir os custos dos serviços públicos (ANASTASIA, 2006). As ações promovidas pelo Choque de Gestão baseiam-se no alinhamento tanto das organizações quanto das pessoas (servidores). A necessidade de se promover ações que busquem o alinhamento das pessoas aos objetivos estratégicos de governo reflete o reconhecimento, por parte dos idealizadores do Choque de Gestão, da importância de se estabelecer um novo padrão de gestão de pessoas no Estado e da necessidade do envolvimento dos servidores públicos para o alcance de um novo modelo de gestão pública. (SILVA et al, 2006). Dentre os Projetos Estruturadores - compreende os programas e ações prioritárias do governo de Minas Gerais, representando o foco estratégico de atuação governamental - do Choque de Gestão destaca-se o projeto “Choques Setoriais de Gestão” (inicialmente denominado “Choque de Gestão, Pessoas, Qualidade e Inovação na Administração Pública”) cujo objetivo é melhorar a qualidade dos serviços públicos, mediante a reorganização do arranjo institucional e do modelo de gestão do Estado. Este projeto estruturador enfatiza as pessoas e demonstra a necessidade de se estabelecer um novo padrão de gestão de pessoas bem como de se investir no desenvolvimento daqueles que formularão, conduzirão e realizarão as políticas públicas, e ainda, demonstra a importância dos servidores públicos para o alcance do objetivo de implantar um novo modelo de gestão pública (SILVA et al, 2006). Este artigo tem por objetivo apresentar os dados de uma pesquisa que analisou o nível de 2 satisfação dos servidores públicos em relação às políticas e práticas de recursos humanos em vigor no estado de Minas Gerais no contexto do Choque de Gestão. Foi adotado o método de estudo de caso e a coleta de dados foi realizada em três órgãos: Secretaria de Estado da Educação (SEE), Secretaria de Estado da Saúde (especificamente as unidades da Fundação Hospital do Estado de Minas Gerais - FHEMIG) e Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG), totalizando uma população de 141.164 servidores. O grau de satisfação dos servidores foi avaliado por meio de 10 construtos: comunicação, condições de trabalho, segurança no trabalho, qualidade de vida no trabalho, recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, remuneração, benefícios, avaliação de desempenho e oportunidade de carreira. A análise dos dados foi realizada através da utilização de métodos qualitativos, estatística descritiva e testes não paramétricos. O referencial teórico aborda o tema gestão de pessoas no sentido geral e a gestão de pessoas no serviço público, apontando as mudanças gradativas que vêm ocorrendo. As principais políticas de gestão de pessoas (Avaliação de Desempenho Individual, Plano de Carreiras e Alinhamento de Competências) implementadas pelo governo de Minas Gerais no contexto do Choque de Gestão são descritas em seguida. Na sequência descreve-se a metodologia, a análise dos dados, e as conclusões sobre a percepção dos servidores em relação às políticas de gestão de pessoas que foram implementadas. 2. Gestão de pessoas As organizações dependem, em maior ou em menor grau, do desempenho das pessoas para o seu sucesso. Por esta razão as organizações desenvolvem e organizam formas de atuar no comportamento humano, o que se convencionou denominar de modelo de gestão de pessoas. Esses modelos são influenciados por fatores internos e externos à organização, nesse sentido, diferentes contextos histórico-sociais e condições diversas na gestão interna da organização requerem diferentes modalidades de gestão de pessoas (FISCHER, 2002). Tudo que interfere direta ou indiretamente nas relações organizacionais pode ser considerado um componente do modelo de gestão de pessoas, dado que o comportamento organizacional não é produto direto de um processo de gestão, mas configura-se como resultado das relações pessoais, interpessoais e sociais que ocorrem na empresa. A gestão de pessoas engloba a orientação e o direcionamento das interações humanas e pode ser compreendida como o conjunto de políticas, práticas, atitudes, ações e instrumentos usados por uma empresa a fim de interferir e direcionar o comportamento das pessoas no trabalho. Nas palavras de Fischer (1998, p.49), a gestão de pessoas refere-se: (...) a um mecanismo abstrato que simplifica a realidade e orienta a decisão daqueles que vivem o ambiente organizacional da atualidade. Como ‘moldes’ estruturam as idéias sobre a problemática do relacionamento humano. Como ‘peneiras’ fazem passar ou restringem ações de decisões de todos os agentes envolvidos, atuando com particular intensidade, no imaginário dos gerentes e especialistas (...). Do ponto de vista tradicional, a gestão de pessoas, denominada como “administração tradicional de recursos humanos” se caracteriza, fundamentalmente, por ser instrumental e por seu interesse no comportamento dos indivíduos nas organizações. Tal abordagem destaca essencialmente o papel técnico da administração de recursos humanos e sua contribuição se concentra nas funções operacionais que envolvem planejar, organizar, dirigir e controlar as funções de procura, desenvolvimento, compensação, treinamento, avaliação e utilização da mão de obra, sendo essas voltadas para os objetivos econômicos da empresa (WOOD; FILHO, 2004). 3 Sobretudo a partir da década de 1990, o ritmo acelerado das mudanças do ambiente externo e do ambiente interno das organizações contribuiu substancialmente para que as formas tradicionais de gestão de pessoas se tornassem inadequadas para o contexto atual. A competição intensificada, as exigências do consumidor e da comunidade, a demanda por maior autonomia no trabalho, a tecnologia da informação e a demanda por atividades mais criativas e inovadoras colaboraram decisivamente para que mudanças significativas nos modelos de gestão de pessoas fossem implantadas em empresas brasileiras (WOOD; FILHO, 2004). Dentre essas mudanças, destacam-se o deslocamento da ênfase da ação operacional para a estratégica, do caráter administrativo para o consultivo, do comportamento reativo para o preventivo, do policiamento para a parceria, da preservação cultural para a mudança cultural, do foco na atividade para o foco em soluções, do foco interno para o foco no cliente, do planejamento de curto prazo para o de longo prazo, do isolamento para o benchmarkimg, da rotina operacional para a consultoria e da administração de pessoal para a gestão de talentos (GIL, 2001). Nas ultimas décadas a administração de recursos humanos passou a assumir um posicionamento estratégico na empresa, de forma a proporcionar uma maior integração entre as diversas áreas da organização e sua estratégia corporativa. Segundo Bandeira, Marques e Veiga (1999), o foco das novas políticas de gestão de pessoas tem sido caracterizado pela formação de novas competências, orientação para o corpo gerencial e acompanhamento das mudanças da cultura na empresa contribuindo para o desenvolvimento organizacional, ajustamento das demandas internas, administração de pessoal, promoção de trabalho em equipe e relações sociais, além das tradicionais funções de treinamento, capacitação e desenvolvimento dos funcionários. Nesse contexto observa-se o esforço dos profissionais de recursos humanos para alinhar as ações e projetos de gestão de pessoas à estratégia e aos objetivos organizacionais, visando tornar a área de RH parceiro estratégico na gestão do negócio (ULRICH, et al., 2001). Para que isso aconteça, a adoção de um modelo mais dinâmico, capaz de desabrochar a competência e o desempenho dos trabalhadores tornou-se premente no mundo atual. A concepção moderna de administração de recursos humanos reconhece a importância do envolvimento e do comprometimento das pessoas com a organização, a qual tem consciência que a obtenção desse comprometimento se dá pelo atendimento concreto das expectativas e das necessidades das pessoas. Com isso, a satisfação com as políticas e práticas de recursos humanos representa um caminho importante para o desenvolvimento auto-sustentável das empresas, em que há o esforço deliberado para alcançar tanto a produtividade e a eficiência organizacionais, quanto à satisfação das aspirações, dos desejos e das necessidades individuais (MORAES et al., 1995). 3. Gestão de pessoas no setor público Segundo Marconi (2004), o papel tradicional do departamento de recursos humanos no setor público engloba, basicamente, duas funções: rotinas de processamento de tarefas administrativas relacionadas ao pagamento, aos benefícios da aposentadoria e afins, e a proposição de leis, regras e outros regulamentos relativos ao tema. Nesse cenário, na grande maioria dos órgãos públicos brasileiros, a área de RH tem papel limitado. Suas ações, na maioria das vezes, pautam-se em um modelo de gestão de problemas que trabalha constantemente para “apagar incêndios” (MARCONI, 2004). Longo (2004) aponta que a análise da literatura especializada (Ziller, 1993; US National Performance Revewu, 1993; Longo, 1995; Rouban, 1997; Riddey, 2000; Horton, 2000; Ruffine, 2000; Rondeghem y Steen, 2000) revela alto grau de concordância no que se 4 refere às principais disfunções da área de recursos humanos no serviço público: excesso de uniformidade nos marcos regulatórios do emprego público; excesso de normas, excessiva centralização da gestão, pouca autonomia dos gestores e excesso de estabilidade no emprego. Entretanto, essa situação vem mudando gradativamente. As transformações no mundo do trabalho influenciam, de forma inquestionável, o setor público ainda que em maior ou menor grau. As novas perspectivas para a gestão de pessoas nas empresas alimentam também os planos de modernização da gestão pública, e a literatura da gestão empresarial é cada vez mais conhecida e valorizada pelos gestores públicos. Assim, o aparelho governamental, da mesma forma que as empresas privadas, inserido em um cenário de intensa modernização e restrição orçamentária, carece de novas formas de organização mais flexíveis que possibilitem a gestão de recursos humanos de forma estratégica, na qual as possibilidades de adoção de estruturas inovadoras de desenvolvimento, incentivos e cobrança de resultados se torne factível (LONGO, 2004). Segundo Marconi (2004), a gestão de recursos humanos no setor público brasileiro tem-se alterado, na medida em que os gestores públicos têm atentado para a relevância de se investir na formação de um quadro de servidores capacitados para a realização das tarefas inerentes a cada organização e o gerenciamento do capital humano nas organizações públicas vem tomando um direcionamento estratégico atrelado aos grandes objetivos organizacionais. A busca por melhor desempenho na prestação de serviços e o ajuste fiscal tem levado os órgãos públicos a adotar modificações importantes no âmbito da administração de recursos humanos: flexibilização das relações de emprego, da remuneração, do gerenciamento de desempenho individual e organizacional, do gerenciamento das carreiras e da estabilidade do emprego, dentre outros fatores (OCDE, 2005; DUTRA, 2002). Ao redor do mundo também é possível verificar mudanças na administração de recursos humanos no setor público. Pesquisa realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, 2001, 2005) revelou grandes mudanças em curso em seus países membros, com grande tendência ao fim da estabilidade no emprego; transferência de funções públicas para a iniciativa privada; mudanças no sistema de aposentadoria integral; adoção de contratos de trabalho por tempo determinado; redução do quadro de servidores para contenção de custos com pessoal; processos seletivos ou de concursos baseados em mérito e competência; regime de emprego similar ao de outros setores da economia; desenvolvimento de lideranças visando melhores resultados em suas equipes. A partir deste contexto de debate de experiências relatadas pela literatura especializada o governo de Minas Gerais, através do Choque de Gestão, vem introduzindo mudanças substanciais na forma de gerenciar pessoas, visando alinhar comportamentos, habilidades e atitudes dos servidores aos objetivos estratégicos de modernização do aparato estatal e da gestão das instituições públicas mineiras. 3.1 A gestão de pessoas no estado de Minas Gerais a partir do Choque de Gestão Tendo como alicerce os princípios do modelo gerencial, o governo de Minas Gerais implementou, a partir de 2003, o “Choque de Gestão” que vem conduzindo toda a Administração Pública Estadual a um processo de grandes mudanças que abrange a estrutura organizacional, a gestão de pessoas e as bases tecnológicas. O Choque de Gestão representa uma combinação de medidas que buscam o ajuste estrutural das contas públicas de Minas Gerais e a modernização do arranjo institucional e do modelo de gestão do Estado, visando melhorar a qualidade e reduzir os custos dos serviços públicos. Respalda-se no modelo de Administração Gerencial ao buscar uma forma de gerência orientada para os resultados, em detrimento do modelo rígido, burocrático, legalista e hierarquizado. Nesta perspectiva o desafio de reforma e modernização da máquina 5 administrativa de Minas Gerais inclui mudanças na forma de fazer o planejamento governamental, no funcionamento do aparato governamental e na gestão dos recursos, em especial, na gestão de pessoas (DUARTE et al., 2006). Dentre as diversas reestruturações do aparato estatal mineiro, estabeleceu-se um novo padrão de políticas de gestão de pessoas para os servidores estaduais, com foco na meritocracia, na valorização e desenvolvimento do servidor, contemplado no Projeto Estruturador “Choques Setoriais de Gestão” (MELO; NEVES, 2007). Este projeto estruturador enfatiza a necessidade de se estabelecer um novo padrão de gestão de pessoas bem como de se investir no desenvolvimento daqueles que formularão, conduzirão e realizarão as políticas públicas, e ainda, a importância dos servidores públicos para o alcance do objetivo de implantar um novo modelo de gestão pública. Nesse novo contexto de gestão do Governo mineiro, as ações de recursos humanos estão voltadas para: valorização dos servidores com foco na meritocracia; investimentos na melhoria da qualificação do quadro de servidores, por meio de políticas de planejamento, coordenação, execução, acompanhamento e avaliação das ações de capacitação, de elevação de escolaridade, de formação profissional dos servidores; e investimentos nas condições de trabalho e na política remuneratória, dentre outras ações (SILVA et al., 2006). Três medidas importantes relacionadas às práticas de recursos humanos foram tomadas, com base em princípios meritocráticos, visando romper com o paradigma de ineficiência do setor público: a implantação da Avaliação de Desempenho Individual (ADI), a reestruturação das carreiras com a definição do novo Plano de Carreiras (PC) e o realinhamento das competências. 3.1.1 Avaliação de Desempenho Individual A ADI é um dos instrumentos necessários à implantação do modelo meritocrático de administração pública gerencial, uma vez que traz objetividade e imparcialidade às avaliações de desempenho dos servidores, melhoria da remuneração variável dos profissionais competentes e possibilidade de perda do cargo para aqueles que demonstrarem desempenho insatisfatório de acordo com os critérios especificados. Seu principal objetivo é possibilitar o crescimento e o desenvolvimento dos servidores e, consequentemente, a melhoria da qualidade do serviço público (SILVA et al., 2006). Neste processo são avaliados os servidores estáveis ocupantes de cargo efetivo e os detentores de função pública da Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional do Poder Executivo Estadual. Para aferir o desempenho dos servidores foram definidos onze critérios de avaliação: Qualidade do trabalho; Produtividade no trabalho; Iniciativa; Presteza; Aproveitamento em programas de capacitação; Assiduidade; Pontualidade; Administração do tempo e tempestividade; Uso adequado dos equipamentos e instalações de serviço; Aproveitamento dos recursos e racionalização de processos; e Capacidade de trabalho em equipe (MINAS GERAIS, 2003, Lei Complementar nº 71, de 2003). O resultado da ADI traz implicações na vida funcional do servidor, uma vez que o resultado é utilizado como subsídio para o desenvolvimento na carreira, para a percepção do Adicional de Desempenho - ADE, do Prêmio por Produtividade, além de ensejar a possibilidade da perda do cargo público. Nas diretrizes estabelecidas pelo governo de Minas Gerais para elaboração dos planos de carreiras dos servidores a obtenção de resultados satisfatórios na ADI é um dos requisitos indispensáveis para desenvolvimento na carreira. Para o servidor progredir de um grau para outro em sua carreira deverá, além de possuir o tempo de serviço necessário, ter dois resultados satisfatórios na ADI. No caso de promoção, para o servidor passar de um nível para 6 outro em sua carreira deverá, além de possuir o tempo de serviço e a formação necessários, ter cinco resultados satisfatórios na ADI. O Adicional de Desempenho (ADE) consiste em uma vantagem pecuniária a ser concedida mensalmente ao servidor que ingressou no serviço público após a publicação da Emenda à Constituição do Estado n.º57, de 15 de julho de 2003, e ao servidor que por ele optar, em substituição às vantagens por tempo de serviço. A nota do servidor na ADI é um dos fatores que interfere no valor a ser percebido de ADE. O Prêmio por Produtividade é uma recompensa financeira concedida anualmente aos servidores de órgãos e entidades que tenham cumprido, parcial ou totalmente, as metas acordadas. Pode chegar ao valor de um salário do servidor (MINAS GERAIS, 2008, Lei nº 17.600 de 2008). Não se trata de uma política salarial, mas consiste em um instrumento de gestão para incentivar a busca do alcance de resultados (VILHENA, 2008). No período de 2003 a 2006 (Primeira Geração do Choque de Gestão) o resultado da ADI também influenciava no valor do Prêmio por Produtividade, entretanto, a partir de 2007 foram feitos ajustes e isso não ocorre mais; é a nota da avaliação da equipe que influencia no valor do Prêmio a ser recebido. Entretanto um dos requisitos para que o servidor tenha direito a receber o Prêmio é que o órgão em que está em exercício realize a Avaliação de Desempenho Individual permanente de seus servidores nos termos da legislação vigente. No que se refere à possibilidade de perda do cargo público em função de desempenho insatisfatório, a Lei Complementar nº 71, de 2003 estabelece que a demissão será aplicada ao servidor que receber na ADI os seguintes conceitos: dois conceitos sucessivos de desempenho insatisfatório, três conceitos interpolados de desempenho insatisfatório em cinco avaliações consecutivas ou quatro conceitos interpolados de desempenho insatisfatório em dez avaliações consecutivas. É considerado como insatisfatório, para fins de perda do cargo público, a nota percentual inferior a 50% da pontuação máxima admitida. Todavia, o processo de ADI não dispensa a necessidade de instauração de processo administrativo, caso o servidor incorra em uma das três hipóteses acima. É, pois, garantido ao servidor o direito ao contraditório e a ampla defesa. 3.1.2 Plano de Carreiras Após 11 anos de expectativa, a reestruturação e implantação das carreiras dos servidores públicos do Poder Executivo do estado de Minas Gerais e a publicação das novas tabelas salariais foram realizadas. Os planos de carreiras abarcaram cerca de 390 mil servidores, ativos e inativos, totalizando 128 carreiras, contendo quase 310 mil cargos efetivos no Poder Executivo Estadual, excluídas as carreiras dos Policiais Civis, Militares e Corpo de Bombeiros (SILVA et al., 2006). As diretrizes para a reestruturação e implantação das novas carreiras dos servidores públicos do Poder Executivo Estadual foram definidas no Decreto nº 43.576, de 9 de setembro de 2003. Com a publicação deste decreto iniciou-se uma série de reuniões entre a equipe técnica da Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão (SEPLAG) e os representantes de todos os órgãos e entidades, a fim de elaborarem em conjunto os projetos de leis das carreiras. A reformulação e implementação dos planos de carreiras foi feita em fases distintas. Na primeira etapa foram definidos o quantitativo de cargos de provimento efetivo e a estrutura das carreiras, bem como a nova sistemática de desenvolvimento do servidor nas novas carreiras, que culminou com a aprovação de todos os Projetos de Leis que instituíam os novos Planos de Carreira em 24 de dezembro de 2004, data da aprovação do último Projeto de Lei. Foram realizadas audiências públicas na ALEMG e várias demandas dos servidores foram consideradas. 7 Na segunda fase foram criadas as tabelas de vencimento básico. Esta foi uma etapa coordenada pela SEPLAG e realizada conjuntamente com os órgãos e entidades de todos os grupos de atividades, os quais tiveram autonomia para definir as tabelas de vencimento básico das carreiras de seus quadros de pessoal, observando as diretrizes definidas pelo governo. Na última fase foram definidas as regras de posicionamento e o conseqüente posicionamento dos servidores nas novas carreiras instituídas. Cabe ressaltar a garantia de que o posicionamento dos servidores na nova carreira não pôde, em nenhuma hipótese, implicar na redução da remuneração do cargo de provimento efetivo percebida pelo servidor anterior ao posicionamento (MINAS GERAIS, 2006). Os novos Planos de Carreiras trouxeram uma série de inovações em relação ao modelo anterior de carreira. Dentre essas inovações destacam-se: a criação de carreiras abrangendo diversos órgãos e entidades; a possibilidade de ingresso no meio da carreira; o incentivo ao servidor público estadual a mudar de carreira e as novas regras de desenvolvimento na carreira com vistas à valorização do aprimoramento profissional. A reestruturação das carreiras promoveu mudanças drásticas em todos os setores do governo. O processo de reestruturação das carreiras resultou na extinção de 79.865 cargos de provimento efetivo, dos quais a maior parte exigia como requisito de escolaridade o nível fundamental. Isso permitiu a criação de 43.649 cargos de provimento efetivo, sendo a maioria correspondente aos níveis intermediário e superior de escolaridade. O saldo das extinções e criações de cargos resultou em uma economia potencial de R$ 27.662.700,00. Além disso, os vários órgãos e entidades que possuíam um quadro de pessoal reduzido foram beneficiados com o remanejamento de cargos vagos (SILVA et al., 2006). 3.1.3 Realinhamento das competências O programa de realinhamento das competências promoveu a definição do perfil e das competências necessárias para o exercício dos cargos da administração pública estadual. Associados à gestão por competências, vários outros instrumentos de gestão de recursos humanos foram implantados, visando à melhoria dos desempenhos individuais, institucionais e governamentais. Dentre esses, destacam-se: avaliação 360º, certificação ocupacional, investimento em política de desenvolvimento dos servidores e universidade corporativa (VILHENA et al., 2006). Para alcançar tais objetivos, as ações da política de recursos humanos foram orientadas para a valorização dos servidores, com foco na meritocracia e na melhoria da qualificação dos servidores, por meio de políticas de planejamento, coordenação, execução, acompanhamento e avaliação das ações de capacitação, de elevação de escolaridade e de formação profissional dos servidores, bem como da melhoria das condições de trabalho e de remuneração, dentre outras ações. Para o realinhamento das competências dos gestores públicos foi instituído, em 2007, o programa de certificação para ocupação de funções gerenciais. Nos anos de 2008 e 2009, promoveu-se o Programa de Desenvolvimento de Gestores Públicos (PDGMinas), com 112 horas/aula por aluno, cuja ênfase era no desenvolvimento das competências previamente definidas. Participaram desse programa mais de mil gestores da administração direta dos diversos órgãos e secretarias de governo. 4. Metodologia Na realização da pesquisa adotou-se o método de estudo de caso. O estudo de caso é uma das muitas maneiras de fazer pesquisa em ciências sociais e sua necessidade surge do desejo de se compreender fenômenos sociais complexos (YIN, 2005), e apresenta como 8 principal virtude permitir a compreensão profunda do fenômeno estudado (GREENWOOD, 1973; VERGARA, 1997). Foram pesquisadas três Secretarias de Estado do Governo de Minas Gerais: Secretaria de Estado da Educação, Secretaria de Estado da Saúde, (especificamente as unidades da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, FHEMIG) e Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão, totalizando uma população de 141.164 servidores. A escolha dessas Secretarias foi feita considerando que elas empregam o maior número de servidores de todas as categorias ocupacionais do Estado e em virtude de sua importância estratégica para as mudanças implementadas nos últimos seis anos. Os dados da pesquisa foram coletados por meio de análise documental, entrevistas com gestores da política de recursos humanos e questionário autoaplicável aos servidores. O questionário foi elaborado tomando como referência a literatura sobre gestão de recursos humanos e qualidade de vida no trabalho e validado por Marques, Adorno e Borges (2005). O questionário foi estruturado em escalas multi-ítem tipo Likert com seis categorias pelas quais cada item é avaliado segundo uma conceituação específica. Para permitir a consecução dos objetivos deste estudo, os dados coletados via questionário sofreram tratamentos estatísticos distintos, feitos por meio do pacote SPSS Base 13.0. Foram feitas análises baseadas em estatística descritiva, análises de conglomerado, correlação e análise de variância, cálculos de medidas de tendência central e qui-quadrado. Definiu-se uma amostra calculada com 95% de certeza por órgão pesquisado. A pesquisa obteve uma amostra total de 925 questionários válidos nos três órgãos pesquisados, o que superou a amostra calculada, conforme mostra a Tabela 1. A distribuição da amostra considerando seu local de trabalho foi bem equitativa: Secretaria de Estado da Educação (SEE), 37,9%; Secretaria de Estado do Planejamento (SEPLAG), 26,6%; e Fundação Hospitalar (FHEMIG), 35,5%. Tabela 1: Distribuição da população e da amostra por Secretaria de Estado – 2009 Órgão de Lotação do Servidor População Amostra Calculada Amostra Obtida Porcentagem da amostra obtida Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais Total 133.776 321 347 + 8,09 843 233 252 + 8,15 6.545 141.164 307 861 326 925 + 6,18 +7,43 Fonte: Dados da pesquisa, 2009. A parte do questionário denominada “Espaço Aberto para Livre Manifestação do Respondente”, visou coletar dados qualitativos que são apresentados neste artigo como forma de corroborar os resultados encontrados pelas análises estatísticas. 5. Apresentação e análise dos dados Este tópico foi estruturado em três sessões: análise do perfil demográfico e ocupacional dos pesquisados; a carreira, o salário, a estabilidade do emprego; e a satisfação com a política de recursos humanos. 5.1 Perfil demográfico e ocupacional Quanto ao perfil demográfico e ocupacional, a análise dos dados indicou que 74,8% dos servidores são mulheres e 25,2% são homens. Quanto à idade, 74,9% estão acima de 41 9 anos. Quanto ao número de filhos, 68,5% da amostra tem filhos e 31,5% não tem filhos. Quanto ao estado civil, 49,7% é casada; 27,8%, solteira; 11,7% separada; 6,2% é viúva; e 4,6%, mantêm outras formas de relacionamento. Quanto à escolaridade, como pode ser observado na tabela 2, 54,9% da amostra tem nível superior completo e/ou pós-graduação. Ao incluir aqueles ainda com superior incompleto, este grupo aumenta para 63,7%. Aqueles com ensino médio completo e incompleto representam 26,9% da amostra. Tomando a amostra como um todo, verifica-se que apenas 14,1% dos respondentes têm até o ensino médio incompleto. Tabela 2: Distribuição dos servidores, segundo a escolaridade - 2009. Nível de Escolaridade Ensino básico incompleto Ensino básico completo Ensino médio incompleto Ensino médio completo Superior incompleto Superior completo Superior + Pós-graduação Total parcial Não informou escolaridade Total geral Frequência Absoluta 53 34 42 205 81 228 277 920 5 925 Porcentagem Porcentagem Acumulada 5,8 3,7 4,6 22,3 8,8 24,8 30,1 100,0 5,8 9,5 14,0 36,3 45,1 69,9 100,0 Fonte: Dados da pesquisa, 2009. Os indicadores de escolaridade da amostra pesquisada sugerem uma população de servidores com nível educacional elevado para os padrões nacionais. Comparando com os índices do IBGE (2000), verifica-se que o nível educacional dos servidores pesquisados é muito superior ao nível educacional da população brasileira economicamente ativa e também ao da região Sudeste, que tem índices de escolaridade e de qualidade de vida superiores ao índice geral do Brasil. Enquanto 25% dos servidores possuem nível superior completo, no Sudeste este índice era de apenas 7% dos trabalhadores em 2000. A maior discrepância está no nível de pós-graduação: enquanto 30% da amostra estudada tem algum tipo de pósgraduação, apenas 0,45% dos trabalhadores da região Sudeste possui pós-graduação. Para o Brasil, este índice é de apenas 0,31%. 5.2 Carreira, salário e estabilidade no emprego Quanto ao tempo de trabalho no serviço público, constatou-se que 73,5% dos pesquisados têm mais de 10 anos na instituição. Servidores com mais de 20 anos de trabalho na instituição somam 45,1% da amostra. Quanto à remuneração, 39,7% dos servidores recebem algum tipo de remuneração adicional ao salário base, na categoria de cargo comissionado ou função gratificada, contra 60,3% que não recebem. Quanto ao salário recebido, apenas 7,7% dos servidores têm salário superior a 10 salários mínimos; 15,9%, 7 a 10; 76,0% até 7. No conjunto, verifica-se que apenas 23,2% dos servidores ganham mais que sete salários mínimos e que um grande contingente da força de trabalho 42,4% ganham no máximo três salários mínimos. Quanto ao desejo de permanecer na instituição, 74,0% dos servidores raramente ou nunca pensam em pedir demissão; 18,0% pensam em pedir demissão; e 8,0% sempre pensam em pedir demissão. Assim, verifica-se que 26,0% dos servidores estão insatisfeitos com suas condições de trabalho e têm prontidão para deixar a instituição se conseguirem outra oportunidade de emprego igual ou melhor que a atual. 10 5.3 Satisfação com a política de recursos humanos O grau de satisfação dos servidores com as políticas e práticas de recursos humanos foi avaliado por meio de dez construtos: comunicação, condições de trabalho, segurança no trabalho, qualidade de vida no trabalho, recrutamento e seleção, treinamento e desenvolvimento, remuneração, benefícios, avaliação de desempenho e oportunidade de carreira. A validação desses construtos, realizada por meio de equações estruturais, assegurou que todos os indicadores se relacionam fortemente com a satisfação com a política de recursos humanos, indicando que essa é constituída pelos dez construtos de forma homogênea sem a predominância de nenhum deles. Além disso, a confiabilidade do construto, medida por meio da confiabilidade composta, foi de 0,9150, indicando que a escala mede o que se propõe a medir. Quanto aos indicadores de satisfação com as políticas e práticas de Recursos Humanos considerados, a análise dos dados indica, como mostra a Tabela 3, que apenas recrutamento e seleção (73,9%) e condições de trabalho (51,9%) receberam avaliação satisfatória. A boa avaliação para o indicador recrutamento e seleção pode estar relacionada ao sentimento de justiça, considerado pelos servidores, na escolha de profissionais através do sistema de concurso público. Tabela 3: Indicadores de avaliação das políticas e práticas de RH - 2009 Indicador avaliado Comunicação Condições de Trabalho Segurança no Trabalho Qualidade de vida no trabalho Recrutamento e seleção Treinamento e Desenvolvimento Remuneração Benefícios Avaliação de desempenho Oportunidade de carreira Fonte: Dados da pesquisa, 2009. Percentual de servidores Percentual de servidores que avaliaram o indicador que avaliaram o indicador como insatisfatório como satisfatório 26,5 73,5 51,9 48,1 45,5 54,5 13,6 86,4 73,9 26,1 31,9 68,1 16,3 83,7 17,7 82,3 34,5 64,5 13,5 86,5 Frequência Absoluta 925 925 925 925 925 925 925 925 925 925 Apesar da avaliação de desempenho e do plano de carreiras serem novas estratégias que visam melhorar a vida profissional dos servidores, a análise dos dados indicou (Tabela 3) que 64,5% dos servidores avaliam o sistema de avaliação de desempenho a que estão submetidos como insatisfatório, e 86,5% estão insatisfeitos com as oportunidades de carreira. Além da insatisfação com os indicadores da política de recursos humanos apontada pelos dados quantitativos, a análise de dados qualitativos obtidos nos registros feitos pelos servidores no espaço aberto do questionário de pesquisa revela também aspirações políticas, por parte dos servidores, voltadas para a participação e o desejo de influenciar o futuro do estado e da sociedade. Neste sentido, um servidor argumenta: Poderíamos contribuir para uma política de gestão de pessoal mais efetiva se tivéssemos fóruns locais setoriais participativos, e não conduzidos para objetivos e modelos pré-estabelecidos. Benefícios salariais e compensações por produtividade poriam ser substituídos por efetivos aumentos salariais com acesso a informações das reais dimensões do estado, com a aplicação de medidas originárias da discussão 11 de servidores efetivos e a sociedade. As proposições de planos e metas visando eficiência e eficácia deveriam ter perspectiva duradoura. (E-225). A demanda por participação nas decisões e por capacitação é também latente entre os servidores. Neste sentido, um servidor da Secretaria de Saúde argumenta: “A supervisão e coordenação de enfermagem envolvem pouco os funcionários nas decisões tomadas. Falta capacitação de funcionários e há pouca participação dos mesmos nas mudanças feitas, decisões, capacitação. A falta de reconhecimento da importância do meu trabalho por parte dos meus superiores é gritante.” (E-262). A insatisfação com a política de remuneração, benefícios, treinamento e progressão na carreira é nítida. Um servidor, referindo-se a política de salário, comenta: O salário é ruim, as horas extras até então não são incorporadas, não fazem parte das férias e do décimo terceiro salário. São pagas 48 h mês, mas há meses que são 60h (as 12h a mais não são pagas). O desconto em folha soma 2/3 do salário. (E-343). Uma servidora, comentando sobre a questão salarial, ressalta que: “Ainda estou muito insatisfeita com nosso salário. Faz mais de dez anos que não temos um aumento justo.” (E718). Diante de uma política salarial restritiva, o trabalhador tende a pressionar por benefícios que possam preservar o salário recebido. Um servidor, ressaltando a importância do vale alimentação, argumenta: “Gostaria de reivindicar o retorno do vale-alimentação. Ele nos faz muita falta. Seria também uma reconquista social de um direito perdido.” (E-230). Uma servidora da SES, referindo-se aos problemas de comunicação e relacionamento no local de trabalho, comenta: “O que nós precisamos é de um bom relacionamento entre os médicos e os auxiliares e outros profissionais. Ter uma boa comunicação e serem mais cooperativos é muito importante para que possamos prestar um bom serviço aos nossos clientes.” (E-366). Outra servidora da SES amplia a ênfase na necessidade de melhoria das condições de trabalho: “Houve uma preocupação com a humanização do atendimento aos pacientes, mas não se lembraram de humanizar as condições de trabalho daqueles que lidam diretamente com eles (melhores salários, melhores condições de trabalho, etc.), o que apenas contribui para sobrecarregá-los.” (E-358). Além das recompensas objetivas, como salário e condições de trabalho, os servidores deixam claro que recompensas simbólicas, como reconhecimento, respeito e consideração são também importantes para motivar e reforçar a autoestima do indivíduo. Uma servidora da SES foi incisiva neste ponto: “Gostaria de ser mais valorizada pelo órgão, são muitos anos de dedicação, passo a maior parte da minha vida aqui.” (E-389). Outra servidora do mesmo órgão comenta: Nossos direitos como cidadãos nos são tirados. Nos sentimos pressionados cada vez mais. É exigida capacitação profissional, sem um melhoramento financeiro para nos sentirmos seguros em crescer e cuidar de nossas famílias sem sacrifícios. Amo o meu trabalho. Tenho orgulho em estar onde estou, de ajudar os outros e de fazê-los sentir um pouco melhor, apesar do sofrimento. Precisamos de respeito e dignidade para trabalharmos sem pressão e sem stress. (E-378). Outra servidora do mesmo órgão expressa seu descontentamento e fala da sobrecarga de trabalho e da baixa recompensa: Infelizmente, os servidores efetivos são os que mais trabalham dentro da FHEMIG e os mais mal remunerados. As chefias imediatas são joguetes políticos que vêm e vão, e só atrapalham o andamento das rotinas de trabalho. As péssimas remunerações e 12 condições precárias de trabalho só servem para nos desestimular cada vez mais e nos adoecer, física e emocionalmente. Há treze anos não temos aumento, a não ser, claro, de serviço. (E-342). Um servidor de um órgão da SES expressa seu desalento e as dificuldades de se trabalhar em uma organização pública da área de saúde: As organizações públicas, de forma geral, não estimulam o crescimento. Estuda-se mais, e para a organização isto não faz diferença, o que nos leva a buscar emprego no setor privado, colocando o setor público em segundo plano. Faltam recursos básicos para a realização eficaz do trabalho. As chefias são pouco comprometidas. Atualmente, tudo se resolve com a política “quem indica”. O funcionário trabalha insatisfeito e com acúmulo de serviços, pois acontecem aposentadorias, óbitos, exoneração, e o servidor não é substituído. Observa-se também que não há critérios quanto à distribuição de recursos financeiros. Aqui falta tudo: folhas ofício, seringas, medicação, leite, etc. É o total descaso com o ser humano. (E-380). A pesquisa também avaliou o nível de satisfação dos pesquisados com o emprego e a instituição, a partir da seguinte pergunta: “Considerando as expectativas que você tinha antes de vir trabalhar nesta organização, como você se sente quanto à sua situação atual?” As respostas a essa pergunta foram classificadas em três categorias: insatisfeito, neutro e satisfeito. Segundo esse critério, 43,0% está satisfeita, 27,0% está em posição neutra (nem satisfeito nem insatisfeito) e 30,0% se sente insatisfeito. A fim de conhecer a percepção dos servidores quanto aos benefícios para a vida profissional trazidos pelas mudanças que estão sendo implementadas a partir do Choque de Gestão, constatou-se que 53,0% percebe que não teve sua vida profissional impactada pelas mudanças; 28,0% acredita que as mudanças foram benéficas e para os 19,0% restantes as mudanças tiveram impacto negativo em sua vida profissional. 6. Conclusão O objetivo deste artigo foi analisar o nível de satisfação dos servidores em relação às políticas e práticas de recursos humanos em vigor no estado de Minas Gerais, a partir do Choque de Gestão. Para tanto, foram avaliados dez indicadores da política de recursos humanos: comunicações, condições de trabalho, segurança no trabalho, qualidade de vida no trabalho, recrutamento e seleção (concurso público), treinamento e desenvolvimento, remuneração, benefícios, avaliação de desempenho e oportunidade de carreira. Os resultados da pesquisa indicam que dos 10 indicadores considerados, apenas 2 receberam avaliação satisfatória: recrutamento e seleção e condições de trabalho. Todos os demais indicadores foram avaliados pelos servidores como insatisfatórios. A boa avaliação para o indicador recrutamento e seleção pode estar relacionada ao sentimento de justiça, considerado pelos servidores, na escolha de profissionais através do sistema de concurso público. A avaliação positiva do indicador condições de trabalho refere-se apenas à adequação das ferramentas e das tecnologias para realização do trabalho. O sistema de recrutamento e seleção por concurso público, embora bem avaliado, pode ser um dos principais responsáveis por gerar distorções e dificuldades para o gerenciamento de pessoas no serviço público. Sua ênfase no mérito técnico encobre inadequações dos candidatos relativas, por exemplo, ao perfil educacional, emocional e a saúde física, bem como aspectos relacionados a incoerências entre o cargo a ser ocupado e as habilidades, aspirações e interesses dos futuros ocupantes. A dissonância entre o cargo e o indivíduo é ampliada pela estabilidade no emprego. Pessoas ocupam seus cargos públicos ainda muito jovens e lá permanecem até a 13 aposentadoria. Com o passar do tempo, todavia, melhoram sua escolaridade, adquirem novas crenças e valores, ampliam necessidades e mudam projetos de vida, sem, no entanto, poderem contar com uma contrapartida positiva por parte do Estado. O aumento da escolaridade, em particular, vem acompanhado por pretensões por aumento de salário, promoções, mudanças na carreira e possibilidade de executar trabalhos mais desafiadores e compatíveis com sua nova formação. Contudo, a inércia das organizações públicas não favorece a adequação dos postos de trabalho às novas realidades, necessidades e demandas dos indivíduos. Essas distorções geram problemas crônicos na gestão de pessoas que as organizações públicas ainda não conseguiram resolver (OLIVEIRA, 2007; OCDE, 2005; LONGO 2004). Outra questão refere-se aos altos índices de escolaridade, que são benéficos e desejáveis. Entretanto, isso pode traduzir-se em problemas. A literatura sobre gestão de pessoas (DUTRA, 2002; LONGO, 2004; ULRICH at al., 2001) sugere que a maior escolaridade aumenta os níveis de expectativas dos indivíduos para desempenhar atividades mais complexas, desafiantes e mais bem remuneradas. Assim, servidores com alta qualificação, ao realizarem atividades aquém de sua capacidade, podem sentir-se subutilizados, o que pode reduzir a motivação e o desempenho. Além disso, o alto nível de escolaridade aumenta a pressão por remuneração mais alta e por melhores oportunidades de carreira. Essas distorções se iniciam por ocasião da admissão por concurso público, com base apenas no mérito técnico. Apesar de os servidores avaliarem positivamente o sistema de admissão por concurso público, este sistema abre as portas para o ingresso de servidores com perfis inadequados para as atividades a serem realizadas e para os cargos a serem preenchidos. Verifica-se, portanto, uma clara necessidade de aprimoramento desse processo. Todas as distorções produzidas pela estabilidade no emprego e pelo sistema atual de concurso tornam a gestão de pessoas no serviço público um fenômeno cada vez mais complexo, que demandará grande esforço dos governos no sentido de produzirem uma saída que possibilite uma melhor gestão de pessoas. O alto percentual de insatisfeitos com a remuneração (83,7%) e com os benefícios (82,3%) reforça a discussão. Se, de um lado, o governo de Minas Gerais possui um quadro de funcionários, em sua maioria, na fase de maturidade pessoal (acima de 41), bem qualificado e estável, de outro sua política de salários e carreira é bastante restritiva para o nível de expectativa de pessoas com tal perfil. Essa dissonância entre carreira, remuneração, escolaridade e expectativa gera insatisfação, absenteísmo e conflito, como aponta a literatura sobre gestão de pessoas e comportamento organizacional (ULRICH, 2001). A não ser para as carreiras de especialistas ou profissionais, os salários oferecidos para entrantes é relativamente baixo se comparado com o nível de escolaridade do candidato aprovado. O nível de escolaridade mais alto gera expectativa de recompensa e reconhecimento mais elevada. Assim, o descontentamento também com as oportunidades de carreira (86,5%). A avaliação negativa do indicador comunicação por 73,5% dos evidencia os problemas de comunicação entre os pares e com os gestores vivenciados pelos servidores. Soma-se a isso o gigantismo do serviço público, que dificulta o alinhamento das informações, gerando incompreensão, indecisão, conflito e resistência nos servidores em relação às novas políticas de recursos humanos, simplesmente por desconhecerem as vantagens e limitações de tais práticas. Quanto aos indicadores treinamento e desenvolvimento e segurança no trabalho, 68,1% e 54,5% respectivamente dos servidores os avaliam como insatisfatório, indicando a necessidade de implementação de mudanças nesses quesitos da política de recursos humanos. Faz-se oportuno mencionar que menos da metade dos servidores (43,0%) está satisfeita quanto a sua situação atual na organização, considerando as expectativas que tinha antes de vir trabalhar nesta organização; 27,0% está numa posição neutra (nem satisfeito nem insatisfeito) e 30,0% se sente insatisfeito. E para mais da metade dos servidores (53,0%) as 14 mudanças implementadas (de modo geral, e não apenas as mudanças relativas à gestão de pessoas) não alteraram sua vida profissional, enquanto 28,0% percebem as mudanças como benéficas e 19,0% percebem as mudanças como prejudiciais a sua vida profissional. Em síntese, os resultados dessa pesquisa revelam que há uma grande necessidade de melhorar as políticas e as práticas de gestão de pessoas em todos os quesitos avaliados, até mesmo dos processos de recrutamento e seleção por concurso público, que, embora bem avaliado, pode ser o principal responsável pela admissão de pessoas com nível de escolaridade acima do necessário para as atividades a serem realizadas e com expectativas acima do que as instituições públicas podem oferecer. Embora o Estado de Minas Gerais esteja avançando em termos de desenvolvimento do sistema de gestão de pessoas percebe-se que os desafios são muitos, tendo em vista que a aprovação das políticas e práticas de gestão de pessoas pelos servidores ainda apresenta índices muito baixos. Cabe aos gestores desse projeto identificar as causas do descontentamento dos servidores para que o novo modelo de gestão de pessoas efetivamente atenda aos anseios dos servidores e possa ser consolidado com legitimidade. 1 Os autores agradecem o apoio da FAPEMIG e do CNPq pelo financiamento da pesquisa. Referências bibliográficas ANASTASIA, Antônio A. Antecedentes e origem do choque de gestão. In: VILHENA, Renata; MARTINS, H; MARINI, C.; GUIMARÃES, T. B. (Orgs.). O choque de gestão em 15 Minas Gerais: políticas de gestão pública para o desenvolvimento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. BANDEIRA, Mariana L.; MARQUES, Antônio L.; VEIGA, Ricardo T. A ECT na trilha da modernidade: políticas de recursos humanos influenciando múltiplos comprometimentos. In: XXIII Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração – Anpad, 1999, Foz do Iguaçu. Anais... Foz do Iguaçu: Anpad, 1999. DUARTE, Kênnya; LEMOS, Carolina; MARINI, Caio; MARTINS, Humberto Falcão. 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