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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM
EDUCAÇÃO MESTRADO ACADEMICO - PPGE
Rua: Uruguai, 458, Cx. Postal 360 - CEP 88302-202 Itajaí- SC
Fone/Fax (047)3341-7516 – www.univali.br/ppge
CLÁUDIA APARECIDA BONK
O CUIDADO DE SI E A CRIAÇÃO DE NOVAS FORMAS DE VIDA POR
ADOLESCENTES EM RECUPERAÇÃO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA
Itajaí - SC
2012
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UNIVALI
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Cultura - ProPPEC
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação - PPGE
Mestrado Acadêmico em Educação
CLÁUDIA APARECIDA BONK
O CUIDADO DE SI E A CRIAÇÃO DE NOVAS FORMAS DE VIDA POR
ADOLESCENTES EM RECUPERAÇÃO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Educação PPGE,
da Universidade do Vale do Itajaí, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestre em
Educação – área de concentração: Educação –
Eixo Temático de Pesquisa - Políticas Públicas e
Práticas Educativas. Linha de Pesquisa: Políticas
para Educação Básica e Superior.
Orientadora: Profª Dra. Regina Célia Linhares
Hostins
Itajaí - SC
2012
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UNIVALI
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação, Extensão e Cultura - ProPPEC
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação - PPGE
Mestrado Acadêmico em Educação
CERTIFICADO DE APROVAÇÃO
CLÁUDIA APARECIDA BONK
O CUIDADO DE SI E A CRIAÇÃO DE NOVAS FORMAS DE VIDA POR
ADOLESCENTES EM RECUPERAÇÃO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA
Dissertação avaliada e aprovada pela Comissão
Examinadora e referendada pelo Colegiado do
PPGE como requisito parcial à obtenção do grau
de Mestre em Educação.
Itajaí (SC), 29 de fevereiro de 2012
Membros da Comissão:
Orientadora:
___________________________________________________
Profª. Dra. Regina Célia Linhares Hostins
Membro Externo: ___________________________________________________
Prof. Dr. Alfredo Veiga-Neto
Membro representante do colegiado: ____________________________________
Profª. Dra. Verônica Gesser
4
Dedico este estudo:
Ao meu pai Vitório (in memoriam)
e a minha mãe Rosa,
por me ensinarem a lutar.
À minha filha Maria Vitória,
por suportar minhas ausências, mesmo sem entender muito por quê.
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AGRADECIMENTOS
Muitas são as pessoas que fazem parte desse processo de quase dois anos, nessa
trajetória de realização de uma dissertação de mestrado. Por isso, muitos são os
agradecimentos a fazer.
Acima de tudo agradeço a Deus, que me dá forças para lutar diariamente pelos
meus objetivos.
Agradeço de maneira especial à minha orientadora, professora Dra. Regina Célia
Linhares Hostins, a quem devo muito. Desde o dia da entrevista para ingresso no
programa, por seus ensinamentos como professora, por ter me acolhido como sua
orientanda, me apresentado Foucault, me ensinado a cuidar de mim, ajudou a
constituir-me como pesquisadora. Profissional exigente e amorosa.
Quero manifestar os meus agradecimentos aos professores que constituem a
banca de avaliação dessa dissertação: Dr. Alfredo Veiga-Neto e Dra. Verônica
Gesser. O contato intelectual com esses professores iluminou minha mente para
lapidar meu trabalho. Ao professor Veiga-Neto agradeço pela sua vasta e
importante obra sobre Foucault e à professora Verônica pela dedicação com que
conduz a sua profissão e contagia os alunos com seu entusiasmo.
De outra forma, meus agradecimentos ao próprio Programa de Pós Graduação em
Educação da UNIVALI, às coordenadoras e a CAPES, pela bolsa de mestrado
concedida.
Devo agradecimentos também aos professores do Programa, cada qual a sua
maneira, os quais passei a admirar e respeitar: Dr. José Marcelo Freitas de Luna,
Dra. Valéria Silva Ferreira, Dra. Adair de Aguiar Neitzel e Dra. Cássia Ferri.
Agradeço ao diretor da Clínica HJ, Fernando Ferencz, pela oportunidade de
realizar a coleta de dados da pesquisa na instituição, bem como as psicólogas
Juliana e Natalie pelo apoio.
6
Não menos importante é agradecer à família, que durante todo o período da
construção da dissertação suportaram minhas ausências e foram pacientes com as
minhas ansiedades no decorrer do processo.
Duas pessoas especiais que merecem todo agradecimento, as amigas, Valéria
Schena e Márcia Marlene Stentzler, que foram minhas professoras na graduação,
depois colegas de trabalho e amigas. Fizeram-me acreditar no sonho de ir sempre
mais longe.
Agradeço aos colegas de turma, pelo prazer de suas companhias, de seus
carinhos, olhares, ajudas, telefonemas, e-mails, enfim, por sonhar junto.
7
“Existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do
que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a
olhar ou a refletir.”
Michel Foucault
8
RESUMO
Esta pesquisa vincula-se a linha de pesquisa Políticas para Educação Básica e Superior e decorre
de inquietações de educadores em relação aos processos de formação e autotransformação de
adolescentes com historia de dependência química. Teve como objetivo caracterizar o modo como
adolescentes dependentes químicos significam o “cuidado de si” e as possibilidades de novas
formas de vida, com base nas contribuições de Michel Foucault. Mais especificamente, o estudo
procurou identificar as diretrizes das políticas públicas sobre drogas no que se refere à prevenção,
tratamento, recuperação e reinserção social de adolescentes; analisar o fenômeno das drogas na
adolescência e suas implicações na constituição da subjetividade dos indivíduos; bem como discutir
possibilidades de cuidado ético de si com adolescentes em processo de tratamento de dependência
química, por meio de práticas de representação - dramática, escrita e verbal. O referencial teórico
metodológico busca articular as discussões no âmbito das políticas públicas sobre drogas
(LARANJEIRA, 2010; SILVA, 2010), drogadição na adolescência (MARQUES, 2010; SUDBRACK,
2010) e cuidado de si (FOUCAULT, 1985; 2010; 2011; VEIGA-NETO 2007; 2011; FREITAS, 2010;
CANDIOTO, 2010), com base em metodologia de caráter qualitativo. Os procedimentos de coleta de
dados fundamentam-se em pesquisa de campo, desenvolvida por meio da técnica de grupo focal,
com doze adolescentes em processo de tratamento de dependência química em uma clínica de
reabilitação. O estudo permitiu observar que o cuidado de si evoca a luta incessante dos
adolescentes, no sentido de reconhecerem-se a si mesmos como sujeitos livres, em face de um
processo violento de assujeitamento a que estão submetidos: às drogas, aos tratamentos
disciplinares da clínica, à violência doméstica, à religião, aos amigos com quem compartilham as
drogas. As práticas de representação vivenciadas viabilizaram o difícil trabalho ético de reconhecer
o embate travado entre a recorrência do desejo de uso das drogas e a necessidade de
contracondutas que limitem tais desejos. Novas formas de vida foram projetadas mediante a
expressão de sentimentos, sonhos futuros e desejos, significativamente vinculados ao resgate da
confiança e convivência da família, representada na maioria dos casos pela figura materna.
PALAVRAS-CHAVE: Adolescência; Dependência Química; Cuidado de si.
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ABSTRACT
This study is part of the line of research Politics for Basic and Higher Education, and came about due
to teachers’ unease in relation to the process of training and self-transformation of adolescents with
a history of drug dependence. Its goal was to understand how drug-dependant adolescents view
“self care” and the possibilities of new lifestyles based on the contributions of Michel Foucault. More
specifically, the study sought to identify public policy guidelines on drugs in regard to the prevention,
treatment, rehabilitation and social reintegration of adolescents; to analyze the phenomenon of drugs
in adolescence and its implications in the constitution of subjectivity of individuals; and to discuss
possibilities of ethical self-care in adolescents in a process of treatment for drug dependence,
through practices of representation - dramatic and verbal. The theoretical methodology seeks to
articulate discussions in the area of public policies on drugs (LARANJEIRA, 2010; SILVA, 2010),
drug addition in adolescents (MARQUES, 2010; SUDBRACK, 2010), and self care (FOUCAULT,
1985; 2010; 2011; VEIGA-NETO 2007; 2011; FREITAS, 2010; CANDIOTO, 2010), using a
qualitative method. Data were collected using field research, developed by means of a focal group
with twelve adolescents undergoing treatment for drug dependence at a rehabilitation clinic. The
study showed that “self care” evokes adolescents’ constant struggle to recognize themselves as free
subjects, faced with a violent process of subjectivation to which they are submitted; the drugs, the
disciplinary treatments of the clinic, domestic violence, religion, and friends with whom they share the
drugs. The practices of representation experienced enable the difficult ethical work of recognizing
the stalemate between recurrence of the desire to use drugs and the need for counter-conducts that
limit these desires. New forms of life were projected through the expression of sentiments, future
dreams and desires, closely linked to the restoration of trust and living harmoniously within a family,
represented in the majority of cases by the maternal figure.
KEYWORDS: Adolescence; Drug Dependence; Self Care.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................
12
CAPÍTULO I – METODOLOGIA DA PESQUISA ...............................................
17
1.1
ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA ..........................................
17
1.2
CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA .......................................................
20
1.3
LOCAL DA PESQUISA ............................................................................
21
1.4
SUJEITOS DA PESQUISA .......................................................................
22
1.5
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .................................................
23
CAPÍTULO II - POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS: do proibicionismo
à redução de danos .............................................................................................
2.1
DO PROIBICIONISMO À REDUÇÃO DE DANOS ...................................
27
32
CAPÍTULO III – SUBJETIVIDADE, VERDADE E CUIDADO DE SI: a
adolescência e o adolescente dependente de drogas ....................................
35
CAPÍTULO IV – O CUIDADO DE SI E A CRIAÇÃO DE NOVAS FORMAS DE
VIDA DOS ADOLESCENTES .............................................................................
4.1
41
DAS CONVERSAS SOBRE LIBERDADE, DESEJOS E SONHOS
FUTUROS .................................................................................................
41
4.1.1
Governamento ..........................................................................................
42
4.1.2
Liberdade ..................................................................................................
43
4.1.3
Liberdade/violência ...................................................................................
46
4.1.4
Liberdade/religião ......................................................................................
48
4.1.5
Desejos .....................................................................................................
49
4.1.6
Sonhos para o futuro .................................................................................
50
4.1.7
As pessoas e os sonhos ...........................................................................
53
4.2
DAS REPRESENTAÇÕES DRAMÁTICAS ..............................................
55
4.2.1
Acontecimentos marcantes da vida ..........................................................
55
4.2.2
Cuidado de si e dos outros .......................................................................
56
11
4.2.3
A escola ideal ............................................................................................
58
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................
60
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................
63
APÊNDICES .......................................................................................................
66
12
INTRODUÇÃO
A adolescência tem sido alvo de cuidados e atenção, pois representa uma
fase de crise de identidade e formação de subjetividade, deixando os sujeitos
suscetíveis a práticas, muitas vezes ilusórias, de liberdade e busca de novos
valores sociais. O uso de drogas apresenta-se, nos últimos tempos, como uma
alternativa que melhor responde a essa busca incessante do adolescente de
superar carências, exaltar seu ego e encontrar prazer pleno, mas que,
paradoxalmente, produz um profundo isolamento social e afetivo, dificultando sua
subjetivação e atuação no mundo.
A ideia de adolescência surgiu no século XX, associada à imagem de
passagem turbulenta entre a infância e a idade adulta. Santos e Aléssio (2006, p.
112) consideram que “[...] o conceito de adolescência surge intrinsecamente ligado
à idéia de problema, crises, momento de fragilidade e energia, que pode se
associar ao crime.”
A visão contemporânea de adolescência difere conforme os espaços sociais.
Enquanto os pais que vivem nas cidades enxergam a adolescência como a fase de
rebeldia, pais que vivem no campo a entendem como um momento para trabalhar e
para constituir família futuramente. No entanto, quanto às preocupações com os
filhos adolescentes, todos os pais são unânimes em responder que, entre as
principais, estão as drogas, o estudo, a educação moral e as amizades.
Muitas vezes os pais deixam de ser o ponto de referência para o
adolescente porque o meio social e os amigos assumem uma posição mais
significativa na sua vida. A família pode ser vista até como obstáculo às realizações
pessoais pela sua imposição de regras. Os adolescentes assim reforçam a busca
pelos amigos e muitas vezes acabam construindo projetos de vida que envolve a
saída de casa, o abandono da escola, na contramão do desejado pelos pais.
Um dos caminhos buscados por muitos adolescentes tem sido a violência, o
abuso de drogas, os comportamentos antissociais como tentativas de diferenciação
que clamam por limites e regras como possibilidades de controle da instabilidade
própria dessa fase de vida.
Em decorrência dessa vulnerabilidade, o uso e a dependência de drogas por
adolescentes tem se tornado um fenômeno expressivo e complexo e, na sociedade
13
contemporânea tem assumido proporções alarmantes. Os levantamentos nacionais
mostram um aumento de consumo e uma iniciação cada vez mais precoce gerando
profundos impactos na sociedade. Marques (2010) evidencia, a partir de pesquisas
realizadas por Galduróz et al (2004) que o consumo do álcool e do tabaco, por
exemplo, entre estudantes brasileiros de 12 a 18 anos é semelhante. O uso se
inicia aos 12 anos de idade e se torna pesado e freqüente paulatinamente. O local
de iniciação é em casa (60%), seguido das festas e da casa de amigos. Nas
entrevistas com esses estudantes predominavam referências (em média 50% da
amostra) a situações nas quais os indivíduos estavam bêbados, intoxicados por
drogas, vendendo-as e procurando-as para consumo.
O problema se aprofunda se considerarmos que “o abuso de drogas na
adolescência, antes dos 15 anos de idade, produz uma chance quatro vezes maior
de desenvolver dependência, em comparação aos jovens que começam aos 21
anos, independentemente do gênero (AARONS et al 1999; GRANT; DAWSON,
1997 apud MARQUES, 2010, p. 28-29).
Para um fenômeno complexo espera-se o delineamento de intervenções
também complexas. Pais e professores assumem um papel delicado e fundamental
no processo, assim como aumenta a responsabilidade dos organismos
governamentais no sentido de promover políticas de prevenção, controle e
tratamento de drogas. Isso se torna necessário, pois os adolescentes com história
de dependência química raramente procuram ajuda por conta própria e não
relacionam seus problemas ao uso de drogas.
A ação educativa no trabalho com adolescentes dependentes químicos em
processo de recuperação tem sido uma iniciativa política desenvolvida no Brasil e
assegurada pela Lei nº 11.343/06. Esta discorre sobre as atividades de prevenção
do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas,
assim como orienta à redução dos fatores de vulnerabilidade e risco e à promoção
e ao fortalecimento dos fatores de proteção. Evidencia a necessidade de
tratamento específico às parcelas mais vulneráveis da população, entre elas as
crianças e os adolescentes.
No município de União da Vitória, estado do Paraná, em 2008 iniciou-se um
trabalho envolvendo adolescentes dependentes químicos. A Clínica HJ, que até
então atendia pessoas adultas, passou a receber adolescentes dependentes
14
químicos para tratamento. A instituição, mesmo sendo privada, oferece leitos às
pessoas pelo SUS através de encaminhamentos das secretarias de saúde dos
municípios, ou através do internamento compulsório efetivado através da justiça. O
objetivo é oferecer atendimento especializado para adolescentes usuários de
drogas, para proporcionar a desintoxicação e terapias.
Com base na necessidade de oferecer um trabalho de reinserção sócioeducacional, a direção da clínica juntamente com a equipe de profissionais
especializados buscou suporte pedagógico junto ao curso de Pedagogia da
Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de União da Vitória – FAFIUV
para que fosse desenvolvido um trabalho sócio-educativo dentro da clínica com o
objetivo de incentivar os adolescentes a voltar aos estudos quando retornassem
aos seus municípios, depois do tratamento. A equipe considerava que o ato de
deixar de usar drogas é apenas um dos aspectos da reabilitação, pois o
adolescente precisa redescobrir o gosto pela vida.
Na ocasião, como professora do curso de Pedagogia da FAFIUV
acompanhei esse processo atuando na coordenação do projeto junto a
aproximadamente 18 acadêmicas, mediante um trabalho de alfabetização,
letramento, socialização empregando estratégias como: música, diálogos com
temas sociais e projetos de vida futura.
Este trabalho, junto aos jovens e adolescentes em processo de reabilitação,
oportunizou ao curso de Pedagogia muitos debates, estudos e reflexões,
procurando saber quais resultados as atividades proporcionaram na vida dos
adolescentes. Para o dependente químico a recuperação é um processo difícil,
porque ele sofre as consequências das drogas no âmbito físico, psíquico, social e
espiritual, além de permanecer suscetível a uma recaída, o seu esforço pessoal é
essencial, mas não dispensa ajuda das pessoas que convivem consigo. Assim ele
e a família precisam de ajuda.
A
experiência
vivenciada
propiciou
também
muitas
indagações
e
possibilidades de aprofundamento de estudos. Como professora e pesquisadora
em educação interessava-me conhecer mais esse universo, da adolescência, da
dependência química, e mais importante que isso, conhecer a relação que os
adolescentes estabelecem com a droga e discutir outras possibilidades de
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expressão e de representação de seus dilemas, mediante experiências e vivências
grupais.
Foi em decorrência do trabalho desenvolvido à época e dessa necessidade
que me propus a desenvolver, agora no mestrado, pesquisa na área. Desse modo,
a presente investigação tem como propósito caracterizar o modo como
adolescentes dependentes químicos significam o “cuidado de si” e as
possibilidades de novas formas de vida, com base nas contribuições de Michel
Foucault.
Tendo por base este propósito defini como objetivos específicos: identificar
as diretrizes das políticas públicas sobre drogas no que se refere à prevenção,
tratamento, recuperação e reinserção social de adolescentes; e discutir
possibilidades de cuidado ético de si com adolescentes em processo de tratamento
de dependência química, por meio de práticas de representação - dramática, e
verbal.
Em 2011, quando iniciei a pesquisa, a Clínica HJ apresentava uma equipe
técnica melhor estruturada, com programas específicos para atendimento aos
adolescentes, entre eles o Serviço de Atendimento à Rede de Escolarização
Hospitalar (Sareh) oferece apoio educacional aos alunos que estão impossibilitados
de frequentar a escola devido ao tratamento de saúde. Também a realidade do
público havia mudado, se em 2008 havia aproximadamente 28 adolescentes
atendidos, em 2011 esse número ampliou para aproximadamente 30 adolescentes
do sexo feminino e 50 adolescentes do sexo masculino, a maioria subsidiados pela
política do SUS. Os dados atuais evidenciam a repercussão e ampliação do
fenômeno da drogadição em adolescentes e a efetivação das políticas públicas na
área.
Em face desse cenário é que me propus a realizar a pesquisa na instituição
na qual havia construído uma história de convivência e interação, com um grupo de
doze adolescentes mediante um trabalho de grupo focal. Por meio da participação
neste trabalho de investigação, foi possível perceber as dificuldades e conflitos nos
quais estão mergulhados estes jovens, seu orgulho ou tristeza de ter feito o uso de
drogas e seus anseios de sair desse mundo.
Nesse sentido, as razões para o desenvolvimento da pesquisa pautaram-se
nos seguintes itens:
16
- a necessidade de aprofundar conhecimentos sobre a temática que está de certo
modo velada e em perspectiva moralista e pouco compreendida socialmente;
- conhecer com maior profundidade os processos de reinserção social na
perspectiva do sujeito;
- encontrar formas (diferenciadas e sustentadas teoricamente) de lidar com a
problemática na prática profissional;
- aprofundar conhecimentos sobre as políticas voltadas para adolescentes;
- buscar a leitura dessa problemática na perspectiva que potencialize as condições
dos sujeitos para construírem seus projetos de vida.
Estas
questões
se
mostram
relevantes
principalmente
para
os
pesquisadores, educadores e demais profissionais envolvidos com a reinserção
social do adolescente dependente químico. Questões que marcam um tempo de
busca pela inclusão social do diferente.
Desse modo, a presente pesquisa está organizada a partir da definição de
seus referenciais teórico-metodológicos (capítulo I); da abordagem das políticas
públicas sobre as drogas (capítulo II); do adolescente dependente químico e o
processo de subjetivação e cuidado de si (capítulo III); das representações de
adolescentes dependentes químicos, em processo de tratamento, sobre o cuidado
de si e as novas formas de vida (capítulo IV).
17
CAPÍTULO I
METODOLOGIA DA PESQUISA
1.1 ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA
Considerando o objetivo da pesquisa, qual seja caracterizar o modo como
adolescentes em recuperação da dependência química significam o “cuidado de si”
e as possibilidades de novas formas de vida, o marco teórico orientador do
processo de investigação esteve sustentado nos conceitos de políticas públicas
sobre drogas, drogadição na adolescência e cuidado de si.
Buscou-se recorrer às concepções e aos autores cujos pressupostos,
permitissem compreender as políticas sobre drogas instituídas no país, a
dependência química em adolescentes e as implicações na sua subjetividade e o
conceito e as práticas de cuidado de si.
Desse modo, a figura 1 revela os
principais conceitos definidores do estudo e os autores com os quais se manteve
diálogo epistemológico, necessário a construção do marco teórico e a
compreensão do objeto de estudo em sua complexidade.
Figura 1 – Referencial teórico da investigação
Fonte: Produção da pesquisadora, 2011.
18
O referencial teórico que permitiu estudar as políticas públicas sobre
drogas fundamentou-se na leitura da legislação que trata do assunto, além de
obras dos autores Silva (2010) e Laranjeira (2010) que produzem uma crítica
fundamentada das políticas.
Laranjeira (2010, p. 10) aborda a questão da seguinte maneira:
Existe uma grande dificuldade em transformar boas intenções em
benefício social. A maioria dos países pratica algum tipo de política de
drogas, mas raramente esta é avaliada de uma forma consistente, o que
faz com que alguns aspectos fundamentais deste tipo de política ainda
não sejam plenamente entendidos. Por exemplo: criminalizar as drogas
desencoraja as pessoas ou simplesmente aumenta o preço das drogas?
Modificar a política de drogas acarretará em melhorias sociais? Ou algum
tipo de consequência que não antecipamos poderá modificar os efeitos?
Políticas mais liberais estimulam o consumo pela mensagem de que as
drogas são aceitáveis? Aumentar os impostos dos cigarros estimula o
contrabando? O ponto é que as políticas não deveriam ser somente
consistentes do ponto de vista ideológico, mas também do ponto de vista
prático: deveriam diminuir o problema.
Essa concepção e encaminhamentos da política sobre drogas permitiu uma
análise dos processos de governamentalidade e biopoder conforme discutido por
Foucault (1985; 2010; 2011) e Veiga-Neto (2007; 2011). Nessa perspectiva, as
políticas assumem o objetivo implícito de produzir subjetividade e governar em
nome da vida e controlar a própria espécie. Procuro aprofundar esses conceitos no
capítulo II.
A abordagem da adolescência e sua relação com a dependência química
(capítulo III) foram relevantes para o entendimento da subjetividade, a verdade e o
cuidado de si. Os conceitos chave deste estudo, a adolescência e a dependência
química, foram aprofundados mediante estudos dos trabalhos de Marques (2010).
A autora (2010, p. 27-28) anuncia que:
A fase de maior instabilidade neurobiológica e psicossocial é a
adolescência e, consequentemente, a de maior vulnerabilidade. [...] em
relação ao fenômeno do uso de substâncias psicotrópicas pelos
adolescentes, a questão é ainda mais complexa, pois o momento de
vulnerabilidade vai além do registro da emoção, do determinismo
psicossocial. O neurônio de um adolescente não se encontra totalmente
protegido por suas membranas de mielina, ainda está por amadurecer.
Esse processo só termina por volta dos 24 anos de idade, quando o
sistema nervoso maduro coloca em ação todas as suas funções.
Estes pressupostos tornaram-se o ponto de partida para o delineamento da
19
investigação e da discussão com os sujeitos de pesquisa (adolescentes
dependentes químicos).
Explanou-se a partir das contribuições de Foucault (2010, p.11), a
concepção de cuidado de si como: “uma atitude geral, um certo modo de encarar
as coisas, de estar no mundo, de praticar ações, de ter relações com o outro. A
epiméleia heautou é uma atitude – para consigo, para com os outros, para com o
mundo.” Implica em ter um olhar apurado, atento ao que se passa no pensamento.
Também designa ações, exercícios, práticas de si para consigo, ações nas quais o
sujeito se assume, se modifica, se purifica, se transforma.
Candiotto e Veiga Neto são importantes mediadores para a compreensão
das teorizações de Foucault. Estes autores e suas concepções subsidiaram a
compreensão do fenômeno em estudo, mas também foram determinantes no
delineamento do desenho metodológico da investigação, na perspectiva da
abordagem qualitativa. Não se pode ignorar o fato de que o marco teórico da
investigação condiciona as orientações metodológicas, a postura do investigador,
sua visão de mundo e o modo de interpretar a realidade.
O conceito de teorização na concepção de Veiga Neto (2009, p.86) é o que
mais se aplica aos estudos de Foucault. Esse conceito, longe de se referir ao
conceito hard de teoria, define-se como “uma ação de reflexão sistemática, sempre
aberta/inconclusa e contingente, sobre determinadas práticas, experiências,
acontecimentos ou sobre aquilo que se considera ser a ‘realidade do mundo’”.
Do mesmo modo, na perspectiva foucaultiana busca-se romper com o
conceito de método no sentido cientificista, imutável, sistemático e universalmente
aplicável, para assumir a noção de método como “perspectiva de trabalho”,
“atividade”, “maneira de entender”, “modo de ver as coisas” (VEIGA NETO, 2009,
p. 89-90).
Nesse sentido, as teorizações e o método de Foucault e outros autores que
dedicam a detalhar suas idéias constituem importantes possibilidades de olhar a
realidade desde outros lugares e outras perspectivas: mais abertas e não
preconceituosas.
20
1.2 CARACTERIZAÇÃO DA PESQUISA
A pesquisa é de caráter qualitativo exploratório cujas fontes de
investigação, foram adolescentes em tratamento de dependência química,
caracterizando-se, portanto como uma pesquisa de campo.
Longe de se preocupar com a quantidade de opiniões, a pesquisa
qualitativa busca:
explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o
assunto em questão. Sejam quais forem os critérios, o objetivo é
maximizar a oportunidade de compreender as diferentes posições
tomadas pelos membros do meio social. (GASKELL, 2003, p.68-69).
Com base nesses pressupostos, o presente estudo analisou o modo como
adolescentes em recuperação da dependência química significam o “cuidado de si”
e as possibilidades de novas formas de vida.
Utilizou-se para levantamento de dados junto aos adolescentes a técnica
de grupo focal. Pode-se denominar grupo focal como sendo uma técnica
usualmente empregada em pesquisas qualitativas cuja coleta de dados se efetiva
por meio de reuniões grupais. Esta tem características definidas quanto à proposta,
tamanho, composição e procedimentos de condução. O foco da análise é a
interação dentro do grupo. Os participantes influenciam uns aos outros pelas
respostas às ideias e as colocações durante a discussão. Os dados produzidos por
meio dessa técnica são transcritos das discussões do grupo, acrescentados por
anotações e reflexões do moderador ou observador, caso existam (GODOI;
BANDEIRA-DE-MELO; SILVA, 2006).
A pesquisa qualitativa supõe o contato direto do pesquisador com o
ambiente e a situação que está sendo investigada, mediante um trabalho intensivo
de campo. Por esta razão a técnica de grupo focal foi considerada adequada para
aproximação e discussão do objeto de estudo mediante o contato direto com os
sujeitos da pesquisa; permitiu ainda capturar a perspectiva e o significado dos
participantes em relação às questões que estão sendo focalizadas.
21
1.3 LOCAL DA PESQUISA
A pesquisa foi desenvolvida na Clínica HJ localizada no município de União
da Vitória, estado do Paraná. Esta recebe pessoas de 12 a 99 anos, portadoras de
doenças crônicas, tanto físicas quanto neurológicas e que, necessitam de cuidados
de profissionais especializados e atenção médica.
A Clínica Médica HJ possui uma equipe de profissionais qualificados,
supervisionados pelo médico psiquiatra Dr. Hans Hyperides Jakobi. A equipe é
composta
por:
Assistente
Social,
Dentista,
Enfermeira,
Educador
Físico,
Farmacêutica, Nutricionista, Psicólogos, Técnicos em Enfermagem, Terapeuta
Ocupacional, Médico Psiquiatra.
Encontra-se localizada em uma área verde, distante da cidade, em uma
propriedade com aproximadamente 15000 m2 e 2600m2 de área construída.
Apresenta condições físicas para o desenvolvimento do tratamento, com sala de
recepção, sala de reuniões, sala de visitas, sala da administração, refeitório,
lavanderia, farmácia, frutaria, padaria, quatro Blocos, com banheiro, posto de
enfermagem, sala de curativos, consultório médico, hall com TV, além de som
ambiente em todos os cômodos. A Clínica dispõe ainda de: Ginásio de Esportes,
Sala de Jogos, Cancha de Bocha, Horta.
A escolha por esta instituição deve-se ao fato de que ela recebe
adolescentes dependentes de drogas com leitos financiados pelo SUS. Estes
ingressam por meio de encaminhamentos do conselho tutelar, Juizado de menores
e/ou Assistentes sociais dos municípios. Depois do período de recuperação os
adolescentes são encaminhados aos municípios da micro-região paranaense, nos
quais residem para continuar o acompanhamento nos Centros de Atendimento
Psicossocial – CAPs ou comunidades terapêuticas, conforme a necessidade.
22
Figura 2 – Vista aérea da Clínica HJ
Fonte: http://www.clinicahj.com.br/
1.4 SUJEITOS DA PESQUISA
A seleção dos sujeitos deu-se a partir do seguinte critério: adolescentes,
com idade entre 12 e 17 anos, em processo de tratamento de dependência
química, que tivessem a previsão de permanecer por mais de dois meses em
tratamento a partir do início da pesquisa. Nessa condição as psicólogas
responsáveis pelos adolescentes indicaram seis adolescentes do sexo feminino e
seis adolescentes do sexo masculino para participar dos encontros. Todos os
participantes selecionados estão sendo mantidos em tratamento pelo Sistema
Único de Saúde – SUS.
23
Quadro I: Dados de identificação dos sujeitos
Nome
Idade
Sexo
Procedência
Início do Tratamento
A
13 anos
F
Curitiba
Agosto
B
15 anos
F
Francisco Beltrão
Agosto
C
14 anos
F
Rio Negro
Abril
D
14 anos
F
Colombo
Agosto
E
13 anos
F
Catanduvas
Maio
F
13 anos
F
Paranaguá
Julho
G
16 anos
M
Curitiba
Agosto
H
17 anos
M
Curitiba
Setembro
I
16 anos
M
Guamiranga
Maio
J
12 anos
M
General Carneiro
Agosto
K
15 anos
M
Foz do Jordão
Agosto
L
14 anos
M
União da Vitória
Agosto
1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A
abordagem
qualitativa
exigiu
a
definição
metodológicos apresentados de forma sintética na figura 3:
Figura 3 – Procedimentos metodológicos
Análise de
dados
Coleta de Dados: Focus Group Sessões de Dramatização e de
Conversa
Aprovação Comitê Ética
Fonte: Produção da pesquisadora, 2011.
dos
procedimentos
24
Considerou-se que a figura, dividida em três níveis, melhor representaria o
processo metodológico empreendido.
Nível 1: Procedimentos éticos
No primeiro nível, a definição do tema e elaboração do projeto exigiu um
levantamento bibliográfico minucioso que permitiu identificar o conhecimento já
produzido sobre o assunto e os referenciais norteadores dos conceitos de
adolescência, dependência química e cuidado de si.
Nesse momento inicial, o projeto foi encaminhado e aprovado pela
Comissão de Ética em Pesquisa da UNIVALI (Apêndice A), garantindo dessa forma
sua validade ética e científica.
Nível 2: Coleta de dados
Este se realizou no segundo semestre de 2011, em duas etapas distintas,
apesar de manterem estreita articulação entre si, isto é, uma etapa foi determinante
para o desenvolvimento da outra.
1ª etapa – Sessões de Dramatização
Como instrumentos de coleta de dados foram utilizadas entrevistas grupais
mediante atividades de representações dramáticas e conversas.
A cada semana eram realizados dois encontros com duração de uma hora
e meia a duas horas cada, um nas terças-feiras com os adolescentes e outro nas
quintas-feiras com as adolescentes. Os grupos ficam em alas separadas por
gênero e uma das condições para a realização da pesquisa na clínica foi de não
desenvolvê-la ao mesmo tempo com eles e elas. Os encontros ocorreram, na sala
das psicólogas, nas dependências da clínica na qual os adolescentes estão
internados.
Consistiu na realização de sessões de dramatização, nas quais os
adolescentes em tratamento de dependência química, internados, representavam
episódios bons e ruins de suas vidas, momentos nos quais cuidaram de si ou foram
cuidados, representações da escola em que eles governassem e possibilidades de
contracondutas.
Nas técnicas de dramatização o adolescente no papel de protagonista é
quem dramatiza seu tema pessoal, sendo ator e autor. O trabalho procurou seguir
esses procedimentos: aquecer, dramatizar, compartilhar e comentar ou refletir.
25
O aquecer envolvia a preparação do grupo para a dramatização. O
dramatizar promovia o desenvolvimento do tema emergente através de sua
recriação em cena. O compartilhar é o momento em que os membros do grupo
falavam sobre as emoções que sentiram durante a dramatização do tema. O
comentar, ou refletir, possibilitava a análise, e reflexão intelectual.
Atuaram também como auxiliares do focus group, alunos do 1º Ano do
curso de Ciências Biológicas da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras
de União da Vitória – FAFIUV. Os acadêmicos foram convidados a participar da
pesquisa porque tem na matriz curricular a disciplina de Psicologia da Educação.
As sessões aconteciam uma vez por semana com cada grupo, nas terçasfeiras com os adolescentes e nas quintas-feiras com as adolescentes.
Sessões:
1ª Sessão (20/09/11 adolescentes – sexo masculino e 22/09/11 adolescentes –
sexo feminino): Leitura da História: Um garoto chamado Rorbeto – do Gabriel, o
pensador, enquanto os adolescentes ouviam sentados nas cadeiras. Após a leitura,
os adolescentes foram instigados a realizar comentários sobre as diferenças de
cada ser humano. E em seguida representaram acontecimentos marcantes de suas
vidas, tanto felizes quanto tristes.
2ª Sessão (27/09/11 adolescentes – sexo masculino e 29/09/11 adolescentes –
sexo feminino): Para aquecer os adolescentes assistiram a um vídeo com a
música: Cuida de Mim. Posteriormente dramatizaram acontecimentos de suas
vidas em que cuidaram de alguém ou foram cuidados.
3ª Sessão (11/10/11 adolescentes – sexo masculino e 27/10/11 adolescentes –
sexo feminino): Contou-se a história: O Abacaxi Miúdo – retirada do Livro: A Ética
do Rei Menino, do Gabriel Chalita. Em seguida os adolescentes foram levados,
cada qual, a imaginarem-se diretores de uma escola e relatar como seria a escola
ideal para cada um. Após esta atividade os meninos representaram histórias
marcantes vividas por eles na escola.
2ª etapa: Sessões de Conversas
Realizaram-se duas sessões de conversas através de entrevista grupal. Os
adolescentes dialogaram sobre liberdade, desejos, ambições e planos para o
futuro. Uma sessão ocorreu com as adolescentes e outra com os adolescentes, em
um espaço de tempo em torno de uma hora com cada grupo, no mesmo dia,
26
(17/11/11). Utilizaram-se questões abertas possíveis de valorizar a espontaneidade
das respostas.
As sessões foram filmadas e fotografadas para posteriores análises. Os
adolescentes utilizaram máscaras durante os encontros por recomendação do
diretor da clínica, para garantir-lhes o anonimato tendo visto que os sujeitos da
pesquisa são todos menores.
Cabe esclarecer que foram solicitadas autorizações e assinatura do Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido para os Pais e/ou responsáveis.
Os responsáveis pelos participantes da pesquisa (adolescentes em
tratamento) foram informados previamente sobre os riscos e benefícios desta e
para isso assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando o
estudo. Do mesmo modo a pesquisadora e a orientadora se comprometeram em
assegurar a confidencialidade e a privacidade dos sujeitos, mantendo sigilo
absoluto sobre a identidade dos participantes e das informações coletadas.
Nível 3: Análise de dados
O processo de análise de conteúdo iniciou após a tabulação dos dados e
transcrição das falas dos adolescentes nas representações dramáticas e na
entrevista grupal. Esta, na definição de Franco (2003, p. 14) fundamenta-se “nos
pressupostos de uma concepção crítica e dinâmica da linguagem”.
As transcrições das dramatizações e entrevistas grupais selecionadas para
a análise encontram-se nos Apêndices E.
Tabulamos os dados coletados a fim de dar início à definição das
categorias de análise – ponto crucial da análise de conteúdo – que foram
gradativamente lapidadas e enriquecidas com base no conteúdo das falas e
representações dos sujeitos de pesquisa expressas nas diversas sessões de
entrevista.
A devolutiva dos resultados aos adolescentes participantes, pais, equipe
técnica e direção da clínica acontecerá após a defesa da dissertação, por meio de
uma exposição oral em março de 2012.
27
CAPÍTULO II
POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE AS DROGAS:
do proibicionismo à redução de danos
Examinei o caminho percorrido pelas políticas sobre drogas, sob um viés
genealógico explicado por Michel Foucault, ou ainda, na perspectiva do método —
para usar a expressão do filósofo — como um “modo de ver as coisas” que estão
em determinadas práticas e suas relações com outras práticas.
Veiga-Neto (2011, p.65) expõe que “o objetivo de Foucault é traçar uma
genealogia das relações entre o poder e o saber, para mapear a ontologia do
presente, em termos do ser-poder”.
Foucault explica como surgiram a partir do século XVII técnicas de poder
centradas no disciplinamento do corpo. Percebe-se assim, que as políticas públicas
sobre drogas ainda apresentam uma visão panóptica, na qual quem exerce o poder
quer ver tudo, não atendendo ainda grupos específicos com o devido cuidado,
como é o caso de crianças e adolescentes dependentes químicos. Em
contrapartida, o dependente, sujeito observado, tem uma visão invertida, sem obter
acesso ao poder exercido sobre ele.
Foucault esclarece que o poder disciplinar surgiu após o poder pastoral e o
de soberania. O poder pastoral presente nas práticas cristãs medievais, anuncia a
salvação eterna através do sacrifício e necessita de um rebanho que será
governado por um pastor. O poder de soberania, no entanto, não é salvacionista,
nem mostra piedade, mas também é conduzido por um soberano. Para substituir
estas formas de poder, na modernidade surgiu o poder disciplinar. De acordo com
Veiga-Neto (2011, p.71):
[...] ainda que o rei tenha sido mandado para casa, não se deve pensar
que o problema da soberania tenha sido eliminado com o advento do
estado moderno. O que aconteceu foi uma tríplice aliança entre soberania,
disciplina e gestão governamental, entendida essa última como uma nova
arte de governamento exercida minuciosamente, ao nível do detalhe
individual e, ao mesmo tempo, sobre o todo social. Como explicou
Foucault, não aconteceu uma simples ‘substituição de uma sociedade de
soberania por uma sociedade de governo’. É neste ponto que entra em
cena o conceito foucaultiano de governamentalidade, para designar as
práticas de governo ou da gestão governamental [...].
28
Para além das discussões sobre o poder disciplinar, Foucault acrescenta o
conceito de biopoder. Para ele, este surge no fim do século XVIII, “tomando o corpo
coletivamente, num conjunto de corpos, esse novo poder inventou um novo corpo,
população; mas agora trata-se, ao contrário do poder disciplinar, de um corpo com
uma multiplicidade de cabeças”. (VEIGA-NETO, 2011, p. 72)
As políticas sobre drogas apresentam como objetivo implícito produzir
subjetividade, e governar em nome da vida, porém exercem um poder regulador e
controlador sobre a espécie humana:
Se o poder disciplinar fazia uma anátomo-política do corpo, o biopoder faz
uma biopolítica da espécie humana. Trata-se de uma biopolítica porque os
novos objetos de saber que se criam ‘a serviço’ do novo poder destinamse ao controle da própria espécie; e a população é o novo conceito que se
cria para dar conta de uma dimensão coletiva que, até então, não havia
sido uma problemática no campo dos saberes. (VEIGA - NETO, 2007, p.
72-73)
As instituições de tratamento de dependência química incluem os indivíduos,
mas exercem sobre eles poder, eles precisam cumprir as normas. Para diminuir os
riscos sociais alguém precisa cumprir a vontade do outro. Alguém exerce o poder,
e outros cumprem as regras.
Veiga-Neto e Lopes (2007, p.953) explicam o conceito de governamento
desenvolvido por Michel Foucault:
[...] o poder é entendido como uma ação sobre ações possíveis – uma
ação sempre escorada em saberes -, o governamento manifesta-se quase
que como um resultado dessa ação; na medida em que alguém coloca em
funcionamento o poder sobre outrem, esse alguém pode governar esse
outrem. Pode-se dizer então que, de certa maneira, o governamento é a
manifestação ‘visível’, ‘material’, do poder.
Portanto, o Governo por meio das políticas sobre drogas atua promovendo a
vida
através
do
governamento
da
população.
“Foucault
chamará
de
governamentalidade o encontro entre as técnicas de dominação exercidas sobre os
outros e as técnicas de si.” (VEIGA-NETO; LOPES, 2007, p.954). No entanto,
aquele que é conduzido não precisa ser passivo:
O outro da condução deverá sempre ser considerado um sujeito de ações,
o que implica a possibilidade de ‘contracondutas’, estas constituem um
dos domínios da governamentalidade que é a do governo de si mesmo, do
direito dos governados de limitar os excessos dos diversos modelos de
29
governança, de ordem doméstica, política, pedagógica, espiritual, médica.
(CANDIOTTO, 2010, p. 161)
O indivíduo desprende-se do conformismo através do governamento de si
mesmo.
Evidencia-se aqui um conceito relevante para pesquisa, qual seja a
possibilidade do sujeito de resistir aos modelos de governança a que está
submetido. Desse modo, o exercício de representação, manifestação e reflexão de
práticas de cuidado de si empreendido no processo de investigação, tinha o
propósito de se constituir em possibilidades de contracondutas em relação às
normas e regras exercidas pela Clínica.
O envolvimento com as drogas não é recente, pois, de acordo com Santos
(1997), o uso dessas está presente em todos os povos desde a Antiguidade.
Porém, nas últimas décadas, pesquisas sugerem que o abuso dessas substâncias
vem tomando proporções alarmantes, trazendo com isso sérios prejuízos à
população, principalmente junto a adolescentes e adultos. Santos e Aléssio (2006,
p. 124) abordam a gravidade da situação:
A droga não permite o trabalho, a manutenção dos valores morais e o
respeito à família. Além disso, ela está fortemente associada à violência. A
droga serve como explicação tanto para os atos violentos de alguns jovens
como para a violência sofrida pelos jovens.
Para que possamos entender o tratamento social que vem sendo dado
atualmente ao uso das drogas no Brasil, é importante conhecer as normativas e
diretrizes técnicas sobre o assunto no âmbito da história das políticas num contexto
mundial.
A base da legislação internacional sobre drogas é determinada pelas
Convenções das Nações Unidas. Esta determina como infração penal a posse e a
compra de drogas para consumo, porém cada país pode seguir seus princípios
constitucionais. Neste sentido, elaborou-se um quadro 2 sintetizando o contexto
histórico das políticas sobre drogas no Brasil segundo Ventura et al (2011).
30
Quadro 2 – Síntese da legislação que definiu as políticas nacionais sobre Drogas.
Legislação
Características
- Código Penal de
1890
- Consolidação das
Leis Penais de 1932
- Decreto 780/ 1932
- Código de 1940
Discurso sanitário e jurídico. O uso indevido de drogas, além de atingir o
usuário enfermo, representava perigo para toda a comunidade. A
harmonização da sociedade adviria da lei penal opressora, alcançando o
grau desejado de controle social. A proposição de incriminações severas
repassava à sociedade a sensação de que a sanção penal resolveria o
problema do uso de drogas.
Lei 6.368, de 21 de
outubro 1976
Consolidou a associação entre o dependente de drogas e o criminoso. Para
o sistema proibicionista, se tornava mais importante as drogas do que o
motivo e as causas do seu consumo e dependência. Na prática, não
conseguiu coibir o uso e abuso de drogas.
Lei 10.409 de 2002
A moderna ordem mundial estabelecia, a diferenciação do tratamento
dispensado ao usuário vítima, demonstrando forte tendência à
descriminalização. Dispensou ao usuário medidas preventivas e educativas,
além de tratamento mais benigno ao portador de substância tóxica para uso
próprio.
Lei 11.343 de 2006
Eliminou a pena de prisão para ao usuário/dependente, diferenciando o
usuário e o dependente de drogas com o intuito de se descobrir a medida
alternativa mais adequada em cada caso concreto: advertência sobre os
efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade ou medida
educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Percebe-se que as políticas nacionais estiveram de acordo com as
convenções internacionais na busca da segurança e saúde pública, além de prezar
pelos direitos humanos dos usuários de drogas.
Levando em consideração que muitas crianças e adolescentes consomem
drogas, as políticas nacionais direcionaram ações para esses grupos em
específico, porém esse cuidado tem sido tomado há pouco tempo. Com a
Constituição Federal de 1988 o cidadão, independente da idade, teve seus direitos
assegurados, inclusive com relação à saúde. O art. 227 traz o seguinte texto:
É dever da família, da sociedade e do estado assegurar à criança e ao
adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,
além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988, p.131)
31
Sabe-se que a partir da Constituição Federal de 1988 a sociedade civil
brasileira teve a oportunidade de participar ativamente de algumas decisões
passando a auxiliar na elaboração e acompanhamento de políticas públicas através
da participação em conselhos. Diante da problemática envolvendo as drogas, a
população não precisou esperar passivamente por uma solução.
Um grande passo para a sociedade brasileira foi a implantação do Estatuto
da Criança e do Adolescente - ECA, de 1990, que passou a reconhecer crianças e
adolescentes como sujeitos de direitos. Instituiu o princípio de prioridade para a
formulação de políticas públicas, solicitou a criação de conselhos de direitos
envolvendo a sociedade civil. Em seu artigo 11 consta: “É assegurado atendimento
médico à criança e ao adolescente, através do Sistema Único de Saúde - SUS,
garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção,
proteção e recuperação da saúde.” (BRASIL, 1990, p.6)
A Lei nº 8.080/90, que institui o SUS, em seu art. 7º, diz que os serviços de
saúde, precisam universalizar o acesso a toda população brasileira e preservar a
sua autonomia, não no sentido de deixá-la decidir sozinha sobre a sua saúde, mas
atendê-la a fim de defender sua integridade física e moral. (SILVA, 2010)
Com
a
Reforma
Psiquiátrica
alcançada
através
da
Lei
Federal
10.216/2001, o indivíduo portador de transtorno mental, inclusive decorrentes do
consumo de álcool e outras drogas, tem entre seus direitos um tratamento
apropriado à suas necessidades inclusive a internação quando os tratamentos
extra hospitalares não forem eficientes. A internação poderá ser voluntária,
involuntária ou compulsória. Porém, a atenção aos usuários dessas substâncias
não se reduz exclusivamente ao sistema de saúde, mas à rede de serviços sociais
para sua reabilitação e reinserção social. (SILVA, 2010)
A Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, atualmente vigente no Brasil,
institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD. Esta
legislação indica medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção
social de usuários e dependentes de drogas; e também estabelece normas para
repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas.
Assim são direcionadas algumas ações exclusivamente às crianças e
adolescentes usuários de álcool e outras drogas, sendo que se evidencia nesta
parcela da população o uso dessas substâncias cada vez mais cedo.
32
[...] ao discorrer sobre as atividades de prevenção do uso indevido,
atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, prevê
em seus artigos 18 e 19, que estas sejam direcionadas à redução dos
fatores de vulnerabilidade e risco e à promoção e ao fortalecimento dos
fatores de proteção e que o tratamento especial dirigido às parcelas mais
vulneráveis da população leve em consideração as suas necessidades
específicas. (SILVA, 2010, p. 94)
A Lei sobre Drogas atual afirma que atividades de prevenção voltadas às
crianças e adolescentes precisam seguir as diretrizes do Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do Adolescente - CONANDA (BRASIL, 2010).
Até 2006, a questão do uso ou dependência de álcool e outras drogas tem
sido abordada por uma ótica da saúde. Passou-se então, a partir deste ano, a
compreender o problema de uma forma mais ampla, envolvendo questões sociais,
psicológicas, econômicas e políticas.
Percebe-se no Brasil, talvez em grande parte do mundo que a sociedade
científica sabe dos problemas que a droga causa no ser humano, e aos poucos
busca desvendar as questões relacionadas aos adolescentes dependentes
químicos. Porém, a sociedade e o governo como um todo não garantem que as
descobertas sejam oportunizadas a todos.
2.1 DO PROIBICIONISMO À REDUÇÃO DE DANOS
A Política Nacional sobre Drogas (2010) reconhece como medida preventiva
e de promoção a redução de danos amparada pelo artigo 196 da Constituição
Federal.
Bianchini (2006, p. 22 – 23) explica que no Brasil desde a década de 1990
acentuaram-se dois discursos políticos acerca dos rumos a serem tomados com
relação às drogas:
Um deles apregoava que a redução da oferta e da demanda poderia e
deveria ocorrer por meio da intervenção penal. Visava a total abstinência,
ou seja, um mundo sem drogas. War on drugs era a visão preponderante.
O outro, diversamente, tratava do tema a partir de uma linha
prevencionista, voltada para atitudes relativa à redução de danos.
Aparecem preocupações com moderação e controle do abuso. Buscava
um distanciamento de respostas meramente repressivas, principalmente
em razão da estigmatização do usuário ou do dependente decorrente de
sua passagem pelo sistema penal. A nova Lei nitidamente, abarca as duas
tendências. A proibicionista dirige-se contra a produção não autorizada e o
33
tráfico ilícito de drogas, enquanto a segunda que é a prevencionista é
aplicada para o usuário e para o dependente. A Lei, ademais, está aberta
às políticas de atenção e de reinserção social do usuário e do dependente.
Ronaldo Laranjeira, médico psiquiatra paulista, coloca-se a favor da
proibição das drogas e questiona se a proposta de redução de danos diminui ou
produz ainda mais danos. Segundo esse especialista (2010, p. 12) a política de
Redução de Danos:
[...] defende que, se não podemos eliminar as drogas, pelo menos
podemos diminuir os danos. A reforma legal não é prioridade, mas sim a
prática concreta. Defende abertamente a tolerância com os usuários de
drogas, o que se transforma numa descriminalização de fato do uso de
substâncias.
Este mesmo autor (2010) chama a atenção para o fato que diminuindo
eventualmente o dano não podemos pensar que ocorrerá uma redução global do
uso deste. Pois mesmo que um grande número de usuários diminua os danos, se
acontecer a facilitação do uso de drogas em excesso, a sociedade sairá
prejudicada pela expansão do número de novos usuários.
Silva (2010, p. 97) coloca-se enfaticamente contra a Redução de Danos
quando o assunto envolve adolescentes:
E o que pode ser mais lesivo do que divulgar e propagar métodos, que
longe proteger, educar ou formar, deixam o adolescente assumir
responsabilidade pela própria saúde (e pela própria doença), como se lhe
bastassem informações para tomar decisões? Ações de redução de danos
para o uso de drogas, que priorizem meramente orientar o adolescente a
como usar de modo “seguro” álcool e outras drogas, lesam o direito à
saúde desta população, quando não de todo cidadão que busque garantir
o melhor padrão de atendimento consentâneo às suas necessidades,
conforme preconizado em nossa Carta Magna. (SILVA, 2010, p. 94)
Ao contrário, Cavallari e Sodeli (2010, p. 800) abordam a questão da
Redução de Danos explicando que a aquisição dessa postura:
[...] permite desenvolver ações tanto de prevenção quanto de tratamento.
Porém, é essencialmente preventiva, pois sempre favorece evitar a etapa
seguinte de complicações. A RD, por reconhecer a existência do uso e dos
riscos, pretende que o sujeito individual ou coletivo se aproprie de suas
ações e possa se preservar de conseqüências desnecessárias.
Adotar uma postura na perspectiva da Redução de Danos, não tem por
objetivo acabar com o consumo das drogas, mas “construir junto com o outro
34
possibilidades de escolhas mais autênticas e mais livres na vida, em qualquer fase
do processo, independentemente de a pessoa ter feito ou não uso de substância
psicoativa”. (CAVALLARI e SODELI, 2010, p. 800)
Esses autores (2010, p. 796) expõem a questão se posicionando a favor da
Redução de Danos:
A comparação entre o modelo proibicionista (“guerra” contra as drogas) e
a abordagem da RD pode ser caracterizada como um contraponto entre a
intolerância ao uso de drogas e o reconhecimento de que a inclusão e a
tolerância também são caminhos possíveis no trabalho preventivo e, ao
nosso ver, mais promissores e realistas.
Com esse mesmo pensamento Karam (2008, p.117) explica sobre o
proibicionismo contido na Lei 11.343/06:
As sistemáticas violações a princípios e normas consagradas nas
declarações universais de direitos e nas Constituições democráticas, que,
presentes na nova lei brasileira, reproduzem as proibicionistas convenções
internacionais e as demais legislações internas criminalizadoras da
produção, da distribuição e do consumo das drogas qualificadas de ilícitas,
já demonstram que os riscos e danos relacionados a tais substâncias não
provêm delas mesmas. Os riscos e os danos provêm sim do
proibicionismo. Em matéria de drogas, o perigo não está em sua
circulação, mas sim na proibição, que, expandindo o poder punitivo,
superpovoando prisões e negando direitos fundamentais, acaba por
aproximar democracias de Estados totalitários.
Como podemos perceber, quando o assunto são as políticas sobre drogas,
no Brasil e no mundo, existem alguns grupos que defendem o proibicionismo e
outros que optam pela Redução de Danos. Como pesquisadora, minha intenção
nesse momento não é defender essa ou aquela posição, esse ou aquele
pensamento, mas trazer à tona a discussão que norteia os discursos e práticas
sociais em torno do governamento político do uso de drogas.
Percebe-se, todavia, a dificuldade em legislar sobre a problemática das
drogas, tendo visto que a dinâmica envolve muitos sujeitos. De acordo com
Laranjeira (2010, p. 8), “somente teremos uma boa política de drogas quando
tivermos estratégias tão complexas quanto o problema.” Grande parte dos países
possui alguma política de droga, porém, muitas vezes não funcionam, pois se
observa o ponto de vista ideológico e não o prático.
Se adotar práticas de prevenção e intervenção universais para adultos já é
complexo, quando envolve crianças e adolescentes ela necessita de clareza e
precisão.
35
CAPÍTULO III
SUBJETIVIDADE, VERDADE E CUIDADO DE SI EM JOGO – a adolescência e
o adolescente dependente de drogas
Na nossa sociedade atual falar a verdade é considerado um valor, tendo
visto que a justiça, por exemplo, exige das testemunhas que jurem falar a verdade,
além de que as nossas escolas e famílias primam pelos regimes de valores, ou
seja, buscam ensinar para a verdade.
No decorrer da história da humanidade, os povos em suas diferentes
culturas tomam alguns valores como verdades. Diante disso, Michel Foucault,
filósofo francês, buscou examinar a constituição de subjetividades a partir de
discursos de experiências que os seres humanos fazem de si próprios. Foucault
traz à tona a discussão da subjetividade e sua relação com a verdade.
Subjetividade que não se refere ao sujeito em si, mas “a modos de agir, a
processos de subjetivação modificáveis e plurais.” (CANDIOTTO, 2008, p.88)
Foucault procura saber os “efeitos de subjetivação a partir da própria
existência de discursos que pretendem dizer uma verdade para o sujeito”
(CANDIOTTO, 2008, p.89)
Foucault (2010, p. 17) explica como a verdade é vista pela espiritualidade
na Antiguidade:
um ato de conhecimento, em si mesmo e por si mesmo, jamais
conseguiria dar acesso à verdade se não fosse preparado, acompanhado,
duplicado, consumado por certa transformação do sujeito, não do
indivíduo no seu ser de sujeito.
A articulação entre subjetividade e verdade, se dá segundo Foucault pelo
cuidado de si, porém, esse preceito, durante a Idade Moderna, deu lugar ao
conhecimento de si, deu-se aí um momento “cartesiano”, no qual se pregava que “é
do interior do conhecimento que são definidas as condições de acesso do sujeito à
verdade. As outras condições são extrínsecas” (FOUCAULT, 2010, p. 18) O louco,
por exemplo, aqueles que não tinham condições culturais, para adquirir a verdade
precisariam ter acesso à formação, ao conhecimento.
Em suma, na perspectiva foucaultiana:
36
Se definirmos a espiritualidade como o gênero de práticas que postulam
que o sujeito, tal como ele é, não é capaz de verdade, mas que a verdade,
tal como ela é, é capaz de transfigurar e salvar o sujeito, diremos então
que a idade moderna das relações entre sujeito e verdade começa no dia
em que postulamos que o sujeito, tal como ele é, é capaz de verdade, mas
que a verdade, tal como ela é, não é capaz de salvar o sujeito.
(FOUCAULT, 2010, p. 19)
O cuidado de si, considerado por Foucault como o fio condutor entre a
subjetividade e a verdade:
“[...] longe de inculcar no sujeito habilidades técnicas ou profissionais, trata
de prepará-lo de modo a suportar eventuais acidentes, infelicidades e
desgraças que lhe possam ocorrer [...] exerce papel de correção [...]
impõe-se sobre o fundo dos erros, dos maus hábitos, das deformações e
dependências incrustadas, das quais é preciso livrar-se. Em vez de
‘formação-saber’, trata-se de ‘correção-libertação.’ (CANDIOTTO, 2008, p.
93 - 94).
O sujeito ao cuidar de si busca governar-se para constituir-se, o governo de
si torna-se necessário para também governar o outro. Contudo, o sujeito pode
perder sua individualidade, sendo vítima de sujeição pelas formas de poder, como
o uso de drogas, assim, por vezes se torna reprodutor das estruturas que o
determinam. O sujeito ao ser apresentado como possibilidade, busca manter uma
relação positiva consigo e com o outro, tornando-se um meio positivo de governo.
Foucault (2010, p.2) chama governamentalidade o “encontro entre as técnicas de
dominação exercidas sobre os outros e as técnicas de si.”
Na perspectiva foucaultiana o governo de si e dos outros:
é incumbência do mestre saber utilizar como é preciso, das coisas
verdadeiras que sabe, aquilo que é útil e eficaz para o trabalho de
transformação de seu discípulo. Em vez de desvelamento da verdade,
trata-se de prescrição de conduta e indicação daquilo que é necessário
saber. (CANDIOTTO, 2008, p. 93).
O governamento pode resultar, além de uma ação de um sobre o outro,
também, de uma ação em que cada um se conduz a si mesmo. Essas ações
acontecem graças a determinadas técnicas, Foucault denomina de “técnicas de si”
ou, “tecnologias do eu”.
Foucault citado por Veiga-Neto (2006, p.24) explica que as tecnologias do
eu são um conjunto de técnicas "que permitem aos indivíduos efetuar, por conta
própria ou com a ajuda dos outros, certo número de operações sobre os seus
corpos e sua alma, seus pensamentos, suas condutas, seu modo de ser", de modo
37
que consigam uma transformação de si mesmos, cujo objetivo é "alcançar certo
estado de felicidade, pureza, sabedoria, de perfeição ou de imortalidade". A
constituição do sujeito ético é pensada como efeito das técnicas de si.
“Se a constituição da ética do sujeito é o objetivo almejado, importância
significativa é atribuída aos exercícios permanentes exigidos do agente ético, de
modo a considerá-lo apto a ser sujeito de verdades.” (CANDIOTTO, 2008, p. 95).
Que experiências os seres humanos fazem de si próprios levando em
conta obrigações de verdades e constituição de subjetividades? Nos dias atuais
alguns discursos são tomados como verdadeiros por mentes alienadas,
acarretando a produção de sujeições, como no caso da dependência química,
particularmente quando envolve adolescentes.
A sociedade incentiva o sujeito a buscar a verdade e os valores para
constituir sua subjetividade. Segundo Foucault, cuidando de si o indivíduo alcança
esse objetivo, o que ocorre é que na relação consigo, o sujeito busca formas de
constituir-se, e através de exemplos da própria sociedade, traz para sua vida
formas imediatas de verdades. As drogas são exemplos disso; elas nos dão uma
falsa sensação de escolha certa, porém, omitem o sujeito de pensar sobre si,
tornando um meio de fuga para os problemas e não de pensar sobre si e cuidar de
si. Aos poucos a droga distancia o indivíduo de sua relação consigo.
As pesquisas de Foucault sobre o cuidado de si, em alguma medida,
oferecem subsídios teóricos para que compreendamos o fenômeno da drogas na
adolescência, mesmo que essa nunca tenha sido o objetivo deste filósofo. Foucault
preocupou-se com o sujeito, este que muitas vezes não consegue manter relação
consigo mesmo e procura cuidar de si de alguma forma. Os prazeres naturais
como a alimentação, exercícios físicos e a questão de ser aceito pelos outros
demandam certo trabalho. Já os prazeres alcançados com as drogas tendem a ser
passivos. As sensações geradas pelo uso das drogas são intensas, enquanto que
os prazeres naturais normalmente são mais sutis. A frequência com que os
prazeres acontecem também tem uma diferença, os prazeres naturais, como os
sentimentos de bem estar, ocorrem com pouca constância, ao contrário dos
prazeres com drogas, que ocorrem em horas certas e determinadas. Uma
diferença muito importante entre os dois tipos de prazer é a consequência do
mesmo. Quando o indivíduo experimenta um prazer natural, sente uma sensação
38
de realização. Após ter obtido o prazer com o uso de drogas há uma sensação de
exaustão. Assim, o dependente químico perde seu autocontrole e ocorre a sujeição
perante as drogas.
Sabe-se que o envolvimento com as drogas não é recente, pois, de acordo
com Santos (1997), o uso dessas está presente em todos os povos desde a
antiguidade. Porém, nas últimas décadas, pesquisas sugerem que o abuso dessas
substâncias vem tomando proporções alarmantes, trazendo com isso sérios
prejuízos à população, principalmente junto a adolescentes e adultos.
Para Barreto (2000, p. 11) as pesquisas sobre o assunto elucidam que:
[...] o uso de drogas entre crianças e jovens brasileiros é dez vezes mais
usual do que os pais suspeitam, não é confinado a determinadas áreas
geográficas ou se restringindo em função de qualquer determinante
sociocultural. O uso de drogas afeta crianças e jovens no país inteiro,
sendo que o consumo de praticamente todas as drogas começa entre os
10 e 12 e entre os 18 e 20 anos.
“O abuso de drogas na adolescência, antes dos 15 anos de idade, produz
uma chance quatro vezes maior de desenvolver dependência, em comparação aos
jovens que começam aos 21 anos, independentemente do gênero.” (MARQUES,
2010, p. 28). Para essa autora, “hoje, 24% dos adolescentes bebem pelo menos
uma vez ao mês. Os meninos apresentam taxas de beber pesado maiores que as
das meninas.” (MARQUES, 2010, p. 29)
O uso de drogas entre os adolescentes se manifesta por vários motivos:
[...] a curiosidade, a falta de maturidade e de informação, o modelo
parental e social, os mitos e a expectativa do efeito, a pressão da indústria
e da mídia, além de outros contextos pertencentes à etapa do
desenvolvimento, como para dar coragem para paquerar. (MARQUES
2010, p. 29).
Percebe-se ainda que a família já não tem tanta importância para a
constituição da identidade dos adolescentes. A situação se agrava quando há falta
de amor em casa, quando a comunicação entre os membros da família é falha,
ocorrem erros na transmissão de valores. Porém, quando a família identifica
determinados aspectos e busca neutralizá-los ainda existe tempo de corrigir os
aspectos de risco. (BARRETO, 2000)
Santos e Aléssio (2006, p. 124) abordam a gravidade da situação:
39
A droga não permite o trabalho, a manutenção dos valores morais e o
respeito à família. Além disso, ela está fortemente associada à violência. A
droga serve como explicação tanto para os atos violentos de alguns jovens
como para a violência sofrida pelos jovens.
O organismo se defende, quando a droga é utilizada em quantidade e
frequência elevadas estabelecendo um novo equilíbrio em seu funcionamento.
Quando a droga é retirada bruscamente, os sintomas da síndrome de abstinência
ocorrem por causa da desestabilização deste novo equilíbrio.
Barreto (2000, p. 4) descreve que:
Na época em que se desenvolve dependência – e em que também ocorre
o consumo regular e intenso da droga - o usuário já não mais parece estar
feliz em agir com felicidade; muito pelo contrário, sua capacidade de sentir
prazer, seja natural ou induzido por droga, está exaurida, e ele ingere a
droga mais para evitar o sofrimento, especialmente o sofrimento da
abstinência e o causado por sua vida enfraquecida pela droga.
Barreto (2000, p. 8) ainda retrata os efeitos causados pela droga:
[...] quando se diz que uma droga provoca dependência psíquica, significa
apego àquele estado em que as dificuldades reais dos usuários são
momentaneamente apagadas. Pelos seus efeitos, ela preenche a
necessidade imperiosa de ‘soluções’ imediatas para problemas anteriores.
Sabemos que isto nada resolve, pelo contrário, só faz piorar a situação.
Quando ocorre o uso continuado de uma determinada substância, o
organismo se acostuma a ela e responde cada vez mais com menos intensidade
aos efeitos da droga consumida. Logo, para obter os mesmos efeitos conseguidos
no início do consumo, o dependente precisará aumentar a dosagem do produto,
aumentando o risco de morte súbita do usuário.
Diante da gravidade desse processo cabe aos pais e professores um
trabalho de triagem para auxiliar os adolescentes. Alguns passam a apresentar
dificuldades em acompanhar o conteúdo escolar, tem problemas de adaptação,
transtorno de conduta, abandono da escola. Segundo Marques (2010, p. 30):
A triagem inicial deve ser cooperativa e afetiva e a avaliação inicial mais
aprofundada. Ambas devem investigar a saúde física e mental, o
comportamento e o relacionamento social e familiar, o ajustamento escolar
ou profissional, as atividades de lazer e, finalmente, o possível uso de
drogas e os problemas a este associados.
40
Sabe-se que os adolescentes dificilmente procuram ajuda por conta
própria. E, quando estão em tratamento, não associam seus problemas ao uso de
drogas.
Ainda hoje os tratamentos oferecidos aos dependentes químicos
adolescentes utilizam-se de técnicas aplicadas aos adultos. Segundo a
Organização Mundial da Saúde – OMS, o tratamento para o dependente químico
dura em torno de 8 anos. (COSTA, 1999)
No caso do tratamento de dependentes químicos adolescentes alguns
cuidados, ao que parece devem tomados:
consideramos que um programa de tratamento adequado às questões
adolescentes deve pautar-se no trabalho em equipe interdisciplinar,
amparado por diferentes visões e propostas para a solução do problema.
Preferencialmente, deve contar com um aparato interinstitucional, nos
moldes da intersetorialidade presente nas diretrizes do SUS que, ao inserir
o sujeito em diferentes espaços, possibilita o surgimento de novas formas
de subjetivação e a construção de novos projetos de vida. (RAUPP;
MILNITSKY-SAPIRO, 2005, p.66)
Marques (2010, p.32) compara o tratamento dos adultos com os
adolescentes e explica inicialmente a vantagem em se tratar dos jovens:
[...] a história da doença é curta, assim como suas repercussões; o padrão
de consumo é de abuso é de abuso episódico e não de uso crônico e
diário e, portanto, ainda evidenciam-se poucas consequências. As
desvantagens são preponderantes: os adolescentes são mais vulneráveis
e em fase de desenvolvimento e, portanto, durante os episódios de uso os
sintomas ficam mais exacerbados; apresentam mais problemas de humor,
de relacionamento familiar, acadêmicos e de conduta e integram grupos
de usuários; aceitam menos a confrontação e são poliusuários.
Atualmente “existem poucos dados sobre a efetividade do tratamento de
adolescentes, mas aplicar tratamento é melhor que não aplicar.” (MARQUES,
2010, p.31) Para que os tratamentos sejam eficazes são importantes os cuidados
após a alta.
Adolescentes usuários de drogas precisam entender e aceitar regras
básicas para o exercício da cidadania. Isso faz com que aos poucos possam
romper com idéias e sentimentos nocivos para dar espaço a um novo projeto de
vida, na qual os aspectos emocionais e fisiológicos estejam equilibrados, a
autoconfiança se reconstrua e o gosto pela vida afetiva seja redescoberto,
especialmente nos momentos de retorno à convivência com suas famílias e escola.
41
CAPÍTULO IV
O CUIDADO DE SI E A CRIAÇÃO DE NOVAS FORMAS DE VIDA:
representações dos adolescentes
Ao se considerar que um dos principais objetivos da pesquisa é discutir
possibilidades de cuidado ético de si com adolescentes em processo de tratamento
de dependência química, por meio de práticas de representação - dramática, e
verbal, neste capítulo realizo uma análise prévia de algumas das experiências
vivenciadas no grupo focal.
Entre o material coletado, destaquei dois encontros realizados nas sessões
de conversas, nas quais os adolescentes foram convidados a falar livremente sobre
liberdade, desejos, ambições e planos para o futuro.
Posteriormente apresento algumas sessões das representações dramáticas
dos adolescentes.
4.1 DAS CONVERSAS SOBRE LIBERDADE, DESEJOS E SONHOS FUTUROS
Discutindo os temas: liberdade, desejos, e pessoas que envolveriam nos
sonhos, os adolescentes se reportaram muitas vezes à sua família, tanto para
expor relatos do passado, como para incluí-las nos projetos futuros.
A constituição familiar dos adolescentes era muito parecida: Das seis
meninas envolvidas com a pesquisa, três moravam com a mãe e o padrasto, e três
somente com a mãe. No caso dos meninos, com exceção de um adolescente que
tinha a família constituída pelo pai, mãe e irmãos, todos moravam somente com a
mãe. Observa-se nesse caso, a constituição de famílias monoparentais e a
ausência da figura masculina na maioria dos lares dos adolescentes.
Queiroz (2010, p. 998) considera que “a forma com que a paternidade é
exercida parece ter relação direta com como o adolescente estabelece um círculo
de amigos usuários de drogas, o que por sua vez relaciona-se com o uso pelo
próprio adolescente.”
Os conflitos gerados na família são fatores de risco para o envolvimento do
adolescente com a droga, existem comportamentos e atitudes das famílias que
podem influenciar no uso de drogas pelos filhos, como problemas em impor limites,
42
dificuldades na ligação afetivo-emocional, conflitos dentro das famílias e o próprio
uso de drogas pelos pais, irmãos ou familiares. Os pais que não usam estas
substâncias e são emocionalmente estáveis, na sua maioria, contribuem para que
seus filhos não se envolvam em situações de violência e uso de drogas.
A imposição de limites é vista pelos adolescentes como uma necessidade,
estudos relatam que famílias exageradamente permissivas e ou omissas são
fatores de risco para o envolvimento com drogas. (QUEIROZ, 2010).
4.1.1 Governamento
As adolescentes expõem como são impostas algumas regras dentro da
clínica.
A: Se fizer qualquer coisa leva carinha.
D: Se deixar calcinha no banheiro leva carinha, se fizer isso leva carinha,
se fizer aquilo leva carinha.
E: Se bater nas pessoas, xingar as enfermeiras leva carinha.
D: É... se chegar a brigar...
Entrevistador: Se fosse para vocês organizarem a Clínica como ela seria?
D: Eu não deixaria nada diferente, apenas os setenta e cinco dias.
Cabe esclarecer que o termo “carinha” se refere a uma prática de controle
atitudinal adotada pela clínica que envolve a distribuição de cartões de pontuação
do comportamento do adolescente. São cartões com expressões de rostos felizes e
tristes que acumulados implicam em premiação ou punição. Por exemplo, a cada
quatro “carinhas” felizes recebidas o adolescente é premiado com um cartão que
representa o aumento de um nível, sendo que ao atingir o quarto nível ele estará
preparado para sair. O contrário também é verdadeiro, ao receber “carinhas” tristes
o adolescente regride de nível e diminui suas possibilidades de sair.
A clínica de reabilitação nesse caso torna-se um fator de proteção ao
dependente químico, impedindo que ocorram desordens de conduta, mas
paradoxalmente impede que ele tome consciência de suas atitudes, pois o ensina a
fazer correto somente para não ser punido. Os adolescentes percebem que as
regras são necessárias, mesmo sendo rígidas, mas lidam com elas de forma
infantilizada.
Políticas públicas e práticas de governo relacionadas a sujeitos que vivem
à margem da sociedade existem, muitas vezes com a intenção de dirigir a conduta
43
de determinados segmentos da população. Um ponto desta reflexão é detectar se
o princípio de governamentalidade está presente nas instituições de intervenção e
enquanto forma de promover um processo de subjetivação que potencialize a
formação humana.
A imposição de regras, por vezes torna-se um dispositivo de disciplinamento
e exige dos adolescentes atos de resistências, de inquietação, constituindo-se
assim em um governo de si. (CANDIOTTO, 2010):
O sujeito pode aceitar algumas imposições como também exercer
contracondutas, essas diferentes reações designam um cuidado político de si,
assim constitui-se a subjetividade, num constante equilíbrio entre o governar a si
mesmo em face do governo dos outros.
O governamento pode resultar, além de uma ação de um sobre o outro,
também, de uma ação em que cada um se conduz a si mesmo. Essas ações
acontecem graças a determinadas técnicas propostas ou impostas culturalmente,
segundo qual Foucault (2011, p.2) denomina de “técnicas de si” ou, “tecnologias do
eu”.
[...] permitem aos indivíduos efetuarem, sozinhos ou com ajuda de outros,
um certo número de operações sobre seus corpos e suas almas, seus
pensamentos,suas condutas, seus modos de se; de transformarem-se a
fim de atender um certo estado de felicidade, de pureza, de sabedoria, de
perfeição ou de imortalidade.
Nesse sentido, exigem-se do indivíduo aptidões e atitudes, para que se
transforme e se constitua como sujeito de forma ativa.
4.1.2 Liberdade
No processo de subjetivação, o indivíduo se reconhece nas regras que
precisa cumprir, desenvolvendo uma tensão entre o que quer o seu individual e o
coletivo. Quando questionados sobre a liberdade, os adolescentes explicitaram
esse conflito:
Entrevistador: I... você acha que aqui dentro você é livre?
I: Não.
Entrevistador: Por quê?
I: Porque eu to trancado aqui dentro.
Entrevistador: E lá fora, quando você tava lá fora?
44
I: Lá eu tinha liberdade.
Entrevistador: O que, por exemplo, você fazia lá fora?
I: Chegava tarde em casa, tipo a noite, dormia no outro dia até meio dia,
levantava e ia pra rua de novo.
Entrevistador: E você acha que quando sair daqui vai ser livre lá fora?
I: Livre.
Entrevistador: Você acha que usar droga é ser livre?
I: Não, usar droga é ser preso.
Entrevistador: Por que?
I: Porque você fica preso no vicio.
Conforme exposto acima, inicialmente o adolescente associa o conceito “ser
livre” com o controle do corpo, relatando que se encontra “trancado” na clínica.
Porém, quando instigado a falar sobre as drogas considera o termo em um
contexto abstrato, “preso no vício”. Aparecem aí momentos em que o indivíduo,
precisa tomar decisões na sua dimensão ética, autônoma, ocorrendo uma relação
consigo, vivendo um jogo de forças entre suas vontades e as limitações impostas
pela sociedade. Candiotto (2010, p. 162) se utilizando das teorizações
foucaultianas explica que:
o difícil trabalho ético consiste em reconhecer, de um lado, a recorrência
dos desejos e das ambições pessoais; de outro, a possibilidade de
contracondutas constituídas pelas práticas de liberdade que limitam tais
desejos e ambições. O cuidado de si evoca a luta agonística e incessante,
o embate travado no próprio indivíduo [...].
Percebe-se que o sujeito não possui liberdade absoluta, mas uma relativa
autonomia. Torna-se interessante assim que o indivíduo se conheça e se sujeite a
si mesmo, para que ocorra um processo de autocontrole, nesse sentido, a noção
de cuidado de si é percebida como uma prática de liberdade.
Outro caso ilustra essa questão:
Entrevistador: H, me fale da liberdade aqui dentro e lá fora...
H: Bom... eu acho que a liberdade tem que ser tirada por causa disso,
porque liberdade, liberdade mesmo, exaustiva lá de fora... quando você
tem muita liberdade você foge das responsabilidades, você deixa de lado
as responsabilidades, então tirando essa liberdade, você consegue fazer
com que a tua vida entre numa regra novamente, entre numa rotina, e vai
aprendendo uma coisa todos os dias, todos os dias é mesma coisa, pra
quê? Pra manter uma rotina, uma regra, com uma regra a nossa vida teria
liberdade.
Entrevistador: Você acha que isso dá resultado?
H: Não sei, só saindo lá fora pra descobrir. Eu acredito que não, na minha
opinião. Porque eu sinto vontade ainda de usar droga, mas é uma coisa
que eu vou fazer o possível pra não usar.
Entrevistador: H, vamos continuar... quando você estava lá fora, antes de
vir pra cá você tinha liberdade pra fazer muita coisa né?
H: Liberdade total.
45
Entrevistador: Você acha que isso foi interessante, não foi...
H: Interessante é. É bom você fazer o que você sente vontade, mas isso
eu acho que tirou a minha liberdade, desculpa, não é a liberdade a palavra
que eu quero usar, tirou a minha essência. Eu era um cara família, um
cara educado, carinhoso... Esse ser livre de verdade, viver sem limites,
acabou me prejudicando porque eu deixei de lado meus familiares, o
afeto, o carinho mesmo eu tinha perdido, agora graças a Deus eu to
recuperando.
A liberdade vista sob um viés do cuidado de si, torna-se uma potência ética
para consigo.
Entrevistador: Meninos, qual é o momento da vida de vocês que vocês se
sentiram realmente livres? Que vocês pensaram assim... agora eu posso
fazer o que eu quiser.
H: Eu fugi de casa [...] peguei tudo o que eu tinha, pus num carro e fui pra
rua. Deixei minhas roupas na casa de um amigo. E saí pra rua, como um
mendigo, um mendigo de estilo, bem arrumado e tudo. E sem dinheiro. E
eu conseguia tudo no parque. Conseguia tomar água de coco, beber caldo
de cana, só na boa conversa. Com isso eu me sentia livre, porque eu
consegui tudo o que eu queria apenas com uma boa conversa. Esse foi o
melhor momento... que eu me senti livre. Só que acabei aqui dentro.
Assistam o filme: Na natureza selvagem. Um filme muito bom... esse cara
é livre. Esse filme retrata bem, muito bem mesmo o que é liberdade.
Entrevistador: Você pensa em fazer o que de diferente na tua volta pra
casa?
H: Eu pretendo ser eu de novo, ser eu, quem era eu H antes, o H de
sempre, o H gentil.
O adolescente que se rebela às regras do ambiente social considera que
estar livre é distanciar-se das interferências da família, e tornar-se responsável
pelos próprios atos.
D: O momento mais marcante que eu tive, foi um dia em que meu
padrasto me deixou com minha irmã e com as minhas amigas em casa,
porque ele nunca deixa as minha amigas ir lá em casa para conversar e
fazer lição de casa, agora ele tá deixando as minhas amigas ir lá em casa.
Entrevistador: Neste momento você se sentiu livre?
D: Nesse momento eu me senti livre.
Entrevistador: Teve mais algum, que você se sentiu livre?
D: Que ele me deixou sair pra fora depois do almoço, pra soltar pipa e
jogar bulica.
Veiga-Neto (2006) referindo-se aos termos utilizados por Foucault explica
que podemos considerar a existência de relações de poder na sociedade, essas
são relações de luta ou confronto que visam à dominação do outro segundo uma
racionalidade própria.
46
4.1.3 Liberdade/Violência
Ouvindo as falas dos adolescentes com que trabalhamos, deparamo-nos
com situações que nos levam a pensar a situação de ser adolescente em nossa
sociedade. O cotidiano de muitos deles é uma luta constante contra a violência, a
começar pela doméstica. Quando eles percebem que o seu sofrimento não faz
diferença para a família e para a sociedade, buscam por si próprios resolver a
situação, através de mais violência, da fuga dos violentadores, seja saindo de casa
ou usando drogas.
D: A E não falou ainda.
Entrevistador: É E, quando que você se sentiu feliz e livre para fazer o que
você quisesse?
E: Em nenhum momento.
Entrevistador: Nada? Nem quando você era criança?
Elaine: Não.
Entrevistador: Por quê?
E: Porque minha mãe não deixa. Para eu poder ser livre, eu tinha que fugir
dela.
Entrevistador: O que ela te falava?
E: Ela me xingava, ela me batia, daí eu fugia de casa, ia pra outra cidade,
daí eu ficava um mês longe deles, as vezes uma semana fora.
D: A minha mãe me batia quando meu padrasto mandava. Ele manda
minha mãe bater na gente quando bebe, porque ele sabe que a minha
mãe não tem o controle quando bebe. Quando ela bebe e pega pra bater
ela machuca e ele quer ver a gente apanhar, eu não vou com a cara dele.
A: O meu não bate de graça, só bate quando merece. E eu quase nunca
apanhava, uma vez ou outra quando aprontava.
D: Apanhava de que?
A: De cinta.
Entrevistador: C, o teu pai bate?
C fez não com a cabeça.
Auxiliar: Esse bater para vocês, é uma forma de punição, ou seria mais
fácil se eles falassem: filha não sai de casa.
D: Seria melhor do que apanhar.
A: Apanhar não é bom.
Auxiliar: Eu sei que não é bom, eu também já apanhei, mas eu merecia.
C: Eu já levei uma cabada de vassoura nas costas e foi de quebra o cabo.
D: Eu levei um cano.
E: Eu já apanhei de cano, apanhei de pau, apanhei com a mão do meu pai
na minha cabeça.
A: O meu padrasto bate na bunda.
Percebe-se pelos relatos acima que as necessidades afetivas dos membros
da família ficam a desejar, o lar ao invés de oferecer conforto e segurança por
vezes oferece somente maus tratos e violência.
Queiroz (2010) considera que famílias com práticas inconsistentes
influenciam os adolescentes a usarem drogas, que apresentam expectativas
47
confusas de comportamento, e são acompanhados por uma supervisão precária e
por castigos demasiadamente severos para comportamentos indesejados.
A violência contra crianças e adolescentes evidencia-se como uma negação
do direito que estes indivíduos têm de ser tratados como sujeitos.
Com a proposta de auxiliar aqueles que têm sua cidadania ameaçada, o
Estatuto da Criança e do Adolescente propõe uma alternativa de vida, poderíamos
dizer de governo de si, porém, a garantia de sua aplicabilidade depende da
sociedade como um todo.
Alguns adolescentes acabam saindo de casa e indo para as ruas, tornandose vítimas vulneráveis. Segundo Graciani (2005, p. 128) “a socialização do menino
(a) de e na rua acontece não mais no seio da família e escola, mas na própria rua,
junto ao seu novo grupo ou grupalização de referência”, onde formam um espaço
de identidade e ingressam em pequenos serviços para sobreviver, abandonando a
escola. Sendo assim, distanciam-se cada vez mais de suas famílias.
Graciani (2005, p.134) continua:
o trabalho precoce, penoso e insalubre destrói as possibilidades de
desenvolvimento físico, emocional e social sadio. Aliado a isso, percebese a dificuldade de fiscalização do trabalho infanto-juvenil por parte dos
órgãos competentes e a precariedade das ofertas de projetos que
invistam na proteção de crianças e na profissionalização de adolescentes.
Mantém-se a histórica dicotomia educação/trabalho, reforçando-se assim
o processo de dupla exclusão: nem escolarização, nem formação
profissional.
Os adolescentes sem qualificação profissional e em situação de exclusão
social buscam alternativas imediatas para conseguir sobreviver, utilizando-se
muitas vezes do furto, da prostituição e do tráfico de drogas.
A família normalmente quer seus filhos outra vez em seu meio, o que
ocorre é que devido à mudança comportamental do adolescente, muitas vezes ele
não se adapta novamente, por motivos como as condições econômicas precárias e
a violência.
Pessoas que não encontram na família, nos amigos, na carreira
profissional ou na vida social recorrem às drogas que podem dar a ilusão de que os
problemas foram superados (BARRETO, 2000). E na falta dessas substâncias as
pessoas ficam nervosas, inquietas e ansiosas, e são impulsionadas a obtê-la a
qualquer custo.
48
4.1.4 Liberdade/Religião
Ao longo dos relatos, percebeu-se a presença de certas regularidades nos
discursos dos adolescentes. O sentido dado à palavra liberdade, por exemplo, tem
a ver com a forma como eles se colocam diante dos outros. Porém, apresentaramse momentos em que as meninas citaram por algumas vezes a questão da religião
na sua vida, enquanto que os meninos em nenhum momento se reportaram a esse
assunto:
Entrevistador: B, e você tem liberdade aí fora?
B: Eu tinha liberdade a vontade.
A: Eu também tinha liberdade a vontade.
B: A minha mãe acreditava em mim.
A: A minha mãe não gostava que eu me misturasse com gente que usava
droga.
B: A minha mãe sempre falava, não faça isso, não faça aqui, e eu sempre
fazia.
A: Eu comecei a usar drogas depois que o nenezinho morreu.
B: Era pra eu ser obreira sabia? Daí eu sai da igreja pra fumar pedra.
D: Maldita droga é essa pedra, que acabou comigo.
A: Eu nunca fumei pedra.
B: Depois que experimenta daí já era.
D: Depois que beija o cachimbo, se apaixona.
B: Eu pelo menos aprendi, não quero isso nunca mais.
Entrevistador: Você pode ser obreira ainda. Você quer?
B: Eu quero.
Auxiliar: O que que é obreira?
B: É uma pessoa que serve a Deus.
Auxiliar: De qual igreja?
B: Da Universal.
C: Eu era Evangelista da Universal.
A: Eu já fui na igreja Mundial, aquela que passa na televisão.
Não se pode ignorar o fato de que a religião, assim como a droga, assume
uma função de governamento sobre o sujeito. Pode-se considerar uma prática tão
poderosa quanto a outra no uso da técnica de controlar o indivíduo. Nessa luta
entre o bem e o mal o adolescente se debate entre a escolha de “beijar o
cachimbo” e servir às drogas ou de “ser obreira” e “servir a Deus”.
Em Vigiar e Punir (1987) e em A Vontade de Saber (1977), Foucault analisa
as técnicas e os saberes enfatizando a normalização como uma das técnicas
fundamentais à socialização dos indivíduos. Estas, a partir da modernidade,
funcionam de modo muito sutil, impondo uma uniforme padronização sobre o que
49
os sujeitos são, serão ou possam ser. Sob essa perspectiva a religião tem
assumido importante papel.
Mas não se pode pensar exclusivamente nessa forma institucionalizada de
poder. Na Hermenêutica do sujeito (2010) ao discutir o cuidado de si, Foucault
remete essa noção de poder à compreensão da governamentalidade, na qual as
relações de poder passam de um sujeito de direito, a um sujeito definido pela
relação de si para consigo. Para o autor, o importante nessa proposta é “considerar
que relações de poder/governamentalidade/governo de si e dos outros/ relação de
si para consigo compõem uma cadeia, uma trama e que é em torno destas noções
que se pode articular a questão da política e a questão da ética.” (FOUCAULT,
2010, p. 306-7).
A partir desse prisma, os estudos de Foucault não se concentram somente
sobre:
os atos que eram permitidos e proibidos, mas também sobre os
sentimentos que estavam representados, os pensamentos e os desejos
que podiam ser suscitados, a inclinação a perscrutar no si todo sentimento
escondido, todo movimento da alma, todo desejo travestido sob formas
ilusórias [...]” (FOUCAULT, 2011, p.1)
E nessa trama, na qual se articulam governo de si e dos outros, os
adolescentes manifestam seus mais íntimos desejos e sonhos para o futuro.
4.1.5 Desejos
Durante os questionamentos referentes aos desejos, entre as colocações
dos adolescentes, percebeu-se a vontade de se aproximar da família:
Entrevistador: O que vocês desejam fazer quando saírem aqui?
C: Eu quero correr e abraçar minha família, é o que eu mais quero.
A: Eu quero ficar pertinho da minha mãe e ir pra igreja.
D: Quando eu sair daqui, eu vou gritar lá no portão, mas eu vou berrar
mesmo.
E: Eu quero abraçar minha mãe.
B: Eu também quero abraçar minha mãe, meu irmão e depois pensar em
sair.
D: Eu não quero sair de perto da minha mãe tão cedo.
J: Primeira coisa que eu quero fazer é chegar em casa, tomar um café e
dormir.
50
H: Eu quero dar um abraço na minha vó.
I: Eu to com saudade da minha mãe.
J: Eu dormia nos pés da minha mãe.
Entrevistador (para H): A tua avó não veio e ver nesse tempo?
H: Veio uma vez só.
Entrevistador: I e você?
I: Quero abraçar a mãe também.
Entrevistador: G, o que você quer fazer quando sair daqui?
G: Ah eu quer ficar junto com a minha mãe de novo.
Independente de serem meninos ou meninas evidencia-se a falta que
sentem da mãe, associado a um sentimento de culpa por tê-la decepcionado e se
distanciado dela com o uso das drogas, quando a mãe os queria por perto.
4.1.6 Sonhos para o futuro
Ao exporem seus sonhos para o futuro os adolescentes incluíram a
constituição de uma família. Percebe-se a importância que dão ao fato de incluir
afeto nas suas relações, mais que a preocupação com questões materiais.
Entrevistador: Agora eu quero que vocês pensem em três sonhos pra vida
de vocês por ordem de prioridade, para o futuro, nem que demore pra
realizar.
J: Eu quero ser baterista. Eu já fiz aula de bateria.
Entrevistador: O que mais?
J: Ah.... eu quero ter a minha família. Ter uma família boa. Casar, ter
filhos.
H: É isso que eu penso também.
Entrevistador: O que é uma família boa pra você?
J: É casar e ter filhos.
Entrevistador: O que mais?
J: Só isso.
Entrevistador: O primeiro sonho é ser baterista e o segundo é ter uma
família boa. E o terceiro?
J: O terceiro eu não tenho.
Entrevistador: Mas pense, se você lembrar de algum, você me diz.
J: Ah... eu quer ser rico.
Entrevistador: I e você?
I: Eu quero ser rico. O segundo é ter uma família.
Entrevistador: Que tipo de família?
I: Ah... uma família tipo, que nem eu tenho assim, meu pai , minha mãe,
meu irmão.
H: Uma família estruturada.
I: Uma família estruturada eu quero.
Os adolescentes sonham com um modelo de família que nunca tiveram, com
a exceção de um menino, que mora com os pais. Nesse sentido, podemos nos
51
utilizar das palavras de Foucault (2011, p.8) quando considera que “um novo
cuidado de si implica uma nova experiência de si”.
Entrevistador: Então vamos ouvir os três sonhos do H.
H: Bom, meu primeiro sonho é ter uma família estruturada, tradicional...
J: O que é estruturada?
H: Meu segundo sonho é ter uma casa própria pra mim e pra minha família
e poder dar uma boa educação aos meus filhos. Esses são meus três
sonhos.
Entrevistador: Tá... O J perguntou o que é uma família estruturada.
H: Família estruturada é aquela que não tem briga, que é pai, mãe, filho,
certinho, sabe aquela tradição? É uma família estruturada.
Entrevistador: Muito bem. G, quais são os três sonhos pra tua vida?
G: Ah... eu quero ficar com a minha mãe. Meu sonho é ficar sempre com a
minha mãe.
Entrevistador: Então G, vamos continuar... o primeiro sonho é ficar com a
mãe, e o segundo e o terceiro sonho?
G: O segundo é ter uma família.
Entrevistador: Ter a tua família... a tua esposa, é isso? Como que seria
essa família?
G: Seria a minha mulher, filhos e minha mãe também.
Entrevistador: Tá, a tua mãe junto...
H: A tua mãe ia morar junto com a mulher? Acho que isso não ia dar certo.
J: Com a sogra.
Entrevistador: E o terceiro?
G: O terceiro é trabalhar só.
Auxiliar: Você quer trabalhar no quê? Ser o quê?
G: Não sei.
H: Eu quero ser um Engenheiro Ambiental, se Deus quiser.
A mesma pergunta feita às adolescentes obteve respostas diferenciadas.
Sonham com a realização profissional e acadêmica.
Entrevistador: Quais são os seus sonhos para o futuro?
E: Ah, eu em primeiro lugar queria fazer uma faculdade, arrumar um
serviço pra poder pagar e depois ser uma professora de educação física.
A: Eu queria ser médica, e dar de tudo pra minha mãe e cuidar da minha
prima.
D: Eu queria trabalhar primeiro, fazer a faculdade, ser advogada.
Porém, duas adolescentes expõem questões muito significativas para suas
vidas. Em um dos casos a jovem, que perdeu a mãe aos onze anos, deseja tê-la de
volta. No outro caso a adolescente explica que ao cuidar de um bebê o viu falecer
em suas mãos e também gostaria que o mesmo voltasse a viver, inclusive em
todos os encontros ela cita algo referente a esse fato. Relatou certa vez que iniciou
no mundo das drogas quando o este bebê de quatro meses, que estava aos seus
cuidados, filho da vizinha, morreu engasgado.
C: Eu queria trazer minha mãe de volta, sei que não vai ser possível,
quero minha mãe de volta, fazer uma faculdade, quero ser astronauta, se
52
Deus quiser eu vou ser astronauta ainda. E eu queria minha mãe junto,
para ela ter orgulho de mim.
[...]
A: O que mais eu queria era que o nenenzinho voltasse.
Entrevistador: Faz tempo que aconteceu?
A: Foi em março desse ano.
D: Que horror né.
Entrevistador: B, quais são seus três grandes sonhos?
B: Não sei.
B: Eu queria sair daqui, ficar perto da minha família.
Entrevistador: Se tivesse um gênio da lâmpada, que falasse que você
podia pedir o que quiser, quais são seus sonhos?
B: Um trabalho, fazer uma faculdade, ser feliz para depois pensar em
namoro e casamento.
Auxiliar: O sonho sonhado por uma pessoa só é só um sonho, mas o
sonho sonhado por todos juntos é realidade. Ela por exemplo quer ir para
lua, ela pode.
B: Antes o meu sonho, era ser cantora.
Entrevistador: Mas você pode. Na verdade nenhum sonho é impossível [..]
A: O meu sonho é impossível, trazer o nenenzinho de volta.
Através desses fatos, podem-se perceber as questões que muitas vezes
desencadeiam o vício. O ato de crianças e adolescentes ainda não conseguirem
lidar com alguns problemas os fazem resolver as questões de uma forma imediata,
usando drogas. Michel Foucault (1985, p.56) considera que é preciso disponibilizar
tempo para cuidar de si:
E é um dos grandes problemas dessa cultura de si fixar, no decorrer do
dia ou da vida, a parte que convém consagrar-lhe. Recorre-se a muitas
fórmulas diversas. Pode-se reservar, à noite ou de manhã, alguns
momentos de recolhimento para o exame daquilo que se fez, para a
memorização de certos princípios úteis, [...] Pode-se também interromper
de tempos em tempos as próprias atividades ordinárias e fazer um desses
retiros [...] eles permitem ficar face a face consigo mesmo, recolher o
próprio passado, colocar diante de si o conjunto da vida transcorrida,
familiarizar-se, através de leitura, com os preceitos e os exemplos nos
quais se quer inspirar e encontrar, graças a uma vida examinada, os
princípios essenciais de uma conduta racional.
Paviani (2010, p.48) utilizando-se das idéias de Foucault ilustra esse
aspecto:
o cuidar de si não designa meramente uma atitude de espírito, mas exige
o exercitar-se e o treinar. Remete ao estar atento a si, ao examinar-se a si
mesmo, ao retirar-se em si, ao recolher-se em si, ao tratar-se, ao curar-se,
ao cultuar-se, ao honrar-se, ao respeitar-se ou envergonhar-se.
Ocorre que o sujeito na sua relação consigo mesmo interroga-se sobre o
que é, para refletir sobre o que vai exercer, trata-se de um governo de si
sustentado pelo cuidado ético do eu, corrigindo e modificando hábitos enraizados.
53
A reflexão dos processos de subjetivação, mediados pelas técnicas de si,
segundo Freitas (2010), consente uma investigação original dos processos de
formação humana como experiência crítico-reflexiva. Trata-se de a sociedade
reconhecer a todos como cidadãos, para que não falte o amparo social para os
excluídos.
Nesse sentido, a educação formal tem um papel importante a desenvolver.
Freitas (2010, p.186) considera que:
[...] mobilizar-se para reivindicar e lutar pela concretização do direito à
educação também deve ser uma manifestação de preocupação e cuidado
de si. O governo democrático da educação pode ser praticado e
reconhecido na busca do cuidado de si, contribuindo para reduzir os
espaços de sujeição, já que a ética do cuidado de si aposta no exercício
prático da liberdade.
Pensar em construir a subjetividade do indivíduo, nos remete a refletir
sobre as experiências de cada um, além das relações familiares e sociais. No caso
do adolescente isso inclui a vida escolar. O cuidado de si proporciona a inclusão
social.
4.1.7 As pessoas e os sonhos
Ao relatarem sobre seus sonhos e as pessoas pelas quais envolveriam
neles, a totalidade dos adolescentes respondeu que auxiliariam suas famílias.
Entrevistador: Quem vocês envolveriam nos sonhos de vocês?
D: Minha mãe.
E: Meus irmãos.
D: Meus irmãos, minha vó e meu padrasto.
Entrevistador: Concretamente como isso ia acontecer?
D: Eu ia dar dinheiro pra sustentar a casa, para os alimentos.
Entrevistador: E, quem você envolveria nos teus sonhos?
E: Minha família inteira.
Entrevistador: Por quê?
E: Pra eu me manter em pé, pra eu ter a ajuda deles.
Entrevistador: De que forma você iria envolver?
E: A minha mãe nunca participou das coisas que eu fazia, eu queria que
ela participasse.
Entrevistador: Me dê um exemplo.
E: Assim... quando eu saio de casa, quando eu vou pra igreja eu tenho
que ir sozinha, porque ela não vai comigo, quando eu saio na casa de
algum amigo, ela não vai comigo. Eu queria que ela fosse.
Entrevistador: Você queria que ela fosse companheira.
D: A minha mãe é bem companheira, ela me leva no colégio, me busca,
de medo de acontecer alguma coisa.
54
Entrevistador: E você C?
C: Eu ajudaria a minha família em tudo que precisasse.
Entrevistador: E você B, quem você envolveria nos teus sonhos?
B: A minha família... Em primeiro lugar Deus, em segundo a Família.
Entrevistador: E o que que a sua família precisa, no que você ajudaria?
B: Ah, em tudo. Eu ia cuidar dos meus irmãos, ajudar nas despesas de
casa, arrumar um serviço. A minha mãe sempre quis ficar pertinho de mim
e eu nunca quis, agora eu quero mostrar pra ela que tudo o que ela me
ensinou valeu a pena.
Ao voltarem seus olhares para suas famílias, principalmente para a figura
da mãe, os adolescentes percebem uma vida sem conforto e desvalorizada. A
família monoparental se apresenta na maioria dos casos dos adolescentes da
pesquisa, colocando a mãe em uma sobrecarga de funções, reduzindo assim o
tempo destinado a si.
Para muitos adolescentes, fica o sonho de um dia ter a possibilidade de
auxiliá-la na busca de novas formas de vida, pensadas através do conceito de
cuidado de si, chamado pelos gregos de “epimeleia heautou” entendida como uma
atitude para consigo, para com os outros, para com o mundo.
Segundo Foucault (2010, p. 12), o cuidado de si “implica certa maneira de
estar atento ao que se pensa e ao que se passa no pensamento”. A esse respeito o
autor (2010, p.12), esclarece que:
[...] a noção de epiméleia não designa simplesmente esta atitude geral ou
essa forma de atenção voltada para si. Também designa sempre algumas
ações, ações que são exercidas de si para consigo, ações pelas quais nos
assumimos, nos modificamos, nos purificamos, nos transformamos e nos
transfiguramos.
Inserido na família, o cuidado de si, através da constituição de
subjetividades, possibilita novas formas de vida aos sujeitos envolvidos. Ocupar-se
consigo não é somente uma preparação para a vida realizada de forma
momentânea, mas é uma forma de vida. O sujeito precisa ocupar-se consigo, para
si mesmo. “É preciso ser para si mesmo e, ao longo de toda a sua existência, seu
próprio objeto.” (FOUCAULT, 2010, p.446).
A educação familiar quando oferece ao adolescente em processo de
recuperação de dependência química a oportunidade de ter uma relação consigo
mesmo, o ajuda a constituir-se como ser humano ético. Foucault (2011) aponta
várias maneiras de isso acontecer, quando se remete às técnicas de si.
Os
55
adolescentes podem participar de narrativas ou escrever poemas, diários, histórias
sobre o eu, meditar sobre a forma como conduzem suas vidas, a fim de refletir
sobre a pessoa que desejam tornar-se. Os familiares ajudariam desta forma o
sujeito a buscar e transformar o seu eu, cuidar de si.
4.2 DAS REPRESENTAÇÕES DRAMÁTICAS
4.2.1 Acontecimentos marcantes da vida
Em um primeiro diálogo sobre acontecimentos marcantes da vida, tanto os
adolescentes quanto as adolescentes representaram momentos infelizes, mesmo
estando livres para dramatizar o que quisessem. Inicia-se aí uma questão
interessante para reflexão: com tão pouca idade, estes jovens ao ser questionados
sobre suas vidas, o que lhes vem à mente são momentos tristes.
Uma das adolescentes relatou sobre a influência de suas amizades:
B: [...] eu tinha amigas que diziam que se eu não experimentasse, elas
não iam mais ser minha amiga. [...] Falei, eu vou experimentar. Eu
comecei e dai nunca mais consegui parar.
Percebe-se que para validar o título de “sujeito”, o indivíduo junta-se a um
grupo, nem que seja para cometer atos anti-sociais.
Ao serem convidadas a representar cenas marcantes das suas vidas, uma
das adolescentes dramatizou um diálogo que teve com a mãe ao sair certa vez de
casa para usar drogas:
Auxiliar 2: (Mãe): A mãe ama você.
F: Eu vou lá porque eu tenho os meus amigos, e lá eles me entendem e
você não entende.
Auxiliar 2: (Mãe): Eles fingem que entendem você. Eu entendo você de
verdade.
F: Você não é minha mãe.
A jovem explica que cada vez que ela tentava sair de casa a mãe não
deixava, elas discutiam. Porém relatou logo após a dramatização:
F: Agora eu vejo que depois de tudo o que eu fiz pra ela, ela ainda tá de
braços abertos.
56
A sensação que fica é a de que a mãe não abandona e as amigas que a
incentivaram a usar a droga não apareceram para oferecer ajuda, talvez estejam
também precisando de auxílio.
Outra questão que aparece com freqüência nas representações é a
violência dentro de casa. Um dos adolescentes dramatiza um rápido momento em
que a mãe o queimou sem motivo explícito:
Mãe (Auxiliar 1): Ah seu vagabundo, vai lavar essa mão, seu porco.
(A mãe joga o prato cheio de comida no colo do filho.)
M: ai ai ai tá queimando, ai ai ai.
Perguntamos para o adolescente se existia um motivo para o acontecimento,
embora violência não se justifique. Ele responde que a mãe jogou a comida nas
pernas dele para queimar porque ele não lavou a mão. Ao que parece quando os
pais estão ansiosos ou deprimidos tendem a descontar nos filhos pelas coisas que
acontecem.
4.2.2 Cuidado de si e do outro
Os adolescentes tiveram a liberdade para representar cenas de suas vidas
que cuidaram de si ou não. Para os adolescentes mesmo que tenham
representado apenas cenas de não cuidado, achavam tudo engraçado, mostrando
como os momentos dramatizados foram acompanhados por riscos e emoções,
questões bem típicas de adolescentes.
G representa uma cena ocorrida no pátio da escola, com dois colegas. Ele
chega com a mochila pronto para ir embora.
G: E aí... vamos matar a aula hoje?
Amigo 1 (Auxiliar 3): Aonde que a gente vai hoje?
G: Lá no bar tomar uma cerveja.
Amigo 2 (Auxiliar 4): É... tamo lá dentro né.
Amigo 1: E aí vamos agora, ou vamos esperar quando a diretora não tiver
olhando?
G: Vamos agora mesmo.
Amigo 1: Então vamos agora.
Amigo 2: Então vamos. (saem)
L também representa uma cena de não cuidado de si. Está com amigos
jogando baralho em uma praça. Um dos amigos sai para comprar bebida alcoólica.
57
L toma uma garrafa sozinho, se despede e sai. O irmão mais velho de L, o
encontra na rua, depois de dois dias fora de casa e assim se desenvolve o diálogo:
Irmão (Auxiliar 6): E aí, o que você estava fazendo na rua até agora
rapaz? Oh, o teu estado, tá bêbado, vou te levar lá pro hospital, não não
não, não consegue nem caminhar direito, vamos vamos, vamos vou te
levar para o hospital agora. Por que você fez isso rapaz?
L: Eu tava andando por aí né. Encontrei os amigos.
Irmão: Oh, você andando com esses teus amigos aí, não vale a pena.
L: Encontrei uns amigos aí e bebi né.
Irmão: Pois é, a mãe tá em casa preocupada com você. E agora, como
que vamos fazer? Agora vou te levar para o hospital tomar um soro para
passar esse porre aí.
Na sessão com as adolescentes, a história se repetiu. Representaram
acontecimentos de não cuidado. Segue uma dramatização envolvendo a
adolescente C que ela está fumando crack, na rua com os amigos, quando chega a
sua irmã.
Irmã (Auxiliar 3): C, o que você esta fazendo? (pega ela pelo braço).
C: Deixe eu fumar.
Irmã: Não, não, vamos para casa. Você tem que sair dessa vida, já te falei
quantas vezes. Vamos já para casa. Venha. (Irmã abraça C). Você anda
me assustando muito, fazendo essas coisas. Tem que sair dessa vida.
Vamos já lá para casa.
C: Eu não quero ficar em casa.
Irmã: Vamos fazer assim, sente aqui e me conte porque você esta fazendo
essas coisas.
C: Eu não sei, porque eu gosto, eu tenho os meus amigos.
Irmã: Eles não são seus amigos, eles não estão te levando para um bom
caminho.
C: Estão sim, melhor do que você.
Irmã: Não é verdade. Em casa você tem amor, tem os seus irmãos, tem a
mim e porque que você tem que ir atrás desses seus amigos.
C: Porque eu gosto. Eu prefiro eles do que você.
Irmã: Mas eu não entendo o que se passa na sua cabeça. Por que você
fica fumando essas coisas?
C: Porque eu gosto.
As praças são mencionadas por diversas vezes pelos adolescentes como
ponto de encontro, como um refúgio, um local que os deixa mais a vontade que a
própria casa.
Também se observa que não é somente a mãe que busca salvar o filho do
vício, mas é um trabalho de toda a família. Nos dois casos acima relatados, os
irmãos tomaram a atitude de tornarem-se conselheiros. A droga acaba por
desestabilizar toda uma família, mesmo que só um dos membros faça uso dela.
58
4.2.3 A escola ideal
Ao serem instigados a imaginarem-se diretores de uma escola, os
adolescentes relataram como esta seria:
H: Então, na minha escola os cara podiam fumar maconha, tá ligado?
Entrevistador: Só maconha?
H: Só maconha, nada de crack ou cocaína. Só que os professores teriam
que dar uma colher só para aqueles que tem a cabeça feita, aqueles que
estudavam e tiravam notas altas. [...] Ah, da para tirar uma soneca depois
da aula. Jogar um futebolzinho, brinca, fica com umas muié.
I: A minha escola ia ter dois campos de futebol, para jogar bola né. As
brigas seriam liberadas, a maconha ia ser liberada também.
Entrevistador: O pessoal não ia estudar nessa escola?
I: Ia, três aulas. E o resto do tempo, brigando e fumando maconha.
Entrevistador: Não ia virar muita bagunça?
I: Ia, daí que é bom.
Entrevistador: Mas você é o diretor, você ia dar conta?
I: Eu ia dar conta. Eu ia passear no meio, jogar bola [...]
L: Na minha escola, vai ter só aluno estudioso, não ia deixar fumar
maconha, brigar. [...] Ia ter um campo de areia, um ginásio de esporte, um
campo de bocha.
Entrevistador: Vão estudar, vai ter esportes. Vão fumar um pouquinho?
L: Precisa né.
Entrevistador: Você vai ser o diretor, se você liberar...
L: O Diretor da minha escola fuma.
Entrevistador: Então, você é o diretor, pense o que você quer para a sua
escola.
L: Não quero que fume dentro da escola, quero ter esporte lá dentro.
Entrevistador: Você não falou que queria que fumasse?
L: Agora não quero mais.
Entrevistador: Por quê?
L: Mudei de ideia.
Entrevistador: Mas se você fosse estudar lá dentro dessa escola, você ia
querer que liberasse?
L: Não, dá pra fazer na rua. Prefiro fazer na rua. Do que dentro de uma
escola.
K: Na minha escola é legal, porque tinha esportes. Minha escola é melhor
escola do mundo. Estudavam, fumar é proibido.
J: Se eu fosse diretor de uma escola, eu queria que tivesse uma piscina
para nadar. Na minha escola tinha que ter quadra de futebol. Não podia
fumar, não podia beber. Nadar podia, jogar futebol podia.
G: Na minha escola, se eu fosse o diretor, eu ficava de boa.
Entrevistador: E os alunos como seriam?
G: Ah... Educados. Eu queria que eles tratassem com respeito as
pessoas... mas educados, sem brigas, sem violência.
Pouco
falávamos
durante
os
encontros
sobre
o
tema
droga
especificamente, entretanto, este assunto sempre aparecia nas representações ou
diálogos. A droga faz parte do cotidiano desses jovens.
59
O interessante é que ao terem a oportunidade de se imaginarem líderes de
uma escola, todos se reportaram ao esporte, mesmo que alguns falaram que
liberariam a droga. Nesse sentido, o esporte torna-se um ótimo recurso, até uma
tecnologia do eu, que auxiliaria na constituição da individualidade durante um
tratamento, principalmente nessa faixa etária, na qual os indivíduos ainda não se
ocupam com o trabalho.
Alguns citaram a importância de bons professores e de estudar. Possuem
uma visão crítica para avaliar a qualidade dos professores que tiveram, os quais
guardam como exemplo e que os influenciam. Talvez esses profissionais nem
percebam o quão importantes são nas vidas desses jovens, inclusive quando são
citados por fumarem na escola, como o adolescente L relatou: “o diretor da minha
escola fuma”, inconscientemente ou até conscientemente isso se torna natural para
o aluno, cabe a ele imitar ou recusar a ação.
Veiga-Neto (2007, p. 110) explica que:
[...] se quisermos que o sujeito desde sempre aí cumpra sua dimensão
humana, devemos educá-lo, para que ele possa atingir ou construir sua
própria autoconsciência, de modo a reverter aquelas representações
distorcidas que o alienavam; só assim ele será capaz de se contrapor
efetivamente à exclusão e, em conseqüência, conquistar a sua soberania.
Observamos assim que os seres humanos se tornam sujeitos pelos modos
de transformação que os outros aplicam e que nós aplicamos em nós mesmos.
Adquirindo autoconsciência cada um cuida de si.
60
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil está passando por uma epidemia de consumo de drogas. Crianças
e adolescentes estão cada vez mais se tornando dependentes dessas substâncias.
As políticas públicas sobre drogas, que antes direcionavam suas ações somente
para intervenção, redução e reinserção de adultos, precisaram adaptações para
atender também ao público mais jovem.
Ações vêm sendo realizadas em todo o país, em busca de minimizar o
problema. Adolescentes estão cada vez mais sendo incluídos em tratamentos
financiados pelo SUS.
No presente estudo, busquei identificar nas falas e experiências dramáticas
de adolescentes inclusos em tratamentos, em uma clínica de reabilitação do interior
do Paraná, como pensam o cuidado de si. O adolescente em tratamento é
incentivado a reconstruir sua identidade, porém, evidencia-se aí um problema: ela
precisa ser construída, porque ela não existia por completo, diferente de um adulto
que passa pelo mesmo processo e tenta recuperar a família, o emprego e a própria
identidade.
Nesse sentido, empreguei as teorizações de Foucault, para discutir a
constituição do sujeito e suas formas de vida. O autor propõe que convém ao
indivíduo, o ato de cuidar de si, podendo assim a pessoa fazer uso de técnicas,
envolvendo reflexões, diálogos, além de escrever sobre si.
Observei por meio dos depoimentos, relatos, sentimentos manifestos e
experiências vivenciadas que o ato de passar por um tratamento proporciona aos
adolescentes um tempo de reflexão sobre as experiências vividas, seus erros e
acertos. Também o distanciamento da família, de certa forma, oportuniza um tempo
para reorganizar as metas para o futuro. Porém, percebe-se que algumas ações
desencadeadas pela instituição com vistas ao tratamento, pela sua rigidez, não
colaboram para o resgate da subjetividade. O tempo no qual esses adolescentes lá
se encontram seria propício para que isso acontecesse se fossem oferecidas mais
experiências de representação e expressão criativa de suas subjetividades.
No contexto do tratamento dos adolescentes dependentes químicos
perceberam-se
questões
condicionantes,
voltadas
ao
disciplinamento
dos
indivíduos, que precisam seguir uma rotina diária, para de certa forma reorganizar
61
sua vida a começar pelos pequenos atos, ocorrendo a imposição de normas
disciplinadoras.
Percebe-se aí um longo processo que se inicia com a implantação das
políticas até chegar ao tratamento em si, que pode ser comparado ao panóptico
citado
por
Foucault.
Nessa
estrutura
institucional,
como
um
meio
de
disciplinamento, quem dita as normas, observa e manipula o todo, em
contrapartida, os indivíduos, no caso os adolescentes, sujeitos pelo qual existe o
tratamento, não tem uma visão de como as coisas acontecem ao certo.
Sabe-se que o processo de internação é apenas o início do tratamento
contra as drogas, mas constitui-se como uma oportunidade que os adolescentes
tem de refletir sobre suas vidas, suas companhias, atos, outras fontes de prazer e
constituir-se como sujeitos. O adolescente quando aprender a cuidar de si poderá
encontrar no processo de reinserção social, novas formas de vida, isso acontecerá
constantemente ao longo de sua vida, assim como Foucault relatava em seus
estudos com relação ao processo de subjetivação.
Fazendo um apanhado de todos os encontros, nos quais os(as)
adolescentes representaram, percebi que estes dramatizaram partes do processo
de tratamento na clínica, e que a conclusão dos adolescentes diante dos
profissionais da clínica é de que exigem deles, como pacientes, que sejam dóceis,
porque lhes oferecem tratamento, algo como a salvação. Os pacientes por sua vez
se mostram educados, mas se pudessem mostrar verdadeiramente o que sentem,
iriam agir, até mesmo, com violência.
Ao encorajar os adolescentes a cuidarem de si, por vezes acabamos
querendo transformá-los de alguma forma, sejam suas atitudes, seus discursos,
essas ações passam despercebidas por nós. Apenas quando paramos para
analisar os encontros é que observamos esse ponto. Porque se o cuidar de si
consiste em transformar-se, isso não quer dizer que essa mudança venha através
de imposições, mas de sugestões que o próprio sujeito acate para sua constituição.
Analisando a minha proposta de pesquisa percebi que talvez o “eu” que os
adolescentes apresentaram nas dramatizações é o que eles têm de melhor para
oferecer, e precisa ser muito valorizado, senão podemos passar a impressão que
só o “eu” do futuro, aquele que está por vir, os tornará sujeitos. Acabamos por
62
“assujeitar” o indivíduo, como diria Foucault, de forma oculta, e sem perceber tal
ato.
63
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66
APÊNDICES
67
APÊNDICE A
Parecer Consubstanciado de Projeto de Pesquisa em Seres Humanos
Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Itajaí
68
APÊNDICE B
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO –
Pais e/ou responsáveis
Solicita-se a autorização para realização da pesquisa junto aos adolescentes que
estão sob sua responsabilidade.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: O cuidado de si e a criação de novas formas de vida por adolescentes
em recuperação de dependência química
Pesquisador responsável:
Regina Célia Linhares Hostins - http://lattes.cnpq.br/3614416302948755
Telefone para contato: (47) 3261-1205
Pesquisador Participante:
Cláudia Aparecida Bonk - http://lattes.cnpq.br/7661810845065300
Telefone para contato: (42) 3511-1146
A pesquisa é de caráter qualitativo exploratório e propõe a análise do processo de
reinserção de alunos em recuperação de uso de drogas na escola mediante experiências
psicodramáticas.
O psicodrama sendo uma técnica que busca analisar conflitos interiores através de
cenas improvisadas auxiliará na pesquisa na medida em que os sujeitos se utilizarão dos
seus recursos para trazerem à tona a forma como significam o cuidado de si em suas
vidas.
As sessões psicodramáticas serão gravadas para posteriores análises garantindo o
anonimato.
A pesquisadora e a orientadora comprometem-se em assegurar a confidencialidade
e a privacidade dos alunos, mantendo sigilo absoluto sobre a identidade dos mesmos e
das informações coletadas nos documentos.
Os resultados dessa pesquisa serão apresentados à banca examinadora da
dissertação, por meio de Defesa Pública (fevereiro 2012).
Pretende-se disponibilizar uma cópia do trabalho final na Biblioteca Central do
campus de Itajaí.
69
Etapas da Pesquisa:
Levantamento Bibliográfico sobre o assunto
Coleta de dados através de técnicas psicodramáticas
Análise e discussão dos dados coletados
Interpretação dos dados com base em autores que subsidiam o referencial teórico.
Riscos e benefícios decorrentes da participação na pesquisa:
A participação dos sujeitos na presente pesquisa é voluntária, logo isenta de
remuneração. Os possíveis riscos ou desconfortos dela decorrentes estão relacionados às
informações pessoais veiculadas no processo de entrevista e práticas psicodramáticas,
mas cujo teor poderá ser analisado no decorrer dos encontros e/ou após a transcrição.
Caso o sujeito verifique a possibilidade da informação romper o sigilo ou o anonimato
requeridos poderá retirar o seu consentimento.
Acima de quaisquer prejuízos ou desconfortos a pesquisa poderá assegurar
benefícios, pois se propõe a levantar questões de interesse social, evidenciadas na
trajetória e experiência de vida dos participantes, as quais em muito contribuirão para
ampliar a compreensão da problemática da reinserção social do adolescente em
recuperação de dependência química.
Ademais a participação poderá contribuir para ampliar a discussão/estudo desta
temática: reinserção de adolescentes oriundos de tratamentos anti - drogas na escola e
potencializar o sucesso da experiência da socialização que vem sendo realizada, entre
outros.
Estratégias de devolução dos dados para os sujeitos de pesquisa e para as
instituições envolvidas
A devolutiva para os sujeitos da pesquisa ocorrerá mediante parecer por
escrito, além de uma exposição oral das conclusões sobre a pesquisa.
Nome do Pesquisador: ________________________________________________
Assinatura do Pesquisador:____________________________________________
70
CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO
Eu,_______________________________________ RG_____________________
CPF
__________________________
responsável
por
______________________________________ abaixo assinado, autorizo a realização da
pesquisa “O cuidado de si e a criação de novas formas de vida por adolescentes em
recuperação de dependência química”.
Fui devidamente informado e esclarecido sobre a pesquisa, os procedimentos nela
envolvidos, assim como garantia da preservação do anonimato dos adolescentes
envolvidos.
Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem que isto
leve a qualquer penalidade.
Local e data: ________________________________________________________
Nome: _____________________________________________________________
Assinatura do sujeito: _________________________________________________
Telefone para contato: ________________________________________________
71
APÊNDICE C
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO - Participantes
Você está sendo convidado (a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa.
Após ser esclarecido (a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte do
estudo, assine ao final deste documento, que está em duas vias. Uma delas é sua e a
outra é do pesquisador responsável. Em caso de recusa você não será penalizado (a) de
forma alguma.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: O cuidado de si e a criação de novas formas de vida por adolescentes
em recuperação de dependência química.
Pesquisador responsável:
Regina Célia Linhares Hostins - http://lattes.cnpq.br/3614416302948755
Telefone para contato: (47) 3261-1205
Pesquisador participante:
Cláudia Aparecida Bonk - http://lattes.cnpq.br/7661810845065300
Telefone para contato: (42) 3511-1146
A pesquisa tem como objetivo analisar o modo como adolescentes em recuperação da
dependência química significam o “cuidado de si” e as possibilidades de novas formas de vida,
em experiências psicodramáticas no contexto escolar.
A pesquisa é de caráter qualitativo exploratório e propõe a análise do processo de
reinserção de alunos em recuperação de uso de drogas na escola através do contato com
jogos dramáticos. A pesquisa qualitativa supõe a relação direta do pesquisador com o
ambiente e a situação que está sendo investigada. Por esta razão o trabalho com
psicodrama foi considerado adequado para análise dos sujeitos da pesquisa. Ele permitirá
capturar a perspectiva e o significado dos participantes em relação às questões que estão
sendo enfocadas. O psicodrama sendo uma técnica que busca analisar conflitos interiores
através de cenas improvisadas auxiliará na pesquisa na medida em que os sujeitos se
utilizarão dos seus recursos para trazerem à tona a forma como significam o cuidado de si
em suas vidas.
72
A pesquisadora e a orientadora comprometem-se em assegurar a confidencialidade
e a privacidade dos alunos e docentes, mantendo sigilo absoluto sobre a identidade dos
mesmos e das informações coletas nos documentos.
Os resultados dessa pesquisa serão apresentados à banca examinadora da
dissertação, por meio de Defesa Pública (fevereiro de 2011).
Pretende-se disponibilizar uma cópia do trabalho final na Biblioteca Central do
campus de Itajaí.
Riscos e benefícios decorrentes da participação na pesquisa:
A participação dos sujeitos na presente pesquisa é voluntária, logo isenta de
remuneração. Os possíveis riscos ou desconfortos dela decorrentes estão relacionados às
informações pessoais veiculadas no processo de entrevista e práticas psicodramáticas,
mas cujo teor poderá ser analisado no decorrer dos encontros e/ou após a transcrição.
Caso o sujeito verifique a possibilidade da informação romper o sigilo ou o anonimato
requeridos poderá retirar o seu consentimento.
Acima de quaisquer prejuízos ou desconfortos a pesquisa poderá assegurar
benefícios, pois se propõe a levantar questões de interesse social, evidenciadas na
trajetória e experiência de vida dos participantes, as quais em muito contribuirão para
ampliar a compreensão da problemática da reinserção social do adolescente em
recuperação de dependência química.
Ademais a participação poderá contribuir para ampliar a discussão/estudo desta
temática: reinserção de adolescentes oriundos de tratamentos anti - drogas na escola e
potencializar o sucesso da experiência da socialização que vem sendo realizada, entre
outros.
Estratégias de devolução dos dados para os sujeitos de pesquisa e para as
instituições envolvidas
A devolutiva para os sujeitos da pesquisa ocorrerá mediante parecer por
escrito, além de uma exposição oral das conclusões sobre a pesquisa.
Nome do Pesquisador: ________________________________________________
Assinatura do Pesquisador: ____________________________________________
73
CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO DO SUJEITO
Eu,___________________________________________ RG________________________
CPF __________________________ abaixo assinado, concordo em participar do presente
estudo como sujeito. Fui devidamente informado e esclarecido sobre a pesquisa, os
procedimentos nela envolvidos, assim como os possíveis riscos e benefícios decorrentes
de minha participação. Foi-me garantido que posso retirar meu consentimento a qualquer
momento, sem que isto leve a qualquer penalidade.
Local e data: _____________________________________________________________
Nome: __________________________________________________________________
Assinatura do Sujeito ou Responsável: ________________________________________
Telefone para contato: _____________________________________________________
74
APÊNDICE D
TERMO DE COMPROMISSO DE UTILIZAÇÃO DE DADOS
Nós, abaixo assinadas, orientadora e mestranda, responsáveis pelo Trabalho de
Conclusão de Mestrado (dissertação) intitulado “O cuidado de si e a criação de novas
formas
de
vida
por
adolescentes
em
recuperação
de
dependência
química”
comprometemo-nos a manter a privacidade e a confiabilidade dos dados coletados na
pesquisa, preservando integralmente o anonimato dos sujeitos envolvidos. Os dados
somente serão usados nesse projeto. Qualquer outro uso que venha a ser planejado
deverá ser objeto de novo projeto de pesquisa e ser submetido à apreciação do Comitê de
Ética em Pesquisa da UNIVALI.
Itajaí SC, ____ de _________ de _________
_______________________________
Regina Célia Linhares Hostins
Orientadora
___________________________________
Cláudia Aparecida Bonk
Mestranda
75
APÊNDICE E
TRANSCRIÇÕES DAS SESSÕES COM ADOLESCENTES – SEXO MASCULINO
1ª Sessão com os Adolescentes 20-09-11
Seis adolescentes presentes.
Obs: M e N participaram apenas dessa sessão, pois receberam altas e foram
substituídos.
Dois Auxiliares
Entrevistador realizou a Leitura da História: Um garoto chamado Rorbeto – Gabriel,
o pensador, enquanto os adolescentes ouviam sentados nas cadeiras. Após a
leitura, realizaram-se comentários.
Entrevistador: Esse livro ganhou o prêmio Jabuti em 2006, como melhor livro
Infanto Juvenil no Brasil.
J: E é legal a historinha...
Entrevistador: É legal né. E que vocês gostaram na história? Dos seis dedos, vocês
gostaram?
M: Eu gostei quando ele falou: 1,2,3.
Entrevistador: Vocês conhecem alguém que tem seis dedos?
J: Eu conheço... um amigo meu que chama Joelcio.
Entrevistador: E ele tem vergonha dos seis dedos?
J: Não, ele gosta.
Entrevistador: É na mão? Porque tem gente que tem seis dedos no pé.
M: Eu vi uma moça que tem o minguinho, tem dois minguinhos.
J: tem que furar o tênis, daí.
Entrevistador: Ou pega o tênis um pouquinho maior. E... vocês acham que as
pessoas são diferentes?
76
M: Tem seus defeitos, né!?
Entrevistador: Tem seus defeitos, tem suas qualidades. Dentro da própria casa...
vocês tem irmãos?
Todos: Eu tenho.
Entrevistador: E vocês são diferentes dos irmãos de vocês?
M e J: Não.
Entrevistador: Vocês são bem parecidos?
M: Somos.
Entrevistador: Até na personalidade, assim no jeito de ser?
G: Não.
M: Daí não né!?
Entrevistador: Daí não né, cada um tem seu jeitinho, um é mais tranqüilo...
J: Outro é briguento igual eu.
Entrevistador: Um é mais briguento, que ninguém pode falar nada que já se irrita.
Então, eu quero agora que vocês lembrem de algum acontecimento da casa de
vocês, pode ser muito feliz ou muito triste. Vocês podem começar com o que vocês
se sentirem a vontade.
M: Eu vou contar...
Entrevistador: Você não me conta, vocês vão representar aqui, vocês vão escolher
a roupa que vocês quiserem aqui, vão pensar... quem não tiver se sentindo a
vontade de representar aqui, não tem problema, só me conta. Vocês vão pensar
em algum acontecimento da vida de vocês, pode ser muito marcante assim, que
vocês não esquecem, e que volta e meia vocês estão lá deitado vocês lembram
desse acontecimento, tá. Uma coisa muito legal que acontecendo ao uma coisa
muito triste. Pode ser um acontecimento que quando vocês tinham 5 ou 6 anos, ou
de agora recente, de antes de vocês virem para cá, o que vocês quiserem
representar.
(Explicação de como representar).
M: Tem que combinar né.
Entrevistador: Isso tem que combinar o teatrinho.
Representação do M na casa dele juntamente com a mãe:
Mãe (Auxiliar 1): Ah seu vagabundo, vai lavar essa mão, seu porco.
77
(A mãe joga o prato cheio de comida no colo do filho.)
M: ai ai ai tá queimando, ai ai ai.
Comentário do M: Foi a pior coisa, porque queimou.
Entrevistador: E a tua mãe brigava muito com vocês?
M: Mais ou menos.
Entrevistador: Por que ela brigou aquele dia do nada?
M: Porque eu não lavei a mão.
Entrevistador: Mas ela jogou a comida, encima de você?
M: Nas minhas pernas para queimar.
Entrevistador: Então tá bom. Mas alguém quer representar algum acontecimento
legal, pode ser alguma coisa divertida ou triste.
I: Eu tenho. Eu fui no motocross dai o piloto pediu para eu dar uma volta de moto,
ai eu fui. Dai foi uma menina, abraçou ele e tudo, tranquilo, daí fui eu depois, dai eu
ponhei a mão atrás e o carinha falou: Pode abraçar ele, dai ele empinou a moto
dele, dai no final eu peguei e abraçar ele assim, e no final o dono pegou ele falou
assim, você apertou nos peitinhos dele.
Entrevistador: Onde foi isso?
I: Na minha cidade, Guamiranga.
Entrevistador: Então tá bom, foi engraçada essa história?
I: Foi engraçado.
Entrevistador: E uma história triste da sua vida, você lembra?
I: Não.
Entrevistador: Nem uma triste?
I: Não.
J: Eu lembro.
Entrevistador: Como que foi?
J: A minha irmã brigou com meu irmão, e jogou uma tábua assim (mostra o
tamanho da tábua) no pé do meu irmão, e disse que ia dar dois real pro meu irmão
mentir pra mãe que tinha cortado o pé.
Entrevistador: Vamos representar essa cena então? Vamos?
Representação do J:
78
J representando o irmão pequeno, puxando o cabelo da sua irmã mais velha.
Irmã (Auxiliar 1): Ai piá.
Irmã joga a tábua no pé do irmão, representado por J.
Irmão (Auxiliar 2): Ai meu pé, ai meu pé.
Irmã: Não conte para a mãe, se você contar você vai ver.
Irmão: Eu vou contar para a mãe que eu tinha cortado numa pedra.
Irmã: Conte que daí eu te dou dois reais.
Entrevistador: Mais alguém gostaria de representar... (se referindo ao N), você tem
alguma coisa feliz ou triste que tenha acontecido na sua vida?
N: Triste foi quando eu caí na poça de água.
J: Também, tava cozido de bêbado.
N faz um sinal negativo com a cabeça. E eu to triste de ficar aqui na clínica.
Entrevistador: É... faz tempo que você está aqui?
N: Faz 12 dias.
J: Eu entrei faz um mês e pouco.
K: Eu faz 25.
I: E eu to há quatro meses.
G: (se referindo ao K) entramos junto, eu e ele, no mesmo dia.
K: E tinha um piá que tava aqui, o Felipe ele já foi.
Entrevistador: (se referindo ao G) você lembrou de uma história feliz ou triste.
K: Eu lembrei de uma triste.
Entrevistador: Então me conta.
K: Eu levei uma pedrada na cabeça.
Entrevistador: De quem?
K: Do estilingue, é... do meu primo.
Entrevistador: Por quê?
K: Só porque eu xinguei ele.
Entrevistador: Você quer representar isso aqui?
K: Não né.
G: Eu também levei uma pedra da cabeça, mas daí ela foi tirada no hospital, lá na
minha cidade onde eu morava. O piazão lá dentro da quadra tacou uma pedra deu
bem na minha cabeça.
79
J: Eu tenho uma história ai também. Eu tava ajudando a vizinha a fazer mudança, o
caminhão ia encostar e tinha uma tora na frente, eu fui erguer a tora, só que era
muito pesada e eu não consegui erguer, deu bem encima do meu pé, deu dois
pontos... deu três pontos.
Entrevistador: Vamos representar essa cena?
J: Mas não tem tora aqui.
Entrevistador: Mas nós representamos.
Representou-se a cena explicada acima (J).
80
2ª Sessão com os Adolescentes 27-09-11
Seis adolescentes presentes.
Dois Auxiliares:
Aquecimento: Vídeo Cuida de Mim – Angélica.
Representação do K
K representando uma cena, em que ele cuidou de si. Amigos convidando-o para
sair.
Amigo 1 (Auxiliar 3): Vamos convidar o K para ir no bar com a gente de novo.
Amigo 2 (Auxiliar 4): Ah, vamos. Ele vai aceitar será.
Amigo 1: Então vamos.
(Os três se encontram e se cumprimentam.)
Amigo 1: Então K, o que acha a gente ir lá no bar agora?
K: Ah, não vai dar cara.
Amigo 1: Não, mais é rapidinho.
K: Não vai dar.
Amigo 1: Aonde você vai?
K: Vou para a discoteca.
Amigo 2: Vai fazer o que lá?
K: Vou para um lugar melhor.
Amigo 2: Mas o que que tem lá?
K: Uísque.
Amigo 2: Mas no bar também tem bebida.
K: Não, lá é só três pipas.
Amigo 1: Você prefere ir lá então?
Amigo 2: Aaaaaahhhhhhhhhhhh ...
Amigo 1: Então fica para uma próxima.
K: Então beleza.
(Se despedem e saem).
81
Entrevistador: O que é três pipas?
J: Pinga pura, pinga pura. Álcool, bem dizer puro.
K: Uísque é menos pior, é mais puro.
J: Uísque não tem álcool.
Representação do G:
(Representação de não cuidado de si)
G com dois colegas no pátio da escola. Ele chega com a mochila pronto para ir
embora.
G: E aí... vamos matar a aula hoje?
Amigo 1 (Auxiliar 3): Aonde que a gente vai hoje?
G: Lá no bar tomar uma cerveja.
Amigo 2 (Auxiliar 4): É... tamo lá dentro né.
Amigo 1: E ai vamos agora, ou vamos esperar quando a diretora não tiver olhando?
G: Vamos agora mesmo.
Amigo 1: Então vamos agora.
Amigo 2: Então vamos.
(saem)
Representação do L:
(Representando cena de não cuidado de si)
L com amigos jogando truco em uma praça. Um dos amigos sai para comprar
vodka. L toma uma garrafa sozinho, se despede e sai. O irmão mais velho de L, o
encontra na rua, depois de dois dias fora de casa.
Irmão (Auxiliar 6): E aí, o que você estava fazendo na rua até agora rapaz? Oh, o
teu estado, tá bêbado, vou te levar lá pro hospital, não não não, não consegue nem
caminhar direito, vamos vamos, vamos vou te levar para o hospital agora. Por que
você fez isso rapaz?
L: Eu tava andando por ai né. Encontrei os amigos.
Irmão: Oh, você andando com esses teus amigos ai, não vale a pena.
L: Encontrei uns amigos aí e bebi né.
82
Irmão: Pois é, a mãe tá em casa preocupada com você. E agora, como que vamos
fazer? Agora vou te levar para o hospital tomar um soro para passar esse porre ai.
Entrevistador: Agora vocês lembrem da cena que vocês apresentaram, e o que
vocês pensam dela.
J: É ruim, foi mau a minha. Eu me arrependo de ter fumado.
N: A minha foi boa.
K: A minha foi mais ou menos, porque eu tomei uísque.
I: A minha foi mal, eu briguei.
L: A minha não foi boa porque eu fui na conversa dos amigos, agora eu to
internado aqui e eles estão andando na rua.
83
3ª Sessão com os Adolescentes 11-10-11
Seis adolescentes presentes.
Três Auxiliares
História: O Abacaxi Miúdo – Livro: A Ética do Rei Menino – Autor: Gabriel Chalita
Caso fosse um Diretor como seria a Escola Ideal
Entrevistador: Eu gostaria que vocês imaginassem que são o Diretor de uma
escola, a escola é de vocês. Como seria a escola ideal para vocês. Vocês iriam
dizer tudo que tem na escola.
Representação do H:
H: Na minha escola, o negócio é o seguinte, ninguém precisa estuda. Mentira, eu
gosto de estudar pra caralho. Tem que ter professores muito bons e dinâmicos, que
deixem os alunos dançar. Eu não gosto de dançar, mas eu falo que quero dançar...
Entrevistador: Mas eu quero que vocês sejam sinceros.
H: Mas não rola. Rola pô muita droga.
Entrevistador: Não tem problema.
H: Então, na minha escola os cara podiam fumar maconha, tá ligado?
Entrevistador: Só maconha?
H: Só maconha, nada de crack ou cocaína. Só que os professores teriam que dar
uma colher só para aqueles que tem a cabeça feita, aqueles que estudavam e
tiravam notas altas. O que mais?
Entrevistador: Imagina...
H: Pô, não sei mais o que imagina, na real. Ah, da para tirar uma soneca depois da
aula. Jogar um futebolzinho, brinca, fica com umas muié.
I: Muié não existe é mulher.
H: Eu acho que já tá bom né.
Representação do I:
84
I: A minha escola ia ter dois campos de futebol, para jogar bola né. As brigas
seriam liberadas, a maconha ia ser liberada também.
Entrevistador: O pessoal não ia estudar nessa escola?
I: Ia, três aulas. E o resto do tempo, brigando e fumando maconha.
Entrevistador: Não ia virar muita bagunça?
I: Ia, daí que é bom.
Entrevistador: Mas você é o diretor, você ia dar conta?
I: Eu ia dar conta. Eu ia passear no meio, jogar bola, tá bom né.
Entrevistador: Tá bom.
Representação do L:
L: Na minha escola, vai ter só aluno estudioso, não ia deixar fumar maconha,
brigar.
Entrevistador: Você era um bom aluno né?
L: Eu era, mais ou menos.
Entrevistador: O que mais que ia ter na escola?
L: Ia ter um campo de areia, um ginásio de esporte, um campo de bocha.
H: Eu não devia ter falado de maconha, vocês estão filmando.
Entrevistador: Mas a intenção é essa. Não vai nem o nome de vocês. Eu quero
saber o que você pensam da escola só isso.
L: Só isso.
Entrevistador: Vão estudar, vai ter esportes. Vão fumar um pouquinho?
L: Precisa né.
Entrevistador: Você vai ser o diretor, se você liberar...
L: O Diretor da minha escola fuma.
Entrevistador: Então, você é o diretor, pense o que você quer para a sua escola.
L: Não quero que fume dentro da escola, quero ter esporte lá dentro.
Entrevistador: Você não falou que queria que fumasse?
L: Agora não quero mais.
Entrevistador: Por quê?
L: Mudei de ideia.
Entrevistador: Mas se você fosse estudar lá dentro dessa escola, você ia querer
que liberasse?
85
L: Não, dá pra fazer na rua. Prefiro fazer na rua. Do que dentro de uma escola.
Representação do K:
K: Na minha escola é legal, porque tinha esportes. Minha escola é melhor escola
do mundo. Estudavam, fumar é proibido.
Representação do J:
J: Se eu fosse diretor de uma escola, eu queria que tivesse uma piscina para
nadar. Na minha escola tinha que ter quadra de futebol. Não podia fumar, não
podia beber. Nadar podia, jogar futebol podia.
Entrevistador: Com seriam os professores da tua escola?
J: Seriam bons.
Entrevistador: O que seriam bons para você?
J: Legal, que gostem dos alunos. É isso.
Representação do G:
G: Na minha escola, se eu fosse o diretor, eu ficava de boa.
Entrevistador: E os alunos como seriam?
G: Ah... Educados. Eu queria que eles tratassem com respeito as pessoas... mais
educados, sem brigas, sem violência.
Entrevistador: Não ia rolar uma festinha de vez em quando?
G: É...
Entrevistador: A cada quanto tempo?
(Não respondeu)
L: Se fosse eu, ia ser um dia sim um dia não.
Entrevistador: E com relação ao esporte, ia ter o que?
G: Só isso.
J ergue a mão e pede para se pronunciar.
J: Na minha escola ia ter festa nos domingos, ia ter aula no sábado e domingo.
L: Na minha escola, no sábado as vezes tem bingo, quase todo sábado, acho que
é pra terminar o muro da escola.
Entrevistador: Alguém quer falar mais alguma coisa?
J: Eu quebrei o muro da minha escola. Eu cheguei e meti o pé.
86
L: Na minha escola tinha uma bola de cimento e eu de longe pensei que era uma
bola de futebol e eu fui lá e pan naquela bola e o meu pé quase quebrou
Representação de Momentos Marcantes na Escola:
Representação do H:
(H representando cena em que fica por último para copiar a matéria)
H: Agora todo mundo vai ter que ir embora. Ai me Deus, cadê todo mundo, vou ter
que copiar sozinho essa lição.
Representação do L:
(L representando uma briga com a diretora da escola)
L (fumando quando a diretora chega).
Diretora (Auxiliar 8): Menino, aqui não pode fumar.
(L bate na diretora e quebra o braço dela).
Diretora (Auxiliar 8): Quebrei meu braço.
L explicou que estavam em cinco alunos.
Representação do K:
Professora (Auxiliar 4): Chamada alunos. A, B, F, H. Bom pessoal, agora vou
explicar a matéria para vocês.
(K joga um aviãozinho de papel na professora).
Professora: Quem jogou esse papelzinho aqui?
K: Fui eu.
Professora: Você não sabe que não pode jogar aviãozinho dentro de sala de aula?
E a educação? Aqui é uma sala de aula. Sala de aula tem que ter educação com o
professor.
K: Eu não sabia professora.
Professora: Vai lá na direção por favor.
Representação do J:
(Representou que passou correndo pela zeladora no pátio da escola, e caiu com as
costas no chão).
87
J: Machuquei minhas costas.
Outra Representação do J:
(Dentro da sala de aula)
Professora (Auxiliar 5): Alunos, hoje nós vamos fazer uma prova de biologia. Todos
guardem o caderno.
(J dorme na carteira).
Professora: Pessoal, ele dormiu.
Representação do I:
Professora (Auxiliar 5): Hei aluno, cale a boca.
(Professora joga um apagador no aluno).
(No final os alunos cantaram um Rap).
H pediu para falarmos uma palavra para inventar um Rap.
Entrevistador: Estudo.
H: (Cantando) Eu comecei estudando, representando, eu vou falar tudo que eu
quiser, o Pit Bocks pode melhor para nossa fé. Todo mundo presta atenção, no que
eu vou fazendo (G acompanha fazendo sons com a boca), agora o hit melhorou,
então vamos improvisar todo mundo reunido neste lado, todo mundo esta sentindo
felicidade e alegria, todo mundo tá curtindo a minha rima.
H: Eu vou melhorar eu vou melhorar, vou treinar mais um pouco.
(K cantou um rap famoso).
H: Eu gostei de vocês galera de verdade.
H: (Cantando) Bem feliz eu vou cantar devagarzinho, adorei conhecer vocês, tenho
muito carinho, preste atenção no hit que vai rolar agora, todo mundo aqui tá
aprendendo como se estivesse na escola.
(J cantou a música sertaneja Dormir na Praça, com a ajuda dos colegas).
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TRANSCRIÇÕES DAS SESSÕES COM ADOLESCENTES – SEXO FEMININO
1ª Sessão com as adolescentes 22-09-11
Quatro adolescentes presentes
Três Auxiliares
Auxiliar 2 realizou a Leitura da História: Um garoto chamado Rorbeto – Gabriel, o
pensador, enquanto as adolescentes ouviam sentadas nas cadeiras. Após a leitura,
realizaram-se comentários.
Entrevistador: [...] ele tinha preconceito com ele, ele se achava diferente tinha
vergonha, ele era meio encucado com as coisas. Meu Deus, o que as pessoas vão
pensar, pelo fato de eu ter 6 dedos na mão. Vocês dentro da casa de vocês...
vocês vão me contar um pouquinho de vocês. Vocês são diferentes dos irmãos?
E: Eu sou bem diferente.
B: Eu sou diferente.
C e F: Eu também.
Entrevistador: A personalidade, o jeito de reagir. Tem alguns que tem mais
consciência, outras pessoas são mais explosivas que não pode falar nada que a
pessoa fica brava.
F: Eu era assim antes de vir para cá. Mas depois que eu vim pra cá, eu já estou
bem mais calma.
Entrevistador: Isso que a gente vai conversar agora, em alguns momentos vocês
vão vir representar aqui na frente, na medida que a gente vai se soltando vai
representando, que dai é mais legal de ver como aconteceu a cena.
C: Eu recebi carta da minha irmã, ele (pai) que trouxe. Recebi carta da minha irmã
e tudo, tanto que ela escreveu no final da carta: Todos nos aqui amamos muito
você.
Entrevistador: Tem mais alguma coisa que você queira falar?
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B: Eu não quero falar.
Entrevistador: Você não quer falar nada? Nem onde você mora, só para eu saber?
Onde você mora B?
B: Em Francisco Beltrão... já que eu comecei a falar... Meu nome é B, tenho 15
anos, aconteceu a mesma que coisa que com elas. A minha mãe passa pedra,
entendeu, eu também passava, tipo, eu passei a fumar, trazendo dinheiro pelas
amizades, eu tinha amigas que diziam que se eu não experimentasse elas não iam
mais ser minha amiga. [...] Falei, eu vou experimentar. Eu comecei e dai nunca
mais consegui parar. Daí a minha mãe falava: B fique em casa, fique em casa. E
eu falava, eu não vou. Eu queria bater nela, quebrar copo e daí ela falou assim:
Então vou correr atrás para te internar. Daí eu falei assim: O problema é teu. E dai
todo o dia eu tinha medo de ir lá em casa porque eu pensava que se eu fosse ver a
minha mãe eles já iam me pegar, entendeu. Eu já sou casada, e tenho um rapaz
também que ele e cheio do dinheiro, que ele me dá tudo. Daí, tipo a mulher do
diretor pediu pra mim se eu queria me internar. No começo eu disse que não,
depois eu peguei e vim para cá, è só isso.
Entrevistador: Você tem mais irmãos que moram com tua mãe?
B: Eu tenho (falou o número, mas não dá pra entender) irmãos. Tipo eu sou a mais
velha o resto e tudo menorzinho que eu.
Entrevistador: Faz bastante tempo que você esta casada?
B: Vai fazer três anos. Só que, tipo, para oferecer todo mundo oferece, só que
depois que a gente tem o vicio...
Entrevistador: Você chegou a ter filho B?
B: Não graças a Deus. Eu me cuidava.
Representação da E:
Irmão (Auxiliar 6): Aonde você tava? Demorou tanto tempo.
E: Eu tava em Três Barras, eu tava drogada eu não conseguia voltar pra casa.
Irmão (Auxiliar 6): Mas eu gosto tanto de você, porque você sumiu desse jeito?
E: Eu tava drogada, eu não sabia mais da minha vida.
Irmão (Auxiliar 6): Mas não me deixe mais sozinho assim porque eu sou muito
novo.
E: Tá bom.
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E explicou que ficou uma semana fora de casa e o conselho tutelar a levou para
casa. O meu irmãozinho de dois anos falou: Nossa mana eu tava com saudades de
você, e eu comecei a chorar muito com ele, é isso.
Representação da F:
F: Você não gosta de mim.
Auxiliar 2 (Mãe): Eu gosto de você, mas você não deixa demonstrar e você não vai
fugir. Se você fugir eu vou correr atrás de você, vou te pegar e vou te trazer aqui de
novo.
F: Eu quero ver então.
Auxiliar 2: (Mãe): Então, você vai ver, você tem que vir aqui, você tem que ficar
comigo, você tem que ir na missa, você não respeita Deus, você não me respeita,
eu sou tua mãe.
F: Você não é minha mãe, você não vale nada.
Auxiliar 2: (Mãe): Você vai ficar aqui, aqui. Aqueles não são teus amigos, eu sou.
F: Você não é minha amiga, você não manda em mim, eu faço o que eu quiser, a
vida é minha.
Auxiliar 2: (Mãe): Não filha venha aqui, você não pode ficar desse jeito, a mãe ama
você. (Mae abraça filha.)
F: Não eu não quero ir.
Auxiliar 2: (Mãe): Você não vai [...]
F: Eu vo.
Auxiliar 2: (Mãe): A mãe ama você.
F: Eu vou lá porque eu tenho os meus amigos, e lá eles me entendem e você não
entende.
Auxiliar 2: (Mãe): Eles fingem que entendem você. Eu entendo você de verdade.
F: Você não é minha mãe.
F explica que cada vez que ela tentava sair de casa a mãe não deixava. “Agora eu
vejo que depois de tudo o que eu fiz pra ela, ela ainda tá de braços abertos.”
Representação da C:
Cena do Velório da mãe de C quando ela tinha onze anos de idade.
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C: Mãe, mãe volte, mãe eu te amo, o que aconteceu com você. Mãe eu te amo,
mãe acorda mãe, mãe, acorda mãe...
C explica: “A minha mãe estava falecida no caixão, e eu de joelho ao lado dela
pedindo pra ela voltar, só que ela não respondia não falava nada, dai eu comecei a
chorar, a espernear.”
Representação da B:
B: Amor eu vou sair.
Marido (Auxiliar 6): Não eu não quero que você saia, eu quero que você fique em
casa.
B: Mas eu quero fumar.
Marido (Auxiliar 6): Vamos deixar de fumar só por hoje, vamos ficar em casa.
B: Não, já acabou, eu quero fumar sim.
Marido: Não, não, você vai ficar em casa. Você vai sair para fazer o que?
B: Programa.
Marido: Não, não quero que você saia. Eu quero que você fique em casa.
B: Mas eu quero sair.
Marido: Não, não vai sair.
B: Me larga.
Marido: Eu não vou te soltar. Eu vou ficar te segurando.
B: Eu não quero, eu quero zoar.
Marido: Se você quiser sair, eu vou ser obrigado a te bater, daí você vai ficar em
casa. Pode ser?
B: Pode.
(B explica: “Ele (marido) queria arrumar dinheiro para a gente fumar, mas para mim
era mais fácil de arrumar dinheiro, daí as vezes eu acabava apanhando dele.”)
Entrevistador: Ele chegava a roubar ou não?
B: Roubava.
Entrevistador: Mas ele chegou a ser preso por isso?
B: (confirmou com a cabeça). Tipo, ele também sentia vontade de fumar, sabe, só
que não queria que eu saísse. Ele falava, eu te amo, eu te amo, não sei o que. E
92
eu falava, vou sair sim. E ele: “você tá me envaretando”, você não vai sair, daí eu
falava, vou sair sim.
Entrevistador: Aqui vocês contaram muitas histórias tristes, mas com certeza tem
muita história legal, bacana, da infância de vocês, momentos que vocês passaram
com a família, ou com os amigos ou na escola. E no decorrer dos dias nós vamos
trabalhando isso.
Posteriormente as meninas cantaram uma música sertaneja. “Nós é do tipo
safado”. E uma música gospel. “Acredite, é hora de vencer”. Foi emocionante.
93
2ª Sessão com as adolescentes 29-09-11
Cinco adolescentes presentes
Três Auxiliares
Aquecimento: Vídeo Cuida de Mim – Angélica.
Representação da A:
A: (telefone) Alô.
Mãe do Nenê (Auxiliar 3): (telefone) Tem como você vir aqui, para cuidar da minha
filha?
A: Tem.
Mãe do Nenê: Então venha aqui rapidinho.
A: (se referindo a mãe) Ah, mãe eu preciso ir lá cuidar do filho da vizinha.
Mãe da A (Auxiliar 4): Não A você não vai lá. Eles são drogados. Você esta ficando
maluca. Vai cuidar do filho de uma drogada.
A: Mas ela pediu.
Mãe da A: Você não vai A.
A: Eu vou sim.
Mãe da A: Você não vai, volta aqui.
(A vai até a casa da vizinha.)
Mãe do Nenê: E você cuide direitinho dele que eu já volto tá.
A está cuidando do nenê e ele se afoga.
A: Ai meu Deus, ele tá se afogando, socorro, alguém me ajuda.
Chega a mãe do nenê.
A: Ele tá se afogando.
Mãe do Nenê: O que que aconteceu com ele?
A: Ele vomitou.
Mãe do Nenê: Mas o que que aconteceu com ele, como ele tá?
A: Ele tá passando mal, ele vai morrer.
Mãe do Nenê: Eu vou levar ele lá no hospital.
A: Ai meu Deus, ele vai morrer.
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Representação da C
C esta fumando crack, na rua com os amigos, quando chega a sua irmã.
Irmã (Auxiliar 3): C, o que você esta fazendo? (pega ela pelo braço).
C: Deixe eu fumar.
Irmã: Não, não, vamos para casa. Você tem que sair dessa vida, já te falei quantas
vezes. Vamos já para casa. Venha. (Irmã abraça C). Você anda me assustando
muito, fazendo essas coisas. Tem que sair dessa vida. Vamos já lá para casa.
C: Eu não quero ficar em casa.
Irmã: Vamos fazer assim, sente aqui e me conte porque você esta fazendo essas
coisas.
C: Eu não sei, porque eu gosto, eu tenho os meus amigos.
Irmã: Eles não são seus amigos, eles não estão te levando para um bom caminho.
C: Estão sim, melhor do que você.
Irmã: Não é verdade. Aqui em casa você tem amor, tem os seus irmãos, tem a mim
e porque que você tem que ir atrás desses seus amigos.
C: Porque eu gosto. Eu prefiro eles do que você.
Irmã: Mas eu não entendo o que se passa na sua cabeça. Por que você fica
fumando essas coisas?
C: Porque eu gosto.
Irmã: Eu vou lá em casa agora, depois eu volto e a gente continua essa conversa,
tá?
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ENTREVISTA GRUPAL COM AS ADOLESCENTES
30-10-2011
Cinco adolescentes presentes
Duas auxiliares
Leitura do Poema:
“Embora tenha passado por tudo que passei, não me arrependo dos problemas em
que me meti – porque foram eles que me trouxeram onde desejei chegar. Agora, já
perto da morte, tudo que tenho é esta espada, e a entrego para todo aquele que
desejar seguir sua peregrinação.
Levo comigo as marcas e cicatrizes dos combates – elas são testemunhas do que
vivi e recompensas do que conquistei. São estas marcas e cicatrizes queridas que
vão abrir as portas do Paraíso para mim.
Houve época em que vivi escutando histórias de bravura. Houve época em que vivi
apenas porque precisava viver. Mas agora vivo porque sou um guerreiro, e porque
quero um dia estar na companhia Daquele por quem tanto lutei”.
John Bunyan
Entrevistador: Vocês acham que vocês são guerreiras?
Todas: Sim.
Entrevistador: Por quê?
E: Vai fazer quatro meses que eu to aqui longe da minha mãe e to agüentando.
C: Vai fazer sete meses que eu to aqui, dia 19.
E: Eu vai fazer oito e não recebi nenhuma visita.
B: Todas nós somos guerreiras.
A: Se fizer qualquer coisa leva carinha.
D: Se deixar calcinha no banheiro leva carinha, se fizer isso leva carinha, se fizer
aquilo leva carinha.
E: Se bater nas pessoas, xingar as enfermeiras leva carinha.
D: É ... se chegar a brigar.
Entrevistador: Se fosse para vocês organizarem a Clínica como ela seria?
96
D: Eu não deixaria nada diferente, apenas os 75 dias.
E: Eu também.
D: Confortável e tudo...
Entrevistador: Vocês acham que não tem liberdade aqui dentro.
Todas: Não.
Entrevistador: O que é liberdade para vocês?
E: Ficar com a família da gente.
C: É ficar livre.
B: O dia que eu for embora, eu quero gritar bem alto: to livre...
Entrevistador: É bom estar livre?
E: Eu era feliz lá fora e não sabia como.
Entrevistador: Liberdade vocês tem lá fora?
D: Com certeza. Aqui dentro a gente não pode fazer o que a gente gostava de
fazer na casa da gente.
E: Não come as coisas que a gente quer comer.
B: A comida é sempre a mesma.
E: É vina, vina, vina ... Não agüento mais vina, gente do céu.
Entrevistador: Lá fora vocês se sentiam livres para fazer o que vocês queriam?
Todas afirmam com a cabeça.
Entrevistador: Podiam fazer o que vocês queriam?
D: Podia.
E: Eu podia.
D: Minha mãe deixava, mas tinha que ser escondido do meu padrasto. Ele vai
trabalha e nós fica na rua. Minha mãe disse que ele batia nela.
Entrevistador: E você já viu?
D: Ah, se eu visse, eu matava.
D: A gente dá valor só depois que perde.
Entrevistador: A quem?
D: A mãe, a família.
Entrevistador: Vocês acham que escolher e usar drogas é ser livre?
D: Eu fugia de casa...
B: Por um lado é bom, por outro lado é ruim.
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Entrevistador: É uma liberdade, ou uma liberdade pela metade, ou não é uma
liberdade?
A: É uma liberdade pela metade.
Entrevistador: Vocês querem falar mais alguma coisa sobre isso? Só para eu
entender.
C: Tá um cheiro de alho.
D: Hoje vai ser frango, macarrão com frango.
Entrevistador: Vocês sabem o cardápio da semana inteira?
Todas riem.
B: De noite era só sopa, agora só tem arroz, macarrão e carne.
E: Eu gostava muito de vina, mas agora não posso nem ver.
A: Eu não gosto mais de galinha, nem de sambiquira.
E: Sambiquira cozida no meio da sopa. Se fosse frita ainda, mas cozida...
Entrevistador: Então vamos continuar nosso raciocínio. Tem algum momento da
vida de vocês que vocês se sentiram livres de verdade?
D: Tem.
Entrevistador: Eu vou pedir pra cada uma agora. Quem começa?
D: A A.
Entrevistador: C, quando você se sentiu livre de verdade nessa vida?
C: Quando eu tava lá fora.
Entrevistador: Por quê?
C: Porque eu podia ficar perto da minha família, mas isso eu não ficava, eu ficava
usando droga. Só isso.
Entrevistador: Como você usava a sua liberdade?
C: Eu usava a liberdade usando droga.
Entrevistador: Saía com as amigas?
C: Saía com minha irmã.
Entrevistador: D ...
D: O momento mais marcante que eu tive, foi um dia em que meu padrasto me
deixou com minha irmã e com as minhas amigas em casa, porque ele nunca deixa
as minha amigas ir lá em casa para conversar e fazer liça ode casa, agora ele tá
deixando as minhas amigas ir lá em casa.
Entrevistador: Neste momento você se sentiu livre?
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D: Nesse momento eu me senti livre.
Entrevistador: Teve mais algum, que você se sentiu livre?
D: Que ele me deixou sair pra fora depois do almoço, pra soltar pipa e jogar bulica.
Entrevistador: Faz tempo que você tem padrasto?
D: Faz três anos já.
A: Meu padrasto faz dez anos que eu tenha já, ele me chama de filha. Por isso ele
queria me bater, ele me criou.
Entrevistador: Você gosta dele?
A: Eu gosto.
Entrevistador: Você vê ele como um pai?
A: Eu vejo, ele não bate na minha mãe, ele joga bola, não incomoda ninguém, é
honesto.
Entrevistador: Do que você sente falta?
A: Do meu sobrinho.
Entrevistador: Por quê?
A: Porque ele é tudo para mim.
D: A E não falou ainda.
Entrevistador: É E, quando que você se sentiu feliz e livre para fazer o que você
quisesse?
E: Em nenhum momento.
Entrevistador: Nada? Nem quando você era criança?
E: Não.
Entrevistador: Por quê?
E: Porque minha mãe não deixa. Para eu poder ser livre, eu tinha que fugir dela.
Entrevistador: O que ela te falava?
E: Ela me xingava, ela me batia, daí eu fugia de casa, ia pra outra cidade, daí eu
ficava um mês longe deles, as vezes uma semana fora.
D: A minha mãe me batia quando meu padrasto mandava. Ele manda minha mãe
bater na gente quando bebe, porque ele sabe que a minha mãe não tem o controle
quando bebe. Quando ela bebe e pega pra bater ela machuca e ele quer ver a
gente apanhar, eu não vou com a cara dele.
A: O meu não bate de graça, só bate quando merece. E eu quase nunca apanhava,
uma vez ou outra quando aprontava.
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D: Apanhava de que?
A: De cinta.
Entrevistador: C, o teu pai bate?
C fez não com a cabeça.
Auxiliar 7: Esse bater para vocês, é uma forma de punição, ou seria mais fácil se
eles falassem: filha não sai de casa.
D: Seria melhor do que apanhar.
A: Apanhar não é bom.
Auxiliar 7: Eu sei que não é bom, eu também já apanhei, mas eu merecia.
C: Eu já levei uma cabada de vassoura nas costas e foi de quebra o cabo.
D: Eu levei um cano.
E: Eu já apanhei de cano, apanhei de pau, apanhei com a mão do meu pai na
minha cabeça.
A: O meu padrasto bate na bunda.
Entrevistador: B, e você tem liberdade ai fora?
B: Eu tinha liberdade a vontade.
A: Eu também tinha liberdade a vontade.
B: A minha mãe acreditava em mim.
A: A minha mãe não gostava que eu me misturasse com gente que usava droga.
B: A minha mãe sempre falava, não faça isso, não faça aqui, e eu sempre fazia.
A: Eu comecei a usar drogas depois que o nenezinho morreu.
B: Era pra eu ser obreira sabia? Daí eu sai da igreja pra fumar pedra.
D: Maldita droga é essa pedra, que acabou comigo.
A: Eu nunca fumei pedra.
B: Depois que experimenta daí já era.
D: Depois que beija o cachimbo, se apaixona.
B: Eu pelo menos aprendi, não quero isso nunca mais.
Entrevistador: Você pode ser obreira ainda. Você quer?
B: Eu quero.
Auxiliar 7: O que que é obreira?
B: É uma pessoa que serve a Deus.
Auxiliar 7: De qual igreja?
B: Da Universal.
100
C: Eu era Evangelista da Universal.
A: Eu já fui na igreja Mundial, aquela que passa na televisão.
Entrevistador: A F que gosta de igreja, a mãe dela é evangélica.
C: Mas não parece.
D: Mas a mãe pode ser uma santa, agora, mas a filha...
E: Por que você acha que ela tá de castigo? Porque ela é uma tentação.
C: Faz mais de uma semana que ela tá de castigo.
E: Só deitada.
A: E mais um monte de coisa que ela aprontou.
Entrevistador: Vocês estão indo pra escola?
C: Sim, mas não aqui, lá embaixo.
Entrevistador: Mas são os mesmos professores?
Todas respondem: São.
Entrevistador: O que vocês desejam fazer quando saírem aqui?
C: Eu quero correr e abraçar minha família, é o que eu mais quero.
A: Eu quero ficar pertinho da minha mãe e ir pra igreja.
D: Quando eu sair daqui, eu vou gritar lá no portão, mas eu vou berrar mesmo.
E: Eu quero abraçar minha mãe.
B: Eu também quero abraçar minha mãe, meu irmão e depois pensar em sair.
D: Eu não quero sair de perto da minha mãe tão cedo.
C: Se bem que eu não sei se vou pra casa, porque a Natalie falou que eu vou para
uma comunidade terapêutica.
Entrevistador: C, só pra eu me localizar, você esta aqui desde quando?
C: Desde o dia 19 de abril.
Entrevistador: E você veio de qual cidade mesmo?
C: Rio Negro.
Entrevistador: D, você esta aqui desde quando?
D: Desde o dia 18 de agosto.
Entrevistador: E você veio da onde?
D: De Curitiba, Colombo.
Entrevistador: E.
E: Eu vim em maio, não lembro o dia, mas eu vim em maio.
Entrevistador: E da onde você é?
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E: Catanduvas.
A: Eu vim dia 23, faz três meses, que eu to aqui, é dia 23 de algum mês, faz três
meses que eu to aqui.
D: Mas quando eu cheguei você já tava aqui.
A: Mas eu cheguei no dia 23.
D: Mas não foi de setembro, porque quando eu cheguei você já tava aqui.
Entrevistador: E de onde você é?
A: Eu sou de Curitiba.
Entrevistador: Mas vocês já se conheciam? (se referindo a D)
D: Ela mora perto da minha casa, mas eu não conhecia.
A: É bem pertinho, da pra ir a pé.
Entrevistador: B, e você, quando você chegou?
B: Eu não lembro, só sei que faz três meses.
Entrevistador: E você é de...
B: De Francisco Beltrão.
Entrevistador: E a F, vocês lembram quando que ela veio?
A: Ela é de Paranaguá, e faz quatro meses.
Entrevistador: E quem aqui mora com o padrasto?
(D e A erguem a mão.)
Entrevistador: B, você é casada. Quando você voltar pra casa, vai pra casa do teu
marido?
B: Não, vou pra casa da minha mãe.
D: Ela disse que o marido dela batia nela.
Entrevistador: E ele?
B: Ele fica de lado, por enquanto.
Entrevistador: Depois você vai acertando os ponteiros.
B: Conversar né primeiro.
Entrevistador: E, você mora com o pai e com a mãe?
E faz que sim com a cabeça.
Entrevistador: E a C mora com o pai e com a irmã?
C: Com o irmão. Porque agora o pequenininho tá na casa de passagem.
Entrevistador: O que é isso?
C: Abrigo.
102
Entrevistador: Por quê?
C: Porque meu pai soube que eu não ia voltar pra casa e começou a beber.
Entrevistador: Mas as coisas vão se ajeitando. Então o pequeno tá no abrigo e o
outro irmão tem quantos anos?
C: Dezessete.
Entrevistador: E a tua irmã é casada e tem outra família?
C: Sim. Esses dias eu liguei pra ele [pai] e ele disse: sabe que eu to fazendo
agora? Assando carne e tomando uma cervejinha, bem assim pra mim, como se
fosse a maior coisa do mundo pra ele.
Entrevistador: Quem recebeu visita aqui nesse tempo?
A: Eu, duas visitas e vou receber mais uma agora dia 22.
C: Eu tive uma do meu pai.
A: Eu mandei duas cartas pra minha mãe já.
D: Eu mandei quatro já.
Entrevistador: Que bom que vocês gostam de escrever, porque vocês vão ter uma
tarefinha agora no meio da semana. Então... os projetos quando vocês saírem
daqui é encontrar a família. E depois que encontrar a família?
C: Arrumar um serviço.
E: Estudar.
C: Estudar e fazer uma faculdade.
Entrevistador: O que mais?
E: Eu quero ser professora de Educação Física.
C: Eu quero ser astronauta, juíza.
Entrevistador: Tem que estudar bastante.
D: Eu quero ser advogada.
Auxiliar 7: Tem que ler bastante, tem biblioteca aqui?
C: Tem.
D: Eu não sabia.
E: Tem até academia aqui.
A: Tem piscina.
Auxiliar 7: Por isso que estão todas em forma.
(C mostra a barriga).
(D também mostra a barriga.)
103
Entrevistador: Você engordou né D?
C: Eu emagreci, eu estava com 67 agora to com 64.
E: Eu tava com 63 agora to com 59.
Entrevistador: A cada quanto tempo vocês se pesam?
D: Todo sábado ou domingo.
Entrevistador: Quem faz isso com vocês?
C: A Tia Leila (enfermeira).
Entrevistador: Eu quero que vocês me digam por ordem de prioridade, o que vem
em primeiro, segundo e terceiro lugar. Três sonhos, ou desejos para o futuro.
Vocês podem sonhar a vontade, nem que vocês achem que é impossível. Cada
uma vai me dizer, pode até pensar um pouquinho.
C: Como é mesmo a pergunta?
Entrevistador: Quais são os seus sonhos para o futuro?
E: Ah, eu em primeiro lugar queria fazer uma faculdade, arrumar um serviço pra
poder pagar e depois ser uma professora de educação física.
A: Eu queria ser médica, e dar de tudo pra minha mãe e cuidar da minha prima.
D: Eu queria trabalhar primeiro, faz a faculdade, ser advogada.
C: Eu queria trazer minha mãe de volta, sei que não vai ser possível, quero minha
mãe de volta, fazer uma faculdade, quero ser astronauta, se Deus quiser eu vou
ser astronauta ainda. E eu queria minha mãe junto, para ela ter orgulho de mim.
Entrevistador: Mas ela tá lá no céu te olhando. Mas você conversa com ela, conta
as coisas pra ela?
C: Não.
Entrevistador: Você não quer escrever uma cartinha pra ela, contando as coisas?
Feito que você vai fazer isso, eu vou te dar uma folha bem bonita e você vai
escrever tudo que tá ai dentro, tudo que você não conseguiu dizer.
C concorda.
Auxiliar 7: A minha vó um dia me disse que as pessoas não morrem, elas viram
anjos. Você deve ter passado por muitas coisas na tua vida, por muitos perigos, e
você esta bem hoje porque ela era um anjo cuidando de você. Depois você vai
cuidar do teu irmãozinho que ta no abrigo, como se fosse ela.
C e Auxiliar 7 se abraçam.
A: O que mais eu queria era que o nenenzinho voltasse.
104
Entrevistador: Faz tempo que aconteceu?
A: Foi em março desse ano.
D: Que horror né.
Entrevistador: B, quais são seus três grandes sonhos?
B: não sei.
Auxiliar 7: Primeiro tem que parar de comer vina né.
B: Eu queria sair daqui, ficar perto da minha família.
Entrevistador: Se tivesse um gênio da lâmpada, que falasse que você podia pedir o
que quiser, quais são seus sonhos?
B: Um trabalho, fazer uma faculdade, ser feliz para depois pensar em namoro e
casamento.
Auxiliar 7: O sonho sonhado por uma pessoa só é só um sonho, mas o sonho
sonhado por todos juntos é realidade. Ela por exemplo quer ir para lua, ela pode.
B: Antes o meu sonho, era ser cantora.
Entrevistador: Mas você pode. Na verdade nenhum sonho é impossível, mas é uma
escadinha, é como se o sonho estivesse lá em cima e você tivesse que subir um
degrau por dia.
A: O meu sonho é impossível, trazer o nenenzinho de volta.
Auxiliar 7: Mas ele não tá vivo dentro de você?
A fez que sim com a cabeça e começou a chorar.
Entrevistador: E para vocês realizarem os sonhos, vocês vão precisar de que, de
qual instrumento? Quem vocês envolveriam nos sonhos de vocês?
D: Minha mãe.
E: Meus irmãos.
D: Meus irmãos, minha vó e meu padrasto.
Entrevistador: Concretamente como isso ia acontecer?
D: Eu ia dar dinheiro pra sustentar a casa, para os alimentos.
Entrevistador: E, quem você envolveria nos teus sonhos?
E: Minha família inteira.
Entrevistador: Por quê?
E: Pra eu me manter em pé, pra eu ter a ajuda deles.
Entrevistador: De que forma você iria envolver?
105
E: A minha mãe nunca participou das coisas que eu fazia, eu queria que ela
participasse.
Entrevistador: Me dê um exemplo.
E: Assim, quando eu saio de casa, quando eu vou pra igreja eu tenho que ir
sozinha, porque ela não vai comigo, quando eu saio na casa de algum amigo, ela
não vai comigo. Eu queria que ela fosse.
Entrevistador: Você queria que ela fosse companheira.
D: A minha mãe é bem companheira, ela me leva no colégio, me busca, de medo
de acontecer alguma coisa.
A: A família do nenenzinho quer me matar, então a minha mãe me leva na escola e
vai me buscar.
Entrevistador: E você C?
C: Eu ajudaria a minha família eu tudo que precisasse.
Entrevistador: E você B, quem você envolveria nos teus sonhos?
B: A minha família... Em primeiro lugar Deus, em segundo a Família.
Entrevistador: E o que que a sua família precisa, no que você ajudaria?
B: Ah, em tudo. Eu ia cuidar dos meus irmãos, ajudar nas despesas de casa,
arrumar um serviço. A minha mãe sempre quis ficar pertinho de mim e eu nunca
quis, agora eu quero mostrar pra ela que tudo o que ela me ensinou valeu a pena.
Entrevistador: Quando você deita a noite, o que você pensa?
B: Ah, eu penso que eu to em casa.
A: Eu penso que to em casa, mas ai acordo e to aqui.
B: Eu penso que to em casa, mas daí acordo com um: acorda menina.
E: A Tia Leila da um assobio que acorda todo mundo.
B: Eu acordo e ai penso to aqui mais uma vez.
Entrevistador: E se fosse para vocês voltarem no tempo e fazerem alguma coisa
diferente na vida de vocês, o que vocês fariam?
A: Eu não ia usar drogas.
E: Eu não queria fugir da minha mãe nunca mais.
D: Eu não ia fugir de casa para usar droga, só pra ir pra igreja, tem que fugir
porque meu padrasto não deixa. Esses dias atrás eu encontrei uma amiga
evangélica, daí ela me convidou pra ir pra igreja, daí eu falei que não podia ir daí
106
ela disse foge, ai eu falei, é eu vou fazer isso. Por mais que quando eu chegar em
casa, o meu padrasto vai fazer a minha mãe me bater, mas eu vou pra igreja.
Entrevistador: Mas a tua mãe te bate quando ela bebe?
D: Quando ela bebe ele coloca coisa na cabeça dela e manda ela me bater.
Entrevistador: Tem que convidar ela pra ir na igreja, ela vai?
D: Acho que se eu convidar ela vai, mas ela é católica.
Entrevistador: Vocês tem mais alguma coisa pra dizer, sobre esse tempo que nós
passamos juntas?
A: Você é muito legal.
Entrevistador: Obrigada.
E: Você é muito especial, sabia?
107
ENTREVISTA GRUPAL COM OS ADOLESCENTES
30-10-2011
Quatro adolescentes presentes
Entrevistador: G faz qto tempo q você está aqui
G: Eu não sei.
Entrevistador: Mais ou menos...
G: Mais ou menos 2 meses.
H: Meu nome é H, eu sou de Curitiba também e faz dois meses e meio que eu to
aqui.
I: Meu nome é I, to há seis meses aqui e vim de Guamiranga.
J: Meu nome é J, vim de General Carneiro, e faz três meses que eu to aqui, quase
quatro.
Entrevistador: Hoje a Auxiliar 7 vai ler o trecho de um poema pra vocês e depois
nós vamos conversar um pouco.
J: Vai ser a do Rorbeto?
Entrevistador: Não essa é diferente.
Auxiliar 7: Esse livro é do Rubem Alves, os professores não gostam que a gente
leia, mas se vocês puderem leiam que vocês vão gostar.
H: Leitura de cozinha...
Auxiliar 7: As meninas gostaram...
H: Então leia... rs...
Leitura do Poema:
“Embora tenha passado por tudo que passei, não me arrependo dos problemas em
que me meti – porque foram eles que me trouxeram onde desejei chegar. Agora, já
perto da morte, tudo que tenho é esta espada, e a entrego para todo aquele que
desejar seguir sua peregrinação.
Levo comigo as marcas e cicatrizes dos combates – elas são testemunhas do que
vivi e recompensas do que conquistei. São estas marcas e cicatrizes queridas que
vão abrir as portas do Paraíso para mim.
108
Houve época em que vivi escutando histórias de bravura. Houve época em que vivi
apenas porque precisava viver. Mas agora vivo porque sou um guerreiro, e porque
quero um dia estar na companhia Daquele por quem tanto lutei”.
John Bunyan
Entrevistador: O que que vocês acharam?
H: Eu acho que retrata bastante o que a gente ta passando, né. Você tem que
pagar de alguma maneira. Mudar a maneira de a gente ver.
Entrevistador: Foi válido passar por aqui?
H: Não, isso não. Porque abstinência.... porque não existe ex viado, ex viciado, o
cara que foi viciado, a vida inteira vai ser viciado, o cara que foi viado, a vida inteira
vai ser viado.
J: Veado é aquele bicho que tem no mato.
Risos.
H: Então... essa leitura que ela fez é um pequeno passo, porque a nossa vida
precisa de erros, para o aprendizado mesmo, para a pessoa se superar, e ser uma
pessoa melhor um dia.
Entrevistador: Vocês acham que são livres aqui dentro? Essa pergunta é para cada
um.
I: Não.
Entrevistador: Porque você acha q não é livre aqui dentro?
J: ...
Entrevistador: E lá fora você é livre? Você era livre antes de vir pra cá?
J: Era. Eu dormia na rua.
Entrevistador: Você fazia o que dava vontade.
J: Aham. Em casa eu apanhava.
Entrevistador: Da mãe?
J: Sim.
Entrevistador: Só da mãe?
J: Só.
Entrevistador: Por que que você apanhava?
J: Porque eu bagunçava na escola.
109
Entrevistador: E na escola, você achava que você era livre ou não?
J: Não.
Entrevistador: Por que você acha que não?
J: ?
Entrevistador: Não é legal ir pra escola?
J: Não... é legal... é um negócio muito bom, mas cansa.
Entrevistador: Cansativo? Tinha que ser mais dinâmico mais alegre? Você ficava
meio dia na escola e no outro meio dia você fazia o que?
J: Eu ia brincar...
H: Ia beber?
J: Não, só de tarde, de manhã eu dormia até as dez horas, e ia pra aula.
Entrevistador: E depois da aula?
J: Depois da aula eu ia brincar.
Entrevistador: I, você acha que aqui dentro você é livre?
I: Não.
Entrevistador: Por quê?
I: Porque eu to trancado aqui dentro.
Entrevistador: Não tem como ter uma certa liberdade, vocês não tem nenhum tipo
de liberdade aqui dentro? É tudo muito regradinho?
I: Aham.
Entrevistador: E lá fora, quando você tava lá fora?
I: Lá eu tinha liberdade.
Entrevistador: O que, por exemplo, que você fazia lá fora?
I: Chegava tarde em casa, tipo a noite, dormia no outro dia até meio dia, levantava
e ia pra rua de novo.
Entrevistador: E você acha que quando sair daqui vai ser livre lá fora?
I: Livre.
Entrevistador: Você acha que usar droga é ser livre?
I: Não, usar droga é ser preso.
Entrevistador: Por quê?
I: Porque você fica preso no vicio.
Entrevistador: J, você acha que usar droga é ser livre?
J: Não.
110
Entrevistador: Por que?
J: Porque é muito ruim.
Entrevistador: E não usar então é ser livre?
J: É... não usar é ser livre.
Entrevistador: I, você acha que não usar então é ser livre?
I: Não usar é ser livre.
Entrevistador: H, me fale da liberdade aqui dentro e lá fora...
H: Bom... eu acho que a liberdade tem que ser tirada por causa disso, porque
liberdade, liberdade mesmo, exaustiva lá de fora... quando você tem muita
liberdade
você
foge
das
responsabilidades,
você
deixa
de
lado
as
responsabilidades, então tirando essa liberdade, você consegue fazer com que a
tua vida entre numa regra novamente, entre numa rotina, e vai aprendendo uma
coisa todos os dias, todos os dias é mesma coisa, pra quê? Pra manter uma rotina,
uma regra, com uma regra a nossa vida teria liberdade.
Entrevistador: Você acha que isso dá resultado?
H: Não sei, só saindo lá fora pra descobrir. Eu acredito que não na minha opinião...
Porque eu sinto vontade ainda de usar droga, mas é uma coisa que eu vou fazer o
possível pra não usar.
J: Eu nunca usei droga, eu nunca vou fumar.
Entrevistador: Você tá aqui por causa do cigarro?
J: To.
Entrevistador: H, vamos continuar... quando você estava lá fora, antes de vir pra cá
você tinha liberdade pra fazer muita coisa né?
H: Liberdade total.
Entrevistador: Você acha que isso foi interessante, não foi...
H: Interessante é. É bom você fazer o que você sente vontade, mas isso eu acho
que tirou a minha liberdade, desculpa, não é a liberdade a palavra que eu quero
usar, tirou a minha essência. Eu era um cara família, um cara educado, carinhoso...
Esse ser livre de verdade, viver sem limites, acabou me prejudicando porque eu
deixei de lado meus familiares, o afeto, o carinho mesmo eu tinha perdido, agora
graças a Deus eu to recuperando.
Entrevistador: E você pensa bastante nisso?
H: Com certeza.
111
Entrevistador: Você pensa em fazer o que de diferente na tua volta pra casa?
H: Eu pretendo ser eu de novo, ser eu, quem era eu H antes, o H de sempre, o H
gentil. Não o Guina, nossa o Guina é a pior pessoa que eu já conheci nessa vida.
J: O seu pai?
H: Não, o meu pai é uma boa pessoa.
J: O teu pai não é o Guina.
H: Meu pai é o Guina, mas o Guina eu dizendo era uma pessoa má.
J: O que que é Guina.
H: Guina é abreviação de Aguinaldo. Como o meu pai era Aguinaldo eu sou o
Guina também, é o apelido que me criaram na rua. Só que eu era uma pessoa má,
agressiva, judiava dos outros. E só uma coisa, tipo, não é do meu feitio fazer isso.
Eu acho que a liberdade tira isso um pouco.
Entrevistador: É necessário ter regras?
H: É necessário ter regras na vida. Como a sociedade tem regras, o que seria
numa Anarquia?
Entrevistador: Vamos supor que vocês tivessem um filho dependente químico?
H: Eu ia tratar ele da mesma maneira que meu pai está tratando eu.
Entrevistador: Como?
H: Buscando ajuda.
Entrevistador: E você I, se tivesse um filho dependente químico?
I: Eu ia internar também.
Entrevistador: Por quê?
I: Pra se recuperar também.
J: Eu vou demorar pra ter filho.
Entrevistador: Sim, você é novinho ainda. Mas você já pensou nessa possibilidade?
H: Eu já tenho um filho.
Entrevistador: De quantos anos?
H: Dois anos. To brincando.
Entrevistador: Tinha um menino, o Felipe que tem um filho. Ele poderia ter vindo
pra nossa conversa.
H: Ele ta amarrado.
Entrevistador: Quer falar mais alguma coisa H?
H: Não, por mim é isso.
112
Entrevistador: G, e a liberdade é complicada aqui dentro?
G: É.
Entrevistador: O que que falta, o que você não pode faze aqui que você podia fazer
lá fora?
G: Nossa aí fora dá fazer bastante coisa.
Entrevistador: Por exemplo...
G: Ah eu podia sair com meus amigos, né.
J: Eu tenho saudade do meu cachorrinho.
Entrevistador: Quem ta cuidando dele lá agora?
J: Minha mãe.
Entrevistador: Mais alguém aqui tem animal de estimação?
I: Eu tenho um cachorro.
Auxiliar 7: Como era o nome dele?
I: Tigre.
Auxiliar 7: Ele era pintado?
I: Era.
H: Eu tenho o cachorro do meu pai que mora comigo.
Risos.
J: Conhecem aquela música do cachorrinho Pitoco?
H: Ninguém conhece.
Entrevistador: Cante um pedacinho.
J: Ah, eu não sei.
Entrevistador: G, fora os seus amigos, o que mais você tinha lá fora que não tem
aqui?
G: Eu fazia de tudo lá fora.
H: Fale que você podia comer a hora que você queria.
G: Comer a hora que você queria tomar banho na hora que eu queria...
Entrevistador: Você tem teu pai e tua mãe?
G: Não... só minha mãe.
Entrevistador: E como que a tua mãe era com você, ela era bem liberal? Deixava
você fazer bastante coisa? Ela te falava algumas coisas? Te chamava a atenção?
G: Não... quando eu fazia alguma coisa eu contava pra ela.
Entrevistador: E a reação dela como que era?
113
G: Ela não falava nada.
Entrevistador: Ela é muito explosiva ou bem tranquila?
G: Tranquila.
(Conversa sobre a mãe e irmão)
H: Hoje eu consigo entender o que meu pai quer pra mim. Ele quer um futuro bom,
que eu seja um homem com caráter.
Entrevistador: Ele fala grosso com você?
H: Não... meu pai é uma pessoa gentil. Ele sempre me falava... se você tiver
responsabilidade, você tem liberdade. Só que liberdade demais, acaba perdendo...
deixando a essência de lado.
Entrevistador: Meninos, qual é o momento da vida de vocês que vocês se sentiram
realmente livres? Que vocês pensaram assim... agora eu posso fazer o que eu
quiser.
H: Eu fugi de casa.
Entrevistador: Faz tempo isso?
H: Eu fui internado por causa disso. Meu pai queria me dar um carro e eu não
queria nada, nem ninguém, só queria ser livre. Peguei minhas coisas e...
Entrevistador: Pegou uma mochilinha?
H: Não... peguei tudo o que eu tinha, pus num carro e fui pra rua. Deixei minhas
roupas na casa de um amigo. E saí pra rua, como um mendigo, um mendigo de
estilo, bem arrumado e tudo. E sem dinheiro. E eu conseguia tudo no parque.
Conseguia tomar água de coco, beber caldo de cana, só na boa conversa. Com
isso eu me sentia livre, porque eu consegui tudo o que eu queria apenas com uma
boa conversa. Esse foi o melhor momento que eu me senti livre. Só que acabei
aqui dentro. Assistam o filme: na natureza selvagem. Um filme muito bom... esse
cara é livre. Esse filme retrata bem, muito bem mesmo ó que é liberdade.
Entrevistador: I, quando na sua vida você se sentiu realmente livre?
I: O dia que eu subi numa torre.
Entrevistador: Faz tempo isso?
I: Faz dois anos já. Nós ia na cachoeira, mas tava frio, daí resolvemos ir pra torre.
Chegamos lá encima, escrevi meu nome e o nome da minha namorada. Daí gritei
lá de cima: Sou livre.
Entrevistador: E você J, quando você se sentiu realmente livre na sua vida.
114
J: Ah... sempre... agora que não tenho mais.
Entrevistador: Dá vontade de fazer o que quando vocês estão aqui dentro?
J: Dá vontade de matar todo mundo.
Entrevistador: E você I, quando está aqui, tem vontade de fazer o que?
I: Ir embora.
J: Eu queria muitas vezes que o Dr. Hans morresse.
Entrevistador: E você H?
H: Não sinto vontade de nada. Só quero terminar meu tratamento, pra poder sair
recuperado.
Entrevistador: G...
G: Eu queria ficar perto da minha mãe.
Entrevistador: Quando você se sentiu livre?
G: Quando eu tava com a minha mãe.
Entrevistador: Quando vocês saírem daqui qual é a coisa que vocês desejam mais
que tudo?
J: Primeira coisa que eu quero fazer é chegar em casa, tomar um café e dormir.
H: Eu quero dar um abraço na minha vó.
I: Eu to com saudade da minha mãe.
J: Eu dormia nos pés da minha mãe.
Entrevistador (para H): A tua vó não veio e ver nesse tempo?
H: Veio uma vez só.
Entrevistador: I e você?
I: Quero abraçar a mãe também.
Entrevistador: G, o que você quer fazer quando sair daqui?
G: Ah eu quer ficar junto com a minha mãe de novo.
Entrevistador: Todo mundo aqui ama a mãe, né?
I: Eu amo minha mãe, minha mãe é tudo pra mim.
Entrevistador: Agora eu quero que vocês pensem três sonhos pra vida de vocês
por ordem de prioridade, para o futuro, nem que demore pra realizar.
J: Eu quero ser baterista. Eu já fiz aula de bateria.
Entrevistador: O que mais?
J: Ah.... eu quer ter a minha família. Ter uma família boa. Casar, ter filhos.
H: É isso que eu penso também.
115
Entrevistador: O que é uma família boa pra você?
J: É casar e ter filhos.
Entrevistador: O que mais?
J: Só isso.
Entrevistador: O primeiro sonho é ser baterista e o segundo é ter uma família boa.
E o terceiro?
J: O terceiro eu não tenho.
Entrevistador: Mas pense, se você lembrar algum, você me diz.
J: Ah... eu quer ser rico.
Entrevistador: I e você?
I: Eu quero ser rico. O segundo é ter uma família.
Entrevistador: Que tipo de família?
I: Ah... uma família tipo, que nem eu tenho assim, meu pai , minha mãe, meu irmão.
H: Uma família estruturada.
I: Uma família estruturada eu quero.
Entrevistador: E terceiro sonho?
I: Eu não tenho.
H: Cara, sonho é uma coisa que todo mundo tem. Meu sonho é que hoje sei lá,
venha carne... um bife no almoço, um sonho qualquer, qualquer coisa.
Entrevistador: Mas pense, depois eu retorno.
J: Meu dente caiu aqui dentro.
Entrevistador: Caiu agora?
J: não, aqui dentro.
Entrevistador: Ah.... aqui dentro da clínica.
H: Que susto, achei que tinha caído agora.
Entrevistador: Então amos ouvir os três sonhos do H.
H: Bom, meu primeiro sonho é ter uma família estruturada, tradicional...
J: O que é estruturada?
H: Meu segundo sonho é ter uma casa própria pra mim e pra minha família e poder
dar uma boa educação aos meus filhos. Esses são meus três sonhos.
Entrevistador: Tá... O J perguntou o que é uma família estruturada.
H: Família estruturada é aquela que não tem briga que é pai, mãe, filho, certinho,
sabe aquela tradição? É uma família estruturada.
116
Entrevistador: Muito bem. G, quais são os três sonhos pra tua vida?
G: Ah... eu quero ficar com a minha mãe. Meu sonho é ficar sempre com a minha
mãe.
Entrevistador: É um sonho interessante, porque ela é a tua família.
J: Meu pai nem tanto, nem minha vó, meu pai se morrer morreu... minha mãe até
agora ta me ajudando.
Entrevistador: Mas ela é firme? Ao mesmo tempo em que ela te ajuda ela te chama
atenção?
J: Ela tá me ajudando, ela me botou aqui dentro pra mim melhorar.
Entrevistador: Então G, vamos continuar... primeiro sonho é ficar com a mãe, e o
segundo e o terceiro sonho?
G: O segundo é ter uma família.
Entrevistador: Ter a tua família... a tua esposa, é isso? Como que seria essa
família?
G: Seria a minha mulher, filhos e minha mãe também.
Entrevistador: Tá, a tua mãe junto...
H: A tua mãe ia morar junto com a mulher? Acho que isso não ia dar certo.
J: Com a sogra.
Entrevistador: E o terceiro?
G: O terceiro é trabalhar só.
Auxiliar 7: Você quer trabalhar no que? Ser o que?
G: Não sei.
H: Eu quero ser um Engenheiro Ambiental, se Deus quiser.
Entrevistador: Isso aí.
H: E eu vou fazer meu mestrado em uma clínica.
Entrevistador: Eu também. Muito bem, não precisa ser na clínica só, mas pode ser.
J: Eu queria estar aí fora e to preso aqui dentro.
Entrevistador: Mas é uma fase e vai passar. O H achava que nunca ia embora e
terça-feira já vai?
J: E você não vai mais fazer teatro?
Entrevistador: Não vamos mais.
J: Mas vocês vão voltar?
Entrevistador: Nós vamos voltar pra fazer uma festinha.
117
I: Meu terceiro sonho é ser rico.
H: Eu não quero ser rico. Pra mim dinheiro não faz falta não.
J: Eu sou rico de saúde.
Entrevistador: O bom é ter conforto né. Levar uma vida que não falte comida na
mesa.
H: Ter um bom carro, uma boa casa.
J: Falou em comida, me deu fome.
Entrevistador: Já está quase na hora. Vocês almoçam cedo aqui?
H: 11h15.
Entrevistador: E pra vocês alcançar os três sonhos. Do que vocês precisam? E de
quem vocês precisam pra realizar?
J: Eu preciso da minha mãe, ela pagava aula de bateria pra mim.
Entrevistador: Faz tempo que vocês fez essas aulas?
J: Fiz uns dois meses.
Entrevistador: Mas faz tempo que você fez? Antes de vir pra cá?
J: Não, bem antes.
Entrevistador: Mas você pode voltar. Você gosta né.
J: Gosto.
Entrevistador: Então tem que ocupar a cabeça, eu apoio a idéia.
Auxiliar 7: Agora tem até faculdade de música.
J: Eu quero fazer faculdade.
Entrevistador: Pra você fazer baterista precisa da tua mãe.
J: Preciso da mãe pra ela assinar o papel.
Entrevistador: Mais alguma coisa?
J: Não só isso.
Entrevistador: I, pra realizar os seus três sonhos do que e de quem você precisa?
I: da minha família principalmente.
Entrevistador: E pra ser rico?
I: Trabalhar bastante.
Entrevistador: E isso vai depender de quem?
I: De mim.
H: Eu preciso só de uma coisa: Deus. Se eu tiver Deus do meu lado...
Entrevistador: G, do que você precisa pra realizar os seus três sonhos?
118
G: Eu preciso fazer muito esforço né.
H: Trabalhar bastante.
Entrevistador: Que tipo de esforço.
H: Físico?
G: Eu quero trabalhar bastante e dar duro no trabalho. Ser alguém na vida.
I: Parar de usar droga?
G: É.
Entrevistador: Essa questão da droga que vocês falaram. Como vocês pensam isso
para o futuro?
H: Eu vou fazer o possível pra não usar. O possível e o impossível. Às vezes eu
sinto vontade, mas eu não quero isso pra minha vida. Diga não às drogas. Mas o
filme, se você tiver a oportunidade de ver, veja.
Entrevistador: Tem alguma coisa que vocês queriam falar antes de saírem daqui?
Como foi a passagem por aqui? O antes, o durante e o depois, o que vocês
pensam? Vocês estão felizes?
H: Eu to feliz, porque vocês mudaram a nossa rotina.
J: Eu tenho saudades da minha mãe.
Entrevistador: Todo mundo aqui já recebeu visita?
H: Eu tenho a minha daqui a pouco. A mamãe vai trazer... assado, kiwi
envergadinho.
Auxiliar 7: Olha a mãe mimando aí, comece a ler livros de cozinha, tá?
Entrevistador: Nós trouxemos um presentinho pra vocês, inclusive foi a Auxiliar 7
que fez. Auxiliar 7, pode entregar enquanto eu explico a tarefa que vocês terão que
fazer.
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