O NUTRICIONISTA COMO PROMOTOR DA SAÚDE EM UNIDADES DE ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO: DIFICULDADES E DESAFIOS DO FAZER Karina Zanoti Fonseca1; Gizane Ribeiro de Santana2 [email protected] Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Campus Santo Antônio de Jesus. Bahia , Brasil. 1 Nutricionista, atua na área de docência em alimentação coletiva. Linhas de pesquisa: gestão de alimentos e substâncias bioativas 2 Nutricionista, professora na UFRB. Linha de pesquisa: saúde do trabalhador. Data de recebimento: 07/10/2011 - Data de aprovação: 14/11/2011 RESUMO A discussão a respeito da promoção da saúde e qualidade de vida das populações é constante. Mesmo apto para atuar na promoção da saúde, o que se percebe é que o nutricionista que atua nas Unidades de Alimentação e Nutrição ainda não concretizou, de fato, a ação de promover saúde. Os motivos para a aparente não concretização dos saberes técnicos que seriam fundamentais para a promoção da saúde versam sobre as condições de trabalho, pouca qualificação da mão-de-obra, conflito de interesses entre empresas e o nutricionista e a maior valorização do aspecto administrativo na gestão das unidades. Embora com a específica formação acadêmica e as diretrizes profissionais condizentes com a saúde, predomina o esforço exaustivo em prol da satisfação das necessidades nutricionais e dos usuários de um modo geral, entretanto o ser agente promotor da saúde, ainda é um tema pouco explorado na sua complexidade e no cotidiano do nutricionista que atua na área de refeições coletivas. Partindo-se desse panorama o artigo pretendeu discutir o papel do nutricionista como promotor da saúde em Unidades de Alimentação e Nutrição, abordando temas como as dificuldades e os desafios implicados no fazer, a partir de uma revisão da literatura. PALAVRAS CHAVE: Promoção da saúde, profissão, refeições coletivas. THE NUTRITIONIST AS PROMOTER OF HEALTH IN FOOD AND NUTRITION: ISSUES AND CHALLENGES OF DOING ABSTRACT The discussion of health promotion and quality of life of people is constant. Even able to work in health promotion, what we perceive is that the nutritionist who works in Food and Nutrition Unit has not materialized, in fact, the action to promote health. The reasons for the apparent lack of implementation of technical knowledge that would be key to promoting health are reported by several researchers and turns around working conditions, low supply of skilled labor, conflict of interests between companies and the nutritionist and the largest enhancement of the administrative management of the units. Although with such academic and professional guidelines prevails comprehensive effort on behalf of the dietary and users in general, however being a promoter of health, is still a relatively unexplored subject in its complexity and the daily nutritionist works in the area of collective meals. Starting from this background the paper aims to discuss the role of nutrition as a health promoter in ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 1466 Food and Nutrition, covering topics such as the difficulties and challenges involved in doing, from a literature review. KEYWORDS: Health promotion, occupacion, collective meals. INTRODUÇÃO A problemática da promoção da saúde nas populações tem ascendido em debates científicos e no campo político de atuação, tanto em nível global, como na sociedade brasileira nas últimas décadas. Inicialmente focalizada na tentativa de frear os avanços na incidência das doenças que mais matam no Brasil, tais como as doenças crônicas não transmissíveis, a promoção da saúde tem encontrado um sentido amplo quando, na prática, se une a questão da qualidade de vida. Nesse contexto diversas áreas do conhecimento científico não poupam esforços no intuito de oferecerem contribuição sobre o tema. A ciência da Nutrição encontra-se dentre as áreas cuja atuação do profissional provoca impactos diretos no controle das doenças crônicas não transmissíveis, principalmente quando se trata de atendimento a coletividades. Conforme corroboraram FERREIRA & MAGALHÃES (2007) apenas a transição nutricional justificaria a mobilização da nutrição nas ações de promoção da saúde. No campo da Alimentação Coletiva a promoção da saúde estabelece estreita relação com a segurança alimentar e nutricional, tendo em vista que, com a oferta de uma alimentação adequada e incorporação de hábitos alimentares saudáveis, os riscos para as doenças crônicas não transmissíveis tornam-se menores, impactando positivamente nos dados sobre a saúde pública e na qualidade de vida das pessoas. O Conselho Federal de Nutrição define na resolução n° 380/2005 que a Alimentação Coletiva engloba atividades de alimentação e nutrição realizadas na Unidade de Alimentação e Nutrição (UAN), entendidas como as empresas fornecedoras de refeições e auto-gestão, restaurantes comerciais e similares, alimentação escolar, alimentação do trabalhador, entre outras que compreendam atividades com produção de refeições para coletividade. Na perspectiva da produção de refeições, a promoção da saúde acontece na prática do nutricionista que atua vinculado a UAN. Durante a formação acadêmica do nutricionista parte das disciplinas versa sobre saúde e bem estar de indivíduos e populações. Entretanto, apesar das campanhas públicas de incentivo a prevenção e promoção, o modelo biomédico tradicional prevalece ainda como maior investimento no curso de Nutrição, fazendo com que, alimentos específicos, sejam eleitos para tratar cada tipo de doença e estabeleçam a intrínseca relação com o binômio doença/saúde. É responsabilidade do nutricionista, contribuir para promover, preservar e recuperar a saúde do homem, tendo ainda, como princípio básico, o bem-estar do indivíduo e da coletividade, no empenho da promoção da saúde, em especial quanto à assistência alimentar e nutricional (CFN, 2004). Embora com tal formação acadêmica e diretrizes profissionais predomina o esforço exaustivo em prol da satisfação das necessidades nutricionais e dos usuários de um modo geral, entretanto o ser agente promotor da saúde, ainda é um tema pouco explorado na sua complexidade e no cotidiano do nutricionista. Na literatura são escassos os trabalhos que abordam o papel do nutricionista como agente de saúde em UAN. Poucos estudos extrapolam conceitos que vão além da administração dos serviços de alimentação. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 1467 Os motivos para a aparente não concretização dos saberes técnicos que seriam fundamentais para a promoção da saúde na UAN versam sobre as condições de trabalho, pouca qualificação da mão-de-obra, conflito de interesses entre empresas e o nutricionista e a maior valorização do aspecto administrativo na gestão das unidades (ANSALONI, 1999). Tendo em vista a especificidade do tema e a escassez de trabalhos na área de alimentação coletiva, o presente artigo pretendeu discutir o papel do nutricionista como promotor da saúde em Unidades de Alimentação e Nutrição, abordando temas como as dificuldades e os desafios implicados no fazer, a partir de uma revisão da literatura disponível. O presente estudo é o resultado de uma revisão da produção cientifica na área de Alimentação e Saúde Coletiva, que utilizou como estratégia prioritária de pesquisa a busca nas bases de periódicos Lilacs, Bireme e Scielo, não estabelecendo restrição quanto ao tipo de estudo ou periódicos publicados. Como determinantes da seleção foram eleitos os termos alimentação coletiva, restaurantes, promoção da saúde e unidade de alimentação e nutrição. Em um segundo momento houve a inclusão de informações disponíveis nos arquivos do Conselho Federal de Nutrição. É reconhecido que nesse tipo de pesquisa fatores limitantes como a perda de artigos por indexação pode ocorrer, entretanto, acredita-se que a discussão aqui desenvolvida poderá contribuir para sistematizar conhecimentos relevantes para a prática do nutricionista no campo da alimentação coletiva. A UAN e as atribuições do nutricionista A Unidade de Alimentação e Nutrição está longe de ser entendida somente como local apropriado para que se tenha a manipulação adequada de alimentos. O serviço envolve um complexo sistema operacional com procedimentos que devem ser padronizados, claros e precisos, para que todos os operadores (funcionários ou manipuladores) possam executá-los com presteza. Por mais que suas características desfavoreçam a execução detalhada e segura de cada etapa do processo produtivo, é de suma importância que haja padronização dos complexos sistemas que envolvam a produção de refeições coletivas, uma vez que o volume é grande e que nem sempre os “comensais” que incluem funcionários e responsável técnico da UAN, se encontram em gozo de saúde. O principal objetivo da UAN é fornecer alimentação segura que possa garantir os nutrientes necessários para manter ou recuperar a saúde de todos aqueles que usufruem do seu serviço. O que se percebe, entretanto, é que a grande maioria dos funcionários da UAN é esquecida no momento em que se contemplam ações de atenção nutricional, fato que implica em conceber um perfil de saúde homogêneo desses trabalhadores, quando se trata da realidade brasileira, exaltando-se características como presença de doenças crônicas não transmissíveis, peso inadequado e ingestão deficiente em vitaminas e minerais, mesmo que realizem mais de duas refeições no local e tendo à disposição grande variedade de alimentos fonte dos mesmos. Esses funcionários na maioria das vezes não ingerem água com a frequência necessária ou fazem a substituição por sucos, refrescos ou leite. Além disso, alimentos consumidos entre as refeições, os quais em várias UAN evidenciam o hábito de “beliscar a comida” possuem entre outras ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 1468 características um elevado teor de proteína, lipídeo e carboidratos simples e são consumidos exageradamente. No momento da refeição vê-se no geral a preferência por escolhas inadequadas (doce x fruta; carnes gordurosas x carnes pobres em gordura; alimentos pobres em fibras x alimentos integrais). A matéria prima é outro ponto interessante. Trabalha-se com prazos de validade curtos e com alimentos que possuem características completamente diferentes entre si. Como o cardápio é composto por alimentos de origens distintas de consistência e temperaturas variadas, muitas implicações surgem a partir daí e vão influenciar desde os procedimentos operacionais padronizados até o dimensionamento da estrutura física da unidade, o que interfere diretamente na saúde dos operadores. As preparações quando padronizadas em fichas técnicas de preparação, instrumento muitas vezes negligenciado na prática, apesar de sua importância inquestionável, mostram as matérias primas necessárias e a descrição detalhada da técnica de preparo. Ainda assim, muitas técnicas são de difícil descrição até mesmo por quem conhece bem o procedimento, ou seja, em alguns momentos a complexa produção de refeições coletivas tende a extrapolar o que se pode padronizar e conta com a experiência e vivência dos seus funcionários para o auxílio do nutricionista. Nesse momento o senso comum e o fazer técnico corroboram para a elaboração de um produto trivial e nutricionalmente adequado, e ao mesmo tempo repleto de significados, conforme afirma ANSALONI (1999), que é a refeição. O nutricionista deve procurar manter e/ou recuperar a saúde dos usuários e desenvolver hábitos alimentares saudáveis, amparados pela educação alimentar. Para PROENÇA (2000), além dos aspectos relacionados à refeição, uma UAN objetiva ainda satisfazer o usuário com o serviço oferecido, englobando desde o ambiente físico, incluindo tipo, conveniência e condições de higiene de instalações e equipamentos disponíveis, até o contato pessoal entre funcionários da UAN e os usuários, em todos os momentos. De acordo com VEIROS, (2002) A atuação dos nutricionistas em UAN deve se basear na formação de profissional da área da saúde, fortalecendo a tríade refeição-comensal-saúde, privilegiando a promoção da saúde nas ações de gerenciamento da unidade. Isso abrange também as preocupações com as próprias condições de trabalho e de seus funcionários. Como atribuição primordial do nutricionista na UAN, destaca-se a organização da equipe de trabalho, materiais e recursos financeiros no planejamento e na produção de refeições com adequado padrão de qualidade, tanto nos aspectos sensoriais, nutricionais e microbiológicos. Um misto de sentimentos representa a satisfação do nutricionista de UAN pela capacidade de promover a saúde das pessoas que atende com seu trabalho (ANSALONI, 1999). Dificuldades na promoção da saúde em UAN A produção de refeições envolve fatores como o número de operadores, o tipo de alimento utilizado, as técnicas de preparo e infraestrutura, exigindo equipamentos e utensílios que visam aperfeiçoar as operações, tornando-as mais rápidas e confiáveis do ponto de vista da conformidade do produto final. Porém, ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 1469 embora exista um arsenal tecnológico disponível para o setor, a qualidade das refeições ainda está diretamente relacionada ao desempenho da mão-de-obra. Condições físicas e ambientais inadequadas são apontadas nas UAN, em que problemas como espaço reduzido, ruídos excessivos, temperatura e umidade elevadas são comumente apresentados. COLARES & FREITAS (2007) evidenciam que quase sempre os funcionários das UAN não são vistos como agentes que devem se expressar e participar das mudanças das situações de trabalho visando à qualidade de vida dos mesmos. O trabalho em UAN caracteriza-se ainda por movimentos repetitivos, levantamento de peso excessivo, permanência por períodos prolongados na postura em pé e modificação constante de procedimentos. ANSALONI (1999) considera que as empresas demandam pouca atenção no intuito de diminuir os impactos das atividades desenvolvidas, consideradas naturalmente desgastantes. Apesar da importância de cuidados especiais com a alimentação oferecida aos usuários, observa-se que as maiores preocupações referem-se ao custo da refeição e satisfação do cliente, nem sempre fomentando ações de promoção da saúde. O que se percebe é que nas UAN não se costuma realizar ações preventivas e de promoção da saúde com os usuários, voltadas para a educação alimentar. Alguns nutricionistas relatam que a principal preocupação patronal baseia-se na garantia de uma boa margem de lucro ao invés de objetivar a produção de uma alimentação saudável. O cumprimento de metas acirradas, de um lado a pressão da empresa com o custo da refeição e do outro a pressão do usuário com a quantidade e variedade das preparações é representado como um grande problema (RODRIGUES, PERES & WAISSMANN, 2007). A preocupação e a necessidade de adequar os custos muitas vezes interfere de tal forma na execução dos cardápios que as preparações passam a não corresponder com as necessidades nutricionais dos usuários atendidos, ou seja, o principal objetivo do nutricionista perde-se em meio a UAN. No final, o que se percebe é que as atividades administrativas ocupam quase que na totalidade, o tempo do profissional dedicado a UAN. Outra reflexão importante é que com frequência as empresas concessionárias negociam preços baixos e mão de obra pouco qualificada formalmente para desempenhar as atividades na UAN, contribuindo para o surgimento de circunstâncias limitantes na padronização do preparo das refeições e prejudicando a promoção da saúde, quando no uso empírico de itens como óleo, açúcar e sal. É corriqueiro perceber o descumprimento dos princípios básicos da Nutrição e o uso incorreto de alimentos nos cardápios das empresas, fato refletido nas publicações que demonstram a situação de saúde de funcionários da UAN os quais destacam, por exemplo, doenças carenciais e inadequações de peso (CAMPOS, 2009; MATOS & PROENÇA, 2003), ainda que exista grande variedade de alimentos, além de usuários insatisfeitos com preparações do cardápio. Problemas de simples resolução e que muitas vezes não chegam ao conhecimento do nutricionista. O usuário muitas vezes compara a orientação sobre o cuidado com a alimentação recebida no local de trabalho, com a oferta de alimentos no cardápio percebendo a falta de coerência entre as duas. Ele também atribui a diminuição ou ausência de qualidade da alimentação oferecida e a inexistência de uma política alimentar diferenciada aos excessos praticados pela empresa na contenção de custos (VIANA, 2009). TINOCO & RIBEIRO, (2007) demonstraram que há disponível diversos modelos e formas para determinação da satisfação do usuário e que é possível ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 1470 obter muitas informações importantes, tais como as expectativas prévias, qualidade percebida, valor e imagem do serviço oferecido. Sobre as condições de trabalho na UAN, SOUZA & PROENÇA, (2004) apontaram que o trabalho do nutricionista é caracterizado pela fragmentação das operações, imprevisibilidade da produção, comunicação intensiva com diversos interlocutores, deslocamento excessivo, pressão temporal e intensa exigência mental. Dificuldades de comunicação entre a empresa contratante e a contratada, o nutricionista e o seu supervisor, o nutricionista e os usuários, o nutricionista e seus funcionários fazem com que as relações educacionais, que deveriam ser utilizadas com máxima freqüência, se percam. Observa-se que, na pratica, o diálogo dos nutricionistas com os funcionários da UAN é escasso e envolto pela barreira hierárquica, dificultando a troca de conhecimentos e a educação nutricional, grande aliada na promoção da saúde. Fator relevante na atuação desse profissional são os relatos das dificuldades em contextualizar o seu trabalho como uma pratica condizente com a área da saúde, ou seja, sua postura e esforços necessitam ter amplitude muito mais administrativa e gerencial que na ótica da saúde (RODRIGUES, PERES & WAISSMANN, 2007). Aspectos ligados à insatisfação no trabalho podem ter relação direta com a qualidade das atividades desenvolvidas pelo nutricionista que passa então a executar suas atividades focalizando atribuições consideradas básicas como o ato de oferecer refeição, sem outras expectativas. FERREIRA & MAGALHAES (2007) relataram que existe um sentimento de frustração e impotência por parte dos nutricionistas com a prática profissional desenvolvida no cotidiano. KRAEMER & AGUIAR (2009) ao discutirem sobre a gestão das competências e qualificação profissional no seguimento da alimentação coletiva, refletem: a liderança envolve compromisso, responsabilidade, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento eficiente e eficaz. Sabido que as atitudes e um líder e a influencia do estilo de liderança interferem no clima e nos resultados da equipe de trabalho, discutir as relações interpessoais torna-se proeminente. À medida que o nutricionista adquire certa experiência, ou surge uma nova oportunidade, ele migra para outras áreas de atuação e assim ocorre dificuldade no reconhecimento do seu trabalho na UAN, bem como formação de carreira nesse ambiente. Conquistar maior confiança e “poder de voz” na empresa torna-se menos frequente. Os motivos apresentados pelos pesquisadores referem-se às condições de trabalho, a necessidade constante de articulação com a empresa para conseguir realizar um procedimento adequadamente e o desgaste vivenciado até que o mesmo se concretize evidenciam o descaso da empresa com as operações imprescindíveis para o desempenho das atividades do nutricionista, ou que muitas vezes são obrigados a realizar atividades que vão contra os princípios éticos da profissão (RODRIGUES, PERES & WAISSMANN, 2007). Portanto divergências entre finalidades da empresa e do nutricionista são vislumbradas quando se tratam de questões como lucratividade, ascensão comercial, cumprimento de deveres e atendimento da legislação, estas tendem a obter a maior parte da atenção dedicada. ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 1471 Destaca-se ainda uma tendência à valorização do conhecimento administrativo ao técnico cientifico do nutricionista e um desencontro das expectativas deste quanto à qualificação dos recursos humanos contratados, particularidades que aumentam o sentimento de insatisfação com o exercício da profissão. É válido ressaltar que muitas vezes se discute na empresa a importância da motivação das equipes, contudo há que se concluir que o nutricionista também precisa atuar motivado. Desafios na promoção da saúde em UAN A preocupação com a saúde do operador de UAN começou a surgir no setor de alimentação coletiva a partir de uma maior conscientização da existência da relação das condições de trabalho e saúde com desempenho e produtividade. O estado nutricional dos trabalhadores desse setor vem sendo discutido, como conseqüência da natureza do trabalho acompanhada de uma mudança significativa de hábitos alimentares. Salienta-se que o excesso de peso contribui para tornar a atividade mais desgastante e gera sobrecarga à coluna vertebral. Alguns autores sugerem que ocorre aumento de peso dos operadores ao iniciar as atividades na UAN (MATOS & PROENÇA, 2003), mas que as atividades de educação nutricional podem reverter esse dado (CAMPOS, 2009). Por isso é de suma importância que o nutricionista desempenhe atividades de educação alimentar e nutricional para contribuir na prevenção, melhoria e promoção da saúde em UAN. Contudo os recursos dispensados para oferecer informações sobre a educação alimentar na UAN fazem com que, muitas vezes, os usuários acreditem que as campanhas educativas se refiram às iniciativas de redução de custos e a qualidade, no intuito de aumentar a lucratividade da empresa. Nesse sentido é preciso estreitar ou estabelecer novas estratégias de comunicação com esse grupo, informando de maneira clara e precisa quais são os objetivos das campanhas e eventos. SOLOMONS & ANDERSON (2002) apud CAMPOS et al., (2009) afirmaram que ações educativas devem levar em consideração as normas sociais e culturais aceitas pela população, bem como reconhecer que muitas pessoas não se dispõem a mudar seu estilo de vida, requerendo assim estratégias educacionais que, efetivamente, motivem a mudança de comportamento do grupo populacional submetido à intervenção, levando-se em conta que os hábitos alimentares constituem o resultado das experiências apreendidas ao longo da vida. ALVES & BOOG (2007) apontaram que o estudo do comportamento alimentar nos permite amplificar a dimensão da promoção da saúde, uma vez que o campo de análise é largo e diversificado. FERREIRA & MAGALHÃES, (2007) consideram que romper a fragmentação tecnicista tradicional e promover a integralidade, intersetoriedade, equidade e a participação social podem ser conseguidas. Esforços baseados no aprendizado com a experiência em curso e a escolha de novas ferramentas metodológicas que penetrem na formação e no ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 1472 exercício profissional são aqui consideradas alternativas para a conquista da promoção da saúde. ANSALONI (1999) articulando informações obtidas em entrevistas realizadas com nutricionistas sobre o desenvolvimento de suas atividades em UAN relatou que, em um dos depoimentos, o profissional informou que seu trabalho pode trazer promoção da saúde para o próximo. Percebe-se, portanto, que a função do nutricionista na UAN deve ser de promotor de saúde relacionando-a sempre com uma alimentação saudável, tanto nos aspectos sensoriais como nos nutricionais e microbiológicos, oferecendo aos usuários refeições no sentido da manutenção ou recuperação da saúde, além de informações no intuito de contribuir para conscientizar sobre a existência de relação das condições de trabalho, de alimentação e de saúde com aumento no desempenho e na produtividade. Para o mesmo autor, a observação mais pontual realizada em Minas Gerais é que há maior conteúdo administrativo do que técnico no trabalho dos nutricionistas nas empresas de refeições coletivas, o que dificulta as ações de educação nutricional. Bases para o fazer O cenário brasileiro oferece um ponto crucial de suporte no qual o nutricionista pode amparar seus conhecimentos científicos para garantir que se cumpram as demandas da promoção da saúde: O sistema de vigilâncias fomentado na legislação de saúde do Sistema Único de Saúde, elogiado e reconhecido internacionalmente, traz a obrigatoriedade no cumprimento de ações que promovam a vigilância sanitária, epidemiológica, nutricional e à saúde do trabalhador em quaisquer locais em que se estabeleçam práticas de saúde, tal como uma UAN. Contudo, no cotidiano da produtividade em UAN, as práticas de saúde limitam-se muitas vezes aos aspectos da vigilância sanitária, talvez por ser esta a única que conta com um sistema de fiscalização e punição efetiva aos gestores, que contemplam um labor intenso, carregado de situações problemas específicas que o nutricionista precisa driblar, restando assim, para o profissional da pratica clínica, a exclusividade do cumprimento das ações no restabelecimento da saúde. É necessário deixar claro que ao contextualizar ações de vigilância na implementação da promoção da saúde na UAN, enfatiza-se a característica de entrelaçamento que as mesmas possuem, ou seja, na pratica não se delimitam barreiras para determinar onde se inicia e termina cada campo de atuação. O profissional precisa diminuir os espaços entre o universo “Nutrição” e o universo “Alimentação”, sem tecer qualquer tipo de divisão de conceitos, assumindo sem resistências a sua integralidade (SILVA et al, 2010) relacionando as relações humanas com a “comida”, situado na ordem cultural, na vida social, sem dissociar da ciência da nutrição (PRADO et al., 2011). VASCONCELOS & BATISTA FILHO (2011), reafirmaram a importância do caráter multidisciplinar do relevante e indiscutível papel dos nutricionistas na garantia do direito humano à alimentação saudável, condição necessária à promoção da saúde. A proposta é fazer com que o nutricionista compreenda que a UAN oferece as condições propícias para se pensar e desenvolver a saúde coletiva, pois ao agir nos parâmetros da vigilância sanitária, por exemplo, cumprem-se as metas referentes ao ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 1473 alimento seguro, higiene e controle de qualidade, de uma forma geral, estabelecendo a segurança alimentar em primeira instância. Por outro lado a vigilância epidemiológica em UAN encontra uma de suas efetivas aplicabilidades quando se estabelece o perfil de saúde dos “comensais”, abarcando funcionários e usuários, contando ainda como uma avaliação conjunta a equipe de saúde ocupacional, que poderá construir um histórico de acompanhamento à saúde da população atendida. A vigilância nutricional é muitas vezes compreendida apenas como “estabelecer um cardápio e campanhas educativas”, mas de que adiantam ambas as ações se na pratica, na maioria das UAN brasileiras, não existe um perfil nutricional dos usuários e as recomendações do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) quando utilizadas, muitas vezes, o são de forma equivocada. Em oportunidades percebe-se que embora haja o registro da empresa no PAT não há sequer a adequação do cardápio às recomendações do mesmo, colaborando para o desequilíbrio nutricional da população beneficiada (BANDONI & JAIME, 2008). Em um estudo de revisão sobre o PAT, os autores afirmam que à complexidade desse “novo” mundo do trabalho devem corresponder a novas estratégias de alimentação do trabalhador, em que recomendações gerais, baseadas em cotas energéticas e de nutrientes, têm se mostrado ineficazes (ARAUJO, COSTA – SOUZA & TRAD, 2010). Na teoria, o programa legitima ao nutricionista, responsável técnico, o poder de instituir suas próprias orientações no contexto, entretanto ocorre que ao chegar à UAN o profissional se depara com um cardápio pré-estabelecido contratualmente que aprisiona suas ações. As campanhas educativas, inclusive, parecem contraditórias, recomenda-se consumir alimentos saudáveis e no cardápio são oferecidas inúmeras inadequações. Qualitativamente não há busca por entender a relação alimento, saúde e comensalidade, os aspectos culturais e o hábito são negligenciados na educação nutricional exercida nessa configuração. E por último e não menos debatida, a vigilância à saúde do trabalhador. Esta de fato não vem sendo foco de atenção no cotidiano da UAN, uma vez que se percebem condições desde físicas até psicológicas que tem promovido o adoecimento dos trabalhadores nesse ambiente. Ocorrência de LER/DORT, doenças venosas, lesões provocadas por queimaduras, cefaléia e doenças mentais, estão cada vez mais comum. A base da produção de refeições ainda é artesanal e exploratória, sobretudo preconceituosa com os trabalhadores desse ramo, que não são protegidos legalmente e possuem formação precária. Dar visibilidade e compreender esses trabalhadores é o papel do nutricionista que detém o conhecimento cientifico para explorar essas questões. Garantir condições de trabalho apropriadas é indiscutível, entretanto esbarra no fator econômico que ainda prevalece. Com tudo, SOUZA, (2001) apud VEIROS, (2002) reiterando sobre a prática preventiva, afirma que é importante que as organizações priorizem a integralidade do trabalho do nutricionista e auxilie-o, qualificando a mão de obra e informatizando os sistemas. CONSIDERAÇÕES FINAIS É imprescindível pensar a promoção da saúde em todos os âmbitos, inclusive nas UAN. Nesse local, o volume sempre intenso de produção afeta tanto os ENCICLOPÉDIA BIOSFERA, Centro Científico Conhecer - Goiânia, vol.7, N.13; 2011 Pág. 1474 funcionários quanto os usuários. Relembra-se que pela primeira definição, que o nutricionista é um profissional da área da saúde e a UAN é o local apropriado para se fazê-la, haja vista uma grande variedade de alimentos e oportunidade de atingir várias pessoas em um só tempo. Rever a concepção sobre saúde, alimentos e comensalidade é importante para que os nutricionistas que atuem nas UAN estejam sempre atentos e motivados para lidar com os anseios dos seus funcionários, usuários e empresa, aproximandoos dos seus objetivos enquanto profissional da área de saúde. Os instrumentos legais estão disponíveis para que se faça efetivamente a promoção da saúde na UAN, porém, é preciso que o nutricionista desperte para utilizá-los a favor dessa pratica. REFERÊNCIAS ALVES, HJ, BOOG, MCF. 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