DENÚNCIA PROCESSO TCM Nº 65221-14 DENUNCIANTE: Sr. Gilvan Andrade da Silva DENUNCIADO: Sr. Marlos André Carvalho Brito, Prefeito Municipal de Pindobaçu ASSUNTO: Suposta irregularidade. Licitação. Modalidade Pregão Presencial. Contratação. Propriedade da empresa. Cônjuge vereador. Impossibilidade. EXERCÍCIOS: 2013 RELATOR: Conselheiro José Alfredo Rocha Dias DELIBERAÇÃO Trata-se de denúncia formulada pelo Sr. Gilvan Andrade da Silva, na qualidade de servidor público municipal, contra o Sr. Marlos André Carvalho Brito, Prefeito Municipal de Pindobaçu, sob a alegação de irregularidade no procedimento licitatório, modalidade Pregão Presencial n.020/2013, tendo por objeto a contratação da empresa Edilene Viana da Silva de Pindobaçu-ME, para “prestação de serviços com hospedagem e refeições destinadas aos prestadores de serviços e funcionários do município...”, empresa esta que seria de propriedade da Sra. Edilene Viana da Silva, esposa do Sr. Gilvan Gomes da Silva, vereador da Casa Legislativa. Afirma o denunciante na peça vestibular que: “A contratação da empresa pertencente a cônjuge de agente político, como sói ocorrer na espécie noticiada, deslustra os princípios da impessoalidade e da moralidade, insculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal.” (fl.02) Não fosse a irregularidade acima apontada, diz ainda o denunciante que a empresa contratada teria incluído diversas pessoas que, supostamente, teriam usufruído da hospedagem e alimentação, inclusive, pessoa já falecida. (fl.06) A delação foi instruída com os seguintes documentos: 1) Nota de empenho n.907/13; 2) Certidão de óbito; 3) Declarações de pessoas inseridas na lista e não utilizaram os serviços da empresa contratada; 4) Lista com detalhes da despesa contratada; 5) Ata de abertura do pregão presencial n.020/2013; 6) Homologação do Pregão Presencial n.020/2013; 7) Certidões negativas da empresa contratada; 8) Processo licitatório – Pregão Presencial n.020/2013. (fls.06/240) A delação foi encaminhada à Assessoria Jurídica para seu opinativo preliminar, tendo esta sugerido fosse a acusação processada como denúncia na forma da legislação pertinente. (fls.243/244) O processo foi distribuído por sorteio a esta Relatoria em 26/3/2014, conforme se verifica às fls.245 e, de imediato, determinada a notificação do Denunciado. (fls.246 a 249) Oportuna defesa foi autuada, tempestivamente, e anexada às fls.252/264 – processo TCM nº 04898-14, com os documentos de fls. 265 a 270, refutando todas as imprecações contidas na peça de acusação, arguindo, em resumo, que: “...o vínculo de parentesco, por si só, não pode servir de supedâneo para justificar o impedimento de participação de determinada pessoa em um certame licitatório, visto que: a) não há previsão expressa contida em lei quanto ao impedimento de participação de pessoa física ou de pessoa jurídica da qual esteja integrante sócio que possua relação com membro da entidade promotora da licitação; b) não se pode presumir, sem qualquer ato ou fato objetivamente provado, a existência de vício no certame resultante de hipotética influência decorrente da relação de parentesco.” (fl.258) A defesa encontra-se instruída com a documentação seguinte: 1) Consulta n.862.735 do TCE-MG acerca da “Contratação de parentes próximos a agentes públicos, por meio de procedimento licitatório, e observância dos princípios constitucionais”; 2) Decisão em Processo Administrativo n.001/2014. Ao final, pede a exclusão da sua responsabilidade. Deliberou a Relatoria, após exame do conteúdo processual, por auscultar a douta Assessoria Jurídica deste Tribunal. (fls.271) que, em decorrência, colacionou às fls.272/278 pronunciamento no sentido do conhecimento da denúncia e, no mérito, pela sua procedência parcial, ora acolhido, inclusive como substrato do seu voto, com as observações constantes abaixo: Devidamente instruído e analisados todos os elementos contidos no in folio, cumpre destacar: O processo em tela não demanda maiores discussões. O cerne da questão é justamente a possibilidade ou não de contratação de empresa de propriedade de cônjuge de agente político, no caso vereador. Registre-se, de logo, que não prospera o argumento do denunciado de que a norma constante do art. 9º, da Lei de Licitações não contém expressamente a vedação referente a contratação de empresa de propriedade de cônjuge de agente político. Isso porque, deve o gestor obedecer rigorosamente todos os princípios constitucionais, especialmente os da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, conforme dispõe o art. 37, caput da Carta Magna. Nessa linha de intelecção, é o magistério do jurista José dos Santos Carvalho Filho, que, citando Marçal Justen Filho, afirma que: “O direito condena condutas dissociadas dos valores jurídicos e morais. Por isso, mesmo quando não há disciplina legal, é vedado ao administrador conduzir-se de modo ofensivo à ética e à moral. A 2 moralidade está associada à legalidade: se uma conduta é imoral, deve ser invalidada.” (Manual de direito administrativo. 24. ed., rev., ampl. e atual. até 31/12/2010. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 225) Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a matéria, entendeu no sentindo de impedir a existência de parentesco entre os participantes do certame e membros da entidade responsável, inclusive, de parentes da autoridade homologatória, como no julgamento do Recurso Extraordinário nº 423.560, de Minas Gerais, datado de 29/05/2012, Segunda Turma: “DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO E CONTRATAÇÃO PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL. LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE BRUMADINHO-MG. VEDAÇÃO DE CONTRATAÇÃO COM O MUNICÍPIO DE PARENTES DO PREFEITO, VICE-PREFEITO, VEREADORES E OCUPANTES DE CARGOS EM COMISSÃO. CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DOS MUNICÍPIOS. RECURSO EXTRAORDINÁRIO PROVIDO.”. Por oportuno, registre-se trecho do voto do Relator da Corte Suprema, no referido Recurso: “A proibição de contratação com o Município dos parentes, afins ou consanguíneos, do prefeito, do vice-prefeito, dos vereadores e dos ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, bem como dos servidores e empregados públicos municipais, até seis meses após o fim do exercício das respectivas funções, é norma que evidentemente homenageia os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, prevenindo eventuais lesões ao interesse público e ao patrimônio do Município, sem restringir a competição entre os licitantes. Acrescento, ainda, que norma dessa natureza traz ínsita a garantia de possibilidade de efetiva, real e isonômica competição, pois impede favorecimentos e benefícios em razão do grau de parentesco com os agentes públicos” (STF, RE 423.560/MG) No caso especifico dos Vereadores, aplica-se-lhes, registre-se, a regra contida no art. 54, incisos I, alínea “a” e II, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988. Com efeito, diz o art. 29, inciso IX, da CF/1988: Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e aos seguintes preceitos: (...); IX – proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso Nacional e na Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembleia Legislativa; 3 Assim, aplicando-se a vedação à vereança trazida a membros do Congresso Nacional, tem-se como aplicável a regra contida no art.54 da Constituição Federal de 1988, segundo a qual: Art. 54. Os Deputados e Senadores não poderão: I – desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes;(...). II – desde a posse: a) ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada; A referida norma foi reproduzida pela Constituição Estadual, nos moldes do art.85, verbis: “Art. 85 - O deputado não poderá: I - desde a expedição do diploma: a) firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, entidades da administração indireta ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes; b) aceitar ou exercer cargo, função ou emprego remunerado, inclusive o de que seja demissível “ad nutum”, nas entidades constantes da alínea anterior; II - desde a posse: a) ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada” Por outro lado, quanto à lista de pessoas que teriam usufruído da hospedagem e da alimentação, inclusive com nome de pessoa já falecida, acolhe-se inteiramente o pronunciamento da douta Assessoria Jurídica, que engloba todos os eventuais beneficiários, segundo a qual: “...é imperioso o registro de algumas inconformidades detectadas no processo licitatório, que foi considerado irregular pela Inspetoria responsável, conforme dados constantes no RM – relatório mensal gerado 4 pelo SIGA, que implicam na robustez do certame de licitação na modalidade presencial nº 020/2013. O justificante indica em sua missiva que “(...) TENDO O SERVIÇO SIDO INTEGRALMENTE CUMPRIDO, NOS MOLDES DO CONTRATO ADMINISTRATIVO, VISANDO O INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO”, não demonstra no pregão presencial nº 020/2013, todavia, esse interesse. Não compõe o processo administrativo desse pregão a demanda que originou a contratação, bem como a autorização do gestor e a designação da dotação orçamentária que lastreia a contratação. Ou seja, não restou demonstrado o INTERESSE PÚBLICO nessa contratação. Além disso, não foi acostada ao processo a autorização legislativa para o fornecimento de hospedagem e alimentação de servidores e prestadores de serviços do Município de Pindobaçu. Ou seja, não foi respeitado a princípio constitucional da legalidade tendo em vista que para fornecer tais benefícios é imprescindível o estabelecimento das regras que disciplinaram a concessão. O que inclusive, poderia evitar a ocorrência dos mencionados fatos irregulares.” (fls.277/278, grifos do Relator) Não fosse tudo isso, conquanto tenha o Parecer Prévio n.08805-14, do mesmo exercício financeiro da contratação em tela, opinado pela aprovação das contas do gestor, ora denunciado, com ressalvas, o fato não exonera a Corte da obrigação de apurar fatos específicos que lhe sejam submetidos por denunciantes, o que, nem de longe, indica o bis in idem, somente caracterizado quando tenha sido o mesmo fato expressamente sido objeto de apreciação. No Parecer citado foram apontadas graves irregularidades, que a seguir são transcritas: “c) fragmentação de despesas visando burlar a obrigatoriedade da realização de licitação, em contrariedade ao estabelecido no inciso XXI, do art. 37, da Constituição Federal; d) não encaminhamento de processos de dispensa e/ou inexigibilidade de licitação (R$134.419,00) a este TCM/BA, em inobservância ao estabelecido na alínea “c”, do inciso 1º, do § 2º, do art. 4º, da Resolução TCM nº 1.060/05.” Desta sorte, vistos, detidamente analisados e relatados, tomando em consideração: I) Que cuida a presente delação de apontadas irregularidades relativamente à contratação, mediante procedimento licitatório, de empresa de propriedade de cônjuge de agente político; II) Que houve absoluto respeito aos direitos consagrados no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal; III) Que foram constatadas, de fato, as irregularidades constantes dos autos, destacadas no Relatório que antecede o voto; IV) O contido no Parecer Prévio emitido acerca das contas do exercício correspondente, bem assim o pronunciamento emitido pela douta Assessoria Jurídica deste Tribunal, que aprecia e opina sobre todos os fatos denunciados; V) Tudo o mais que consta dos autos. 5 Desta sorte, vistos, detidamente analisados e relatados, com fulcro no inciso XX do artigo 1º da Lei Complementar Estadual nº 006/91, combinado com as disposições da Resolução pertinente, votamos pelo conhecimento e procedência da peça acusatória contida no processo TCM nº 65221-14 para, em decorrência, adotar as seguintes providências: a) aplicar ao Denunciado, o Sr. Marlos André Carvalho Brito, Prefeito Municipal de Pindobaçu, com respaldo no art. 71, inciso II, da aludida Complementar, multa no valor de R$3.500,00 (três mil e quinhentos reais), a ser recolhida ao erário municipal, com recursos pessoais do Gestor, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do trânsito em julgado desta decisão, na forma da Resolução que disciplina tais recolhimentos, advertindo-o que a reincidência no cometimento de irregularidades, essencialmente com a gravidade da aqui versada, pode ensejar a determinação de ressarcimento ao erário, além de vir a comprometer negativamente o mérito das contas anuais; c) Determinar a sustação do contrato, se ainda não efetivada, encaminhando-se cópia do decisório para juntada às contas dos exercícios financeiros de 2014 e 2015 da Comuna em apreço; d) Ciência aos interessados e à CCE, esta para acompanhamento do aqui decidido. SALA DAS SESSÕES DO TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS DO ESTADO DA BAHIA, em 28 de abril de 2015. Conselheiro Francisco Netto – Presidente Conselheiro José Alfredo Rocha Dias - Relator Este documento foi assinado digitalmente conforme orienta a resolução TCM nº01300-11. Para verificar a autenticidade deste, vá na página do TCM em www.tcm.ba.gov.br e acesse o formato digital assinado eletronicamente . 6