OS DIREITOS À EDUCAÇÃO E O STF
Ana Paula de Barcellos1
Professora Adjunta de Direito
Constitucional da UERJ. Mestre e
Doutora em Direito Público pela
UERJ
I. Introdução e plano de trabalho; II. A Constituição de 1988 e os direitos à educação;
III. Direitos à educação e a jurisprudência do STF; III.1.O reconhecimento genérico da
fundamentalidade da educação; III.2. Educação infantil; III.3. Ensino fundamental
regular; III.4. Ensino médio; III.5. Direito dos educandos da educação básica a
programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde; III.6. Direito dos portadores de deficiência de terem acesso a
atendimento educacional especializado; III.7. Acesso ao ensino superior facultado a
todos em função do mérito; IV. Direitos à educação: vazios da jurisprudência do STF.
Algumas considerações; IV.1. O que os números dizem?; IV.2. Prioridades; V.
Conclusão
I. INTRODUÇÃO: PLANO DE TRABALHO
Parece correto afirmar que existe um amplo consenso na
sociedade brasileira – teórico ao menos – no sentido da importância central da educação
para a dignidade e o desenvolvimento pessoal de cada indivíduo, para o
desenvolvimento econômico e social do país e, igualmente, para a consolidação do
regime democrático. Como se sabe, a Constituição de 1988 foi bastante analítica ao
tratar do tema, posicionando a educação como serviço a ser prestado de forma
prioritária pelo Estado2 e dispondo acerca dele sob diferentes perspectivas, como se verá
adiante.
O objetivo deste pequeno estudo é identificar que controvérsias
relacionadas com um assunto tão fundamental como o da educação têm sido submetidas
ao Supremo Tribunal Federal – bem como que outras controvérsias, a despeito de sua
relevância, até o momento não lhe foram submetidas – e de que forma a Corte tem
1
Colaborou de forma decisiva para a pesquisa e revisão deste artigo o acadêmico Felipe Terra,
a quem agradeço de forma especial.
2 Sem prejuízo de os particulares também poderem desenvolver essa mesma atividade (art.
209, CF/88).
1
compreendido e decidido tais questões. Algumas informações apuradas ao longo do
exame já podem ser adiantadas.
Em primeiro lugar, é certo que o STF já proferiu importantes
decisões determinando ao Poder Público providências concretas no que diz respeito ao
oferecimento de ensino fundamental regular e de ensino infantil (creche e pré-escola). O
debate acerca de outros direitos à educação, porém, ainda não chegou ao STF. É o caso,
e.g., do ensino médio, do ensino fundamental e médio noturno para adultos e do ensino
para portadores de necessidades especiais. Igualmente, o tema da qualidade do serviço
educacional prestado pelo Poder Público jamais foi examinado pela Corte. Por fim,
muitas decisões que mencionam o tema da educação decidem, na realidade, disputas
entre os entes federativos, não chegando a examinar o assunto sob a perspectiva do
direito atribuído ao cidadão pelo texto constitucional. Que conclusões podem ser
extraídas de tais circunstâncias? O tema será retomado adiante. Antes do exame
propriamente das decisões do STF, porém, é preciso fazer uma breve nota sobre as
opções constitucionais acerca do tema da educação.
II. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E OS DIREITOS À EDUCAÇÃO
A referência genérica a um direito à educação não é, a rigor,
precisa e dificulta um maior aprofundamento do tema. Embora faça referência geral ao
direito à educação – em seu artigo 6º, por exemplo3 –, a Constituição de 1988 o
desdobra em vários direitos mais específicos. A esses direitos correspondem serviços a
serem prestados pelo Poder Público cujos regimes jurídicos não são idênticos. Em
tentativa de sistematização, e já tendo em conta as alterações introduzidas pela Emenda
Constituição nº 59/2009, é possível identificar oito direitos à educação diversos, que
seguem identificados na sequência.
A Constituição prevê (i) o direito das crianças de até 5 anos de
idade de terem acesso ao ensino infantil em creche e pré-escola (art. 208, IV4). A
Emenda Constituição nº 59/2009 introduziu a figura da educação básica (art. 208, I e
3
CF/88: “Art. 6º. São direitos sociais a educação (...)”.
4
CF/88: “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
(...) IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade”.
2
VII5)6 obrigatória, que abrange o ensino ministrado dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete)
anos e, portanto, inclui a pré-escola (crianças de 4 a 6 anos)7, o ensino fundamental
(com duração de 9 anos e início aos 6 anos de idade)8 e o médio (com duração mínima
de 3 anos)9. O regime jurídico do ensino fundamental e do ensino médio, porém, ainda
não foi inteiramente equiparado, a despeito do avanço introduzido pela emenda. Com
efeito, (ii) o ensino fundamental regular era a continua a ser de oferecimento
obrigatório, havendo também previsão expressa do (iii) direito daqueles que não tiveram
acesso a ele na idade própria, e não possam acompanhar aulas diurnas (em geral
adultos), de ter acesso ao ensino fundamental noturno, adequado a suas necessidades
(art. 208, I e VI10).
Quanto ao ensino médio, a EC nº 59/2009 manteve o dispositivo
5
CF/88: “Art. 208.: O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I
- educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
própria; (...) VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio
de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência
à saúde”.
6
Essa já era a categoria utilizada pela Lei nº 9.394/96 (LDB): “Art. 21. A educação escolar
compõe-se de: I - educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio; II - educação superior”,
7
Lei nº 9.394/96 (LDB): “Art. 30. A educação infantil será oferecida em: I - creches, ou
entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II - pré-escolas, para as
crianças de quatro a seis anos de idade”.
8
Lei nº 9.394/96 (LDB): “Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove)
anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a
formação básica do cidadão, mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender,
tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a
compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos
valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de
aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de
atitudes e valores; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade
humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.”
9
Lei nº 9.394/96 (LDB): “Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração
mínima de três anos, terá como finalidades: I - a consolidação e o aprofundamento dos
conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de
ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III - o aprimoramento do educando como pessoa
humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do
pensamento crítico; IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina”.
10
CF/88: “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I
- educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
própria; (...) VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando”.
3
que trata de sua progressiva universalização (art. 208, II11), mas o incluiu no conceito de
educação básica (art. 208, I) e, mais importante, dispôs que até 2016 a universalização
em questão deverá estar concluída (EC nº 59/2009, art. 6º 12). É possível, portanto,
identificar dois direitos aqui, que demandam serviços diversos: (iv) o direito à
progressiva universalização do ensino médio para os educandos “na idade própria”, isto
é: adolescentes (art. 208, I, II e EC nº 59/2009, art. 6º) e (v) o direito à progressiva
universalização do ensino médio para aqueles que não tiveram acesso a ele na idade
própria – adultos – e que não podem acompanhar aulas diurnas, a ser oferecido de forma
adequada a suas necessidades (art. 208, I, II, VI e EC nº 59/2009, art. 6º).
A Constituição assegura ainda: (vi) o direito dos educandos da
educação básica como um todo – ou seja: pré-escola, ensino fundamental e médio – de
serem atendidos por programas suplementares de material didático-escolar, transporte,
alimentação e assistência à saúde (art. 208, VII13); (vii) o direito dos portadores de
deficiência de terem acesso a atendimento educacional especializado (art. 208, III); e
(viii) o direito de qualquer indivíduo, de acordo com sua capacidade, de ter acesso a
níveis mais elevados de ensino (art. 208, V)
Do ponto de vista do regime jurídico aplicável a cada um dos
direitos identificados acima, algumas distinções merecem registro. As normas que
consagram o direito à creche e pré-escola para as crianças de até 5 anos e o direito de
acesso ao ensino fundamental (regular ou noturno) descrevem direitos subjetivos
determinados. Veja-se que a Constituição repetidamente se referia ao direito ao ensino
fundamental gratuito como obrigatório e como direito público subjetivo, a ser oferecido
a todos, inclusive àqueles que não tiveram acesso a ele na idade própria. Ao substituir a
expressão ensino fundamental por educação básica – conceito mais abrangente –, que
passa a ser descrita como obrigatória, a EC nº 59/2009 fez incidir as previsões
constitucionais, que já se aplicavam ao ensino fundamental, também sobre o ensino
médio e sobre a pré-escola, a saber: a que descreve o acesso a tais serviços como direito
11
CF/88: “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
(...) II – progressiva universalização do ensino médio gratuito”.
12
EC nº 59/2009: “Art. 6º. O disposto no inciso I do art. 208 da Constituição Federal deverá ser
implementado progressivamente, até 2016, nos termos do Plano Nacional de Educação, com
apoio técnico e financeiro da União”.
13
CF/88: “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
(...) VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de
programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à
saúde”.
4
público subjetivo e a que prevê a responsabilização da autoridade competente que não
os ofereça de forma regular (art. 208, § 1º a 3º14).
Ainda uma observação sobre o ensino médio, a ser oferecido em
horário regular, diurno, e também em horário noturno. Embora tenha passado a
identificá-lo como obrigatório, parte integrante da educação básica, a Constituição
continua a conter o dispositivo que trata de sua progressiva universalização, agora com
um prazo final: 2016. Já era possível sustentar, antes da EC nº 59/2009, que o enunciado
descrevia uma meta – a universalização do oferecimento do ensino médio de forma
gratuita –, e que o efeito por ela pretendido era o de que, ao longo do tempo, algum
avanço, um avanço razoável, deveria ser observado na direção dessa meta. Se já era
possível controlar a existência ou não desse avanço razoável antes da emenda, mais
ainda agora. Por meio de relações estatísticas será possível avaliar de forma muito mais
precisa quantas vagas de ensino médio regular e noturno precisam ser abertas para que
se atinja, em 2016, a universalização de que a Constituição trata (desde sua
promulgação em 1988, lembre-se), bem como que medidas concretas devem ser
implementadas a cada ano para que essa meta seja alcançada no prazo.
A Constituição se preocupa ainda em garantir condições reais de
aprendizado para os alunos da educação básica – já agora não apenas do ensino
fundamental –, daí a previsão de programas suplementares de material didático,
transporte, alimentação e assistência à saúde, no âmbito da própria escola. A referência
a “programas” transfere ao Legislativo e, sobretudo, ao Executivo, certo espaço de
discricionaridade para definir o formato particular dos programas a serem adotados,
uma vez que se garanta, naturalmente, o resultado pretendido pela Constituição. Isto é:
que os alunos tenham acesso ao material didático próprio, tenham condições de chegar
fisicamente à escola com regularidade (transporte), estejam razoavelmente alimentados
e contém com assistência à saúde. O objetivo de tais programas, não custa lembrar, é
garantir condições para um aprendizado adequado por parte dos alunos. Não há espaço
de discricionariedade administrativa para decidir não adotar tais programas, em face de
eventuais outras prioridades, por relevantes que elas possam ser. A decisão no sentido
de que tais programas devem ser implementados já foi tomada pelo poder constituinte,
14
CF/88: “Art. 208. (...) § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público
subjetivo; § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta
irregular, importa responsabilidade da autoridade competente; § 3º - Compete ao Poder Público
recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais
ou responsáveis, pela freqüência à escola”.
5
cabendo
nesse
particular
aos
poderes
constituídos
apenas
executá-la.
A
discricionariedade que resta envolve apenas a estrutura específica de cada programa.
O comentário que se acaba de fazer acerca do regime jurídico
aplicável ao direito de atendimento por programas suplementares de material didático,
transporte, alimentação e assistência à saúde, dirigidos aos alunos da educação básica,
aplica-se também ao direito dos portadores de deficiência de terem acesso a
atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino.
Isto é: o Poder Público tem o dever de oferecer atendimento educacional especializado,
cabendo-lhe apenas decidir o conteúdo específico desse atendimento em cada caso,
tendo em conta os fins gerais da educação (pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho - art. 205) e a
especificação desses mesmos fins em relação às pessoas portadoras de deficiências:
pleno desenvolvimento, integração comunitária e treinamento para o trabalho (art. 203,
IV, e art. 227, § 1º, II15).
Por fim, a Constituição prevê que o acesso aos níveis mais
elevados de ensino está franqueado a qualquer indivíduo, de acordo com sua
capacidade. Nada obstante sua importância fundamental para o desenvolvimento
científico do país, sob a perspectiva do direito à educação e do dever do Estado de
prestar os serviços necessários ao atendimento dos vários direitos referidos acima, o
acesso aos níveis mais elevados de ensino goza de prioridade inferior, sobretudo se
comparado ao acesso à educação básica obrigatória. Tanto assim que o art. 212, § 3°
prevê que a distribuição de recursos públicos deve assegurar prioridade ao atendimento
das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de
15
CF/88: “Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: (...) IV - a
habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária” e “Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à
liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. § 1º - O Estado
promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a
participação de entidades não governamentais e obedecendo os seguintes preceitos: (...) II criação de programas de prevenção e atendimento especializado para os portadores de
deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente portador
de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do
acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos
arquitetônicos”.
6
padrão de qualidade e equidade16.
Ainda a fim de delinear o regime jurídico dos diferentes direitos à
educação, parece relevante fazer um registro acerca das competências atribuídas aos
diferentes entes da Federação brasileira na matéria. O ponto é especialmente importante
já que, como se verá na sequência, uma série de controvérsias federativas envolvendo o
tema da educação já foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal. Do ponto de vista
legislativo, compete à União legislar privativamente sobre diretrizes e bases da
educação nacional (art. 22, XXIV17) e à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
de forma concorrente sobre educação, cultura e ensino (art. 24, IX18), cabendo ainda aos
Municípios, como se sabe, competência para suplementar a legislação federal e estadual
no que couber (art. 30, II19).
No que diz respeito à prestação concreta do serviço, no entanto, é
competência comum de todos os entes – União, Estados, Distrito Federal e Municípios
– proporcionar os meios de acesso à educação (art. 23, V20). O art. 30, VI21, atribui aos
Municípios a competência de manter programas de educação infantil e de ensino
fundamental, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado. O art. 211,
§§ 2° e 3°, no mesmo sentido, define que os Municípios devem atuar prioritariamente
no ensino fundamental e na educação infantil22 e os Estados no ensino fundamental e
16
CF/88: “Art. 212, § 3º: A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao
atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização,
garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação”. E,
caso ainda seja necessário priorizar investimentos no âmbito da educação básica, a prioridade
será do atendimento a crianças e adolescentes, nos termos do art. 227 da Constituição (É
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão).
17
CF/88: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXIV - diretrizes e bases
da educação nacional”.
18
CF/88: “Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar
concorrentemente sobre: (...) IX - educação, cultura, ensino e desporto”.
19
CF/88: “Art. 30. Compete aos Municípios: (...) II - suplementar a legislação federal e a
estadual no que couber”.
20
CF/88: “Art. 23.: É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios: (...) V - proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência”.
21
CF/88: “Art. 30. Compete aos Municípios: (...) VI - manter, com a cooperação técnica e
financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental”.
22
CF/88: “Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em
regime de colaboração seus sistemas de ensino. (...) § 2º Os Municípios atuarão
prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil”.
7
médio23. À União, por seu turno, cabe organizar o sistema federal de ensino e exercer
função redistributiva e supletiva, assistindo a Estados e Municípios de modo a equalizar
as oportunidades educacionais e garantir um padrão mínimo de qualidade do ensino (art.
211, § 1°)24. A Constituição prevê ainda – o que seria, a rigor, evidente – que, ao
organizarem seus sistemas de ensino, os entes devem definir formas de colaboração, de
modo a promover a universalização do ensino obrigatório (art. 211, § 4º)25.
III. DIREITOS À EDUCAÇÃO E A JURISPRUDÊNCIA DO STF
Feito esse breve resumo acerca dos direitos à educação garantidos
pelo texto constitucional e da distribuição de competências na matéria entre os entes
federativos, cabe agora examinar quais dos dispositivos constitucionais referidos já
foram apreciados pelo Supremo Tribunal Federal e em que termos.
III.1. O reconhecimento genérico da fundamentalidade da educação
Há farta evidência demonstrando o papel desempenhado pela
educação – aqui identificada de forma genérica, abarcando de forma ampla os vários
direitos identificados acima – no desenvolvimento da pessoa26, no seu preparo para o
23
CF/88: “Art. 211, § 3º: Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino
fundamental e médio”.
24
CF/88: “Art. 211, § 1º: A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios,
financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional,
função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades
educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e
financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios”.
25
CF/88: “Art. 211, § 4 º: Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a
universalização do ensino obrigatório”.
26
A educação, note-se, não se resume apenas à transmissão dos conhecimentos próprios de
cada disciplina. Marcos Augusto Maliska, O direito à educação e a Constituição, 2001, citando
lição de Jean Piaget registrou, p. 157: “(...) o indivíduo não poderia adquirir suas estruturas
mentais mais essenciais sem uma contribuição exterior, a exigir um certo meio social de
formação, e que em todos os níveis (desde os mais elementares até os mais altos) o fator
social ou educativo constitui uma condição do desenvolvimento”. E complementa: “[a educação
deve garantir a todos] o pleno desenvolvimento de suas funções mentais e a aquisição dos
conhecimentos, bem como dos valores morais que correspondam ao exercício dessas funções,
até a adaptação à vida social atual”. A Lei nº 9.394/96 (LDB) dispõe nesse mesmo sentido: “Art.
2º. A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais
de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu
8
exercício da cidadania e em sua qualificação para o trabalho 27. A decisão consciente a
respeito do voto em cada eleição, a informação acerca dos direitos mais elementares –
e.g., direitos do consumidor, e até mesmo o direito de ação –, o acesso ao mercado
produtivo, tudo isso depende hoje, em larga medida, da educação formal28.
Antes, portanto, de tratar de qualquer dispositivo constitucional
em particular, vale a nota de que o Supremo Tribunal Federal não se furta, ao contrário,
a reconhecer a fundamentalidade29 do direito à educação de forma geral, ao menos do
ponto de vista teórico. Confira-se, dentre outros, o registro abaixo constante de decisão
que será examinada em tópico específico:
“1. A educação é um direito fundamental e indisponível dos
indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o
seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo
artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da
Administração importa afronta à Constituição”30.
Vale o registro de que a decisão transcrita não se limita a fazer
uma enunciação teórica da fundamentalidade do direito à educação, determinando ao
Poder Público providências concretas para a promoção do direito, como se verá adiante
ao tratar-se do direito à educação fundamental regular.
III.2. Ensino infantil
De todos os direitos à educação referidos acima, o direito ao
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Veja-se ainda sobre
o tema, Maria Garcia, A nova lei de diretrizes e bases da educação nacional, CDCCP – RT nº
23, p. 59 e ss.
27
Maria Cristina dos Santos Cruanhes, Cidadania: educação e exclusão social, 2000.
28
Konrad Hesse, Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, 1998,
p. 133: “Em tudo, democracia é, segundo seu princípio fundamental, um assunto de cidadãos
emancipados, informados, não de uma massa ignorante, apática, dirigida apenas por emoções
e desejos irracionais que, por governantes bem-intencionados ou mal-intencionados, sobre a
questão do seu próprio destino, é deixada na obscuridade”; José Afonso da Silva, Poder
constituinte e poder popular, 2000, p. 143; e Marcos Augusto Maliska, O direito à educação e a
Constituição, 2001, p. 161.
29
Sobre a ideia de fundamentalidade dos direitos, v. Ricardo Lobo Torres (Org.), Legitimação
dos direitos humanos, 2007.
30
STF, DJ 07.ago.2009, RE-AgR 594018/RJ, Rel. Min. Eros Grau.
9
ensino infantil em creche e pré-escola é aquele que tem sido alvo de maior número de
decisões do STF. Em várias ocasiões a Corte tem reconhecido, a partir do próprio texto
constitucional, um direito subjetivo ao ensino infantil e determinado ao Poder Público –
em geral ao ente municipal – a prestação do serviço correspondente. A decisão abaixo
foi proferida pela Corte no âmbito de agravo interposto pelo Município de Santo André
contra decisão monocrática que conheceu e deu provimento a recurso extraordinário do
Ministério Público do Estado de São Paulo. O Parquet havia ajuizado ação civil pública
em face do Município exigindo a abertura de vagas no ensino infantil. O Tribunal de
Justiça estadual julgou improcedente o pedido formulado, daí o recurso extraordinário.
Em seu agravo, o Município alegava, em suma, a competência concorrente dos entes
federativos na matéria e a ingerência indevida do Judiciário nas atividades próprias do
Executivo, com as repercussões orçamentárias e financeiras correspondentes.
A decisão do STF refutou os argumentos do Município e,
portanto, acolheu a pretensão do Ministério Público no sentido de obrigar a autoridade
municipal a prestar o serviço até então omitido. Quanto à competência concorrente, a
Corte destacou que, nos termos constitucionais, a prestação da educação infantil foi
atribuída prioritariamente os Municípios. E, quanto à invasão do espaço do Poder
Executivo e as conseqüências orçamentárias e financeiras dessa “invasão”, o Ministro
Celso de Mello, relator, embora tenha observado o caráter excepcional da atuação do
Judiciário no particular, destacou que a Constituição garante o direito em questão
impondo, automaticamente, deveres aos Poderes Públicos e limitando-lhes, assim, a
discricionariedade31. Confira-se:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ SEIS
ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO
PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV)
- COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL
À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE
IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO
MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A
educação infantil representa prerrogativa constitucional
indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para
efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do
processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso
31
Esse último tema já havia sido discutido de forma específica pelo Ministro Celso de Mello no
corpo da decisão por meio da qual determinou o arquivamento da ADPF 45.
10
à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em
conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação
social de que se reveste a educação infantil, a obrigação
constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de
maneira concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de
idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em
creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se
inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente,
por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de
prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição
Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como direito
fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de
concretização, a avaliações meramente discricionárias da
Administração Pública, nem se subordina a razões de puro
pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão,
prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil
(CF, art. 211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato
constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado
pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que
representa fator de limitação da discricionariedade políticoadministrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do
atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não
podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo
de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia
desse direito básico de índole social. - Embora resida,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a
prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se
possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que
em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas
públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas
implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão
- por importar em descumprimento dos encargos políticojurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostrase apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos
sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A
questão pertinente à ‘reserva do possível’. Doutrina”32.
III.3. Ensino fundamental regular
O ensino fundamental regular é aquele oferecido em horário
32
STF, DJ 03.fev.2006, RE-AgR 410.15/SP, Rel. Min. Celso de Mello e DJ 03.fev.2006, REAgR 436.996/SP, Rel. Min. Celso de Mello. No mesmo sentido: STF, DJ 03.fev.2006, RE-AgR
463.210/SP, Rel. Min. Carlos Velloso; DJ 29.mai.2009, RE-AgR 595595/SP, Rel. Min. Eros
Grau.
11
diurno e dirigido a crianças e adolescentes, hoje parte da educação básica33. Há apenas
um acórdão tratando do tema de forma específica, que segue transcrito abaixo. A
questão submetida ao Supremo Tribunal Federal na ocasião também teve origem em
ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, agora do Estado do Rio de Janeiro.
O Parquet, tendo em conta a falta de corpo docente em escolas estaduais localizadas em
determinado município, e a existência de cerca de 10 mil professores aprovados em
concurso público estadual, pedia que o Estado fosse condenado a preencher o quadro de
professores. A sentença julgou procedente o pedido condenando o réu ao preenchimento
do quadro de professores sob pena de multa diária. O Tribunal de Justiça, por seu turno,
reformou a sentença, sob o argumento principal de que a matéria era afeta ao Executivo
e não ao Judiciário.
Interposto recurso extraordinário
pelo
Ministério Público
estadual, o Ministro Eros Grau deu-lhe provimento monocraticamente. O Estado do Rio
de Janeiro interpôs agravo regimental sustentando que os precedentes da Corte, que
autorizariam a decisão monocrática não seriam adequados ao caso. O agravo regimental
foi rejeitado por unanimidade pela 2ª Turma do STF decidindo-se que o entendimento
consolidado do STF era/é realmente no sentido de que a educação é um direito
fundamental e de que o Poder Judiciário pode determinar aos órgãos estatais omissos,
ainda que em bases excepcionais, sejam implementadas políticas públicas definidas pela
própria Constituição. Confira-se os termos da decisão:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CARÊNCIA DE PROFESSORES.
UNIDADES DE ENSINO PÚBLICO. OMISSÃO DA
ADMINISTRAÇÃO. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL
INDISPONÍVEL. DEVER DO ESTADO. ARTS. 205, 208, IV E
211, PARÁGRAFO 2º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A
educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos.
É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício.
Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da
Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa
afronta à Constituição. 2. O Supremo fixou entendimento no
sentido de que ‘[a] educação infantil, por qualificar-se como
direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu
33
CF/88: “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I
- educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade,
assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade
própria”. Nos termos da LDB, o ensino fundamental tem início aos 6 anos de idade e duração
de 9 anos.
12
processo de concretização, a avaliações meramente
discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a
razões de puro pragmatismo governamental[...]. Embora resida,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a
prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se
possível, no entanto, ao Poder Judiciário determinar, ainda que
em bases excepcionais, especialmente nas hipóteses de políticas
públicas definidas pela própria Constituição, sejam essas
implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão
- por importar em descumprimento dos encargos políticosjurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório - mostrase apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos
sociais impregnados de estatura constitucional’. Precedentes.
Agravo regimental a que se nega provimento”34.
Algumas observações parecem relevantes. A maior parte dos
precedentes discutidos pelo acórdão tratava de forma específica da educação infantil,
como se viu acima (ainda que fizessem considerações sobre o direito à educação de
forma geral), e impunha obrigações a Municípios, tendo em conta sua competência
prioritária para a prestação da educação infantil. As razões dos precedentes citados
eram, de fato, aplicáveis no particular, mas o presente acórdão produz um avanço
prático da maior importância. Isso porque, os fatos subjacentes envolviam escolas
estaduais que oferecem ensino fundamental, não necessariamente infantil. É possível
concluir, portanto, que a Corte equiparou, no que diz respeito à eficácia jurídica, o
ensino fundamental ao ensino infantil e os deveres dos Estados-membros de oferecerem
o ensino fundamental aos deveres dos Municípios de oferecerem educação infantil. O
ensino médio não foi expressamente mencionado pela decisão embora, no caso
concreto, possa ter recebido alguma repercussão da decisão do STF, já que é freqüente
que escolas estaduais também o ofereçam.
Em outra decisão da Corte o tema do direito à educação
fundamental foi indiretamente discutido no contexto de um conflito federativo. A Lei
federal nº 11.738/200835 previu um piso salarial inicial nacional dos professores
34
STF, DJ 07.ago.2009, RE-AgR 594018/RJ, Rel. Min. Eros Grau.
35
Lei nº 11.738/2008: “Art. 1º. Esta Lei regulamenta o piso salarial profissional nacional para
os profissionais do magistério público da educação básica a que se refere a alínea “e” do inciso
III do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Art. 2º. O piso
salarial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica
será de R$ 950,00 (novecentos e cinqüenta reais) mensais, para a formação em nível médio,
na modalidade Normal, prevista no art. 62 da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. § 1º O piso salarial profissional
nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não
13
públicos de ensino fundamental, associou ao valor por ela previsto uma jornada de no
máximo 40 horas semanais e previu que no máximo 2/3 da carga horária poderia ser
destinada a atividades de interação com os educandos36.
Foi ajuizada ação direta de inconstitucionalidade contra a lei
referida que resultou, após interessantes discussões entre os Ministros da Corte, na
suspensão cautelar e na fixação de interpretação conforme de alguns dispositivos. Os
argumentos que conduziram a essa conclusão foram, de forma simplificada, a violação
do pacto federativo – na medida em que a União teria invadido o espaço de
autoorganização dos demais entes bem como usurpado a competência dos Chefes dos
Executivos locais para dispor sobre o regime jurídico dos servidores. As possíveis
repercussões financeiras e orçamentárias que a lei teria sobre Estados e Municípios
também foram consideradas relevantes na hipótese. Confira-se a ementa, ainda que
longa:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA
CAUTELAR (ART. 10 E § 1º DA LEI 9.868/1999).
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PISO SALARIAL
NACIONAL DOS PROFESSORES PÚBLICOS DE ENSINO
FUNDAMENTAL. LEI FEDERAL 11.738/2008. DISCUSSÃO
ACERCA DO ALCANCE DA EXPRESSÃO "PISO" (ART. 2º,
caput e §1º). LIMITAÇÃO AO VALOR PAGO COMO
VENCIMENTO BÁSICO INICIAL DA CARREIRA OU
EXTENSÃO AO VENCIMENTO GLOBAL. FIXAÇÃO DA CARGA
poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica,
para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais. § 2º Por profissionais do
magistério público da educação básica entendem-se aqueles que desempenham as atividades
de docência ou as de suporte pedagógico à docência, isto é, direção ou administração,
planejamento, inspeção, supervisão, orientação e coordenação educacionais, exercidas no
âmbito das unidades escolares de educação básica, em suas diversas etapas e modalidades,
com a formação mínima determinada pela legislação federal de diretrizes e bases da educação
nacional. § 3º Os vencimentos iniciais referentes às demais jornadas de trabalho serão, no
mínimo, proporcionais ao valor mencionado no caput deste artigo. § 4º Na composição da
jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois terços) da carga horária para o
desempenho das atividades de interação com os educandos. § 5º As disposições relativas ao
piso salarial de que trata esta Lei serão aplicadas a todas as aposentadorias e pensões dos
profissionais do magistério público da educação básica alcançadas pelo art. 7º da Emenda
Constitucional no 41, de 19 de dezembro de 2003, e pela Emenda Constitucional no 47, de 5
de julho de 2005”.
36
Do ponto de vista constitucional, os dispositivos específicos mais relevantes seriam os
seguintes: “Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (...) V valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de
carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes
públicas; (...) VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar
pública, nos termos de lei federal”.
14
HORÁRIA DE TRABALHO. ALEGADA VIOLAÇÃO DA
RESERVA DE LEI DE INICIATIVA DO CHEFE DO
EXECUTIVO PARA DISPOR SOBRE O REGIME JURÍDICO DO
SERVIDOR PÚBLICO (ART. 61, § 1º, II, C DA
CONSTITUIÇÃO).
CONTRARIEDADE
AO
PACTO
FEDERATIVO (ART. 60, § 4º E I, DA CONSTITUIÇÃO).
INOBSERVÂNCIA DA REGRA DA PROPORCIONALIDADE. 1.
Ação Direta de Inconstitucionalidade, com pedido de medida
cautelar, ajuizada contra o art. 2º, caput e § 1º da Lei
11.738/2008, que estabelecem que o piso salarial nacional para
os profissionais de magistério público da educação básica se
refere à jornada de, no máximo, quarenta horas semanais, e
corresponde à quantia abaixo da qual os entes federados não
poderão fixar o vencimento inicial das carreiras do magistério
público da educação básica. 2. Alegada violação da reserva de lei
de iniciativa do Chefe do Executivo local para dispor sobre o
regime jurídico do servidor público, que se estende a todos os
entes federados e aos municípios em razão da regra de simetria
(aplicação obrigatória do art. 61, § 1º, II, c da Constituição).
Suposta contrariedade ao pacto federativo, na medida em que a
organização dos sistemas de ensino pertinentes a cada ente
federado deve seguir regime de colaboração, sem imposições
postas pela União aos entes federados que não se revelem simples
diretrizes (arts. 60, § 4º, I e 211, § 4º da Constituição.
Inobservância da regra de proporcionalidade, pois a fixação da
carga horária implicaria aumento imprevisto e exagerado de
gastos públicos. Ausência de plausibilidade da argumentação
quanto à expressão "para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta
horas)", prevista no art. 2º, § 1º. A expressão "de quarenta horas
semanais" tem por função compor o cálculo do valor devido a
título de piso, juntamente com o parâmetro monetário de R$
950,00. A ausência de parâmetro de carga horária para
condicionar a obrigatoriedade da adoção do valor do piso
poderia levar a distorções regionais e potencializar o conflito
judicial, na medida em que permitiria a escolha de cargas
horárias desproporcionais ou inexeqüíveis. Medida cautelar
deferida, por maioria, para, até o julgamento final da ação, dar
interpretação conforme ao art. 2º da Lei 11.738/2008, no sentido
de que a referência ao piso salarial é a remuneração e não, tãosomente, o vencimento básico inicial da carreira. Ressalva
pessoal do ministro-relator acerca do periculum in mora, em
razão da existência de mecanismo de calibração, que postergava
a vinculação do piso ao vencimento inicial (art. 2º, § 2º).
Proposta não acolhida pela maioria do Colegiado.
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. FIXAÇÃO DA CARGA
HORÁRIA DE TRABALHO. COMPOSIÇÃO. LIMITAÇÃO DE
DOIS TERÇOS DA CARGA HORÁRIA À INTERAÇÃO COM
EDUCANDOS (ART. 2º, § 4º DA LEI 11.738/2008). ALEGADA
VIOLAÇÃO DO PACTO FEDERATIVO. INVASÃO DO CAMPO
ATRIBUÍDO AOS ENTES FEDERADOS E AOS MUNICÍPIOS
15
PARA ESTABELECER A CARGA HORÁRIA DOS ALUNOS E
DOS DOCENTES. SUPOSTA CONTRARIEDADE ÀS REGRAS
ORÇAMENTÁRIAS (ART. 169 DA CONSTITUIÇÃO). AUMENTO
DESPROPORCIONAL E IMPREVISÍVEL DOS GASTOS
PÚBLICOS COM FOLHA DE SALÁRIOS. IMPOSSIBILIDADE
DE
ACOMODAÇÃO
DAS
DESPESAS
NO
CICLO
ORÇAMENTÁRIO CORRENTE. 3. Plausibilidade da alegada
violação das regras orçamentárias e da proporcionalidade, na
medida em que a redução do tempo de interação dos professores
com os alunos, de forma planificada, implicaria a necessidade de
contratação de novos docentes, de modo a aumentar as despesas
de pessoal. Plausibilidade, ainda, da pretensa invasão da
competência do ente federado para estabelecer o regime didático
local, observadas as diretrizes educacionais estabelecidas pela
União. Ressalva pessoal do ministro-relator, no sentido de que o
próprio texto legal já conteria mecanismo de calibração, que
obrigaria a adoção da nova composição da carga horária
somente ao final da aplicação escalonada do piso salarial.
Proposta não acolhida pela maioria do Colegiado. Medida
cautelar deferida, por maioria, para suspender a aplicabilidade
do art. 2º, § 4º da Lei 11.738/2008. CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. PISO SALARIAL. DATA DE INÍCIO DA
APLICAÇÃO. APARENTE CONTRARIEDADE ENTRE O
DISPOSTO NA CLÁUSULA DE VIGÊNCIA EXISTENTE NO
CAPUT DO ART. 3º DA LEI 11.738/2008 E O VETO APOSTO
AO ART. 3º, I DO MESMO TEXTO LEGAL. 4. Em razão do veto
parcial aposto ao art. 3º, I da Lei 11.738/2008, que previa a
aplicação escalonada do piso salarial já em 1º de janeiro de
2008, à razão de um terço, aliado à manutenção da norma de
vigência geral inscrita no art. 8º (vigência na data de publicação,
isto é, 17.07.2008), a expressão "o valor de que trata o art. 2º
desta Lei passará a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2008",
mantida, poderia ser interpretada de forma a obrigar o cálculo do
valor do piso com base já em 2008, para ser pago somente a
partir de 2009. Para manter a unicidade de sentido do texto legal
e do veto, interpreta-se o art. 3º para estabelecer que o cálculo
das obrigações relativas ao piso salarial se dará a partir de 1º de
janeiro de 2009. Medida cautelar em ação direta de in
constitucionalidade concedida em parte”37.
É interessante observar que, paralelamente à discussão federativa,
que acabou por assumir relevância central para a decisão proferida, alguns Ministros
fizeram questão de destacar a importância do conteúdo da lei para a valorização do
professor e a importância do professor para que se possa obter uma educação pública de
37
STF, DJ 30.mar.2009, ADIn-MC 4167/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa.
16
qualidade. Confiram-se, respectivamente, os registros dos Ministros Menezes Direito e
Carmen Lúcia sobre o ponto:
“Concluo, Senhor Presidente, não sem antes fazer um registro especial,
porque entendo que a edição desta lei é uma conquista extremamente
relevante para o Estado brasileiro. É a primeira vez em que se põe numa
lei um dispositivo o qual assegura a qualificação do professor pelo
reconhecimento do seu valor no que concerne à remuneração. Isso,
tenho absoluta certeza, vai representar uma grande avenida para que o
Brasil possa retomar ao seu primórdio no sentido da valorização dos
professores. Nós todos que tivemos, naqueles tempos áureos, professores
de grande qualificação no ensino público, sabemos hoje como é difícil a
um professor do ensino público manter a sua própria subsistência. Isso
precisa ser modificado e estou absolutamente convencido. Daí a defesa
intransigente que faço da constitucionalidade da lei no sentido de que
ela é um avanço extraordinário para a valorização da educação
brasileira”.
“Também faço questão de registrar, tal como fez o eminente Ministro
Menezes Direito, a importância dessa lei. Eu até dizia ainda ontem,
numa das audiências, exatamente que aqui havia a questão não apenas
da federação, mas que, antes dela, a Constituição fala em República. E
não há República sem repúblicos; os repúblicos são os cidadãos dotados
de capacidade de livremente exercer seus direitos, para o que é
imprescindível a educação. Portanto, considero esta uma lei realmente
que permite o Brasil se tornar o que não conseguimos ainda ser
completamente: uma República a depender da educação dos professores,
para a melhor qualidade de todos os cidadãos, a fim de que as
liberdades sejam exercidas”.
III.4. Ensino médio
Não foi possível localizar qualquer decisão do Supremo Tribunal
Federal que tratasse do direito ao ensino médio (regular ou noturno) ou discutindo
qualquer aspecto do direito à sua progressiva universalização. A Corte já mencionou o
tema de forma indireta, ao examinar lei distrital que dispunha sobre a emissão de
certificado de conclusão de Ensino Médio em favor de alunos que comprovassem
aprovação em vestibular, independentemente do número de aulas freqüentadas. A
norma foi suspensa por invadir a competência legislativa privativa da União para dispor
sobre normas gerais sobre educação. Confira-se o registro do Ministro Relator Celso de
Mello:
17
“Cumpre enfatizar que a Lei Distrital ora questionada fez
instaurar, no âmbito do Distrito Federal, uma situação anômala
que desconhece o significado das diretrizes básicas em tema de
ensino – como a obrigatoriedade de currículos e de conteúdos
mínimos e a necessidade de observância da carga horária mínima
anual de 800 horas, distribuídas por um mínimo de 200 dias de
efetivo trabalho escolar – e que introduz, em claro desrespeito ao
postulado da isonomia, um inaceitável tratamento discriminatório
entre cidadãos brasileiros das diferentes unidades da Federação,
pois, nestas, estão eles sujeitos às normas fundamentais sobre
ensino e educação legitimamente editadas e concebidas, pela
União federal, para viger, no plano nacional, com o objetivo de
assegurar a todos - independentemente de sua localização
espacial no território brasileiro – uma formação básica
comum”38.
III.5. Direito dos educandos da educação básica a programas suplementares de
material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde
O art. 208, VII, da Constituição, como se viu, prevê que os
educandos, em todas as etapas da educação básica, deverão ser atendidos por programas
suplementares de material didático, transporte, alimentação e assistência à saúde. O
tema dos programas suplementares, porém, não foi apreciado pelo STF até o momento,
salvo em uma ocasião em que, mais uma vez, o direito é mencionado – exclusivamente
em relação ao tema do transporte – no contexto de um conflito federativo. No caso, a
Constituição do Estado do Ceará impunha aos Municípios o dever de transportar da
zona rural para a sede do Município, ou Distrito mais próximo, alunos carentes
matriculados a partir da 5ª série do ensino fundamental. O dispositivo foi impugnado,
dentre outros, e a Corte entendeu, por unanimidade, que teria havido indevida
ingerência na prestação do serviço municipal.
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 20,
INCISO V; ARTIGO 30, CAPUT; ARTIGO 33, §§ 1º E 2º;
ARTIGO 35, CAPUT E § 3º; ARTIGO 37, §§ 6º A 9º; ARTIGO 38,
§§ 2º E 3º; ARTIGO 42, CAPUT E § 1º, TODOS DA
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO CEARÁ. ARTIGO 25 DO
38
STF, DJ 12.mar.2004, ADIn-MC 2667/DF, Rel. Min. Celso de Mello.
18
ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS.
PRINCÍPIO DA AUTONOMIA MUNICIPAL. VIOLAÇÃO DO
DISPOSTO NOS ARTIGOS 38, INCISO III, E 29, INCISO V, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. (...)4. O artigo 30 da Constituição
cearense impõe aos Municípios o encargo de transportar da zona
rural para a sede do Município, ou Distrito mais próximo, alunos
carentes matriculados a partir da 5ª série do ensino fundamental.
Indevida ingerência na prestação de serviço público municipal. O
preceito afronta a autonomia municipal. 5. Inconstitucionalidade
do § 3º do artigo 35 da Constituição estadual em razão de afronta
à autonomia municipal”39.
A decisão foi tomada sem debate específico e apenas o Ministro
Carlos Britto destacou que o Estado estaria transferindo exclusivamente para o
Município o dever para com o educando de que trata o art. 208, VII, da Constituição,
dever esse que seria comum a todos os entes federativos. O eventual papel da
Constituição estadual na organização interna dos serviços comuns ao Estado e aos
Municípios não foi objeto de debate. Também não houve qualquer discussão sobre
aspectos de fato que, eventualmente, poderiam ser relevantes. Talvez a solução pudesse
ser uma para os municípios que oferecem, apenas em sua sede, ensino fundamental
completo – e especificamente para além da 5ª série – e outra para aqueles que, ao
contrário, oferecem o serviço de forma melhor distribuída por seu território, atendendo
também às zonas rurais. O ponto, entretanto, não foi suscitado.
III.6. Direito dos portadores de deficiência de terem acesso a atendimento
educacional especializado
O direito a atendimento educacional especializado, conferido pela
Constituição aos portadores de deficiência, foi examinado uma vez pelo Supremo
Tribunal Federal em contexto bastante específico. A Associação de Deficientes
Auditivos do Maranhão (ADAMA) ajuizou mandado de segurança em face do
Município de São Luís alegando que o Município não garante aos portadores de
deficiência em questão o direito à educação na rede pública e requerendo: (i) que o
Poder Judiciário determinasse à Prefeitura de São Luís que, num prazo de cinco dias,
39
STF, DJ 13.fev.2008, ADIn 307/CE, Rel. Min. Eros Grau.
19
abrisse vagas na rede pública para os 373 alunos deficientes que atende; ou, (ii) não
tendo o Município condições de atender à ordem judicial, fosse ele obrigado a repassar
mensalmente verbas à impetrante para o atendimento dos referidos alunos.
A ADAMA não foi bem sucedida em seu pleito no âmbito do
Judiciário do Estado do Maranhão e interpôs recurso extraordinário. Embora
reconhecendo a pertinência ao caso de várias normas constitucionais (em particular, os
artigos 211, § 2º e 30, VI), o STF entendeu que tais dispositivos não permitiam a
extração de qualquer efeito concreto no sentido de obrigar o Município a abrir vagas na
rede pública para deficientes. Quanto ao direito ao repasse, a Corte entendeu que não
haveria direito líquido e certo na hipótese já que a própria entidade havia reconhecido a
necessidade de celebração de convênio com o Poder Público para esse fim.
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO. EXTRAORDINÁRIO.
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ENTIDADE PRIVADA
DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. PRESTAÇÃO DE ENSINO
ESPECIALIZADO. REPASSE DE VERBAS DESTINADAS À
EDUCAÇÃO.
INEXISTÊNCIA
DE
CONVÊNIO.
IMPOSSIBILIDADE.
ENSINO
FUNDAMENTAL
A
PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. NÃO-OFERECIMENTO
PELO PODER PÚBLICO. CONSEQÜÊNCIA. PAGAMENTO
DAS DESPESAS REALIZADAS PELA IMPETRANTE.
PRETENSÃO INCABÍVEL. SÚMULA 269-STF.1. Os recursos
públicos, por disposição constitucional, serão repassados às
escolas públicas, podendo ser dirigidos às comunitárias,
confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que comprovem
finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros
em eduçação e, ainda, que assegurem a destinação de seu
patrimônio a outras instituições de idêntica natureza, ou ao poder
público, no caso de encerramento de suas atividades. 2. Entidade
privada declarada de utilidade pública pelo Governo Federal e
reconhecida como de assistência social sem fins lucrativos.
Repasse de verbas destinadas à educação. Necessidade de se
observar as condições impostas pela Carta da República e de
estabelecer convênio com o poder público. 2.1. Repasse de
recursos financeiros por decisão judicial. Impossibilidade de o
Poder Judiciário imiscuir-se na liberdade do ente público de
celebrar contratos administrativos. Direito líquido e certo.
Inexistência. 3. Ensino obrigatório a portadores de deficiência.
Não- oferecimento pelo poder público. Conseqüência: imputação
de responsabilidade à autoridade competente. Apuração.
Necessidade de produção de provas. Mandado de Segurança.
Inadequação da via eleita. 4. Comprometimento do poder público
com o pagamento de dívida contraída por entidade privada na
realização de trabalho social, de competência estatal. Pretensão
incabível. O mandado de segurança não é sucedâneo de ação de
20
cobrança. Incidência da Súmula 269/STF. Agravo regimental
não-provido”40.
Vale, porém, o registro do voto vencido proferido pelo Ministro
Marco Aurélio. Para S.Exa., o artigo 208, inciso III da Constituição Federal, ao atribuir
ao Estado o dever de proporcionar ensino gratuito especializado aos portadores de
deficiência, é auto-aplicável e, portanto, na omissão do Poder Público, teria eficácia
suficiente para impor que outra pessoa jurídica receba as verbas correspondentes para a
prestação do serviço. Segue transcrição de trecho do voto sobre o ponto:
“Há o direito líquido e certo dos deficientes físicos a essa educação,
porque previsto na lei da República, na Constituição Federal. Senhor
Presidente, esses dispositivos não foram relegados, no tocante à eficácia,
a uma regulamentação futura, porquanto se menciona a fonte da receita
necessária a fazer frente às despesas advindas dessa educação. O que
ocorre? Esses deficientes não podem ser matriculados nas escolas
normais de ensino. Por outro lado, não se têm escolas especiais, e as
famílias não podem arcar com os custos das escolas particulares. Ficase nesse estado de coisas? Será que é esse o alcance da Constituição
Federal, no que consigna – com clareza, a meu ver solar – que é dever
do Estado o atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino? (...)”.
III.7. Acesso ao ensino superior facultado a todos em função do mérito
Há várias decisões do Supremo Tribunal Federal cuidando de
aspectos variados da educação superior, valendo apenas registrar algumas delas. A
Corte expediu a Súmula Vinculante nº 12, de 13 de agosto de 2008, que dispõe: “a
cobrança de taxa de matrícula nas universidades públicas viola o disposto no art. 206,
IV, da Constituição Federal”41. O caso que desencadeou a edição da súmula envolvia a
cobrança de valores dos alunos – valores que, segundo alegado pela Universidade, os
alunos poderiam se negar a pagar sem quaisquer conseqüências – a ser revertido para
fundo de apoio aos alunos originários do sistema de cotas. Há ainda um conjunto de
decisões da Corte tratando da transferência de alunos entre universidades congêneres42.
40
STF, DJ 24.abr.2001, RE-AgR 241757/MA, Rel. Min. Maurício Corrêa.
41
STF, DJ 24.out.2008, RE 500171/GO, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.
42
STF, DJ 22.abr.2006, RE-AgR 362074/RN, Rel. Min. Eros Grau.
21
Por fim, em decisão proferida em 2002, o STF considerou
inconstitucional, por violação à autonomia universitária, lei estadual do Rio Grande do
Sul que previa a obrigatoriedade de as instituições de ensino se adequarem aos dias de
guarda das diferentes religiões professadas naquele Estado. Essa a ementa do acórdão:
“LEI N.º 11.830, DE 16 DE SETEMBRO DE 2002, DO ESTADO
DO RIO GRANDE DO SUL. ADEQUAÇÃO DAS ATIVIDADES
DO
SERVIÇO
PÚBLICO
ESTADUAL
E
DOS
ESTABELECIMENTOS DE ENSINO PÚBLICOS E PRIVADOS
AOS DIAS DE GUARDA DAS DIFERENTES RELIGIÕES
PROFESSADAS NO ESTADO. CONTRARIEDADE AOS ARTS.
22, XXIV; 61, § 1.º, II, C; 84, VI, A; E 207 DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL. No que toca à Administração Pública estadual, o
diploma impugnado padece de vício formal, uma vez que proposto
por membro da Assembléia Legislativa gaúcha, não observando a
iniciativa privativa do Chefe do Executivo, corolário do princípio
da separação de poderes. Já, ao estabelecer diretrizes para as
entidades de ensino de primeiro e segundo graus, a lei atacada
revela-se contrária ao poder de disposição do Governador do
Estado, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento
de órgãos administrativos, no caso das escolas públicas; bem
como, no caso das particulares, invade competência legislativa
privativa da União. Por fim, em relação às universidades, a Lei
estadual n.º 11.830/2002 viola a autonomia constitucionalmente
garantida a tais organismos educacionais. Ação julgada
procedente”43 (negrito acrescentado).
IV. DIREITOS
À EDUCAÇÃO: VAZIOS DA JURISPRUDÊNCIA DO
STF. ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES
Até aqui se procurou descrever, de forma objetiva, as principais
decisões do STF sobre o tema da educação. Nada obstante, confrontando as previsões
constitucionais com as decisões mencionadas, é fácil perceber que vários dos direitos à
educação jamais foram objeto de exame por parte da Corte. Em especial, chama a
atenção o vazio da jurisprudência da Corte em relação (i) ao direito de acesso à
educação obrigatória noturna de forma geral (ensino fundamental e médio) (art. 208, I e
43
STF, DJ 27.jun.2003, ADIn 2806/RS, Rel. Min. Ilmar Galvão.
22
VI); (ii) ao direito ao ensino médio regular (isto é: diurno) (art. 208, II e VI); (iii) ao
direito dos portadores de deficiências de terem acesso a atendimento educacional
especializado (art. 208, III); e (iv) ao direito a programas suplementares de material
didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde (art. 208, VII), referido,
como se viu, apenas sob a perspectiva dos entes federativos, suas competências e seu
espaço de autonomia, mas não sob a ótica dos cidadãos44.
Talvez o vazio da jurisprudência do STF pudesse ser imputado ao
fato de que os entes federativos já prestam de forma amplamente adequada os serviços
necessários ao atendimento dos direitos referidos acima. Assim, inexistentes disputas
envolvendo tais temas – ou havendo apenas disputas sem maior repercussão –, não
haveria fundamento para que eles fossem examinados pelo Supremo Tribunal Federal.
Lamentavelmente, porém, a descrição acima não parece corresponder à realidade que os
números disponíveis descrevem.
IV.1. O que os números dizem?
A despeito do silêncio da jurisprudência do STF, as pesquisas
disponíveis acerca da educação revelam dados pouco animadores justamente acerca de
temas tratados pela Constituição, mas jamais examinados pelo Supremo Tribunal
Federal. De acordo com o Censo 2000, apenas 31,4% da população brasileira estava
estudando em 2000. Segundo o relatório do Censo, em média são necessários 11 anos
de estudo para que a educação fundamental seja completada e apenas 18% da população
brasileira teve esse tempo de estudo. Um terço da população frequentou a escola por
apenas quatro a sete anos. E apenas 4% da população teve 15 anos de educação formal,
tempo médio necessário para completar-se também o ensino médio45.
44
Outro tema da maior relevância, também não examinado pelo STF até o momento, envolve
os resultados produzidos pelo serviço educacional efetivamente fornecido pelo Poder Público.
Não é o caso de discutir o tema aqui, mas apenas de enunciá-lo. O art. 205 da Constituição
prevê que a educação visa “ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Após os 9 anos de ensino fundamental, que
percentual dos alunos de escolas públicas adquiriu (nos termos do art. 32 da Lei nº 9.394/96 LDB) a capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da
escrita e do cálculo?
45
O relatório completo do Censo 2000, no que toca à educação, está disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2000/educacao/censo2000_educ.pdf
>. Acesso em: 01.dez.2009.
23
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD,
realizada anualmente pelo IBGE, também fornece alguns dados importantes. De acordo
com o PNAD 200846, 10% da população brasileira acima de 15 anos é completamente
analfabeta e cerca de 21% dos indivíduos maiores de 15 anos é analfabeto funcional47.
Estudo recente realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) analisou
a situação do jovem brasileiro com base nos dados do Pnad 200848. A conclusão foi a de
que a frequência ao ensino médio na idade adequada (15 a 17 anos) abrange apenas a
metade dos jovens dessa idade (50,4%), sendo que cerca de 44% dos jovens não
concluíram o ensino fundamental.
Os que os números acima revelam? Que de 5 brasileiros adultos
um é analfabeto funcional o que apenas metade dos jovens frequenta o ensino médio,
hoje integrante, nos termos constitucionais, da educação obrigatória. Não há dados que
permitam afirmar que esse quadro resulta exclusivamente da inexistência (ou
ineficiência) da prestação dos serviços educacionais correspondentes pelos entes
públicos. É possível imaginar que, mesmo existindo escolas públicas oferecendo ensino
médio regular e ensino noturno para adultos, alguns indivíduos decidirão não utilizar
tais serviços, por razões as mais variadas. É bem de ver que os programas suplementares
46
Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/trabalhoerendimento/pnad2008/comentario
s2008.pdf>. Acesso em: 02.dez.2009.
47
Segundo definição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), funcionalmente alfabetizada é a pessoa que pode participar de todas as
atividades em que a alfabetização é necessária para o funcionamento efetivo do seu grupo e
comunidade e também para lhe permitir continuar a utilizar a leitura, a escrita e o cálculo para
seu próprio desenvolvimento e da comunidade. Sobre o tema, cf. Ricardo Henriques,
Alfabetização e inclusão social: contexto e desafios do Programa Brasil Alfabetizado. In:
Ricardo Henriques, Ricardo Paes de Barros, João Pedro Azevedo (Orgs.), Brasil alfabetizado:
caminhos
da
avaliação,
2006,
p.
21-2
(disponível
em:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0015/001545/154571por.pdf>): “Até por volta da década de
1950, era considerada alfabetizada a pessoa que tivesse a habilidade de ler e escrever um
texto simples e que dominasse o código alfabético. Essa concepção foi se tornando mais
complexa, passando a incorporar o domínio da língua falada e escrita em um contexto social,
assim como a dimensão cultural, política e de conquista dos direitos de cidadania. Alguns
especialistas brasileiros utilizam a palavra letramento (do inglês literacy) para nomear esse
conceito. A partir da década de 1970, a Unesco passou a utilizar o termo analfabetismo
funcional, que corresponderia ao fenômeno no qual a pessoa sabe ler e escrever, mas não
alcança o domínio social da leitura e da escrita, alertando para a necessidade de se estender a
todos o acesso à escolarização básica, a fim de se garantir tal domínio. Desde então, vêm
sendo adotados diversos acordos e planos internacionais que aprofundaram esse
entendimento relacionando-o à diversidade e à educação ao longo de toda a vida”
48
Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/pdf/091203_ComuPres36.pdf>, acesso
em: 03.dez.2009.
24
de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde visam a,
justamente, minimizar eventuais dificuldades práticas que o indivíduo possa ter para
freqüentar a escola. Assim, se o indivíduo decide não cursar o ensino noturno porque
não tem dinheiro para o transporte e inexiste programa suplementar de transporte, sua
decisão, no caso, deve ser imputada à inexistência do serviço a cargo do Poder Público,
e não, propriamente, ao desinteresse do cidadão.
Seja como for, parece pouco provável que a livre decisão das
pessoas de não fruir dos serviços educacionais adequadamente prestados pelo poder
público seja a causa principal do incrível índice de analfabetismo funcional no país e do
reduzido percentual de jovens no ensino médio. Sem prejuízo de outras causas
específicas de menor repercussão, parece correto supor que o quadro que os números
referidos acima descrevem tem como causa principal, realmente, a omissão ou a
ineficiência da ação estatal na prestação dos serviços que os direitos garantidos pela
Constituição demandam.
O Censo Escolar de 200949 traz algumas informações acerca do
atendimento educacional especializado a que tem direito os portadores de deficiências.
O relatório informa que, em 2009, havia 639.718 alunos com deficiência matriculados
em instituições públicas ou privadas na educação básica. De acordo com documento
elaborado por Grupo de Trabalho sobre educação especial, criado no âmbito do
Ministério da Educação, em 2006, as escolas públicas concentravam 63% das
matrículas dos alunos portadores de deficiências, ficando o restante com escolas
privadas (sobretudo instituições especializadas filantrópicas)50. Retornando ao Censo
Escolar de 2009, apenas um registro adicional: o relatório informa que apenas 65,3%
dos alunos portadores de deficiências têm acesso, na escola, a banheiros adaptados a
suas necessidades51.
49
Trata-se de levantamento realizado anualmente pelo MEC e pelo INEP (Instituto Nacional de
Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) acerca da educação básica no Brasil. O
Censo Escolar 2009 foi publicado no Diário Oficial da União de 30 de novembro de 2009.
50
MEC-SEESP, Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,
Cláudia Pereira Dutra e Cláudia Maffini Griboski (documento elaborado pelo Grupo de Trabalho
nomeado pela Portaria Ministerial n. 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela Portaria n.
948, de 9 de outubro de 2007).
51
Para informações detalhadas do aqui exposto, cf. Relatório Técnico do Censo da Educação
Básica 2009, disponível em:
<http://www.inep.gov.br/download/censo/2009/TEXTO_DIVULGACAO_EDUCACENSO_20092.
pdf>.
25
Pois bem. De acordo com os dados do Censo IBGE de 2000,
cerca de 24,6 milhões de brasileiros são portadores de algum tipo de deficiência (14,5%
da população). Também segundo o Censo, estima-se que, desse total, 8% sejam de
crianças e adolescentes entre zero e 17 anos, o que corresponde a 1.968.000 de crianças
e adolescentes portadores de deficiência. Considerando que os 639.718 alunos
matriculados em instituições públicas ou privadas de ensino (dados de 2009, note-se, e
não de 2000) estejam todos na faixa etária de zero a 17 anos (e que, portanto, os adultos
portadores de deficiência não contam com qualquer tipo de atendimento educacional),
tem-se que apenas 32% das crianças e adolescentes portadores de deficiência recebem
algum tipo de atendimento educacional. Afora todos os adultos.
Uma observação parece pertinente quando se trata de educação
especial. No caso do ensino médio regular e noturno para adultos que não apresentam
qualquer necessidade especial específica, a decisão individual de não freqüentar o curso
oferecido pelo Poder Público é uma hipótese que não pode ser ignorada no exame do
problema. No caso do atendimento educacional especializado para portadores de
deficiências, porém, parece muito pouco provável que os pais ou responsáveis de uma
criança ou adolescente portadora de deficiência, dispondo de um serviço educacional
adequado gratuito, deixe de utilizá-los.
Diante dos dados acima, a conclusão a que se chega, e da qual já
se suspeitava, é a de que o silêncio da jurisprudência do STF não resulta do fato de os
direitos à educação referidos acima estarem sendo adequadamente atendidos. Muito ao
revés. Os dados revelam que há uma quantidade enorme de pessoas que deveria estar
fruindo serviços educacionais de ensino médio, ensino para adultos e atendimento
específico para portadores de deficiências, mas que, por alguma razão, não está. Embora
não haja dados que possam sustentar a afirmação de que a inexistência dos serviços
educacionais pertinentes, ou a ineficiência no seu oferecimento, seja a única causa para
esse quadro, é muito razoável supor que essa seja a causa principal. A pergunta, de todo
modo, continua sem resposta. A que imputar o vazio da jurisprudência do STF sobre
tais direitos previstos constitucionalmente?
IV.2. Prioridades
No sistema brasileiro, como se sabe, as questões que chegam ao
26
Supremo Tribunal Federal são submetidas à Corte pelas partes, no contexto de seus
processos, ou por substitutos processuais ou por legitimados ativos, por meio de ações
de natureza objetiva. Parece pouco realista imaginar, no entanto, que um indivíduo,
isoladamente, tenha condições de conduzir uma demanda até o Supremo Tribunal
Federal discutindo o seu direito de ter acesso a ensino médio público e gratuito, a ensino
noturno ou a atendimento educacional especializado, por se tratar de um portador de
deficiência.
Vislumbrando as dificuldades do acesso a justiça nesse contexto,
a própria Constituição já atribuiu a outras instituições, com destaque para o Ministério
Público, legitimação para zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos
serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição,
promovendo as medidas necessárias a sua garantia (art. 129, II), bem como para
promover a ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos (art.
129, III). O Procurador Geral da República, igualmente, é legitimado ativo para o
ajuizamento de ações objetivas de controle de constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal (art. 103, VI e Lei n° 9.882/99, art. 2°). A legislação
infraconstitucional confere ainda à Defensoria legitimação ativa para a defesa de
interesses coletivos, bem como a associações que atendam a determinadas exigências 52.
Com efeito, e como se viu da jurisprudência coletada, boa parte das decisões proferidas
pelo STF em matéria de educação infantil e fundamental resultou justamente de ações
civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público no âmbito dos Estados.
Parece razoável supor, então, que a circunstância de o STF não
haver, até o momento, se pronunciado sobre determinadas questões envolvendo direitos
à educação (e.g., ensino médio, ensino noturno, programas suplementares de transporte,
material escolar, alimentação e saúde e atendimento específico a portadores de
deficiências) decorre do fato de que aqueles que poderiam levar tais assuntos à sua
apreciação não o fizeram53. Há aqui, portanto, uma questão de fixação de prioridades no
âmbito de instituições como o Ministério Público.
52
Lei nº 7.347/85 (Lei da ACP), art. 5º.
53
Não se ignora que também o STF pode haver empregado algum dos vários filtros de que se
vale para não conhecer de feitos que lhe são dirigidos e, assim, ter deixado de examinar
processos ou ações objetivas que pretendiam discutir questões relacionadas com a educação.
Ou ainda os Tribunais dos Estados, ou os Tribunais Regionais Federais, podem ter
inviabilizado iniciativas do Ministério Público ou da Defensoria Pública. Cada um, é claro,
apenas pode fazer o seu papel, mas é certo que há variados remédios processuais capazes de
lidar com todo tipo de decisão judicial.
27
A autonomia dos membros dos Ministérios Públicos estaduais e
do Ministério Público Federal é uma conquista importante e é, ademais, compreensível
que haja necessidades praticamente ilimitadas aguardando atendimento por parte dessas
instituições. Nada obstante, assim como a discricionaridade dos Poderes Públicos está,
como visto acima, limitada pelas previsões constitucionais em matéria de educação,
parece consistente concluir que também a liberdade de eleição de prioridades no âmbito
do Ministério Público deve sofrer o impacto das mesmas normas constitucionais. Com
efeito, se o equilíbrio contratual e das cláusulas no âmbito de contratos de leasing de
veículos54, de planos de saúde55 e de financiamento de imóveis56 são direitos relevantes
a serem tutelados pelo Ministério Público, com maior razão, sobretudo tendo em conta
as prioridades constitucionais, os direitos à educação referidos acima haverão de ser.
V. CONCLUSÕES
De tudo o que se expôs até aqui é possível extrair algumas
conclusões objetivas.
A – O STF já proferiu decisões reconhecendo ao direito à
educação infantil e ao direito à educação fundamental o status de direitos subjetivos e
determinando ao Poder Público (respectivamente, municipal e estadual) a execução de
54
Em fevereiro de 2009, o MP-SP ajuizou ação civil pública contra instituição financeira para
impedir a imposição aos consumidores de contratos de leasing, forma de financiamento em que
se
utiliza
o
próprio
bem
como
garantia.
Informações
disponíveis
em:
<http://www.mp.sp.gov.br/portal/page/portal/noticias/publicacao_noticias/2009/mar09/MP%20p
ede%20anula%C3%A7%C3%A3o%20de%20cl%C3%A1usulas%20abusivas%20em%20contra
to%20de%20lea>. Acesso em: 10.fev.2010.
55
V.g., em agosto de 2009, o MPF/MG ajuizou ação civil pública contra a União e a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para impedir reajustes abusivos dos planos de saúde
em virtude da mudança de faixa etária do idoso – de 59 para 60 anos, haveria um reajuste de
123,77%
no
valor
do
plano
de
saúde.
Informações
disponíveis
em:
<http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/consumidor-e-ordem-economica/mg-justicaobriga-ans-a-mudar-resolucao-para-impedir-reajuste-abusivo-de-planos-de-saude/>.
Acesso
em: 10.fev.2010
56
Nesse sentido, v.g., o MPF/MA propôs ação civil pública contra o Banco do Nordeste do
Brasil (BNB) para anular duas cláusulas do contrato de financiamento de imóveis, por entender
serem abusivas e ferirem o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Informações disponíveis
em:
<http://noticias.pgr.mpf.gov.br/noticias-do-site/consumidor-e-ordem-economica/mpf-mabanco-do-nordeste-deve-anular-clausulas-de-contrato-de-financiamento-de-imovel/>.
Acesso
em: 10.fev.2010.
28
providências concretas para a prestação dos serviços correspondentes a esses direitos.
B – Boa parte das decisões do STF que menciona direitos à
educação enfrenta, na realidade, conflitos federativos, não abordando o direito sob a
perspectiva do cidadão. Frequentemente, porém, a competência comum atribuída aos
entes federativos em matéria de educação, ao invés de multiplicar os responsáveis pelo
serviço perante o cidadão, acaba por tornar mais difícil a exigibilidade do direito perante
qualquer deles.
C – Observa-se silêncio na jurisprudência do STF acerca dos
seguintes direitos à educação: (i) direito de acesso à educação obrigatória noturna de
forma geral (ensino fundamental e médio) (art. 208, I e VI); (ii) direito ao ensino médio
regular (isto é: diurno) (art. 208, II e VI); (iii) direito dos portadores de deficiências de
terem acesso a atendimento educacional especializado (art. 208, III); e (iv) direito a
programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde (art. 208, VII).
D – O silêncio do STF sobre os direitos referidos acima não
decorre do seu atendimento ótimo pelo Poder Público. Os números, embora poucos e
desorganizados, permitem apurar que mais de 20% da população adulta é analfabeta
funcional, que apenas metade dos jovens frequenta o ensino médio e que apenas 32%
das crianças e adolescentes portadores de deficiência recebem algum tipo de
atendimento educacional (aqui já incluído o atendimento por instituições privadas).
Nesse contexto, o silêncio do STF provavelmente significa que aqueles que poderiam
levar tais assuntos à sua apreciação – em particular o Ministério Público e a Defensoria
Pública – não o fizeram.
29
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Os direitos à educação e o STF