PARNAS aN SMO Olavo Bilac Raimundo Correa Vicente de Carvalho OFICINA IRRITADA Eu quero compor um soneto duro como poeta algum ousara escrever. Eu quero pintar um soneto escuro, seco, abafado, difícil de ler. Quero que meu soneto, no futuro, não desperte em ninguém nenhum prazer. E que, no seu maligno ar imaturo, ao mesmo tempo saiba ser, não ser. Esse meu verbo antipático e impuro há de pungir, há de fazer sofrer, tendão de Vênus sob o pedicuro. Ninguém o lembrará: tiro no muro, cão mijando no caos, enquanto Arcturo, claro enigma, se deixa surpreender. Carlos Drummond de Andrade “Nenhum dos poetas da nova geração quer fazer do verso um instrumento sem vida; nenhum deles quer transformar a Musa num belo cadáver. O que eles não querem é que a Vênus grega seja coxa e desajeitada e faça caretas em vez de sorrir.” Olavo Bilac (In: CASTELLO, 1999, p. 299) Olavo Bilac A UM POETA Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha e teima, e lima , e sofre, e sua! Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço: e trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua Rica mas sóbria, como um templo grego Não se mostre na fábrica o suplicio Do mestre. E natural, o efeito agrade Sem lembrar os andaimes do edifício: Porque a Beleza, gêmea da Verdade Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade. Bilac e a metalinguagem: “Mais que todos os parnasianos , foi ele [Olavo Bilac] quem mais vezes apresentou reflexões em poesia sobre a posição do poeta no mundo, sobre a capacidade da poesia em enunciar as coisas, sobre a tensa relação entre poeta e poesia, entre artífice e meios disponíveis.” (FISCHER, 2003, p. 219 ) A UM POETA Lon/ge/does/té/ril/tur/bi/lhão/da/ru/a, Be/ne/di/ti/noes/cre/ve!/Noa/com/che/go Do/claus/tro,/na/pa/ciên/ciae/no/so/sse/go, Tra/ba/lhae/tei/mae/li/mae/so/free/su/a! (ABBA – RICA/POBRE) Mas/que/na/for/ma/se/dis/far/ceoem/pre/go Does/for/çoe/tra/ma/vi/va/se/cons/tru/a De/tal/mo/do,/queai/ma/gem/fi/que/nu/a Ri/ca/mas/só/bria,/co/moum/tem/plo/gre/go (BAAB – RICA/RICA) Não/se/mos/ter/na/fá/bri/cao/su/plí/cio Do/mês/tre.E/na/tu/ral,/oe/fei/toa/gra/de Sem/lem/brar/os/an/dai/mês/doe/di/fí/cio: (CDC – POBRE) Por/quea/Be/le/za,/gê/mea/da/Ver/da/de Ar/te/pu/rai/ni/mi/ga/doar/ti/fí/cio, Éa/for/çaea/gra/ça/na/sim/pli/ci/da/de. (DCD – POBRE) LÍNGUA PORTUGUESA Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... Amo-te assim, desconhecida e obscura. Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, Em que da voz materna ouvi: "meu filho!", E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho! Identificação de elementos nacionais LÍNGUA PORTUGUESA Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... Amo-te assim, desconhecida e obscura. Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, A N T Í T E S E S Em que da voz materna ouvi: "meu filho!", E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho! Bilac, leitor da tradição... LÍNGUA PORTUGUESA Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela... Amo-te assim, desconhecida e obscura. Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela, E o arrolo da saudade e da ternura! Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma, Em que da voz materna ouvi: "meu filho!", E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho! MÚSICA BRASILEIRA Tens, às vezes, o fogo soberano Do amor: encerras na cadência, acesa Em requebros e encantos de impureza, Todo o feitiço do pecado humano. Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza Dos desertos, das matas e do oceano: Bárbara poracé, banzo africano, E soluços de trova portuguesa. És samba e jongo, xiba e fado, cujos Acordes são desejos e orfandades De selvagens, cativos e marujos: E em nostalgias e paixões consistes, Lasciva dor, beijo de três saudades, Flor amorosa de três raças tristes MÚSICA BRASILEIRA Tens, às vezes, o fogo soberano Do amor: encerras na cadência, acesa Em requebros e encantos de impureza, Todo o feitiço do pecado humano. Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza Dos desertos, das matas e do oceano: Bárbara poracé, banzo africano, E soluços de trova portuguesa. És samba e jongo, xiba e fado, cujos Acordes são desejos e orfandades De selvagens, cativos e marujos: E em nostalgias e paixões consistes, Lasciva dor, beijo de três saudades, Flor amorosa de três raças tristes Mais uma vez, o nacionalismo Evocação do sensualismo (que, em muitos de seus poemas, confunde-se com um escilo romântico a la Catro Alves). “Mas pra fazer um samba com beleza / É preciso um bocado de tristeza / É preciso um bocado de tristeza / Senão não se faz um samba não” (Vinicius de Moraes e Baden Powell) Bilac e os poemas infantis – poesia em função do didatismo: “Os poemas são puro artifício, sem qualquer indicação de haver necessidade de consulta (digamos) às faculdades humanas que costumam ser mobilizadas no contato da vida com a arte.” (FISCHER, 2003, p. 253 ) LENDO A ILÍADA Ei-lo, o poema de assombros, céu cortado De relâmpagos, onde a alma potente De Homero vive, e vive eternizado O espantoso poder da argiva gente. A ESFINGE Perto de Tebas, junto a um monte, sobre o Ismeno, Águia e mulher, serpente e abutre, deusa e harpia, Tapando a estrada, à espera, - aterrava e sorria O monstro sedutor, horrível e sereno: "Devoro-te, ou decifra!" Era fascínio o aceno; A voz, morna e sensual, tinha afeto e ironia, Graça e repulsa; e a luz dos olhos escorria Fluido filtro, estilando um pérfido veneno. Mas Édipo desvenda o enigma... Ruge em fúria O Grifo, e escarva o chão, bate contra o rochedo, Rola em vascas, em sangue ardente a areia tinge, E fita o campeador no uivar da extrema injúria. E o Herói recua, vendo, entre esperança e medo, Rancor e compaixão no verde olhar da Esfinge. Arde Tróia... De rastos passa atado O herói ao carro do rival, e, ardente, Bate o sol sobre um mar ilimitado De capacetes e de sangue quente. Mais que as armas, porém, mais que a batalha Mais que os incêndios, brilha o amor que ateia O ódio e entre os povos a discórdia espalha: - Esse amor que ora ativa, ora asserena A guerra, e o heróico Páris encadeia Aos curvos seios da formosa Helena. A observar (nos 2 textos): naturalmente, a temática clássica, profundamente associada à objetividade e racionalidade da forma parnasiana. RAIMUNDO CORREIA MAL SECRETO Se a cólera que espuma, a dor que mora N’alma, e destrói cada ilusão que nasce, Tudo o que punge, tudo o que devora O coração, no rosto se estampasse; Se eu pudesse o espírito que chora Ver através da máscara da face, Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse! Quanta gente que ri, talvez, consigo Guarda um atroz, recôndito inimigo, Como invisível chaga cancerosa! Quanta gente que ri, talvez existe, Cuja a ventura única consiste Em parecer aos outros venturosa! A observar: as inversões sintáticas constantes sugerem a ideia de arcaísmo e preciosismo linguístico; porém, são também necessárias à formação das rimas do poema. Raimundo Correia: o incômodo sentimento em ser parnasiano: “A época atual é, com efeito, dura e penosa para a vida do espírito. Que vemos nós em torno? O patriotismo, a abnegação heróica e as mais nobres virtudes deixam de ser uma realidade, evaporando-se em frases ocas... O aspecto sob o qual todas as coisas são encaradas presentemente por uma literatura doentia e ‘fin du siècle’, traduz com triste exatidão esse mal-estar que nos oprime e asfixia.” Raimundo Correia (In: FISCHER, 2003, p. 146) Raimundo Correia: o incômodo sentimento em ser parnasiano: “Dessa literatura que importamos de Paris, diretamente ou com escalas em Lisboa, literatura tão falsa, postiça, alheia da nossa índole, que breve resultará, pressinto-o, é uma triste e lamentável esterilidade. (...) Eu sou talvez uma das vítimas desse mal que vai grassando em nós.” Raimundo Correia (In: FISCHER, 2003, p. 146 ) MAL SECRETO Sea/có/le/ra/quees/pu/maa/dor/que/mo/ra N’al/mae/des/trói/ca/dai/lu/são/que/na/sce, Tu/doo/que/pun/ge,/tu/doo/que/de/vo/ra O/co/ra/ção,/no/ros/to/sees/tam/pa/sse; (ABAB – POBRE/POBRE) Se/se/pu/de/sseoes/pí/ri/to/que/cho/ra Ver/a/tra/vés/da/más/ca/ra/da/fa/ce, Quan/ta/gen/te,/tal/vez,/quein/ve/jaa/go/ra Nos/cau/saen/tão/pie/da/de/nos/cau/sa/sse! (ABAB – RICA/RICA) Quan/ta/gen/te/que/ri,/tal/vez,/con/si/go Guar/daum/a/troz,/re/côn/di/toi/ni/mi/go, Co/moin/vi/sí/vel/cha/ga/can/ce/ro/sa! (CCD – RICA) Quan/ta/gen/te/que/ri,/tal/vez/e/xis/te, Cu/jaa/ven/tu/ra/ú/ni/ca/con/sis/te Em/pa/re/cer/aos/ou/tros/ven/tu/ro/sa! (EED – POBRE/POBRE) MAL SECRETO (II) Se em muita fronte que parece calma, Se em muito olhar que límpido parece; Se pudesse notar, ler se pudesse, Tudo o que n’alma existe e vive n’alma! Entre essa paz fictícia que se espalma No rosto, a inveja, raro transparece; Ela que à glória alheia se enraivece, E que às alheias lágrimas se acalma. Alma, vítima dessa enfermidade! Mal sabes que à dos outros sendo adversa, Tu és adversa à própria f’icidade! A inveja os risos todos se dispersa: Menos ódios mereces que piedade, Porque és mais insensata que perversa. MAL SECRETO Não choro, Meu segredo é que sou rapaz esforçado, Fico parado, calado, quieto, Não corro, não choro, não converso, Massacro meu medo, Mascaro minha dor, Já sei sofrer. Não preciso de gente que me oriente, Se você me pergunta Como vai? Respondo sempre igual, Tudo legal Mas quando você vai embora, Movo meu rosto no espelho, Minha alma chora. Vejo o Rio de Janeiro. Comovo, não salvo, não mudo Meu sujo olho vermelho, Não fico calado, não fico parado, não fico quieto, Corro, choro, converso, E tudo mais jogo num verso Intitulado Mal secreto. Waly Salomão e Jards Macalé VICENTE DE CARVALHO VELHO TEMA – SONETO I Só a leve esperança em toda a vida Disfarça a pena de viver, mais nada; Nem é mais a existência resumida Que uma grande esperança malograda. O eterno sonho da alma desterrada, Sonho que a traz ansiosa e embevecida, É uma hora feliz, sempre adiada E que não chega nunca em toda a vida. Essa felicidade que supomos Árvore milagrosa que sonhamos Toda arriada de dourados pomos Existe sim; mas nós não a alcançamos, Porque está sempre apenas onde a pomos E nunca a pomos onde nós estamos. A observar: um sutil Romantismo tardio, presente no sentimento melancólico que ocupa o poema. VELHO TEMA – SONETO I Só/a/le/vees/pe/ran/çaem/to/daa/vi/da Dis/far/çaa/pe/na/de/vi/ver,/mais/na/da; Nem/é/mais/ae/xis/tên/cia/re/su/mi/da Queu/ma/gran/dees/pe/ran/ça/ma/lo/gra/da. (ABAB – RICA/RICA) Oe/ter/no/so/nho/daal/ma/des/te/rra/da, So/nho/quea/traz/an/sio/saeem/be/ve/ci/da, É/u/ma/ho/ra/fe/liz,/sem/prea/dia/da E/que/não/che/ga/nun/caem/to/daa/vi/da. (BABA – RICA/POBRE) E/ssa/fe/li/ci/da/de/que/su/po/mos Ár/vo/re/mi/la/gro/sa/que/so/nha/mos To/daa/rri/a/da/de/dou/ra/dos/po/mos (CDC – RICA) E/xis/te/sim;/mas/nós/não/aal/can/ça/mos, Por/quees/tá/sem/prea/pe/nas/on/dea/po/mos E/nun/caa/po/mos/on/de/nós/es/ta/mos. (DCD – POBRE) Jogo de palavras. VELHO TEMA – SONETO II Eu cantarei de amor tão fortemente Com tal celeuma e com tamanhos brados Que afinal teus ouvidos, dominados, Hão de à força escutar quanto eu sustente. Quero que meu amor se te apresente - Não andrajoso e mendigando agrados, Mas tal como é: risonho e sem cuidados, Muito de altivo, um tanto de insolente. Nem ele mais a desejar se atreve Do que merece: eu te amo, o meu desejo Apenas cobra um bem que se me deve. Clamo, e não gemo; avanço, e não rastejo; E vou de olhos enxutos e alma leve À galharda conquista do te beijo A observar: O donjuanismo declarado do eu-lírico, também um elemento presente no Romantismo, assim como ligado à obra de Camões.