História Ambiental das Bacias do Aricanduva e Itaquera
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André Nunes Viana de Souza
Rodney Dantas de Oliveira
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História Ambiental das Bacias do Aricanduva e Itaquera
BID
Inter - American Development Bank
Banco Interamericano de Desenvolvimento
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Educação ambiental e cidadania
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Desvendar os caminhos que transformaram a região leste da cidade em uma
das mais populosas de São Paulo, analisando sua ocupação a partir das Bacias Hidrográficas do Rio Aricanduva e do Córrego Itaquera, foi o que motivou o Sesc
São Paulo e a Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente a aceitarem o desafio de empreender esta pesquisa multidisciplinar.
Ao reviver essa trajetória, valorizaram-se as pessoas e as instituições que
construíram a história da região. Nesta ação educativa, o intuito é ampliar a discussão sobre a questão ambiental, relacionando-a aos temas socioculturais, como
movimentos sociais e migratórios, que caracterizaram o desenvolvimento local e
sua ligação com a dinâmica geral da cidade.
O envolvimento direto de 120 jovens e educadores na tarefa de resgatar a
memória local e representá-la sob a forma de linguagens artísticas, como fotografia, cinema e multimídia, tem o sentido de multiplicar conhecimentos e fundamentar conceitualmente esses moradores-pesquisadores, seja nas relações que
estabelecem em suas escolas, seja nas suas comunidades e bairros.
Assim, o Projeto História Ambiental, além de ampliar a percepção sobre a memória e os processos de transformação da região, ressalta os valores da formação
para a cidadania, que pressupõe acesso à informação, ao diálogo e à participação.
Sesc São Paulo
Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente
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Alana Lopes da Silva
Eliane Fernandes de Souza
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Índice
O projeto 8
Rumo ao leste: meio ambiente
e ocupação urbana 12
Iconografia 42
Cronologia 54
Movimentos sociais 76
Migrações 96
Ocupação urbana 112
Meio Ambiente 130
Entrevistas temáticas 158
Bastidores 182
Bibliografia 192
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O projeto
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O que faz um cidadão fortalecer seu vínculo com o espaço onde ele habita?
Uma das formas é estreitar os laços entre o indivíduo e a coletividade. São os vínculos construídos no tempo e no espaço que fundamentam a solidariedade, a coresponsabilidade e a participação ativa dos cidadãos.
A consciência comunitária emerge mais fortemente quando são identificados os fatos, as pessoas e as construções que caracterizam determinado espaço
e contexto. Conhecer essa rede de relações, que, ao unir passado, presente, futuro, determina a realidade vivida, facilita a tomada de decisões para a melhoria da
qualidade de vida.
Dessa forma, o projeto História Ambiental das Bacias do Rio Aricanduva e
Córrego Itaquera pretendeu fortalecer os vínculos de reconhecimento e pertencimento a esse espaço. Sustentado por ampla pesquisa iconográfica, entrevistas e
visitas a pontos significativos, o estudo envolveu os moradores, proporcionando
um novo olhar sobre a região.
Durante três meses, jovens e educadores participaram de seminários, oficinas semanais de história e de comunicação e expressão. Além disso, optaram por
participar de uma das três oficinas culturais disponíveis: fotografia, multimídia
e cinema, que geraram criações coletivas como a produção de documentário em
vídeo, a exposição fotográfica e as interfaces do CD-ROM. Este e o livro contemplam toda a produção do projeto, das entrevistas ao desenvolvimento das oficinas, incluindo os diários de bordo escritos pelos participantes.
Unir a sensibilidade artística das oficinas culturais à preocupação analítica e
metodológica das oficinas de história nos pareceu um caminho interessante para
trabalhar a criatividade e a reflexão visando à mudança de atitude, individual e
coletiva, em relação à zona leste.
A escolha da fotografia, do cinema e da multimídia para processar criativamente os conteúdos pesquisados – potencializando o olhar crítico e, ao
mesmo tempo, desenvolvendo habilidades como a comunicação, a expressão,
o trabalho em equipe, a responsabilidade e a capacidade de criação – foram
formas de promover o desenvolvimento pessoal de jovens e sua inserção qualificada na sociedade.
Ao utilizar o adjetivo ambiental na pesquisa histórica, propusemos ressaltar que o conceito de ambiente refere-se aos espaços construídos socialmente,
ou seja, engloba toda a rede de relações estabelecidas na comunidade. Por isso,
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discutiu-se a história ambiental da região entrelaçando temas como movimentos migratórios, ocupação urbana, transporte e movimentos sociais, além de
recursos naturais locais.
Discutir qualidade ambiental em uma região tão contrastante como a zona
leste, que abriga áreas verdes como o Parque do Carmo e o Morro do Cruzeiro
ao mesmo tempo em que apresenta a menor taxa de arborização urbana por habitante na Cidade Tiradentes, tem o sentido de desvelar a complexidade que representa o estudo sobre a relação do desenvolvimento urbano e sua interferência
no ambiente, com todas as implicações decorrentes na vida cotidiana dos moradores da região. É por isso que este projeto está inserido no propósito do Sesc e
da SVMA de promover a formação de cidadãos informados e atuantes na comunidade, um dos fundamentos da educação para a cidadania.
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Rumo ao leste: meio ambiente e ocupação urbana
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No ano de 1622, numa suave colina situada próxima ao encontro das águas do
Córrego Itaquera com o Rio Tietê, ergueu-se a Capela de São Miguel, um dos marcos
iniciais da ocupação da região que hoje denominamos zona leste de São Paulo.
No ano em que São Paulo comemorou seus 450 anos, com festejos múltiplos e apelos midiáticos diversos, pouco se falou sobre o extremo leste da cidade. As dezenas de livros e demais produtos culturais decorrentes dessa efeméride – com raras exceções – parecem ter privilegiado uma imagem já cristalizada
da paulicéia, cujos limites geográficos não ultrapassam o centro expandido, reforçando estereótipos e preconceitos, e forjando uma identidade paulistana excludente, que ignora seus habitantes do leste, a despeito de esses representarem
mais de 1/3 de sua população.
Curiosamente, a Capela de São Miguel segue figurando como um dos maiores tesouros arquitetônicos da cidade, uma vez que ostenta o título de mais antiga igreja colonial ainda de pé na cidade. Dessa forma, analisar a ocupação das
Bacias do Aricanduva e do Itaquera, seus elos com a dinâmica geral da cidade e
suas peculiaridades históricas, pode ser uma chave para compreender o caráter
verdadeiramente plural e heterogêneo de São Paulo.
Colonização e aldeamentos
Festejos no Largo Matriz
de Santa Cruz (1915)
Acervo DPH
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A área ocupada pelas bacias hidrográficas do Aricanduva e Itaquera acolhe
uma população numerosa. Ambos os córregos são afluentes do Rio Tietê, cujas
nascentes localizam-se na Serra do Mar, região onde as chuvas são abundantes, a
aproximadamente 22 quilômetros do litoral, em terras do atual município paulista
de Salesópolis. Contudo, as águas do Tietê não chegam ao mar pelo caminho mais
curto: seguem em direção ao interior do Estado de São Paulo, uma longa jornada
de 1150 quilômetros que termina no Rio Paraná. Este, por sua vez, deságua no Rio
da Prata, que vai dar no Oceano Atlântico, entre o Uruguai e a Argentina.
Portanto, em termos continentais, o Tietê, o Aricanduva e o Itaquera fazem
parte da bacia hidrográfica do Prata. Como por bacia hidrográfica se entende a
área total de superf ície de terreno na qual um aqüífero ou sistema fluvial recolhe
sua água, ela se define de acordo com o rio ou aqüífero considerado – por isso é
possível falar em Bacias do Paraná, Tietê, Aricanduva e Itaquera. A bacia hidrográfica do Tietê é dividida atualmente em Alto, Médio e Baixo Tietê, no sentido
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Vista panorâmica do Lajeado
(1918)
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Acervo DPH
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da nascente à foz. A bacia hidrográfica do Alto Tietê, que se estende das nascentes até a Barragem de Rasgão, em Pirapora do Bom Jesus, ainda na região metropolitana, drena uma área de 5 985 km2, extremamente urbanizada e integrada por
35 municípios, com aproximadamente 18 milhões de habitantes.
Rios, córregos e nascentes, em meio a colinas e vales, florestas e várzeas, foram elementos marcantes das terras paulistanas e conferiram a ela um aspecto por demais encantador. Mais ainda, propiciaram a formação de um ambiente
bastante favorável ao estabelecimento de agrupamentos humanos, na medida em
que tamanha variedade de relevo, flora, fauna e a água em abundância ofereciam
inúmeras possibilidades de subsistência e, a partir da chegada dos europeus, em
meados do século XVI, de exploração econômica mercantil.
Os jesuítas e os colonos, que de São Vicente, litoral paulista, escalaram a Serra do Mar em direção ao planalto, situado a mais de 700 metros acima, região na
qual se ergueria a cidade de São Paulo, encontraram paragens onde já existiam
grupos indígenas numerosos. Lá esperavam melhor fortuna do que nas terras litorâneas, estreitas, onde fracassara por completo a tentativa de implantação da
grande produção açucareira nos moldes da que então prosperava no Nordeste
brasileiro, mais próximo dos centros consumidores europeus. As terras do planalto e as que se estendiam para o interior, o extremo oeste, cortado por grandes
rios, e sua população indígena despertavam o ímpeto catequizador dos jesuítas e
a cobiça escravista dos colonos.
Foi entre dois rios que São Paulo nasceu. Os jesuítas, liderados por Anchieta
e incentivados pela coroa, fundaram seu colégio no alto de uma colina íngreme e
por isso mesmo propícia à defesa militar, delimitada a oeste pelo vale do Riacho
do Anhangabaú e a leste pela várzea do Rio Tamanduateí. Ao norte da colina, o
Rio Tietê. Nas décadas que se seguiram à fundação de São Paulo, a escravização,
as guerras e as doenças disseminadas pelos europeus dizimaram a população indígena e desorganizaram suas sociedades – embora isso não tenha ocorrido sem
resistência. Mesmo assim, no planalto, ao longo dos rios, um novo mundo mestiço de brancos e índios deu origem a vários aldeamentos e povoados, mundo que
tinha em São Paulo o seu centro, uma vez que a vila representava o centro do sistema hidrográfico da região.
Nos aldeamentos, os índios eram constrangidos a viver sob a tutela dos colonizadores. O aldeamento de São Miguel foi criado por volta de 1560 e, de 1620 a
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Capela de São Miguel
Iolanda Huzak
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1624, ocupou uma colina na margem esquerda do Tietê, próxima às suas várzeas
e no meio dois de seus afluentes, o Jacu e o Itaquera. Nessa colina foi erguida uma
igreja, em 1622 – ainda hoje de pé. Assim, ao mesmo tempo em que estavam próximos dos rios onde podiam obter água e peixes ou se deslocar em canoas, os moradores de São Miguel ficavam protegidos das cheias periódicas do Tietê, nos meses
de chuva, Como foi visto, São Miguel não era o único aldeamento serraacima. Havia ainda o de Pinheiros (por volta de 1560), Guarulhos (por volta de 1580), Carapicuíba (fins do século XVI), Barueri (cerca de 1600), Embu (início do século XVII),
Itaquaquecetuba (século XVII) e Itapecerica (fins do século XVII).
Assim, o núcleo central paulistano, onde se instalara o Colégio dos Jesuítas e a maioria das autoridades e colonos, era cercado por aldeamentos – como
pode ser vistono mapa da Grande São Paulo de hoje, as localidades que surgiram a partir deles. Nos primeiros anos da colonização, além de fornecer mãode-obra aos colonos e facilitar a aculturação dos indígenas, os aldeamentos
funcionavam também como elemento de defesa. Os de Pinheiros e São Miguel
surgiram no contexto de luta entre os colonos e as tribos do planalto. Provavelmente, nos dois casos, a presença de núcleos populacionais indígenas nesses
locais era anterior à chegada dos europeus.
Os colonos instalados em São Paulo buscavam incessantemente se apoderar de novas terras onde pudessem estabelecer suas fazendas ou sítios. As técnicas agrícolas então usadas esgotavam rapidamente o solo e exigiam sempre terras virgens e férteis. Expandindo-se em todas as direções, a colonização atingiu
trechos das Bacias do Aricanduva e Itaquera. Poucos anos depois de 1580, quando receberam cada um 6 léguas de terras em sesmaria para cultivarem e se manterem, os aldeamentos de São Miguel e Pinheiros viram intrusos invadirem e tomarem parte delas, o que provocou protestos dos indígenas.
A usurpação das terras dos aldeamentos pela invasão ou por outros meios
prosseguiria ao longo dos séculos e ocorreria também em outros aldeamentos.
Poucoapouco os aldeamentos deram origem a núcleos populacionais nos quais
os indígenas não eram mais a maioria, mas, sim, os brancos e os mestiços. Foi o
que ocorreu em São Miguel, que deixou de ser um aldeamento no início do século XIX. Antes disso, contudo, sua população já estava debilitada pela intensa
exploração a que fora submetida, obrigada a trabalhar em terras de colonos na
condição de escravos.
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A Bacia Hidrográfica do Aricanduva
O Rio Aricanduva, afluente da margem esquerda do Rio Tietê, tem sua bacia localizada na região leste-sudeste da cidade de São Paulo. Ocupa as subprefeituras de São Mateus (distritos de São Mateus, Iguatemi e São Rafael); Sapopemba e Vila Prudente (distrito de Sapopemba); Aricanduva (distritos de
Aricanduva, Carrão e Vila Formosa); Itaquera (distritos de Cidade Líder e Parque do Carmo); Penha (distritos da Penha, Artur Alvim e Vila Matilde); e Mooca (distrito do Tatuapé). Compreende uma área de drenagem de cerca de 100
km2. Tem suas nascentes próximas ao município de Mauá. O vale por onde corre o rio tem uma extensão aproximada de 20 km e larguras variando entre 5 e 6
km, desenvolvendo-se desde a altitude de 905 metros, nas suas nascentes, até a
de 720 metros na foz.
Essa bacia hidrográfica tem como rio principal o Aricanduva e como afluentes os rios e córregos Anhumas (ou Inhumas), dos Machados, Rincão, Taboão,
Caaguaçu, Limoeiro, Taubaté, Rapadura, Tapera e Tatuapé, num ambiente que
se classifica como tropical subúmido, com boa definição dos regimes pluviométricos, a estação chuvosa ocorrendo de outubro a março e a estação de seca
entre os meses de abril e setembro. As porções alta (nascentes) e média da
bacia caracterizam-se por apresentar formas de relevo decorrentes de erosão,
com morros médios e altos. No trecho baixo da bacia (região próximo à foz),
suas formas de relevo também são erosivas, com colinas e patamares mais planos. A bacia do Rio Aricanduva apresenta naturalmente forte atividade erosiva
devido ao tipo de solo e relevo.
A vegetação original desse ambiente são características de mata atlântica,
denominada floresta ombrófila densa, e formações de várzea. Também compõem a vegetação dessa bacia áreas reflorestadas, praças e espaços públicos, jardins de residências e exemplares arbóreos em calçadas, consideradas vegetações
antrópicas, ou seja, plantadas pelos seres humanos. Por ser uma área extremamente urbanizada, existe pouca cobertura vegetal tanto original como antrópica.
Os Parques do Carmo e de Sapopemba e o Morro do Cruzeiro são áreas significativas de vegetação e, conseqüentemente, de permeabilização do solo. A Área
de Proteção Ambiental do Carmo – onde se situa o Parque do Carmo e o Parque
Sapopemba – ainda apresenta vegetação original.
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O grande adensamento populacional, o aterramento das várzeas para a
construção de avenidas e ruas, a canalização dos rios, a falta de coleta e tratamento de esgoto e o mau planejamento na construção das edificações são alguns dos muitos fatores que contribuíram para a má qualidade da água e as
constantes enchentes nessa bacia.
A ação do processo extensivo de ocupação urbana agrava ainda mais a tendência erosiva natural da bacia, especialmente nas áreas das suas cabeceiras, que,
além de destruir a cobertura vegetal de proteção superficial, removem os solos
superficiais e expõem aos processos erosivos os solos inferiores que são mais desagregáveis e, portanto, mais facilmente carregados pelas águas. Caso não sejam tomadas medidas urgentes de proteção dessas áreas, sua ocupação resultará
num inevitável aumento do assoreamento dos leitos dos cursos d’água, influenciando até o leito do próprio Rio Tietê.
As enchentes, naturais em qualquer bacia hidrográfica, se configuram
como um dos problemas que mais causam prejuízos à população e às administrações públicas. Isso se deve principalmente à ocupação das várzeas, o
que diminui ainda mais as áreas com vegetação, ou seja, as áreas permeáveis
para o excesso de água.
Outro grande problema dessa bacia é a falta de coleta de resíduos sólidos.
Cerca de 1% dos domicílios da bacia (cerca de 6000) lançam o lixo diretamente nos cursos d’água, contribuindo assim para sua obstrução e assoreamento. Cerca de 16% dos domicílios dessa bacia não são atendidos pela coleta de
esgoto. Isso significa que muitas famílias convivem com a situação do “esgoto a céu aberto”.
Outra questão que se apresenta são os aterros para ocupações diversas,
sobretudo nas várzeas. Neles são utilizados entulhos e até mesmo lixo para
nivelar os terrenos. Geralmente esses aterramentos recobrem os depósitos
carregados naturalmente pelos rios (aluviões), principalmente nas áreas de
maior ocupação urbana e viária. Nessas áreas, o recobrimento pode ser considerável, alcançando até vários metros de espessura. Na bacia do Rio Aricanduva também existem áreas de possíveis contaminações do solo por alumínio e resíduo industrial.
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Vista aérea da região do
Parque do Carmo e Rio Aricanduva (s.d.)
Acervo da Companhia do Metropolitano
de São Paulo (Metrô)
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A Bacia Hidrográfica do Itaquera
Balneário de Itaquera (1986)
Acervo DPH
Israel dos Santos Marques
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A bacia hidrográfica do Rio Itaquera localiza-se no extremo leste da zona leste do município de São Paulo. Ocupa as subprefeituras de Cidade Tiradentes (distrito de Cidade Tiradentes), Guaianases (distritos de Guaianases e Lageado) e de
São Miguel (distrito de São Miguel). Suas nascentes situam-se nos municípios de
São Paulo, na subprefeitura de Cidade Tiradentes, e no município de Ferraz de
Vasconcelos. A foz do seu rio principal é no Rio Tietê.
O rio principal da bacia é o Itaquera. Seus afluentes são os rios e os córregos Itaquera Mirim, Guaratiba e do Rodeio, num ambiente que se classifica como tropical subúmido, com boa definição dos regimes pluviométricos.
A estação chuvosa se dá de outubro a março e a estação de seca entre os meses de abril e setembro.
Essa bacia é formada por várzeas e terrenos baixos em suas porções baixas
e médias e, em seu trecho alto, colinas e patamares mais altos. Assim como a
bacia do Rio Aricanduva, esse ambiente possui vegetação original característica de mata atlântica, denominada floresta ombrófila densa, e formações de várzea, e as vegetações consideradas antrópicas são compostas por áreas reflorestadas, praças e espaços públicos, jardins de residências, exemplares arbóreos
em calçadas e cemitérios.
Também por ser uma área extremamente urbanizada, possui pouca cobertura vegetal tanto original como antrópica. As áreas de vegetação que se
destacam são: o Parque Chico Mendes, onde são encontrados remanescentes
de mata original, vegetação antrópica, de brejo e aquática; o Parque Raul Seixas, que possui vegetação antrópica e aquática; a Mata das Sete Cruzes, localizada na região de cabeceiras, onde há manchas de mata original; o Parque
Ecológico do Tietê; e uma área de proteção ambiental composta por significativa vegetação original, a APA do Iguatemi. Há também uma área na região
das nascentes do Rio Itaquera chamada Parque do Rodeio, que passa pelo
processo de reflorestamento.
Assim como a bacia do Rio Aricanduva, a Bacia do Itaquera é extremamente
urbanizada, constituindo-se na região de maior densidade populacional do município. Esse ambiente possui forte concentração de favelas e loteamentos irregulares, o que causou o desmatamento de áreas que ainda eram preservadas. A
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cobertura vegetal é mediana em áreas que não foram ocupadas por edificações e
escassas na maior parte da bacia.
Na área onde se situam as nascentes do Rio Itaquera, durante a implantação
de um loteamento, movimentou-se muito o solo, contribuindo para o deslocamento desse para os cursos d’água, agravando as enchentes.
Foi identificada uma área utilizada para recuperação de recipientes de resíduos industriais (tambores e bombonas), o que pode ter acarretado contaminação no aqüífero. Essa ação provavelmente causou a destruição de espécies arbóreas dentro da APA do Iguatemi, que simplesmente secaram pela contaminação
do solo. Nessa bacia existem mais duas áreas suspeitas de contaminação. O lago
de São Miguel durante muitos anos foi utilizado como depósito de resíduos, o
que causou a sua contaminação. Um antigo porto de areia, que depois foi transformado em aterro sanitário, operou durante oito anos recebendo resíduos. A
população dessa região foi atingida pela migração de gás através da rede de esgoto. Hoje esse aterro está desativado e a população local luta para que a área seja
transformada em um parque.
Os rios que compõem essa bacia possuem mata ciliar em trechos mínimos,
por terem sido quase totalmente canalizados, embora ainda existam muitos pontos de esgoto a céu aberto. As taxas de cobertura de coleta de lixo e de esgoto são
ausentes em muitas áreas, situando-se abaixo das taxas médias do município.
Penha de França
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Casa Pintada (1827)
Local de pouso de tropeiros,
situado no atual bairro de
Itaquera, na divisa com
o Córrego Itaquera.
Aquarela de Jean Baptiste Debret
(Viagem pitoresca e histórica ao
Brasil) Edusp
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Ao longo dos primeiros séculos da colonização, as terras compreendidas nas
Bacias do Aricanduva e Itaquera foram distribuídas em sesmarias e ocupadas. Sesmarias eram terras incultas doadas a quem se comprometesse a cultivá-las, primeiro pelos capitães donatários e depois pelos governadores indicados pela coroa
portuguesa. Nas últimas décadas do século XVII, em uma colina junto ao Tietê e à
barra do Aricanduva, em terras pertencentes aos sesmeiros Mateus Nunes de Siqueira e Jacinto Nunes de Siqueira, foi erguida uma capela em louvor a Nossa Senhora da Penha de França, em torno da qual se formou um pequeno povoado. A
nova localidade se tornou rapidamente um centro de peregrinação em São Paulo,
talvez o mais movimentado na cidade até meados do século XX. Trilhas e picadas
interligavam a Penha às cabeceiras do Aricanduva e ao centro da cidade.
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Além de receber romeiros, a imagem de Nossa Senhora da Penha era levada em procissão ao núcleo central paulistano, sobretudo quando as epidemias ou
secas flagelavam a população. Para isso, empregava-se o caminho que interligava
São Paulo ao Rio de Janeiro, que começava na várzea do Tamanduateí, atravessava as terras do atual bairro do Brás, alcançava a Penha, onde era comum os viajantes pararem, e seguia adiante para Mogi das Cruzes.
Foi por esse caminho que o botânico francês Auguste de Saint-Hilaire lá chegou. Ele, que entre 1816 e 1822 viajou por grande parte do Brasil, identificou mais
de 7 000 espécies de plantas, das quais cerca de 4 500 eram então desconhecidas
pelos cientistas. De sua passagem pela Penha, ele nos conta:
*
Saint-Hilaire, Auguste de.
Viagem à Província de São Paulo.
Belo Horizonte, Itatiaia.
São Paulo, Edusp, 1976, p. 148.
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“Aproveitei minha estada em São Paulo para ir colher plantas no Arraial de Nossa Senhora da Penha, situado a 2 léguas da cidade, numa colina que limita, a leste, uma planície
de que já falei. Vista de longe, sua igreja parece rodeada de árvores copadas, que limitam
de forma pitoresca o horizonte. Para chegar ao arraial é preciso tomar a estrada do Rio
de Janeiro. Essa estrada atravessa a planície e, do lado de São Paulo, começa por um belo
caminho pavimentado, de cerca de 400 passos, que avança pelos brejos do Tamanduateí.
A planície é perfeitamente regular e, como já tive ocasião de dizer, apresenta uma agradável sucessão de pastos de capim rasteiro e de tufos de árvores de pouca altura. Os habitantes de São Paulo dão-lhe o nome de várzea, que de um modo geral é aplicada a toda
a planície alagadiça. (...) Nossa Senhora da Penha ou simplesmente Penha, é uma paróquia que faz parte do distrito de São Paulo. Da colina que encima o arraial e no sopé da
qual serpenteia o Tietê, descortina-se uma vista encantadora, que abarca toda a planície,
as montanhas que abarcam a cidade de São Paulo, como seus palácios e campanário. O
arraial propriamente dito tem poucas casas, mas nas suas redondezas há muitas casas de
campo e propriedades de variado tamanho, tais como fazendas, sítios e chácaras. A igreja constituída no centro do arraial parece rodeada de árvores se vista de longe, mas isso
se deve apenas a uma questão de perspectiva, que faz com que as matas vizinhas pareçam próximas, impedindo que se vejam as casas.” *
Como se pode notar no depoimento de Saint-Hilaire, era uma paisagem marcadamente rural que caracterizava a região, com fazendas, sítios e chácaras. A
estrada São Paulo-Rio estimulava o aparecimento dos estabelecimentos comerciais citados pelo viajante francês e atividades relacionadas ao transporte, como
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o pouso da Casa Pintada, que deu origem a Itaquera. As viagens em montaria ou
a pé podiam levar dias, ou mesmo meses, e era preciso encontrar lugares seguros
onde homens e animais pudessem se alimentar, descansar e passar a noite. Era
isso que ofereciam os pousos, locais simples e rústicos. Assim tornaram-se indispensáveis em uma época em que as tropas de mulas eram responsáveis pelo grosso do transporte de mercadorias pelo território paulista, o que somente deixou
de ocorrer com o advento das ferrovias.
Café, ferrovias e imigrantes
No século XIX, os moradores da região do Aricanduva e Itaquera eram em
sua maioria humildes, embora houvesse alguns com posses, como o comendador
Carrão, professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, muito feliz
com os seus parreirais cultivados à beira do Aricanduva. De fato, na maior parte
das localidades de São Paulo, cidade onde a riqueza e o poder sempre estiveram
muito concentrados, a população era pobre. A capital paulista, em 1836, tinha
cerca de 22 000 habitantes e, quando comparada às demais capitais brasileiras,
não ficava entre as mais populosas e dinâmicas, pelo contrário.
A cidade entrou em um novo ritmo no final do século XIX, embora a concentração de renda e poder permanecesse. São Paulo mudou tão radicalmente que um estudioso chegou mesmo a afirmar que houve como que uma segunda fundação da cidade. Tais transformações foram desencadeadas pela
expansão dos cafezais no interior paulista, em um momento de grande procura de café no mercado mundial. São Paulo, que não era apenas sede política, mas também ponto de articulação do território paulista, integrou-se ao
complexo agroexportador cafeeiro como centro financeiro, mercantil e ferroviário, o que desencadeou um intenso processo de urbanização e crescimento demográfico: a cidade que, em 1872, possuía 31 000 habitantes, passou a
contar 239 000, em 1900. No ano de 1920, quando São Paulo já se consolidara
como pólo industrial, eram 579 000 os moradores da capital paulista, número que em 1940 atingiria a marca de 1 326 261 pessoas. Nas três décadas seguintes, o processo de industrialização prosseguiu vigoroso, diminuindo seu
ímpeto, posteriormente. Em 1970, a cidade abrigava cerca de 5 900 000 habitantes, e, em 2004, 10 400 000 habitantes.
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No período, houve ainda uma intensificação das relações capitalistas na sociedade, forte penetração de capitais internacionais e a assimilação de inovações
tecnológicas, científicas e culturais, entre elas, a eletricidade. No que se refere aos
transportes, é também no final do século XIX que chegam à cidade dois novos
meios de locomoção, ambos sobre trilhos, que iriam transformar o deslocamento de homens e mercadorias: a ferrovia e o bonde elétrico – que substitui os bondes puxados por burros empregados durante um curto período.
A primeira ferrovia paulista, a São Paulo Railway, conhecida também como “a Inglesa” ou Santos-Jundiaí, ficou pronta em 1867. Ela interligava o interior paulista e suas
fazendas de café à capital e ao Porto de Santos, de onde o produto era exportado. Em
1875, chegaram à cidade os trilhos da Sorocabana e os da Central do Brasil. Esta fora
construída em meados do século XIX unindo a cidade do Rio de Janeiro, que era a capital do Brasil, ao Vale do Paraíba, então no auge da cultura cafeeira. A Central do Brasil atravessava a região do Aricanduva e Itaquera e seu ponto inicial em São Paulo era o
bairro do Brás, na “estação do norte”. A passagem da ferrovia em território paulistano
deu origem a várias estações, que atraíram moradores para seus arredores, entre elas,
as de Itaquera e do Lajeado, locais onde já havia pequenos núcleos populacionais.
Os japoneses de Itaquera
Monumento comemorativo
dos 70 anos da imigração
japonesa e ao plantio do jardim
das cerejeiras do
Parque do Carmo (1986)
Acervo DPH
Israel dos Santos Marques
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A partir do final do século XIX, segundo dados oficiais, entraram no Brasil
3 993 776 migrantes estrangeiros. Tal processo decorreu da implementação de
projetos de colonização agrícola com a finalidade de povoamento e defesa do território nos Estados do Sul e, principalmente, a implantação da cultura do café,
que intensificou o fluxo migratório para as fazendas do Estado de São Paulo. Explicam esse fluxo migratório, também, as grandes transformações econômicas
pelas quais passava a Europa no final do século XIX.
No dia 18 de junho de 1908, desembarcaram no Porto de Santos os primeiros
imigrantes japoneses, eram 800 passageiros, 781 vinham contratados para trabalhar nas fazendas de café e o restante vinham espontaneamente. A imigração japonesa tornou-se viável por causa do Tratado da Amizade Brasil-Japão. Assim,
da mesma forma que a Itália, esse país procurava resolver, por meio da emigração, seus problemas econômicos, pois uma grande parte da população passava
fome devido à falta de terras para o cultivo.
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Trenzinho Passo fundo. Trajeto
estação do Lajeado à Fazenda
Santa Etelvina (1927)
Acervo DPH
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Os japoneses vinham com o sonho de se tornarem agricultores independentes. Trabalhavam, dessa forma, de dois a seis anos para conseguir juntar dinheiro e comprar sua terra. Dirigiram-se, então, para o Triângulo Mineiro ou para as
margens do Rio Grande, onde implementaram o cultivo do arroz, prática que tinha grandes possibilidades de sucesso.
O cultivo de hortaliças na periferia da cidade de São Paulo se restringia a
uma pequena minoria. Em 1911, há indícios de japoneses cultivando em Santana, ao norte da cidade, e em Taipas, próximo ao Pico do Jaraguá. Em 1913, foram
desenvolvidas frentes de plantio no Morumbi. Entre 1913 e 1914, dez famílias de
Guatapará fixaram-se em 50 alqueires de Mairiporã (então Juqueri). Em 1914,
deu-se a ocupação da Vila Cotia, em Moinho Velho, que mais tarde se tornaria
famosa pelo seu plantio de batatas.
Foram vários os fatores que levaram os japoneses a optar pela exploração
agrícola na periferia da cidade. Num primeiro momento, foram influenciados
pela experiência bem-sucedida de um imigrante japonês nos Estados Unidos.
Alguns se desiludiram com o trabalho nas fazendas e fugiram para as cidades. Como não conseguiam emprego, dedicavam-se à agricultura nos arredores da cidade. Muitos se dirigiram para as áreas
periféricas pela proximidade de escolas e atendimento médico.
Foi nesse contexto que, em 1925, foi fundada a
Colônia de Itaquera, ocupada por 300 famílias japonesas, que se instalaram nas Terras de Cahuassú,
desmembrada da Fazenda do Carmo, e de propriedade da atual Ordem Terceira do Carmo. Nela foram pioneiros ao introduzir o plantio do pêssego
no Brasil, nas décadas de 40 e 50, e passaram a ter
grande importância na produção e abastecimento
de hortaliças, legumes, frutas e flores para a população de toda a cidade. Hoje é possível verificar as
marcas dessa migração no Parque do Carmo, onde
se encontram 14 000 pés de cerejeiras, que foram
trazidas do Japão e mantidas pela Comissão da Administração de Cerejeiras.
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Nitro Química e a Nova Bahia
Trem trafegando na Variante da
Ferrovia Central do Brasil, na
várzea do Rio Aricanduva (1986)
Acervo DPH
Israel dos Santos Marques
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Até a década de 20, apesar do desenvolvimento da cidade de São Paulo, São
Miguel (que naquela época abrangia Itaquera e Guaianases) não passava de um
arraial. O número de habitantes era de 4 702 pessoas. Em 1925, houve uma primeira tentativa de lotear alguns terrenos ao longo do rio, mas fracassou. Um antigo morador, nascido em 1915, faz a seguinte descrição de São Miguel daquele
tempo: “as casas e a igreja de taipa, a praça para onde todos iam, as festas religiosas, a calma de uma vida pacata de aldeia”.
A partir dos anos 30, São Miguel passou a ser integrada a São Paulo por
meios de transportes: em 1930, foi inaugurada a linha de ônibus Penha-São Miguel e, em 1932, a nova estação de São Miguel. Contando com essa infra-estrutura, passaram a existir as condições para a sua expansão.
O crescimento acelerado de São Paulo repercutia no território das Bacias do
Aricanduva e Itaquera. Em algumas localidades, como no caso da Penha, mais
próxima do centro da cidade e do populoso bairro do Brás, a urbanização avançava rapidamente. Em São Miguel, em 1935, foi instalada a Companhia Nitro
Química Brasileira, em terrenos localizados próximos ao Tietê e ao Córrego Itaquera. A facilidade de transporte oferecida pela ferrovia, o preço relativamente
baixo da terra e a proximidade dos cursos d’água, que garantia o escoadouro dos
detritos resultantes do processo produtivo, eram atrativos para a empresa. Esse
tipo de ocupação industrial se repetiu em outras partes da metrópole nascente.
Em meados do século passado, a Companhia Nitro Química Brasileira ocupava uma área de 200 000 m2 e empregava 8 000 operários, produzindo, entre
outros produtos, ácido sulfúrico, tintas e sulfato de sódio. Quando a indústria
fez sua primeira descarga de resíduos no Tietê, a mortandade de peixes foi tão
grande que eles se acumularam aos milhares nos remansos dos rios, cobrindo a
superf ície das águas. A Nitro Química foi um grande estímulo à ocupação mais
intensa de São Miguel. Muitos operários, com suas famílias, procuravam morar perto do lugar onde trabalhavam, evitando, assim, deslocar-se pela cidade.
Em 1934, São Miguel tinha 2 224 habitantes e, em 1940, eles passaram a 7 700
e, em 1950, eram 39 376.
O que explica o desenvolvimento vertiginoso de São Miguel e de outras regiões com o mesmo padrão de crescimento é o problema habitacional. A falta
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Trecho entre as estações
Artur Alvim e Itaquera do
Metrô (1987)
Acervo da Companhia do
Metropolitano de São Paulo
(Metrô)
de residências e o encarecimento dos aluguéis nas áreas centrais fizeram com que os trabalhadores pobres da cidade e os
recém-chegados a São Paulo fossem empurrados para as regiões periféricas. Com o surgimento de loteamentos em lugares afastados, foram surgindo vilas e jardins sem nenhuma
infra-estrutura, a não ser o arruamento precário que permitia
colocar os lotes à venda.
Esse processo de urbanização, conhecido como “padrão
periférico” de crescimento urbano, marcou a cidade nas décadas de 50 e 60. Além disso, eram os próprios moradores com a
ajuda de amigos e familiares que construíam as casas para morarem. Alguns setores conseguiram conquistar benfeitorias urbanas – eletricidade, rede de saúde e escolas.
Apesar de São Miguel ter passado por esse processo típico
das regiões periféricas, a existência da Nitro Química dava-lhe
características de um bairro industrial, afinal, muitos de seus moradores não precisavam enfrentar grandes deslocamentos rumo ao trabalho. No entanto, mesmo
com a crise daquela indústria nos anos 60, o bairro continuou a receber migrantes nordestinos nas décadas de 70 e 80. Esse enorme fluxo de migrações, advindas da Região Nordeste rende a São Miguel o apelido de “Nova Bahia”. Ainda hoje
há quem defenda a oficialização dessa denominação. Em 2004, a população da
área administrada pela subprefeitura de São Miguel, os distritos de Jardim Helena, Vila Jacuí e São Miguel é de 378 438 pessoas.
Padrões de habitação
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A grande procura por material de construção para as obras paulistanas estimulou o aparecimento de inúmeras olarias nas margens do Tietê a montante
da Penha e próximas a outros cursos d’água das Bacias do Aricanduva e Itaquera. Houve o incremento da exploração madeireira. Algumas famílias abastadas
mantinham chácaras e casas de campo na região e a própria agricultura ganhou
novo impulso com a chegada de pequenos proprietários. Na década de 20, uma
antiga fazenda foi loteada e transformada em inúmeros sítios vendidos a colonos japoneses, que formaram um importante núcleo agrícola em Itaquera. Imi-
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*
PRADO Jr., Caio. “A cidade de
São Paulo: geografia e história.”
In: Evolução Política do Brasil e
Outros Estudos. São Paulo,
Editora Brasiliense, 1966, p. 130.
Cohab José Bonifácio,
em Itaquera (1986)
Acervo DPH
Israel dos Santos Marques
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grantes de diversas nacionalidades e cada vez mais migrantes de toda parte do
Brasil chegaram à região para trabalhar no campo ou nas olarias ou, então, simplesmente para morar.
De fato, muitas fazendas decadentes eram transformadas não em sítios ou
chácaras, mas sim em loteamentos urbanos, pois então a procura por moradia
era intensa na cidade. Afinal, o crescimento demográfico era alto e não havia nenhuma política oficial de construção massiva de habitação popular. Além disso,
o aluguel nas regiões mais centrais era inacessível para os baixos níveis de remuneração da grande maioria da população. Assim, a saída era procurar a periferia,
onde trabalhadores compravam um lote e construíam suas próprias casas.
Em 1937, o historiador Caio Prado Jr. afirmou que São Paulo era então uma
cidade descontínua, em que se alternavam “num caos completo, aspectos de
grande centro urbano, modesto povoado de roça, ou mesmo zona de sertão”.*
Por um lado, isso era decorrente do fato de a cidade se formar a partir de diferentes núcleos populacionais dispersos em um território de relevo movimentado e cortado por rios e extensas várzeas. Por outro lado, a explosão demográfica – que exigia prédios e casas, conjugada a ações especulativas e a um explícito
desejo de segregação social por parte das camadas privilegiadas locais– provocava uma desmesurada expansão da mancha urbana, que engolia as áreas rurais
e matas paulistanas e, ao mesmo tempo, mantinha
em seu interior enormes vazios e terrenos ociosos à
espera de valorização imobiliária.
No espaço urbano surgia claro perfil de classe,
arquitetado pela elite sociopolítica e implementado
por meio de investimentos e obras, legislação urbanística e coerção social. Em linhas gerais, a partir de
fins do século XIX, buscou-se fazer do centro da cidade uma área especializada no comércio e nos serviços elegantes, da qual se procurava suprimir as moradias populares, especialmente os cortiços. Bairros
residenciais exclusivos foram criados na zona oeste
da cidade e no espigão central, expandindo-se em direção ao Rio Pinheiros, destinados às classes de alto
poder aquisitivo. Aos setores populares restaram os
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Vista aérea da região
de São Mateus (s.d.)
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Acervo da Companhia do
Metropolitano de São Paulo
(Metrô)
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arredores, os morros demasiadamente íngremes, e as partes baixas da cidade, nas
margens de rios e córregos, ou crescendo em sua direção a partir de terras baixas enxutas, mas sujeitas a terríveis problemas de drenagem, o que as aproximava das várzeas úmidas. Lugares com infra-estrutura e equipamentos urbanos ausentes ou bastante precários, o oposto do que ocorria nos outros casos. Ao longo
do século XX, esse modelo de desenvolvimento urbano seria mantido, perpetuando o surgimento de bairros novos e carentes.
No final da década de 40, o loteamento de uma fazenda de 50 alqueires deu
origem ao bairro de São Mateus. A autoconstrução na periferia ganhou impulso
após a Segunda Guerra Mundial. Entre 1940 e 1950, aproximadamente 100 000 famílias passaram a morar em casas próprias na periferia da cidade, mais de 500 000
pessoas. Empurrados pela elite da cidade, pela concentração de renda e, a partir
dos anos 80, por crises econômicas, os setores populares continuaram a ocupar
a zona rural do município, as áreas de mananciais e florestas durante toda a segunda metade do século.
Em meados da década de 50, a Penha estava praticamente integrada à mancha central urbana de São Paulo. Além da Penha, havia grandes trechos em que a
paisagem era mais próxima ao rural, com campos e matas, e os núcleos urbanos
já consolidados de São Miguel, Itaquera, Guaianases, bem como os novos, como
São Mateus. Dizia-se, então, que em São Paulo havia a cidade e seus subúrbios ou
arredores. Itaquera e Guaianases e as localidades que surgiam nas Bacias do Aricanduva e Itaquera tornavam-se preferencialmente locais de moradia para pessoas que trabalhavam em outras regiões da metrópole, o que implicava em um
deslocamento diário, usando principalmente os trens.
Nessa época não havia água encanada na região de Itaquera, tampouco rede
de esgotos. Os moradores conseguiam água de poços, que atingiam até 20 metros de profundidade. Aspecto pitoresco do bairro eram os cata-ventos numerosos, erguidos para acionar bombas de sucção que retiravam a água dos poços.
A eletricidade era conquista recente e a iluminação pública somente chegaria
em fins da década de 60. As ruas não eram pavimentadas e partes do bairro sofriam com as inundações. Em 1968, 89,3% dos domicílios de Itaquera eram desprovidos de água, 96,9% de esgoto, 87,5% não tinham pavimentação em suas
ruas e 71,9% de coleta de lixo. Em São Miguel, os números eram, respectivamente, 49,9 - 44,4 - 44,5 - 11,1 e, na Penha, 43,2 - 74,4 - 70,3 - 59,8. Em 1979,
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páginas 1 - Adriano Diogo