Efeitos indirectos do IDE para as empresas nacionais – o que nos diz a
evidência empírica?
Maria Paula Fontoura (ISEG-UTL)
e
Nuno Crespo (ISCTE)
Resumo: Desde meados da década de 1970, emergiu um vasto campo de investigação
que tem procurado avaliar a existência de efeitos indirectos do Investimento Directo
Estrangeiro (IDE), associados à possibilidade de as empresas estrangeiras gerarem
externalidades para as empresas nacionais, traduzidas em ganhos de produtividade. Os
resultados obtidos não fornecem, todavia, conclusões plenamente esclarecedoras,
caracterizando-se por uma elevada ambiguidade. Para além de salientarmos os diversos
canais através dos quais estes efeitos se podem concretizar, analisamos, tendo por base
o mais amplo leque de estudos empíricos existente sobre esta questão, a resposta que
esta literatura fornece quanto à existência de externalidades horizontais e verticais.
Começamos por analisar a existência de externalidades em termos globais, i.e., tendo
em consideração o conjunto das empresas analisadas. Face à acentuada ambiguidade
que caracteriza os resultados produzidos neste domínio, focamos, igualmente, uma
vertente mais recente da literatura sobre este tema, que se tem concentrado na avaliação
dos factores que condicionam a existência e a magnitude dos efeitos indirectos do IDE.
Neste contexto, é possível verificar que estes efeitos manifestar-se-ão, provavelmente,
apenas para um sub-grupo de empresas nacionais. Finalmente, focamos a evidência
empírica disponível para o caso português.
Palavras-chave: externalidades horizontais,
multinacionais, produtividade, Portugal.
Códigos JEL: F21, F23.
externalidades
verticais,
empresas
Spillovers do IDE para as empresas nacionais – o que nos diz a
evidência empírica?
1. Introdução
Ao longo das décadas mais recentes, tem emergido uma visão progressivamente
mais favorável ao Investimento Directo Estrangeiro (IDE), situando-o como uma das
vias mais relevantes para a promoção do desenvolvimento económico dos países de
acolhimento. Esta perspectiva tem gerado uma concorrência crescente pela captação de
IDE, frequentemente traduzida num tratamento preferencial concedido à empresa
multinacional (EMN).
Para além dos efeitos directos do IDE, expressos, por exemplo, na criação de
emprego, formação de capital, acréscimo de receitas fiscais ou contributo para a
transformação da estrutura produtiva e de exportação dos países receptores, é
frequentemente salientada a existência de significativos efeitos indirectos do IDE,
mediante os quais as empresas nacionais poderiam, fruto do contacto, no mercado local,
com EMN mais eficientes, obter ganhos de produtividade. Se esses ganhos não forem
internalizados na sua totalidade pelas EMN, serão geradas externalidades para as
empresas nacionais. Estas externalidades poderão ocorrer quando a empresa estrangeira
e a empresa doméstica pertencem ao mesmo sector (externalidades horizontais) e/ou
quando se situam em sectores diferentes.
Desde o trabalho pioneiro de Caves (1974), tem sido desenvolvida uma larga
vertente de análise devotada ao estudo empírico da existência destes efeitos de
externalidade do IDE em termos globais, i.e., no que se refere ao conjunto dos
sectores/empresas considerados. Mais recentemente, e em parte como resposta aos
resultados ambíguos obtidos com a avaliação anterior, a análise tem-se concentrado,
sobretudo, nos factores que condicionam a existência, magnitude (e, inclusive, o sinal)
destas externalidades, no pressuposto de que estes efeitos ocorrerão apenas num subgrupo de empresas nacionais com determinadas características. Tomando por referência
os surveys sobre o tema de Crespo e Fontoura (2006, 2007), que reúnem o mais largo
conjunto de estudos existente sobre esta temática, e todos os estudos específicos sobre a
realidade portuguesa, o presente trabalho procura efectuar um balanço das conclusões a
que tem sido possível chegar e perspectiva alguns rumos para investigação futura.
O artigo está estruturado em 7 secções. Na secção 2, é efectuada uma breve
síntese dos canais de transmissão de externalidades do IDE das EMN para as empresas
nacionais. As secções 3 e 4 abordam a evidência existente relativamente às
externalidades em termos globais, respectivamente na sua vertente horizontal e vertical.
Na secção 5, são analisados alguns dos principais factores que têm sido apontados como
determinantes da existência e da magnitude dos efeitos indirectos do IDE para as
empresas nacionais. A secção 6 aborda, de forma específica, o caso português. A secção
7 esboça alguns comentários conclusivos.
2. Vias de transmissão de externalidades
As externalidades do IDE das EMN para as empresas nacionais podem
concretizar-se mediante diversos canais/vias de transmissão. É possível considerar a
existência de cinco grandes canais: processo de demonstração/imitação, mobilidade do
factor trabalho, exportações, concorrência e relações com fornecedores e compradores
locais. Vejamos, sumariamente, a argumentação que se encontra subjacente a cada um
deles.
(i) Processo de demonstração/imitação: este canal representa, provavelmente, a via mais
evidente de geração de externalidades (Das, 1987; Wang e Blomström, 1992). A
introdução de uma nova tecnologia num determinado mercado poderá constituir um
risco e acarretar um custo demasiado elevado para as empresas nacionais, no sentido em
que implica custos de informação sobre a nova tecnologia e tem associada alguma
incerteza quanto ao sucesso da sua aplicação no mercado local. A utilização dessa
tecnologia por parte da EMN poderá, neste contexto, representar uma indicação
relevante quanto à viabilidade da tecnologia em causa, criando um incentivo para a sua
adopção pelas empresas nacionais.1
(ii) Exportações: para além da análise da influência das EMN sobre a produtividade das
empresas nacionais (tema central da nossa análise no presente artigo), tem sido
desenvolvida, embora numa dimensão muito mais limitada, uma outra vertente que
1
Obviamente, como salientam Barrios e Strobl (2002), a importância deste efeito será superior quando o
bem produzido pela EMN for um substituto próximo daquele que a empresa nacional produz.
aborda o impacto das EMN sobre a capacidade exportadora das empresas nacionais.2 A
evidência já produzida nesta vertente de investigação permite constatar que a presença
das EMN exerce um efeito positivo na capacidade exportadora das empresas nacionais
(Rhee, 1990; Aitken et al., 1997; Kokko et al., 2001). Na realidade, a exportação
envolve um conjunto de custos relacionados, por exemplo, com o estabelecimento de
redes de distribuição e de transporte, o conhecimento das preferências dos consumidores
nos mercados exteriores, entre outros aspectos. As EMN, pela sua natureza, encontramse numa posição mais favorável para enfrentar estes factores. Este facto pode contribuir
para facilitar o processo exportador das empresas locais uma vez que estas, por imitação
(ou, em circunstâncias específicas, por colaboração), podem ter um mais amplo
conhecimento e minimizar os custos de entrada no mercado externo. Os ganhos obtidos
por esta via poderão contribuir para melhorar a sua eficiência produtiva. De facto,
vários estudos concluem que as empresas exportadoras registam níveis superiores de
produtividade (Bernard e Jensen, 1999; Sgard, 2001; Girma, 2003; Greenaway et al.,
2004).
(iii) Mobilidade do factor trabalho: uma terceira via de transmissão de externalidades
refere-se à possibilidade de as empresas locais contratarem trabalhadores que, tendo
trabalhado nas EMN, conheçam a tecnologia aí utilizada e possam implementá-la na
empresa local, garantindo o seu funcionamento (Fosfuri et al., 2001; Glass e Saggi,
2002).3 No entanto, como salienta Saggi (2002), o impacto da mobilidade do trabalho
no nível de eficiência das empresas nacionais é difícil de quantificar, na medida em que
requer a necessidade de acompanhar o percurso dos trabalhadores e apurar a sua
influência na produtividade das empresas nacionais. É importante salientar a possível
existência de um impacto negativo através deste canal, resultante do facto de as EMN,
devido ao superior nível salarial praticado, poderem atrair os melhores trabalhadores das
empresas nacionais (Sinami e Meyer, 2004).
(iv) Concorrência: o acréscimo de concorrência provocado pela presença das EMN no
mercado local representa uma outra via de concretização dos efeitos de externalidade
(Wang e Blomström, 1992; Markusen e Venables, 1999). Efectivamente, a concorrência
2
Uma visão sintética desta vertente de avaliação é apresentada por Görg e Greenaway (2004).
Para alguma evidência sobre a relevância deste canal, veja-se, por exemplo, Gershenberg (1987), Caves
(1996) ou Pack (1997). Para uma visão mais detalhada sobre este domínio, considere-se Blomström e
Kokko (2003).
3
entre as EMN e as empresas nacionais constitui um incentivo para estas últimas
utilizarem os recursos e a tecnologia existentes de modo mais eficiente ou mesmo para a
adopção de novas tecnologias. Note-se, todavia, que a presença das EMN pode exercer,
através deste canal, um impacto negativo sobre a eficiência das empresas nacionais, na
medida em que poderá provocar importantes perdas de quota de mercado, forçando-as a
produzir numa escala menos eficiente, com o consequente aumento dos seus custos
médios (Harrison, 1994; Aitken e Harrison, 1999) ou mesmo a saída do mercado por
parte de algumas empresas.
(v) Backward e forward linkages: uma última via através da qual as EMN podem
beneficiar as empresas nacionais prende-se com as relações que estas estabelecem, no
mercado local, com as EMN, enquanto suas fornecedoras (backward linkages) ou
compradoras de inputs intermédios (forward linkages), como tem sido destacado, por
exemplo, por Lall (1980), Rodríguez-Clare (1996), Markusen e Venables (1999) ou Lin
e Saggi (2004).
No que respeita às externalidades concretizadas através de backward linkages, é
possível verificar que, existindo rendimentos crescentes à escala, a presença das EMN
pode beneficiar as empresas fornecedoras no sentido em que aumenta a procura de
inputs locais. Para além disso, visando assegurar um determinado padrão de qualidade,
a EMN poderá auxiliar as empresas fornecedoras em variados aspectos, tais como:
apoio técnico visando a melhoria da qualidade dos bens produzidos ou a introdução de
inovações, por exemplo através da formação de trabalhadores; apoio na criação de infraestruturas produtivas ou na aquisição de matérias-primas; apoio a nível organizacional e
de gestão, entre outros aspectos (Lall, 1980).
As externalidades das EMN sobre as empresas locais podem ocorrer também
através de forward linkages, materializando-se no possível fornecimento de inputs de
maior qualidade e/ou a um preço inferior às empresas locais produtoras de bens finais
(Markusen e Venables, 1999). Não é possível excluir, todavia, que o aumento de
qualidade na produção possa provocar um aumento de preço. Caso as empresas
nacionais não tenham capacidade para beneficiar do acréscimo de qualidade dos inputs
adquiridos, elas suportarão um custo acrescido, ocorrendo um impacto negativo através
de forward linkages (Javorcik, 2004).
Os quatro primeiros mecanismos descritos prendem-se, fundamentalmente, com
as designadas externalidades horizontais (ou intra-sectoriais), enquanto o último canal
está associado a externalidades verticais (ou inter-sectoriais).
3. Externalidades globais do IDE
Desde meados da década de 1970, têm sido múltiplos os estudos desenvolvidos
com o intuito de analisar, no plano empírico, a existência de externalidades do IDE para
o conjunto das empresas nacionais.
O procedimento usualmente adoptado tem consistido em concretizar essa
avaliação de modo indirecto, no âmbito de uma regressão em que a produtividade (total
ou apenas do factor trabalho), o seu crescimento, ou uma outra medida representativa da
eficiência das empresas nacionais, é assumida como variável dependente. Como
variáveis explicativas, são considerados vários factores determinantes desse nível de
eficiência, incluindo uma variável referente à magnitude da presença externa (no sector
em causa, caso se tratem de externalidades horizontais, ou noutros sectores, na situação
em que são avaliadas as externalidades verticais). Entre as restantes variáveis
explicativas da eficiência das empresas nacionais, incluem-se, por exemplo, medidas de
economias de escala, concentração sectorial, intensidade capitalística ou qualificação do
trabalho.
Os resultados que decorrem da extensa vertente da literatura sobre este tema são
marcados, todavia, por uma acentuada diversidade. Um dos elementos que tem sido
avançado como justificativo desta divergência de conclusões prende-se com o tipo de
dados estatísticos utilizado. Como salientam Görg e Greenaway (2004), o facto de os
trabalhos recorrerem a dados seccionais ou em painel exerce uma clara influência nos
resultados obtidos. A análise que, seguidamente, apresentamos, procura tornar mais
evidente a importância deste factor, distinguindo os diversos estudos de acordo com o
tipo de dados (seccional ou painel) e o nível de desagregação (sectorial ou por empresa)
a que recorrem.
Para esta análise tomamos como referência a compilação de estudos feita por
Crespo e Fontoura (2006). No presente survey são referidos os resultados mais
abrangentes em termos da amostra utilizada e cujas metodologias de natureza
econométrica se revelam mais adequadas às particulares características da amostra
considerada. O efeito da influência externa sobre a produtividade das empresas
nacionais é considerada como estatisticamente significativo quando a variável é
significativa a um nível de 10 %.
3.1.Externalidades horizontais do IDE
3.1 Estudos com dados seccionais
Os trabalhos de Caves (1974), Globerman (1979), Blomström e Persson (1983) e
Blomström (1986) assinalam o início de um dinâmico campo de investigação sobre a
existência de ganhos de eficiência para as empresas nacionais decorrentes da presença
de EMN no mercado local e das tecnologias (no seu sentido lato) mais eficientes por
elas introduzidas. Estes estudos pioneiros têm em comum o facto de recorrerem a dados
de natureza seccional e utilizarem informação com desagregação a nível sectorial. A
avaliação concretizada por estes estudos sugere, unanimemente, a verificação de
externalidades positivas do IDE.
A limitação imposta pela escassez de dados estatísticos desagregados levou à
continuação desta linha de análise por parte de vários outros estudos (Blömstrom e
Wolff, 1994; Kokko, 1994 e 1996; Imbrani e Reganati 1999; Liu et al., 2001; Driffield,
2001; Liu e Wang, 2003), obtendo, também eles, à semelhança dos trabalhos pioneiros,
confirmação para a hipótese de externalidades positivas do IDE para as empresas
nacionais. De facto, onze dos doze estudos acima mencionados correspondentes a esta
categoria, obtém evidência de um efeito positivo e somente Driffield (2001) identifica
um efeito não significativo. Neste contexto de análise, cabe destacar os estudos de
Kokko (1996) e Li et al. (2001), na medida em que procuram distinguir diferentes
canais de concretização das externalidades do IDE. Em termos específicos, o estudo de
Kokko (1996) considera que o impacto resultante da presença das EMN no mercado
doméstico deve ser entendido como resultante não apenas da magnitude (em termos
relativos) dessa presença como também da interacção (concorrência) estabelecida entre
as empresas nacionais e as EMN, à luz do sugerido, por exemplo, na abordagem teórica
de Wang e Blomström (1992). Com base num sistema de equações simultâneas, Kokko
(1996) conclui que, quando se toma em consideração apenas uma sub-amostra
excluindo situações de “enclave” (casos em que não existe uma significativa ligação
entre as empresas nacionais e as EMN, ou seja, sectores com forte presença externa e
com elevado grau de concentração), verifica-se que a eficiência das empresas nacionais
é determinada pela presença externa e pelo efeito de concorrência, na medida em que a
produtividade das empresas nacionais e das EMN é simultaneamente determinada.
Seguindo esta via de análise, Li et al. (2001) distinguem entre empresas multinacionais,
empresas estatais e “outras empresas locais”, constatando a existência de um efeito
positivo e significativo no caso das empresas locais não estatais e de um impacto não
significativo sobre a eficiência das empresas estatais. Por seu lado, a análise do efeito de
concorrência provocado pelas EMN indica que este é distinto de acordo com o grupo de
empresas em causa, sendo positivo no caso das empresas estatais e negativo nas
restantes empresas nacionais.
Um segundo sub-grupo de estudos empíricos, apesar de recorrer, também, a
dados estatísticos referentes apenas a um ano, utiliza – devido à disponibilização de
bases
de dados
mais
detalhadas
–
informação
desagregada
ao
nível
da
empresa/estabelecimento. Nesta categoria, devem ser considerados os estudos de Kokko
et al. (1996, 2001), Blomström e Sjöholm (1999), Chuang e Lin (1999), Sjöholm
(1999a, b), Dimelis e Louri (2001, 2002), Narula e Marin (2003) e Khawar (2003). A
evidência obtida sugere, à semelhança do sub-grupo anterior, suporte à hipótese de
existência de efeitos positivos para as empresas nacionais decorrentes do contacto, no
mercado local, com as EMN, na medida em que sete estudos identificam um efeito
positivo e apenas três encontram um efeito não significativo.
Em forma de primeiro balanço, a evidência empírica atrás apresentada, baseada
na utilização de dados de natureza seccional, sugere, com relativa clareza, a existência
de um impacto positivo da presença das EMN sobre o nível de eficiência das empresas
nacionais a operar no mesmo sector, apesar de alguns estudos baseados em dados ao
nível da empresa/estabelecimento encontrarem evidência estatisticamente não
significativa.
O recurso a dados seccionais acarreta, contudo, um problema importante,
associado à impossibilidade de estabelecer o sentido da causalidade. Na realidade, um
sinal positivo do coeficiente referente à dimensão da presença externa poderá traduzir a
ocorrência de externalidades positivas do IDE mas poderá expressar, apenas, o facto, já
salientado por Aitken e Harrison (1999), de as EMN serem atraídas para sectores (ou
empresas) mais produtivos. A utilização de dados de painel possui a importante
vantagem de acompanhar a trajectória das empresas nacionais ao longo de todo o
período em análise, permitindo, assim, controlar os efeitos invariantes no tempo que são
específicos às empresas e que estarão, provavelmente, correlacionados com a dimensão
da presença externa. A ausência de controlo desta questão poderá conduzir à obtenção
de resultados enviesados.
Nos anos mais recentes, verificou-se a emergência de um vasto leque de estudos
que procuraram investigar a existência de externalidades do IDE para as empresas
nacionais tomando por base a utilização de dados de painel. A sua análise constitui o
propósito fundamental da próxima secção.
3.2 Estudos com dados de painel
O recurso simultâneo a dados de painel e desagregação a nível sectorial é
adoptado por um número restrito de estudos empíricos (Santos, 1991; Liu, 2002;
Kugler, 2001; Reis, 2001; Flôres et al., 2002; Driffield e Love, 2002), sendo obtida, à
semelhança da tendência verificada no caso dos estudos seccionais com dados ao nível
da empresa, evidência de suporte à hipótese de existência de externalidades horizontais
do IDE ou, em certos casos, efeitos não significativos.
Outro sub-grupo de trabalhos utiliza, fruto do aparecimento de bases de dados
mais detalhadas, dados de painel e desagregação por empresa. Neste âmbito, destacamse os trabalhos de Haddad e Harrison (1993) e Aitken e Harrison (1999), para Marrocos
e Venezuela, respectivamente, por constituírem contributos pioneiros e pelo facto de
terem suscitado a possibilidade, atrás avançada, de os resultados obtidos pelos estudos
anteriores poderem ser atribuídos, fundamentalmente, ao tipo de dados usados, não
traduzindo, portanto, a realidade económica que se pretendia aferir. De facto, o estudo
de Haddad e Harrison (1993) sugere a inexistência de qualquer impacto significativo da
presença externa sobre o crescimento da produtividade das empresas nacionais, apesar
de, nos sectores com uma presença externa mais significativa, existir uma inferior
dispersão dos níveis de produtividade relativamente à fronteira tecnológica. Por seu
lado, o estudo de Aitken e Harrison (1999) constata um efeito negativo da presença
externa sobre a produtividade nacional, facto que os autores explicam com base na
influência negativa da concorrência externa sobre a eficiência das empresas nacionais.
Os desenvolvimentos posteriores com base neste tipo de dados podem ser
distinguidos entre os que cingem a sua avaliação a um único país e os que abordam a
realidade referente a um conjunto de países, possuindo, este último caso, evidentes
vantagens em termos de comparabilidade dos resultados, dada a utilização das mesmas
especificações para os diferentes países considerados em cada estudo.
No quadro do primeiro grupo de estudos, situam-se os estudos de Haddad e
Harrison (1993), Farinha e Mata (1996), Kanturia (1998), Aitken e Harrison (1999),
Grether (1999), Kanturia (2000), Ponomareva (2000), Kearns (2000), Grima e Wakelin
(2000), Djankov e Hoekman (2000), Kanturia (2001), Sgard (2001), Blalock (2001),
Kinoshita (2001), Braconier et al. (2001), Harris e Robinson (2002), Kanturia (2002),
Haskel et al. (2002), Barrios e Strobl (2002), Schoors e van der Tol (2002), Proença et
al. (2002, 2006), Ruane e Ugur (2002), Görg e Strobl (2002), Banga (2003), Yudaeva et
al. (2003), Keller e Yeaple (2003), Sinani e Meyer (2004), Javorcik (2004) e Karpaty e
Lundberg (2004). Deles emerge uma mensagem fortemente inconclusiva, sendo
possível identificar em catorze estudos a ocorrência de externalidades positivas,
externalidades negativas em seis e resultados estatisticamente não significativos nos
restantes dez.
No contexto do segundo grupo de estudos, os resultados são, também, pouco
favoráveis à existência do fenómeno analisado. No estudo de Castellani e Zanfei (2001),
cuja análise se concentra nos casos das economias de França, Espanha e Itália, a
evidência revela um impacto não significativo no primeiro caso, negativo no segundo e
positivo no terceiro. Barrios et al. (2002) elaboram uma base de dados comparável para
Espanha, Grécia e Irlanda e a evidência gerada sugere a inexistência de externalidades
em qualquer dos países considerados.4 Konings (2001), com base em informação
estatística para as economias búlgara, romena e polaca, detectou externalidades
negativas nos dois primeiros casos, enquanto o efeito apurado é não significativo no
caso da Polónia.
Consideremos, em seguida, os trabalhos de Damijan et al. (2003a,b) e Torlak
(2004) para um largo conjunto de Países da Europa Central e Oriental (PECO). O
primeiro destes estudos – Damijan et al. (2003a) – considera a Bulgária, República
Checa, Estónia, Hungria, Polónia Roménia, Eslováquia e Eslovénia. Os resultados
podem ser considerados robustos na medida em que somente no caso da Roménia existe
suporte para a ocorrência de efeitos de externalidade positivos. Nos restantes países
avaliados, o impacto é não significativo, com excepção dos casos da República Checa e
da Polónia, nos quais, surpreendentemente – dado o superior nível de desenvolvimento
desses países –, é detectado um impacto negativo. O segundo trabalho dos mesmos
autores, cobrindo, para além dos países já analisados no estudo acima mencionado, a
Letónia e a Lituânia, obtém resultados que não diferem significativamente dos do
4
No caso da economia espanhola, este resultado reforça o obtido por Barrios e Strobl (2002).
primeiro estudo. Assim, de forma semelhante, apenas no caso romeno são detectadas
externalidades positivas. Nos restantes países analisados, o efeito pode ser considerado
não significativo. Finalmente, Torlak (2004) obtém evidência relativa à República
Checa, Polónia, Hungria, Roménia e Bulgária. Em dois dos países considerados –
Polónia e Bulgária – o impacto é estatisticamente não significativo, sendo noutros dois
casos – República Checa e Roménia – mesmo negativo e significativo. A única
excepção é a economia húngara, relativamente à qual é encontrada evidência favorável
à hipótese de ocorrência de externalidades positivas do IDE.
A ambiguidade de resultados que emerge da leitura dos estudos referenciados ao
longo desta secção torna evidente que a verificação de externalidades horizontais
positivas do IDE para as empresas nacionais, longe de ser uma realidade que possa ser
dada como adquirida, representa um fenómeno cujas condições particulares de
efectivação se encontram, ainda, largamente, por apurar.
4. Externalidades verticais do IDE
Por razões que se prendem, fundamentalmente, com a dificuldade acrescida na
sua quantificação empírica, o domínio das externalidades verticais não acompanhou o
dinamismo da investigação relativa às externalidades horizontais. Só recentemente,
fruto do surgimento de bases de dados mais detalhadas, se assistiu ao desenvolvimento
dos primeiros estudos com o objectivo de avaliar rigorosamente a sua ocorrência.
Blalock (2001), Kugler (2001), Barrios e Strobl (2002), Yudaeva et al. (2003), Schoors
e van der Tol (2002), Damijan et al. (2003b) e Javorcik (2004) constituem os estudos
mais representativos sobre esta questão.
A concretização deste tipo de estudos é particularmente relevante na medida em
que vários autores têm argumentado que a existência de externalidades verticais
positivas é, à luz das previsões que decorrem dos modelos teóricos, mais provável do
que a ocorrência de efeitos positivos a nível horizontal. Esta ideia pode facilmente ser
entendida se atendermos ao facto de, por um lado, o efeito de concorrência – a via mais
significativa de geração de externalidades negativas – ser mais visível no caso de
empresas pertencentes ao mesmo sector e, por outro, de ser nas relações com
fornecedores e compradores locais que as EMN têm um incentivo maior para cooperar,
permitindo, deste modo, a obtenção de ganhos de eficiência para as empresas nacionais.
Contudo, de modo semelhante ao que se verifica no caso das externalidades
horizontais, os resultados decorrentes desta vertente de avaliação não se afiguram
plenamente conclusivos. Nos estudos acima mencionados, no que se refere a backward
linkages, sete identificam um efeito positivo, oito detectam um efeito não significativo e
um estudo verifica a ocorrência de um efeito negativo; No que concerne a
externalidades através de forward linkages, três estudos detectam um efeito negativo
enquanto um deles obtém evidência de um impacto positivo. Neste contexto de análise,
merece referência, pela sua especificidade, o trabalho de Harris e Robinson (2002).
Nesse estudo, a dimensão da presença externa, a nível inter-sectorial, é avaliada de
forma individualizada para cada sector, existindo, portanto, não apenas uma variável
destinada a captar os efeitos verticais mas sim tantas quantas o número de sectores
considerados (excluindo aquele a que pertence a empresa). Contudo, tal como no caso
das externalidades horizontais, não é possível identificar «um padrão claro dos sectores
em que existem externalidades, a sua extensão (em termos de número de sectores) ou o
equilíbrio entre externalidades positivas e negativas» (Harris e Robinson, 2002, p. 13).
5. Factores condicionantes das externalidades do IDE para as empresas nacionais
A avaliação apresentada nas secções precedentes deixa clara a existência de uma
acentuada ambiguidade no que respeita aos resultados empíricos sobre a existência de
externalidades do IDE para as empresas nacionais. Este facto realça a necessidade de se
ultrapassar a questão global referente à mera existência de externalidades,
complementando-a com outra análise que atente nos diversos factores que condicionam
a existência, a dimensão e até o sinal destes efeitos. Tendo sido esta a vertente
explorada mais intensivamente na literatura recente sobre este tema, torna-se possível,
já hoje, efectuar um primeiro balanço sobre os diferentes factores que condicionam os
efeitos indirectos do IDE. Neste contexto, salientamos – pela importância que a
literatura teórica e empírica lhes tem conferido – um conjunto de seis factores
essenciais.5
Um primeiro elemento que tem sido salientado – e, certamente, aquele que tem
sido alvo de mais ampla investigação – prende-se com a necessidade de as empresas
nacionais possuírem capacidade para “absorver” os benefícios que podem estar
5
Crespo e Fontoura (2007) apresentam um extenso survey sobre este tema.
associados à nova tecnologia introduzida pela EMN. Por um lado, se o gap tecnológico
existente entre as empresas nacionais e as EMN for demasiado pequeno, tal significará
que os dois tipos de empresas apresentam níveis aproximados de eficiência e, nesse
caso, as empresas nacionais terão, provavelmente, pouco a aprender com as EMN. Pelo
contrário, se o gap for excessivamente amplo, as empresas nacionais registam um nível
de eficiência muito inferior ao das empresas multinacionais, o que poderá significar que
elas não têm a “capacidade de absorção” necessária para incorporar os benefícios
gerados pela presença das empresas multinacionais. Em suma, tem sido defendido que,
para que estas externalidades se possam manifestar de modo mais significativo em
benefício das empresas nacionais, é vantajosa a existência de um gap tecnológico
moderado entre os dois grupos de empresas.
Um segundo factor que tem sido abordado, enquanto elemento condicionante
das externalidades do IDE, refere-se à capacidade de exportação das empresas
nacionais. No caso em que as empresas nacionais são exportadoras, tal significa que
elas já enfrentam a concorrência externa. Esse facto pode, contudo, ser alvo de
interpretações de sentido oposto. Por um lado, as empresas nacionais já presentes no
mercado externo possuirão, provavelmente, uma capacidade superior para fazer face à
concorrência das EMN no mercado local, evidenciando, por isso, maior capacidade para
beneficiar das externalidades por elas geradas. No entanto, essa presença das empresas
nacionais nos mercados externos poderá, também, significar que elas já alcançaram um
nível superior de eficiência, tendo menos a beneficiar com o contacto com as EMN no
mercado local. Como se torna evidente a partir da argumentação acima exposta, o
impacto deste factor condicionante das externalidades do IDE é, em termos líquidos,
ambíguo.
Um outro factor determinante que tem sido salientado prende-se com a
necessidade de as empresas nacionais possuírem uma dimensão mínima suficiente que
lhes permita ter a capacidade de absorção necessária para, por exemplo, adoptarem
novas tecnologias introduzidas pela empresas multinacionais ou para competirem com
estas pela contratação de trabalhadores que conheçam essa tecnologia.
Um quarto elemento que os estudos existentes têm enfatizado como relevante
para a existência e dimensão dos efeitos de externalidade encontra-se associado com a
proximidade geográfica entre empresas nacionais e EMN no mercado local. Na
realidade, tem sido destacado que os diversos canais de transmissão de externalidades
do IDE são potenciados no caso de as empresas nacionais se localizarem
geograficamente próximas das empresas multinacionais.
O país de origem do IDE é outro dos factores determinantes da existência e
magnitude dos efeitos indirectos do IDE, sendo essa influência exercida, por um lado,
pelo facto de, a esses diferentes países de origem, se encontrarem associadas estruturas
sectoriais do IDE também elas distintas (por exemplo, mais concentradas em sectores
tecnologicamente mais avançados ou mais tradicionais) e, por outro, pelo elemento
distância entre o país de origem do IDE e o país de acolhimento. No que concerne a este
último aspecto, é preciso considerar que, quanto maior a distância entre esses dois
países, menor será, tendencialmente, dada a existência de custos de transporte, a
proporção de inputs intermédios que a filial instalada na economia nacional adquirirá ao
país de origem, o que reforça a possibilidade de ocorrerem backward linkages. Contudo,
uma maior distância traduzir-se-á, também, provavelmente, em diferenças culturais
mais acentuadas, dificultando, desse modo, a captação de benefícios por parte das
empresas nacionais. O efeito global resultante da influência deste factor condicionante
afigura-se, assim, uma vez mais, ambíguo.
Um último elemento que importa considerar está relacionado com o modo de
entrada da EMN no mercado doméstico. Por um lado, se a entrada da empresa
multinacional na economia nacional ocorrer através de fusão ou aquisição, a
possibilidade de existência de spillovers é potenciada, dada a pré-integração da empresa
no mercado. Contudo, nessa situação, a transferência de tecnologia da empresa-mãe
para a filial dar-se-á de forma mais gradual devido ao menor controlo da empresa
multinacional sobre a gestão. Quando a entrada da empresa multinacional ocorre sob a
forma de um investimento de raiz, o sentido da argumentação é o oposto, ou seja, será
expectável uma mais rápida transferência de tecnologia por parte da empresa-mãe mas,
como não existe uma pré-integração na economia local, a capacidade das empresas
locais beneficiarem será menor.
A relevância deste grupo de factores condicionantes da existência e magnitude
das externalidades do IDE tem suscitado o aparecimento de vários estudos que,
empiricamente, procuram verificar a sua validade e relevância. Os resultados obtidos,
sumariados em Crespo e Fontoura (2007), não oferecem, todavia, a possibilidade de
retirar conclusões plenamente esclarecedoras. Na realidade, relativamente à maioria dos
factores determinantes atrás salientados, os estudos existentes apontam em sentidos
opostos ou revelam-se, ainda, escassos para legitimarem conclusões significativas. A
principal excepção, neste âmbito, prende-se com a importância da existência de
capacidade de absorção por parte das empresas nacionais e de um gap tecnológico
moderado entre estas e as EMN. Efectivamente, da literatura empírica sobre este tema,
emerge, de forma quase consensual, a conclusão de que as empresas nacionais
necessitam de possuir a capacidade de absorção necessária (em termos de eficiência)
para que sejam capazes de internalizar os benefícios que possam ser gerados pela
presença das EMN no mercado local. A existência dessa capacidade requer, de acordo
com a evidência produzida, que o gap tecnológico entre os dois grupos de empresas seja
moderado. Outro factor que parece ser relevante, apesar de os resultados serem menos
robustos do que no caso anterior, é a proximidade geográfica das empresas nacionais
relativamente às EMN.
Apesar de o leque de factores que abordámos na presente secção não ter uma
preocupação de exaustividade, torna-se claro, a partir da análise efectuada, que as
externalidades do IDE não beneficiarão todas as empresas nacionais de modo uniforme.
Efectivamente, é provável que a verificação deste tipo de efeito dependa da conjugação
de um conjunto de factores referentes às características das empresas nacionais e das
EMN, dos sectores em que operam e das próprias economias receptoras.
6. Evidência empírica relativa ao caso português
No quadro da avaliação empírica dos efeitos indirectos do IDE, alguns estudos
têm tomado o caso português como referência. Nesta secção, concentramo-nos,
especificamente, nesse grupo de estudos, procurando salientar as suas principais
conclusões.
Utilizando dados de painel e uma desagregação sectorial, Santos (1991), num
estudo relativo ao período 1977-1982, Reis (2001), considerando o período 1995-1998,
e Flôres et al. (2002), analisando o lapso temporal entre 1992 e 1995, investigam a
possível manifestação de externalidades do IDE para as empresas domésticas
portuguesas.
Tomando por base o critério atrás mencionado para a consideração da
significância estatística do coeficiente associado à variável que capta a magnitude da
presença externa, os resultados obtidos por Santos (1991) apontam no sentido da
efectiva ocorrência de tais efeitos.6 A mesma mensagem pode ser extraída do estudo de
Reis (2001). Todavia, a análise desenvolvida por Flôres et al. (2002) não permite
confirmar esta conclusão, na medida em que a evidência aí produzida sugere que o
impacto do IDE sobre o nível de produtividade das empresas locais é estatisticamente
não significativo.
Outros estudos desenvolvidos para o caso da economia portuguesa tomam por
suporte dados de painel e uma desagregação por empresa. Assim acontece nos estudos
realizados por Farinha e Mata (1996), Proença et al. (2002, 2006) e Crespo et al. (2007).
O primeiro destes trabalhos aborda o período 1986-1992 enquanto os trabalhos de
Proença et al. (2002, 2006) centram a sua avaliação empírica no período que medeia
entre 1996 e 1998 e, finalmente, Crespo et al. (2007) analisa o período 1996-2000.
Todos eles são concordantes no facto de obterem evidência estatisticamente não
significativa quanto à influência da presença externa sobre a eficiência produtiva das
empresas domésticas pertencentes ao mesmo sector (externalidades horizontais).
Em termos globais, a mensagem central que emerge dos estudos efectuados com
referência ao caso português é, portanto, reproduzindo a evidência existente à escala
internacional, a de uma clara insuficiência quanto à capacidade de confirmar a
existência de benefícios indirectos para as empresas domésticas decorrentes da presença
de EMN no mercado nacional.
No quadro dos estudos desenvolvidos com referência à economia portuguesa,
cumpre destacar, todavia, dois contributos adicionais decorrentes de alguns dos estudos
mencionados.
Em primeiro lugar, Proença et al. (2006) salientam que alguns dos problemas
econométricos associados aos métodos tradicionais de estimação em painel poderão
estar na base de uma significativa sub-estimação dos reais efeitos de externalidade,
situando neste facto uma possível justificação para o balanço geral muito reticente,
emergente de alguns surveys recentes sobre este tema, quanto à existência deste tipo de
efeitos indirectos.
Em segundo lugar, seguindo a linha de investigação referenciada na secção
anterior, alguns estudos procuraram determinar, no caso português, a relevância de
determinados factores condicionantes das externalidades do IDE. A importância da
6
A conclusão obtida pelo autor sugere a inexistência de um efeito significativo. Essa conclusão, assenta,
contudo, numa análise que assume um limiar de 5% para os coeficientes serem significativos. Por razões
de conformidade com os restantes estudos abordados neste trabalho, a interpretação que aqui realizamos
considera um critério de 10%.
existência de um gap tecnológico moderado entre o nível de produtividade das empresas
nacionais e das EMN é confirmada por Proença et al. (2002) e Flôres et al. (2002).
Adicionalmente, esses estudos procuram quantificar o intervalo no qual os efeitos
indirectos do IDE são maximizados. Os resultados obtidos por Flôres et al. (2002)
indicam o intervalo entre 50 e 80% como aquele que potencia esses efeitos. Por sua vez,
as conclusões obtidas por Proença et al. (2002) sugerem um intervalo entre 60 e 95%.
Para além, naturalmente, do facto de o período de análise coberto ser distinto, dois
factores fundamentais poderão explicar esta relativa divergência de resultados. Por um
lado, o estudo de Proença et al. (2002) utiliza informação desagregada ao nível da
empresa enquanto o trabalho de Flôres et al. (2002) recorre a informação sectorial. Por
outro lado, a proxy usada para captar o gap tecnológico é, também ela, distinta entre os
dois estudos. De facto, o estudo de Flôres et al. (2002) compara a produtividade
sectorial média das empresas nacionais com a média correspondente para as EMN
enquanto que, no trabalho de Proença et al. (2002), a produtividade média das empresas
locais é comparada com o nível máximo de produtividade das EMN.
No domínio de análise dos factores condicionantes das externalidades do IDE
para as empresas domésticas, o trabalho desenvolvido em Crespo et al. (2007)
representa um importante contributo adicional ao investigar a relevância da proximidade
geográfica enquanto elemento potenciador dos efeitos de externalidade. Fá-lo, contudo,
atendendo não apenas à dimensão intra-sectorial como, igualmente, à inter-sectorial. Os
resultados obtidos sugerem a importância do efeito regional na medida em que a
existência de externalidades apenas é confirmada nessa escala geográfica de análise.
Neste âmbito, são detectadas externalidades horizontais negativas, provavelmente
decorrentes da influência negativa do canal de concorrência acima descrito, e
externalidades verticais positivas, mas apenas no caso das EMN fornecedoras de inputs
intermédios às empresas locais.
7. Conclusão
O IDE tem vindo a afirmar-se como um dos veículos privilegiados de promoção
do processo de desenvolvimento e de convergência real face a economias mais
desenvolvidas. O possível acesso a tecnologias mais avançadas e os potenciais efeitos
de externalidade daí resultantes representam vectores fundamentais de suporte a esta
visão mais aberta ao IDE, consubstanciada, frequentemente, numa forte concorrência
entre os diferentes países pela sua captação. É neste contexto, portanto, que deve ser
entendido o enorme esforço empírico realizado por um vasto leque de estudos que,
desde o contributo pioneiro de Caves (1974), têm procurado confrontar a possibilidade
teórica da existência de externalidades do IDE para as empresas nacionais com a
realidade que caracteriza diversos países, em períodos temporais alternativos.
O objectivo do presente artigo consistiu, fundamentalmente, em procurar reter
algumas das mensagens fundamentais que a vasta literatura teórica e empírica que tem
sido produzida sobre este tema permite salientar.
A primeira conclusão fundamental que emerge dos estudos realizados no que se
refere à existência de externalidades no conjunto da amostra considerada, tanto à escala
internacional como no que respeita, especificamente, à economia portuguesa, é o de
uma acentuada ambiguidade nos resultados obtidos. Em parte significativa, esta
divergência de resultados pode ser interpretada à luz do tipo de dados estatísticos
utilizados. Efectivamente, os primeiros estudos realizados neste domínio recorriam,
preferencialmente, a dados de natureza seccional, obtendo, na generalidade dos casos,
confirmação da hipótese de existência de externalidades positivas do IDE. Contudo, a
avaliação desta questão mediante a utilização de dados em painel e desagregação por
empresa questiona o consenso desta conclusão. Apesar de o balanço que apresentamos
no presente trabalho ser, comparativamente a surveys que basearam a sua leitura num
conjunto mais limitado de estudos empíricos (Görg e Strobl, 2001; Görg e Greenaway,
2004), menos reticente quanto à existência de efeitos indirectos positivos do IDE para
as empresas nacionais, a mensagem que é possível reter da evidência analisada não
representa uma confirmação inequívoca da ocorrência de tais efeitos.
Perante esta evidência não plenamente esclarecedora quanto ao impacto final da
presença das EMN sobre a produtividade das empresas nacionais, tem emergido, nos
anos mais recentes, uma nova via de investigação, que procura ir além da questão
referente à existência de externalidades relativamente no conjunto das empresas
nacionais, concentrando-se na averiguação dos factores que condicionam a sua
ocorrência e dimensão. A hipótese subjacente à segunda via de análise é, portanto, que
as externalidades do IDE poderão ocorrer apenas num sub-grupo de empresas.
Acompanhando o esforço de natureza teórica neste âmbito, vários estudos têm
procurado testar empiricamente a relevância dos diferentes factores condicionantes do
IDE. Também neste domínio, contudo, a evidência obtida não é plenamente
esclarecedora dado que, relativamente a vários dos factores analisados, os resultados
não legitimam conclusões robustas ou, em certas situações, são ainda insuficientes para
que se possa efectuar uma leitura mais conclusiva. Uma importante excepção parece ser
a coincidência de resultados no que se refere à indispensabilidade de a empresa nacional
possuir capacidade para “absorver” a nova tecnologia das EMN, como, aliás, se verifica
também nos estudos realizados para o caso português. Também a importância da
proximidade de localização entre empresas nacionais e EMN apresenta alguma robustez
empírica, sendo claramente identificada em estudo recente para o caso português.
Esta segunda vertente de análise constitui – na sua dimensão teórica e empírica –
o ramo actualmente mais dinâmico na avaliação das externalidades do IDE,
representando, em nosso entender, a via mais promissora a desenvolver no sentido de
clarificar as circunstâncias particulares que possibilitam/potenciam a manifestação deste
tipo de efeitos, em benefício das empresas nacionais.
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