Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 AVALIAÇÃO DA CAPACIDADE DE REDUÇÃO DE S. MUTANS DO CIMENTO DE IONÔMERO DE VIDRO UTILIZADO PARA O TRATAMENTO DAS LESÕES DE CÁRIE DENTINÁRIAS Ana Cecília Mançano Navarro Sérgio Luiz Pinheiro Faculdade de Odontologia Centro de ciências da vida [email protected] Dentística minimamente invasiva Centro de ciências da vida [email protected] Resumo: O objetivo desse trabalho foi avaliar a capacidade de redução de S.mutans do cimento de ionômero de vidro (CIV) utilizado para o tratamento das lesões de cárie dentinárias. Foi feita exposição dentinária, impermeabilização e desafio cariogênico. As lesões de cárie foram seladas com CIV. Foram realizadas contagens de S. mutans antes do selamento do tecido cariado, após 24 horas,1 mês e 6 meses. O material dentinário foi inserido no BHI foi homogeneizado, diluído e semeado em placas contendo mitis salivarius bacitracina. Os resultados foram analisados pelo Programa Bioestat 4.0 e foram submetidos à análise descritiva e ao teste de Kruskal-Wallis (complementado por Student-NewmanKeuls). Houve redução significativa de S. mutans após o selamento da dentina cariada com cimento de ionômero de vidro convencional por 24 horas e 6 meses (p<0.05). Houve pequeno crescimento de S. mutans após 1 mês do selamento da dentina cariada com cimento de ionômero de vidro convencional. Após 6 meses, nova redução significante de S. mutans foi observada em relação ao antes do selamento e após 1 mês (p<0.05). O cimento de ionômero de vidro convencional apresenta capacidade antimicrobiana sobre S.mutans evidenciada nas primeiras 24 horas e 6 meses. Palavras-chave: Cimento ionomérico, Lesão de cárie dentinária, selamento. Área do Conhecimento: Ciências da saúde – Odontologia- FAPIC- Reitoria. 1. INTRODUÇÃO Atualmente, a odontologia tem preconizado a utilização de técnicas minimamente invasivas para o tratamento das lesões de cárie dentinárias. Entre essas possibilidades de tratamento, é possível destacar o Tratamento Restaurador Atraumático (ART) e a Dentística Minimamente Invasiva. Nessas técnicas, a remoção do tecido cariado é parcial e realizada com instrumentos cortantes manuais visando à remoção da dentina infectada. Na cavidade, a camada profunda da dentina cariada conhecida como dentina afetada é mantida previamente a colocação do material restaurador [14]. A literatura mostra que o selamento hermético da dentina cariada acarreta redução significativa do total de bactérias viáveis, paralisa a evolução da lesão de cárie e propicia condições favoráveis para o reparo dentinário [1]. Dessa maneira, diversos biomateriais com propriedades bactericidas e bacteriostáticas são utilizados. Os cimentos de ionômero de vidro são utilizados para o ART e apresentam adesão química a estrutura dentária por meio da formação da camada de troca iônica. Diversos trabalhos mostram redução microbiana e paralisação da lesão de cárie com utilização dos cimentos ionoméricos [19]. Estudos mostram também que a adesão do cimento de ionômero de vidro aos dentes preparados pela técnica de ART e a dos que são preparados pela instrumentação automatizada convencional são comparáveis [8]. Nesse momento, a literatura apresenta necessidade de avaliar a longevidade da redução microbiana dos cimentos ionoméricos. É importante avaliar se a redução microbiana conseguida nas primeiras horas pode ser mantida ao longo do tempo possibilitando a estagnação da lesão de cárie dentinária. O objetivo desse estudo foi avaliar a capacidade de redução de S.mutans do cimento de ionômero de vidro (CIV) utilizado para o tratamento das lesões de cárie dentinárias. 2. MATERIAIS E MÉTODOS Foram selecionados 20 terceiros molares permanentes na Clínica Odontológica da PUC-Campinas com Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinados pelos respectivos pacientes doadores. Critérios de inclusão: Terceiros molares permanentes; Ausência de trincas ou fraturas examinadas por lupa (Stemi DV4 - Carl Zeiss, São Paulo, Brasil) com aumento de 10X. Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 Critérios de exclusão: Terceiros molares permanentes com trincas ou fraturas examinadas por lupa (Stemi DV4 - Carl Zeiss, São Paulo, Brasil) com aumento de 10X. Os dentes selecionados foram armazenados em cloreto de sódio 0.9% contendo azida de sódio 0.02% (LabCenter, São Paulo, Brasil) a 4° C por 1 mês. Após este procedimento, os dentes foram lavados com soro fisiológico com sacarose 10% (LabCenter, São Paulo, Brasil). Foi feita a remoção do terço oclusal com disco diamantado dupla face (KG Sorensen Indústria e Comercio LTDA, São Paulo, Brasil) em baixa rotação com refrigeração para exposição dentinária (Figura 1). As superfícies dentinárias foram polidas com lixas de carboneto de silício 600 umedecidas (Água T223 advance, Norton, Indústria Brasileira, São Paulo, Brasil). Figura 1: Exposição dentinária Foi feita a impermeabilização das amostras com resina epóxi (Araldite, São Paulo, Brasil) e esmalte de unha (Colorama, São Paulo, Brasil) exceto na dentina coronária no fluxo laminar (Veco, Campinas, SP, Brasil). Após a impermeabilização dos dentes, os espécimes foram submetidos ao desafio cariogênico. Para simular a lesão de cárie dentinária, os dentes foram colocados em tubos de ensaio estéreis com meio de sobrevivência Brain Heart Infusion (BHI) (LabCenter, São Paulo, Brasil) suplementado com extrato de levedura 0,5% (LabCenter, São Paulo, Brasil) de glicose e 1% de sacarose (LabCenter, São Paulo, Brasil). A cepa padrão de Streptococcus mutans ATCC 25175 (Fundação André Tosello.Campinas- SP, Brasil) padronizada na escala 0,5 de MacFarland foi introduzida no BHI (LabCenter, São Paulo, Brasil). As amostras foram incubadas a 37°C por 1 mês em jarras contendo envelopes geradores de anaerobiose (LabCenter, São Paulo, Brasil), com atmosfera contendo 85% de nitrogênio (N2), 10% de dióxido de carbono (CO2) e de 5% de hidrogênio (H2) e armazenadas em estufa bacteriológica (Fanem Ltda, São Paulo, SP, Brasil). Durante o transcorrer desse período, o meio de sobrevivência BHI (LabCenter, São Paulo, Brasil) foi renovado de 2 em 2 dias [3, 12]. Grupos experimentais As lesões de cárie foram seladas com cimento de ionômero de vidro. Foram realizadas contagens de S. mutans antes do selamento do tecido cariado, após 24 horas, 1 e 6 meses. Contagem de S. mutans As coletas do tecido cariado dentinário foram executadas com colheres para dentina estéreis (Golgran, São Paulo, Brasil) compatíveis com o tamanho da lesão de cárie. As amostras foram imediatamente inseridas no meio de transporte BHI (Figura 2). O material dentinário inserido no meio de transporte BHI foi manipulado num período de até 24 horas, homogeneizado durante 3 minutos em agitador de tubos. Imediatamente após a homogeneização, foram realizadas 5 diluições decimais e, de cada uma delas, foram semeadas 3 alíquotas de 25 µL na superfície do meio de cultura mitis salivarius bacitracina com 1% de Telurito de Potássio. Todas as placas foram incubadas em jarras (Oxoid Ltd., Basingstoke, Hampshire, England) a 37°C duran te 5 dias em atmosfera de 85% de N2, 10% de CO2 e 5% de H2, obtida pelo uso de envelopes geradores de anaerobiose e indicadores de anaerobiose (AnaeroTM gen , Oxoid Ltd., Basingstoke, Hampshire, England) . Após a incubação, foi feita a contagem do total de bactérias viáveis (Figura 3). Figura 2: Dentes imersos em meio de cultura BHI Figura 3: Contagem de S.mutans Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 APÓS 1 MÊS Análise estatística Os resultados foram analisados pelo Programa Bioestat 4.0 e foram submetidos à análise descritiva e ao teste de Kruskal-Wallis (complementado por Student-Newman-Keuls). 3. RESULTADOS A contagem das unidades formadoras de colônias está expressa na (Tabela 1). Tabela 1. Contagem das unidades formadoras de colônias das amostras nos diferentes períodos experimentais (ufc/ml). ANTES DO SELAMENTO a 9.382 (6.153) APÓS 24 HORAS 0.077 b (0.054) APÓS 1 MÊS APÓS 6 MESES 0.130 a (0.107) 0.001 b (0.000) (p) KruskalWallis 0.0010 Letras diferentes: diferenças significantes: p<0.05. As médias aritméticas, desvios padrão e análise estatística de Kruskal-Wallis (complementado por Student-Newman-Keuls) estão na Tabelas 2 e 3. Houve redução significativa de S. mutans após o selamento da dentina cariada com cimento de ionômero de vidro convencional por 24 horas e 6 meses (p<0.05). Houve pequeno crescimento de S. mutans após 1 mês do selamento da dentina cariada com cimento de ionômero de vidro convencional. Após 6 meses, nova redução significante de S. mutans foi observada em relação ao antes do selamento e após 1 mês (p<0.05). Tabela 2. Médias aritméticas, desvios padrão e análise estatística de Kruskal-Wallis das amostras nos diferentes períodos experimentais (ufc/ml) ANTES DO SELAMENTO a 9.382 (6.153) APÓS 24 HORAS 0.077 b (0.054) APÓS 1 MÊS APÓS 6 MESES 0.130 a (0.107) 0.001 b (0.000) (p) KruskalWallis 0.0010 Letras diferentes: diferenças significantes: p<0.05. Tabela 3. Análise estatística de Kruskal-Wallis complementada por Student-Newman-Keuls) das amostras nos diferentes períodos experimentais – valor de p (ufc/ml) GRUPOS AMOSTRAIS ANTES DO SELAMENTO APÓS 24 HORAS APÓS 24 HORAS 0.0304 APÓS 1 MÊS 0.0652 APÓS 6 MESES <0.0001 ---- 0.7484 0.0652 ---- ---- 0.0304 4. DISCUSSÃO O cimento de ionômero de vidro foi selecionado para o selamento da lesão de cárie dentinária nesse estudo por apresentar adesão química com a dentina através da formação de camada de troca iônica [8, 13,16] dificultando a sobrevivência microbiana após o tratamento. Além disso, os materiais ionoméricos são considerados cariostáticos e antibacterianos pela liberação de flúor, que contribui para aumentar remineralização dentinária inibindo o crescimento microbiano [9, 15, 17]. Nesse estudo, foi avaliada a longevidade do potencial antimicrobiano do cimento de ionômero de vidro. Houve redução de S. mutans após 24 horas e 6 meses, concordando com estudos [5, 17] que relataram potencial antimicrobiano nos cimentos ionoméricos. A interação dos grupos carboxílicos do ácido polialquenóico dos cimentos ionoméricos com os íons cálcio da hidroxiapatita da dentina promovem a adesão química dificultando a nutrição microbiana, o que justifica os resultados desse trabalho. Além disso, o cimento de ionômero de vidro auxilia na prevenção da lesão de secundária pela liberação de flúor que pode ocorrer adjacente as restaurações existentes [5]. Após 1 mês do selamento, foi observado nesse trabalho, pequeno crescimento microbiano que não se manteve após 6 meses. Isso pode ser explicado pela liberação de flúor dos cimentos ionoméricos que acontece principalmente nas primeiras 24 horas. Provavelmente, após esse período, houve queda na liberação de flúor que pode ter permitido o pequeno crescimento bacteriano que não conseguiu progredir após 6 meses pelo selamento do material ionomérico que dificultou a nutrição microbiana. O cimento de ionômero de vidro é um dos principais materiais da dentística restauradora moderna que pode ser utilizado na técnica da mínima intervenção e preparos conservadores para preservar estrutura dental sadia [2, 8]. Essa mudança no tratamento da doença cárie dentinária aconteceu nos últimos anos. Antigamente, o preparo cavitário da dentística preconizava a completa remoção da lesão de cárie. A ênfase atual, porém, é sobre estratégias para preservar a dentina e proteger a polpa, incluindo a remoção incompleta da lesão de cárie [6, 8]. Esse princípio da remoção parcial da lesão de cárie dentinária foi utilizado nesse trabalho para avaliar o potencial do cimento de ionômero de vidro como material para capeamento dentinário. Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 24 e 25 de setembro de 2013 5. CONCLUSÃO O cimento de ionômero de vidro convencional apresenta capacidade antimicrobiana sobre S.mutans evidenciada nas primeiras 24 horas e 6 meses. AGRADECIMENTOS PUC-Campinas pela oportunidade de desenvolver um trabalho de Iniciação Científica com bolsa (FAPIC/REITORIA); FAPESP pelo auxílio pesquisa (processo 2012/10350-6). REFERÊNCIAS [1]. Banerjee A, Watson TFW, Kidd EAM. Dentine carious: take it or leave it? Dent Update 27: 272-6, 2000. [2]. Barata JS, Casagrande L, Pitoni CM, Araujo FB, Garcia-Godoy F, Groismann S. 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