ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS E O REGISTRO DE IMÓVEIS Luciano Lopes Passarelli Artigo 1.511 do CC “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Tratamento Constitucional: “A familia merece especial proteção do Estado” CF/37, artigo 127. CF/34, artigo 144. CF/46, artigo 163. CF/67, artigo 167. EC 1/69, artigo 175. CF/88: A familia é a base da sociedade Artigo 226. Art. 226 – FAMILIA: Sociedade formada pelo casamento, com ou sem filhos. Sociedade formada pela união estável, com ou sem filhos. Familias monoparentais. Uniões homoafetivas. Pessoas solteiras? Precedência da familia formada pelo casamento: a lei deve incentivar a conversão da união estável em casamento. (art. 226, § 3º). “O matrimônio e o óbito representam fatos jurídicos de evidentes repercussões patrimoniais condicionadas à atuação dos Registros Públicos, e cuja exterioridade é do interesse de todos” (CSM-SP, Ap. Cível 32.148-0/4, São Vicente, DOE de 01.07.96, rel. Des. Marcio Martins Bonilha). Art. 1.511 – consagração do elemento pessoalafetivo como valor maior a informar as regras atinentes à familia. Superação da patrimonialista. visão excessivamente Art. 1.511 – cláusula aberta. “Técnica de redação de preceitos legais por meio de formas vagas e multissignificativas, que abranjam variada gama de hipóteses, em contraposição ao método casuístico”. Têm textura polissêmica; fluida. Têm conteúdo ético-jurídico informado pelos princípios constitucionais. Servem de modelos hermenêuticos a permitir a contínua atualização dos preceitos legais. Instrumental para aparelhamento das vigas mestras do NCC: eticidade, socialidade, operacionalidade (Miguel Reale). O direito de familia atual preocupa-se com a felicidade nos lares; o elemento patrimonial está em segundo plano. O Estado não deve antepor o elemento patrimonial ao afetivo. Cabe aos cônjuges regular suas relações patrimoniais como melhor lhes convier. Art. 230 do CC/16: “O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento, e é irrevogável”. Art. 1.639, § 2º, NCC: “É admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros”. ITÁLIA: Art. 163 – “A modificação da convenção patrimonial, anterior ou sucessivamente ao matrimônio, não gera efeitos se o ato não é estipulado com o consenso de todas as pessoas que participaram na mesma convenção, ou de seus herdeiros”. Não se exige intervenção judicial. ESPANHA: art. 1.317 – “a modificação do regime econômico matrimonial realizada durante o matrimônio não prejudicará, em nenhum caso, os direitos já adquiridos por terceiros”. É feita por escritura pública e averbada no Registro Civil. FRANÇA: Pode ser feita quantas vezes o casal quiser (art. 1.396). É feita pelo notário, mas depende de homologação judicial (art. 1.397). Deve ser levada ao Registro Civil e só produzirá efeitos três meses após averbada. ALEMANHA: Podem ser livremente modificadas, ficando ressalvados os direitos de terceiros (§ 1.415, BGB). Devem ser levadas ao Registro Público para terem oponibilidade “erga omnes” (§ 1.412, al. 2, BGB). Orlando Gomes: “Não há razão para mantê-lo. O direito de familia aplicado, isto é, o que disciplina as relações patrimoniais entre os cônjuges, não tem o cunho institucional do direito de familia puro. Tais relações se estabelecem mediante pacto pelo qual têm os nubentes a liberdade de estipular o que lhes aprouver. Por que proibir que modifiquem cláusulas do contrato que celebraram, mesmo quando o acordo de vontades é presumido pela lei? Que mal há na decisão de cônjuges casados pelo regime da separação de substituirem-no pelo da comunhão? Necessário apenas que o exercício desse direito seja controlado, a fim de impedir a prática de abusos”. Dúvidas sobre a matéria no NCC: É possível a alteração do regime de bens adotado na vigência do Código Civil de 1916? Art. 2.039 – “O regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei 3.071, de 01.01.1916, é o por ele estabelecido” TJ-RS (Ap. Cível 70.006.709.950, 7ª Câm., rel. o Des. Sergio Fernando de Vasconcellos Chaves, v.u., j. 22.10.2003). Entendeu que o art. 2.039 se aplica às regras que disciplinavam cada regime de bens, e que sofreram alteração no NCC. EXEMPLOS: Separação de bens: não há mais necessidade de vênia conjugal para os atos elencados no art. 1.647. Comunhão universal: não estão mais excluidos da comunhão os bens antes relacionados nos incisos IV, V, VI, X e XII e do art. 263 do CC/16). Comunhão parcial: não mais se excluem os bens relacionados no inciso III do art. 269 do CC/16. Porém, não mais comunicam-se os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge (art. 1.659, inciso VI). TJ-MG (Processo 1.0518.03.03804-7/01, Rel. Moreira Diniz, j. 20.05.2004, publicado em 29.06.2004). “Retornando ao exame do art. 2.039, vemos que podemos interpretá-lo no sentido de que ali se explica que a vigência da nova lei, pela novidade de alguns de seus dispositivos... não implica automática modificação do regime de bens. Ali, não há referência à imutabilidade, mas apenas se estabelece que, mesmo com a vigência do novo Código, o regime de bens do casamento preexistente continua o mesmo, ou seja... não há modificações, totais ou parciais, automáticas, em decorrência da alteração de alguns dos princípios antigos”. O acórdão conclui pela possibilidade da alteração do regime de bens, mesmo que o casal tenha contraído matrimônio na vigência do CC/16. Silvio Rodrigues: “As pessoas casadas sob a égide da lei anterior podem beneficiar-se da mutabilidade do regime de bens introduzida pelo § 2º do art. 1.639 do Novo Código Civil”. TJ-SP. Ap. Cível 377.443-41-00,4ª Câm. de Direito Privado, comarca de Marilia, j. 19.05.2005. “Alteração de regime de bens. Casal que escolheu, originariamente, o da comunhão parcial e que prefere, agora, a comunhão universal, uma mudança que permitirá o saque, pela esposa, do saldo de FGTS a quem direito. Admissibilidade, embora o casamento tenha se realizado na vigência do Código Civil de 1916”. STJ. REsp 730.546-MG (DOJ 03.10.2005). 1 - Apresenta-se razoável, in casu, não considerar o art. 2.039 do CC/2002 como óbice à aplicação de norma geral, constante do art. 1.639, § 2º, do CC/2002, concernente à alteração incidental de regime de bens nos casamentos ocorridos sob a égide do CC/1916, desde que ressalvados os direitos de terceiros e apuradas as razões invocadas pelos cônjuges para tal pedido, não havendo que se falar em retroatividade legal, vedada nos termos do art. 5º, XXXVI, da CF/88, mas, ao revés, nos termos do art. 2.035 do CC/2002, em aplicação de norma geral com efeitos imediatos. 2 - Recurso conhecido e provido pela alínea "a" para, admitindo-se a possibilidade de alteração do regime de bens adotado por ocasião de matrimônio realizado sob o pálio do CC/1916, determinar o retorno dos autos às instâncias ordinárias a fim de que procedam à análise do pedido, nos termos do art. 1.639, § 2º, do CC/2002. Regime da separação obrigatória: é possível alterá-lo? A) pessoas que contraem casamento com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento (inciso I). Sim, desde que os cônjuges demonstrem ao juiz que aquelas causas restaram superadas. B) Pessoas maiores de 60 anos (inciso II). C) Os nubentes que dependem, para casar, de suprimento judicial (inciso III) É necessário pacto antenupcial? Entendemos que a alteração é feita judicialmente, como um sucedâneo do pacto antenupcial, onde as partes poderão livremente contratar as cláusulas que lhes aprouver. O procedimento é de jurisdição voluntária. Provimento 24/2003, art. 1º, TJ-RS: “A modificação do regime de bens do casamento decorrerá de pedido manifestado por ambos os cônjuges, em procedimento de jurisdição voluntária, devendo o juiz competente publicar edital com prazo de 30 (trinta)dias, a fim de imprimir a devida publicidade à mudança, visando resguardar direitos de terceiros”. Precedência das razões invocadas: Enunciado 113 das Jornadas de Direito Civil: “É admissível a alteração do regime de bens entre cônjuges, quando então o pedido, devidamente motivado e assinado por ambos os cônjuges, será objeto de autorização judicial, com ressalva dos direitos de terceiros, inclusive dos entes públicos, após perquirição de inexistência de dívida de qualquer natureza, exigida ampla publicidade”. Possibilidade de pressão contra o cônjuge mais fraco: Solução: realização de audiência para que o juiz verifique se está havendo vício na manifestação de vontade. Reflexos sobre o patrimônio imobiliário Efeito “ex tunc” da modificação. O TJ-RJ decidiu que os efeitos da modificação ficam restritos aos bens adquiridos posteriormente a ela. EmbDec em AgIn. Processo 2003.002.00713, 18ª Câm. Cível, Rel. Des. Nascimento Povoas Vaz, j. 01.07.2003. TJ-RS: “A alteração do regime de bens pode ser efetuada a qualquer tempo, com efeitos retroativos à data da celebração do casamento, ressalvados os direitos de terceiros”. Ap. Cível 70.006.423.891, 7ª Câm. Cível, Rel. Des. Sergio Fernando de Vasconcellos Chaves, j. em 13.08.2003. Voto do Desembargador José Carlos Teixeira Giórgis, no mesmo acórdão: “Entretanto, face ao princípio da livre estipulação (art. 1.639, caput), sendo possível estipular regime não regrado no Código, a mudança poderá, a critério dos cônjuges, operar-se a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória, caso em que teríamos a criação de um regime não regrado no CC”. A alteração inaugura um novo “status juris” para a propriedade imobiliária. Fica descartada perquirição sobre a situação anterior à alteração (se comunicou ou não por força do regime primitivo). Registro da partilha Escritura pública? A resposta é afirmativa pelo teor dos artigos 499 e 108 do CC. Em SP, partilha instrumentalizada por termo nos autos tem o mesmo efeito e eficácia da escritura pública. Ap. Cível 9.763-0/7, comarca de Serra Negra, j. 05.06.1989). VRP-SP, Processo 03.05.2005). 000.04.126815-6 (DOE “São dois os atos registrais que devem decorrer do processo no qual foi homologada a alteração do regime de bens do casal. O primeiro relativo à própria alteração, e o segundo pertinente à partilha. A partilha deve ser homologada, e tal qual um inventário ou uma separação judicial deve gerar uma Carta ou um Formal de Partilha. Portanto, necessário que a ordem de partilha venha corretamente instrumentalizada, resolvendo, inclusive, eventuais questões tributárias, caso tenha ocorrido desnivelamento dos quinhões”. Deverá o instrumento ser homologado pelo juiz e integrar o respectivo Formal de Partilha. “Não há como registrar escritura de partilha amigável sem que ela integre o Formal de Partilha (CSM-SP. Ap. Cível 19.824-0/4, comarca de Guarulhos, DOE 07.07.94). “Se a modificação alcançar o patrimônio antes adquirido, deverá ser apresentada a relação de bens e estipulada a partilha, em caso de transformação de regime de comunhão em separação”. (Curso..., Washigton de Barros Monteiro, atualizado por Regina Beatriz Tavares Silva, v. 2, 37ª ed. São Paulo : Saraiva, 2004, p. 188). PARTILHA É OBJETO DE REGISTRO. Art. 167, I, 23, da LRP. Art. 172 da LRP: “No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintivos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa, quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para sua disponibilidade”. A partilha é um ato jurídico do gênero “divisão”. Põe fim à co-propriedade gerada em face do regime de bens adotado. MHD: “Os atos de divisão e partilha alusivos a imóveis, apesar de declararem a propriedade, devem ser registrados no Livro 2 para que cada proprietário possa dispor do quinhão que lhe coube” (Sistemas de Registro de Imóveis, p. 70). Sempre que na alteração do regime de bens o imóvel até então comum for atribuído exclusivamente a um dos cônjuges, essa circunstância deverá ser instrumentalizada por partilha, a qual será objeto de registro. O Formal deverá atender normalmente aos requisitos dos arts. 176 e 225 da LRP. Deverá ser verificada eventual incidência do imposto de transmissão inter vivos. Deve conter o termo ou auto de partilha, a sentença homologatória com a certidão do trânsito em julgado (Art. 1.575, § único; art. 1124 do CPC; item 122.4, cap. XVII, Prov. 58/89). Valor venal (Lei Estadual 11.331/02). Certidão de casamento onde já conste averbada a alteração (art. 70, § 7º, da LRP; art. 1.573, VII, do CC). E se não houver partilha? A) Quando não há alteração da titularidade subjetiva (bens comuns continuam comuns; bens próprios continuam próprios). B) quando há alteração apenas do regime jurídico da co-propriedade: o que era comum em face do regime de bens adotado continua sendo comum, mas em condomínio ordinário do direito civil. O ato será de averbação. Apresentar requerimento, com firma reconhecida em Tabelião (art. 221 da LRP) instruído com a certidão de casamento, onde já conste averbada a alteração do regime. Atendendo ao requerimento firmado nesta cidade em 19 de janeiro de 2007, procedo esta averbação para constar que o regime matrimonial de bens de A e sua mulher, B, foi alterado para o da separação convencional de bens, por sentença proferida em __ pelo Excelentíssimo Senhor Doutor ___, Meritíssimo Juiz de Direito da ___, desta comarca, transitada em julgado em ___, nos autos do processo n. ___, conforme prova a certidão de casamento expedida em __ pelo __ Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais desta cidade, extraída do termo n. __, Livro __, fls. ___. O imóvel objeto desta matrícula não foi objeto de partilha (continuou permanecendo em comum ao casal). Regime primitivo: comunhão parcial de bens Dois patrimônios: o particular de cada cônjuge e o comum ao casal. Alteração para separação de bens: a) bens particulares que continuarão particulares: basta averbar a alteração do regime. b) bens comuns que continuarão comuns: basta averbar a alteração do regime. c) Bem comum passa a pertencer exclusivamente a um dos cônjuges: necessário registrar a partilha. E um bem particular que passe a pertencer ao outro cônjuge? Em princípio, esse negócio jurídico não constitui partilha, mas sim venda e compra, reclamando escritura pública (art. 108 CC). “Como regra geral, a competência para a documentação de negócios jurídicos que sejam aptos à transmissão do domínio de bens imóveis de valor superior à taxa legal cabe a tabeliães de notas. Tal regra não se reveste de natureza absoluta e comporta exceções relativas a atos jurídicos admitidos em procedimentos judiciais”. (CSM-SP. Ap. Cível 10.382-0/0, comarca de Itapetininga, j. em 06.09.1989). Alteração de comunhão parcial para comunhão universal. Todos os bens passam a integrar o patrimônio comum: bastará a averbação de alteração. Alteração de comunhão parcial para participação final nos aqüestos: Nesse regime, cada um dos cônjuges têm patrimônio próprio. Bens comuns que continuem comuns (parte ideal de cinquenta por cento para cada um): apenas averbação da alteração. Bens particulares que continuem particulares: apenas averbação da alteração. E se um imóvel for atribuído exclusivamente a um dos cônjuges? É preciso distinguir com precisão se a atribuição está sendo feita a título gratuito ou oneroso, porque apenas os bens havidos a título oneroso serão levados ao monte final. Art. 1.672: “No regime da participação final dos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos a título oneroso, na constância do casamento”. Um aspecto interessante: sendo a alteração do regime de bens sucedâneo do pacto antenupcial, parece possível que os cônjuges adotem a regra do art. 1.656 do CC, dispensando a outorga marital e uxória para a transmissão de imóveis particulares. Regime primitivo: comunhão universal de bens. Para comunhão parcial: a) os bens continuam comuns: basta a averbação da alteração. b) Há atribuição exclusiva a um dos cônjuges: partilha e registro. Conforme o Formal de Partilha expedido em __ pelo Juízo de Direito da 1ª Vara Cível desta cidade, nos autos da ação de Alteração de Regime de Bens requerida por A e B, processo nº __, o imóvel objeto desta matrícula, avaliado em R$, ficou pertencendo exclusivamente a “A”, na partilha a título gratuito realizada no bojo daqueles autos. A sentença homologatória transitou em julgado em __. De comunhão universal para separação de bens: A) bens comuns que continuam comuns: basta a averbação. B) Havendo atribuição exclusiva a dos cônjuges, deverá ser procedida a partilha. De comunhão universal para participação final nos aqüestos: Mesma regra da comunhão parcial. Regime primitivo: separação de bens: A) para comunhão universal: todos os bens entram na comunhão, bastando a averbação de alteração. B) Para comunhão parcial: os bens continuam exclusivos, bastando a averbação no Registro de Imóveis. Eventual transmissão de um cônjuge a outro deve ser resolvida pelas regras dos arts. 499 e 544. C) Para participação final nos aqüestos: mesma regra. REGIME PRIMITIVO: participação final nos aqüestos. A) para comunhão universal: todos os bens entram na comunhão, bastando a averbação da alteração do regime. B) para comunhão parcial: os bens continuarão sendo particulares, bastando a averbação da alteração do regime. Se houver transmissão de bens: arts. 499 e 544. C) para separação de bens: mesma regra. OBRIGADO PELA PACIÊNCIA.