Aula 9 - Ética contemporânea
Como vimos, o aspecto formal foi desenvolvido na filosofia kantiana,
culminando na autonomia ética. O materialismo, por sua vez, compõe-se de
uma ética dos bens e de uma ética dos valores. A primeira abrange todas as
doutrinas que, estabelecidas sobre o hedonismo ou consecução da felicidade,
colocam fins específicos: utilitários, religiosos, sociais, etc., aproximando-se
conceitualmente, ao sustentarem que a bondade ou maldade de um ato
dependa da adequação da ação a um fim proposto. Neste sentido,
diferenciam-se do formalismo kantiano em que as noções de dever, boa
vontade e moralidade anulam qualquer eudemonismo na conduta moral.
Já a ética dos valores representa uma síntese formalismo/materialismo, ou
uma conciliação entre o empirismo e a o apriorismo morais, como aparece em
um de seus maiores sistematizadores: Max Scheler (1874-1928). Segundo ele,
os valores, compondo-se de conteúdos intencionais e estando, assim,
remetidos a objetos particulares, não são concebidos através de atos
significativos, não deixando, no entanto, de serem objetos de intuições
essenciais. Conseqüentemente, as normas que compõem a ética não podem
estar baseadas, apenas, nos imperativos categóricos kantianos; vinculando o a
priori com o material, ele supõe, antes, a existência de uma intuição
emocional que surge do tecido de vivências afetivas puras.
A origem da ética abrange a discussão do caráter autônomo ou heterônomo da
moral. Conforme sustentam os defensores da primeira posição, o que se
realiza por uma força ou coação externa à razão não é propriamente moral;
para os segundos, é justamente a existência desta força, sendo entendida na
maior parte das doutrinas como provindo de Deus, que impulsiona a ação
moral. A essas perspectivas acrescentaram-se tendências que associam a
autonomia do ato moral – uma lei que rege os comportamentos morais –, do
fundamento efetivo de onde se originam as normas morais. Elas vinculam, em
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outros
termos,
concepções
apriristas
e
empiristas,
voluntaristas
e
intelectualistas, as quais estudam aspectos concernentes aos objetos morais,
de valores absolutos e eternamente válidos que perduraram ao longo da
historicidade ética. Já o problema da finalidade do campo ético refere-se à
capacidade que têm as diferentes posições (eudemonistas, hedonistas,
utilitaristas, etc.) de definirem com consistência a ética de acordo com um
determinado bem.
O problema da linguagem ética foi apresentado por várias teorias. Dentre as
mais importantes, podemos destacar, inicialmente, a de Charles Kay Ogden
(1889-1957) e Ivor Armstrong Richards (1893-1979), que estabeleceram
distinções entre linguagem indicativa (científica, pois implicam relações como
as de implicação e consistência) e linguagem emotiva (não científica, a ética
pertencendo a este último domínio). Em seguida, John Dewey (1859-1952),
que tenta superar o dualismo entre ciência e moral, formulando uma lógica
que seja um método efetivo de investigação e que não rompa com as diversas
regiões da experiência. Adotando o princípio de que o pensar é um
instrumento forjado pela vida humana para sua adaptação ao meio,
diferencia, no domínio ético, termos valorativos („desejado‟, por exemplo) de
termos descritivos (provêm da experiência, como „desejável‟). Em terceiro
lugar, as contribuições de Alfred Julius Ayer (1910-1989) e Charles Leslie
Stevenson (1908-1979), principais defensores do emotivismo ético. Segundo
eles, as expressões éticas, ainda que não sejam empiricamente verificáveis
(por exemplo, „não aprovo um roubo‟), não deixam de manifestar sentimentos
de índole ética (aprovação ou desaprovação de algo). Para Stevenson, ainda,
os termos usados em enunciados éticos são dinâmicos, na medida em que
podem produzir reações afetivas. Para Ralph Barton Perry (1876-1957), em
quarto lugar, o valor de um objeto consiste em sua qualidade. Assim, os
valores positivos, relacionados ao bem, abrangem diversos modos de atração –
o amado, desejado, agradável –, enquanto que os negativos, vinculados ao
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mal, modalidades de repulsão – o repugnante, odioso e desagradável. Não
estão nos objetos, mas evocam sentimentos ou vontades, o que não significa
que dependam das escolhas livres dos seres humanos: segundo ele, haveria
uma consciência do conhecimento dos valores que pertencem aos objetos,
que conduz os homens a aceitar uma hierarquia própria do que deve ser mais
ou menos valorizado. Para Richard Mervyn Hare (1919-2002), finalmente, as
expressões da linguagem ética são prescritivas. Estas são imperativas, pois
delas derivam-se juízos éticos (como quando dizemos, “obedeça a teus pais”,
equivalendo a “desejo que obedeças a teus pais”). Em linhas gerais, todas
estas investigações aceitam a existência de uma linguagem ética expressa
através de preceitos ou juízos de valor, possuindo, assim, uma natureza
prescritiva. As dificuldades que enfrentam residem, entretanto, no exame das
relações entre as dimensões imperativa e valorativa desta linguagem.
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