Educação
em Rede
Currículos em EJA:
saberes e práticas de
educadores
Serviço Social do Comércio
Serviço Social do Comércio
Educação
em Rede
Currículos em EJA:
saberes e práticas
de educadores
1a edição
Rio de Janeiro, 2011
SERVIÇO SOCIAL DO COMÉRCIO
Presidência do Conselho Nacional
Antonio Oliveira Santos
Departamento Nacional
Direção-Geral
Maron Emile Abi-Abib
Divisão Administrativa e Financeira
João Carlos Gomes Roldão
Divisão de Planejamento e Desenvolvimento
Álvaro de Melo Salmito
Divisão de Programas Sociais
Nivaldo da Costa Pereira
Consultoria da Direção-Geral
Juvenal Ferreira Fortes Filho
Luís Fernando de Mello Costa
PUBLICAÇÃO
Coordenação
Edição
Gerência de Educação e Ação Social/
Divisão de Programas Sociais
Assessoria de Divulgação e Promoção/
Direção-Geral
Maria Alice Lopes de Souza
Christiane Caetano
Equipe do projeto Educação de Jovens e
Adultos
Supervisão editorial
Celso de Souza Cunha
Marta Lima de Souza
Gerência de Desenvolvimento Técnico/
Divisão de Planejamento e Desenvolvimento
Raimundo Vóssio Brígido Filho
Assistente
Aline Vieira de Albuquerque
Rosane Carneiro
Projeto gráfico
Ana Cristina Pereira (Hannah23)
Editoração
Anne Esteche
Revisão de texto
Clarissa Penna
Marcia Capella
Assessoria externa
Alessandra Nicodemos
José Carlos Lima De Souza
Produção gráfica
Celso Mendonça
FICHA CATALOGRÁFICA
Currículos em EJA : saberes e práticas de educadores. –
Rio de Janeiro : SESC, Departamento Nacional, 2011.
258 p. : 22 cm. – (Educação em rede)
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-89336-52-9.
1. Educação de jovens e adultos - Currículos. 2. Aprendizagem – Avaliação. 3. Educadores Formação. I. SESC. Departamento Nacional. II. Série.
CDD 374
“Pensar a prática enquanto a melhor
maneira de aperfeiçoar a prática.
Pensar a prática através de que se vai
reconhecendo a teoria nela embutida.
A avaliação da prática como caminho
de formação teórica...”
(Paulo Freire)
No cenário atual, identifica-se o delineamento de uma nova era: a era
do conhecimento. Esta se desenvolve no contexto de uma revolução tecnológica
que possibilita movimentos de circulação de informações com velocidade e
intensidade jamais previstas na história. Diante dessa realidade, insere-se a
necessidade de formação permanente dos profissionais e, assim, vislumbra-se
a modalidade de Educação a Distância como uma estratégia bem-sucedida de
alternativas para esse propósito.
O SESC, sempre atento às novas demandas da sociedade, já utiliza
desde 2006 a tecnologia da videoconferência como forma de permitir que
participantes situados em locais geograficamente distantes possam interagir e
trocar experiências ao vivo, proporcionando mais oportunidades de capacitação
e disseminação de conteúdos.
Com o curso Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores,
que deu origem a esta publicação, nosso desafio foi promover essa convergência,
valorizando o capital intelectual da Instituição e definindo estratégias de
capacitação adequadas à realidade e aos objetivos da atividade Educação de
Jovens e Adultos no SESC do futuro.
Como a interação é a grande estrela dessa ferramenta de comunicação,
a divulgação do conteúdo do curso se fez imperativa, pois o SESC acredita que
compartilhar o conhecimento é um compromisso seu com a sociedade.
Maron Emile Abi-Abib
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Sumário
INTRODUÇÃO Gerência de Educação e Ação Social
do Departamento Nacional
12
EJA: de ensino supletivo à condição de um novo paradigma
para a educação no tempo presente
José Carlos Lima de Souza
24
As Teorias Críticas do Currículo e o processo de execução,
construção e ressignificação de práticas curriculares
na Educação de Jovens e Adultos
Alessandra Nicodemos
38
Parte I - Currículos
A IMPORTâNCIA DO ESPAÇO DE VIvÊNCIA NA Educação de
Jovens e Adultos
Emmanuele Maria Correia Costa
56
sujeitos da eJa e o currÍculo
Kelma Araújo Soeiro
68
Educação de Jovens e Adultos, um desafio constante
Alcione Deodato de Souza
78
As diretrizes curriculares da educação de jovens e adultos
e o currículo
Marta Maria Araújo Pereira 86
reconhecer as necessidades do educando para
qualificar o currículo
Christiana Diniz Lopes
Educação em Rede
98
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
reconhecer a identidade do aluno: fator fundamental para a
construção de um currículo em EJA
Tamára dos Santos Cunha
108
o desafio do professor na construção do currículo da
Educação de Jovens e Adultos (EJA)
Nurse Antônia de Freitas Vieira
118
CONteúdos significativos: desafio na educação de
jovens e adultos
Heleonira Lima
124
Práticas educativas e construção de currículo em EJA
Reflexão das práticas avaliativas, construção da aprendizagem
significativa
Adna Ramos de Abreu Santos 136
Reflexões para a constituição de um currículo possível
em Educação de Jovens e Adultos
Lêda Letro Ribeiro
146
Parte II - Avaliação da aprendizagem
avaliação da aprendizagem escolar nos cursos da
Educação de Jovens e Adultos: Uma discussão acerca das
possibilidades de rediscuti-la nos currículos escolares
Aldeci da Silva Dias
162
recordações: complemento para uma prática inovadora
Maria de Assunção Cortes Costa
178
diagnosticar saberes significativos ao aluno
ou simplesmente avaliar
Marlucia Oliveira de Castro Azerêdo
191
Avaliar: um ato político que poderá levar à
transformação social
Pe. Bruno (Francisco Edson Garcês Carneiro Lira) Serviço Social do Comércio
200
Educação em Rede
Parte III - Formação de educadores
um novo olhar à formação docente
Edilene do Socorro Almeida Dias
212
Especificidades da EJA: trajetória e desafios para
o saber docente
Adriana Cláudia de Assis
224
a EJA e o direto à diversidade: por uma valorização
da escola da vida
Ariadne Colatto Viana
234
Currículo e prática docente
Rosimária Rodrigues de Melo Cardoso Educação em Rede
248
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Introdução
Gerência de Educação e Ação Social do
Departamento Nacional
Os professores só pecam por três defeitos: o de nada escreverem
do muito que sabem, o de não divulgarem as maravilhas que
operam no segredo da sua sala, o de não denunciarem situações que se crê não aconteçam...
(José Pacheco)
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
A citação de Pacheco contribui para introduzirmos um dos objetivos dessa publicação: revelar os saberes dos professores e divulgar práticas educativas, muitas
vezes escondidas em suas salas de aula, em seus planejamentos e cadernos de registros e, principalmente, recuperar e registrar esses saberes e práticas, bem como
a memória de uma formação, que se desenvolve em serviço, por meio dos desafios
trazidos diariamente pelo trabalho educativo com jovens e adultos. Esses objetivos
têm suas dimensões ampliadas quando consideramos que a Educação de Jovens e
Adultos (EJA), apesar de constituir-se um campo antigo da escolaridade, ainda sofre
com as incipientes produções teórico-práticas, em especial aquelas elaboradas por
quem vive o “chão da sala de aula”. Portanto, esse é outro objetivo dessa publicação:
contribuir para a ampliação de conhecimentos teórico-práticos na área, por meio
da divulgação da produção escrita de educadores de jovens e adultos.
O Serviço Social do Comércio (SESC) desenvolve a Educação de Jovens e Adultos (antigos Cursos Supletivos) desde 1973, de modo sistemático, nas etapas de Alfabetização, Ensinos Fundamental e Médio. Anteriormente a esse período, o SESC,
por meio dos Departamentos Regionais, já envidava esforços junto ao poder público para ampliar a escolaridade do trabalhador, comerciário ou não, participando da
preparação e organização dos exames de Madureza. Em 1999, tem origem o Projeto
SESC LER, visando à alfabetização e à escolarização (1º ao 5º ano do Ensino Fundamental) de jovens e adultos, levando a EJA para o interior do país.
A formação de educadores é um dos princípios norteadores da Proposta Político-Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos no SESC, centrada na concepção
de educação continuada e em serviço. Assumimos os pressupostos da formação
contínua em serviço:
contínua porque, ao mesmo tempo em que o professor se nutre de conhecimentos científicos e saberes culturais, cria outras representações sobre as relações educativas na escola.
Em serviço, por privilegiar um processo de desenvolvimento profissional do sujeito, constituído por história de vida e de acesso aos bens culturais, de fazeres profissionais e de diferentes realidades de trabalho, carregadas ora por necessidades de superação de desafios,
ora por dificuldades relevantes de atuação (FUSARI & FRANCO, 2005).
Além dessas concepções, a formação tem seu alicerce em dois papéis fundamentais do professor: o de mediador e de pesquisador. O papel de mediador centra-se no saber escutar relacionado ao ato de ensinar, pois à medida que o professor
aprende a escutar o aluno, aprende também a falar com ele, ou seja, estabelece um
diálogo permanente, no qual a educação constitui-se com o aluno. O ato de ensinar
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
13
Introdução
está inter-relacionado ao papel de pesquisador, por meio da mediação, visto que
a integração de ensino e pesquisa é fundamental na formação do educador, pois
ao ensinar, não apenas o professor auxilia o aluno, como também reelabora seus
conhecimentos, pois como afirma Freire:
Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um
no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque
busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constar, constatando,
intervenho, intervindo educo e me educo (FREIRE, 1997, p. 32).
14
Introdução
A citação de Freire retoma a relação intrínseca entre ensino e pesquisa, em que
a pesquisa é parte integrante da natureza da prática educativa. Portanto, o trabalho docente implica movimento de ação-reflexão-ação, por meio das questões que
emergem da prática em sala de aula e que são reelaboradas por um processo reflexivo. É nesse cotidiano que o professor toma decisões e constrói seu saber, refletindo
na ação. Entretanto, a reflexão deve ultrapassar a situação imediata, constituindo-se
a “reflexão sobre a reflexão na ação”, que se efetiva na discussão coletiva, na troca de
experiências, na busca de saberes. É nessa relação entre a teoria e a prática, no diálogo entre a prática de cada professor e a teoria educacional que se elabora o saber
pedagógico. Daí a importância de resgatar o papel do professor como pesquisador,
como aquele que indaga, reflete e produz teoria a partir da prática, o que torna
imprescindível o registro sistemático das experiências, conformando a memória da
escola. Memória que, ao ser analisada e refletida, contribuirá para a colaboração
teórica e para o revigoramento de práticas. É esse movimento que inspira a
presente publicação.
Ampliando, ainda, as estratégias de formação contínua no SESC, temos a Educação a Distância (EAD), utilizando os recursos da videoconferência, que permite às
pessoas ultrapassarem as barreiras geográficas e temporais de forma rápida e interagirem, possibilitando a troca de conhecimentos, como ocorreu nos três últimos
encontros, quando 15 estados, divididos em três grupos com cinco pessoas cada,
apresentaram o trabalho que vêm desenvolvendo na EJA, por meio da metodologia
de projetos.
De acordo com Cruz (2005), nas últimas décadas, novos modelos de aprender
foram criados a partir de relacionamentos virtuais dentro dos ambientes informatizados. Com isso, o fim da distinção entre o que é presencial e o que é a distância
parece estar começando a acontecer, já que as redes de telecomunicações e supor-
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Educação em Rede
tes multimídia interativos vêm sendo progressivamente integradas às formas mais
clássicas de ensino.
Nascida como uma ferramenta para a comunicação empresarial e desenvolvida
para possibilitar reuniões de negócios, a videoconferência passou a ser utilizada
com um fim educativo. Isso porque, dentre as mídias aplicadas na EAD, é a que mais
está próxima do presencial ao permitir que participantes situados em dois ou mais
lugares geograficamente distantes possam realizar reunião síncrona com imagem
e som, por meio de câmeras, microfones e periféricos, como CD-ROM, vídeo e computador, como base para apresentações em slides, internet etc.
Ainda segundo a autora, se a videoconferência funciona bem para contatos de
negócios, a situação muda quando se trata de uma aula. Isso porque, em termos pedagógicos, tanto o conteúdo como a forma precisam ser pensados tomando como
parâmetros as várias relações presentes na situação mediada por equipamentos:
aluno/interface, aluno/conteúdo, professor/aluno e, finalmente, aluno/aluno.
Por acontecer ao vivo e exigir participação, a aula por videoconferência rompe a passividade costumeira frente ao aparelho de TV. Mas, para que funcione, o
professor tem de criar dinâmicas que envolvam os alunos e os levem a interagir.
Isso significa que o ensino interativo a distância exige uma nova postura tanto do
professor quanto do aluno. O primeiro deixa de ser o “dono” e o “repassador” de conhecimentos para se tornar muito mais um guia, um orientador. Já o aluno, precisa
ser independente, autônomo e criativo na aprendizagem, principalmente porque
não é mais na sala de aula que ele conseguirá todas as informações de que precisa.
É nessa perspectiva que tem origem o curso “Elaborando Currículos em EJA”,
visando discutir e refletir sobre a produção do currículo, com base nos referenciais
teórico-metodológicos, nas demandas e nos desafios suscitados pela prática educativa em Educação de Jovens e Adultos. Para dar conta desse objetivo, foram convidados dois professores com ampla experiência na EJA: Alessandra Nicodemos,
mestre em Educação, bacharel e licenciado em História; e José Carlos Souza, doutor
em História, bacharel e licenciado em História.
O curso foi realizado em dez encontros, no modo videoconferência, sendo um
encontro para aula inaugural, na qual se apresentou sua proposta, os professores,
o desenvolvimento e objetivos de cada módulo, as referências bibliográficas e os
autores estudados; oito encontros para o desenvolvimento dos temas das aulas e
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
15
Introdução
um de avaliação. Esses oito encontros foram estruturados em quatro módulos1, sendo cada um desenvolvido em duas aulas. A carga horária total era 50 horas/aula,
distribuída em 30 horas/aula para videoconferência e 20 horas/aula para leituras e
grupos de estudos.
16
Introdução
Em relação à avaliação, cabem algumas observações. Desde a primeira reunião,
a avaliação foi tema de discussão entre os coordenadores e os professores responsáveis pelo curso. Nossa preocupação consistia em desenvolver um processo avaliativo que fosse condizente com os referenciais teórico-metodológicos e as práticas
educativas da EJA e não simplesmente realizar uma avaliação de conteúdos. Desse
modo, após fervorosas discussões, optamos por realizar uma avaliação em que os
educadores pudessem colocar em prática um processo de ação-reflexão-ação, tomando os estudos desenvolvidos no curso e suas práticas como pontos de partida.
Portanto, a avaliação consistiu em uma produção textual de 30 linhas, no máximo,
sobre a escolha de um dos temas estudados, sendo os textos mais significativos
selecionados para tornarem-se artigos, visando integrar uma publicação relativa ao
encontro. Durante o desenvolvimento da avaliação, os educadores puderam consultar o caderno de textos, suas anotações e os slides das aulas. As redações foram
avaliadas tendo como critérios: 1) capacidade de argumentação e organização de
ideias; 2) apropriação e capacidade de dialogar com os autores estudados, os conteúdos abordados e a prática pedagógica em EJA; 3) atenção ao tema e aos subtemas
escolhidos e título; 4) clareza e propriedade no uso da linguagem escrita.
A proposta de avaliação teve um desdobramento com a outra etapa, na qual os
professores, após suas leituras, deram um feedback geral aos participantes, apontando os temas mais escolhidos: identidade dos estudantes da EJA (43%); avaliação
(36%); paradigmas curriculares da EJA (14%) e o tempo e o espaço escolar na EJA
(7%); títulos originais por módulo; expressões ou parágrafos; méritos e dificuldades dos textos e demandas. Nessa etapa, discutiu-se também a importância de se
refletir sobre o papel e a construção do professor-pesquisador (ZACCUR & ESTEBAN, 2002), com base no estatuto acadêmico do pesquisador, transmissão de conhecimentos, relação teoria e prática e diálogos entre a escola e a universidade.
Outra tópico empreendido no feedback aos educadores tratou da elaboração de
1. Os módulos foram: I – Identidades dos estudantes da EJA (A heterogeneidade como desafio e as questões do
mundo do trabalho); II – Os paradigmas curriculares em EJA (As teorias do currículo e os paradigmas curriculares em
EJA); III – Organização curricular: a hierarquização do conhecimento (A organização curricular e práticas interdisciplinares em EJA); IV – Práticas educativas e construção de currículo em EJA (A construção de currículo em EJA e práticas
avaliativas e suas potencialidades na EJA).
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um artigo científico, apresentando sua estrutura e finalidades, seus interlocutores,
suas partes (título, autores, resumo, introdução, desenvolvimento, conclusões, referências bibliográficas de acordo com as normas da ABNT, data de produção do
texto), visando auxiliar os educadores que tiveram suas produções selecionadas na
elaboração do artigo.
Participaram do curso, aproximadamente, 300 educadores, distribuídos em
unidades educacionais nas capitais e nos interiores de 20 estados2 do país. Recebemos 202 redações que foram avaliadas pelos professores Alessandra Nicodemos e
José Carlos Souza. Desse total, 39 foram selecionadas para a produção de artigos,
conforme os critérios citados anteriormente. Trinta e duas retornaram em forma de
artigo. Procedeu-se nova avaliação, na qual 18 foram aprovadas para publicação.
Cabe destacar que, no processo de avaliação, tomamos o cuidado para que os avaliadores não identificassem os autores das produções escritas. Portanto, cada proposta de texto encaminhada recebeu um número, tendo extraída a folha de rosto
em que constava o nome do educador, de modo a garantir a isenção da avaliação,
visto que, durante a realização das videoconferências, os professores-avaliadores
interagiram com alguns educadores que participaram do curso.
Esta publicação organiza-se em três partes. A primeira parte apresenta o tema
do currículo, bem como as teorias que o fundam, concentrando a maior parte dos
artigos recebidos. A segunda apresenta as produções relativas à avaliação da aprendizagem, um tema que mobiliza muito os educadores; e a terceira parte trata dos
textos sobre a formação de educadores, encerrando o livro com a discussão de um
novo paradigma na EJA.
O artigo que abre os trabalhos é da professora Alessandra Nicodemos, no qual
analisa as questões que circunscrevem o campo do currículo na Educação de Jovens e Adultos, com vistas a estabelecer uma conexão entre o debate curricular
crítico e a EJA. A assessora apresenta, após breve resgate histórico das principais
teorias do currículo no século XX, a potencialidade das teorias críticas como espaço
de compreensão das questões teóricas, políticas e metodológicas da EJA nos dias
atuais, de modo a desvelar novas práticas curriculares.
2. A saber: Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso, Mato Grosso
do Sul, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, Sergipe e
Tocantins.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
17
Introdução
O artigo de Tamára dos Santos Cunha discute o reconhecimento da identidade
do educando da EJA como um fator fundamental para a construção do currículo. A autora, além de diferenciar jovens e adultos quanto aos objetivos, interesses
e trajetórias escolares, toma os princípios e recursos do multiculturalismo crítico
como o ponto de partida para um ambiente estimulador e problematizador do
conhecimento. Conclui, destacando a questão identitária para a elaboração de
currículos em EJA.
18
Introdução
O texto de Nurse Vieira apresenta três propostas para a EJA que visam a uma
ruptura da construção clássica da organização curricular por disciplina, com modelos preestabelecidos, de forma linear. A autora defende uma organização curricular com base nas áreas de conhecimento e na metodologia de projetos, flexível
e fundamentada nos saberes interdisciplinares. Em seu texto, conclui que o currículo da EJA necessita ser construído nesse movimento entre as práticas docentes,
as discussões coletivas, a adequação de conteúdos, por meio de um diálogo entre
os diferentes autores, com base na realidade e na identidade dos educandos e nos
valores sociais produzidos.
Heleonira Lima enfatiza os conteúdos significativos relacionados à vida na
construção de um currículo em EJA. Para a autora, a inserção desses conteúdos
no currículo constitui-se em desafio, tanto para a EJA quanto para seus educadores. Desafio que tem como base os quatro pilares da educação, promulgados pela
Unesco (1997): aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Conclui que mudar é difícil, mas é possível (Freire) quando respeitamos as
experiências dos educandos e a partir delas pensamos um currículo significativo
para a EJA.
O texto de Adna Santos aborda a importância da reflexão sobre as práticas avaliativas para a construção de um currículo adequado às necessidades dos educandos,
às suas experiências e às suas trajetórias escolares, inclusive em relação às avaliações
classificatórias que os marcaram, profundamente, no processo de aprendizagem.
O artigo de Lêda Letro Ribeiro reflete sobre o conhecimento crítico e a sua
possibilidade transformadora ao discutir a importância de os educadores de EJA
se apropriarem da história e dos contextos em que os documentos e os discursos
foram e são produzidos. A autora destaca também a necessidade de superarmos os
dilemas e os desafios postos pela prática, assumindo um lugar em favor dos educandos da EJA. Em seguida, relata a experiência de EJA em Florianópolis, principal-
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mente com base na elaboração do Projeto Político-Pedagógico (PPP) construído em
conjunto pela equipe educacional e tendo como referências a Proposta Pedagógica
da Educação de Jovens e Adultos e os documentos legais da área. Um dos pontos
ressaltados pela autora é a necessidade de atualização permanente do PPP como
um orientador da prática. Outro ponto refere-se à avaliação, que ainda se configura
como uma prática classificatória e excludente, o que implica revisão da equipe educacional. Lêda encerra seu texto apontando perspectivas possíveis à construção de
um currículo favorável ao acesso à escola e à permanência dos educandos nela, de
modo a garantir o exercício do direito à educação básica.
O texto de Emmanuele Maria Correia Costa trata da construção de currículo
para a EJA com base nas reflexões sobre a prática dos educadores, tendo como
referencial teórico os estudos de Paulo Freire.
Alcione Deodato de Sousa discute que a efetivação da EJA ocorrerá partindo-se
de alguns pressupostos como o contexto sociopolítico, o perfil do educando e as
funções dessa modalidade de ensino. Tais abordagens são discutidas no presente
texto com o intuito de levar-nos a uma reflexão de como estão sendo construídos
os currículos escolares para jovens e adultos.
O artigo de Kelma Araujo Soeiro apresenta o currículo como espaço de expressão das identidades e necessidades de jovens e adultos, proporcionando um repensar sobre as práticas curriculares apresentadas em sala de aula.
A heterogeneidade na EJA e as questões do mundo do trabalho são aspectos
fundamentais discutidos por Christiana Diniz Lopes para a construção de um currículo específico dessa modalidade de ensino.
O artigo de Marta Maria Araújo Pereira debate as possibilidades de novos desenhos curriculares para EJA, o que implicará o seu conhecimento histórico e de
algumas concepções de currículos trabalhados nessa modalidade de ensino.
No segundo bloco, Aldeci da Silva Dias discute o paradoxo na avaliação da
aprendizagem entre o quantitativo e qualitativo na Educação de Jovens e Adultos.
O texto de Maria de Assunção Cortes Costa apresenta uma experiência de 1997
que serviu de reflexão e subsídio para inovação da prática pedagógica referente à
Educação de Jovens e Adultos.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
19
Introdução
Marlucia Oliveira do Carmo Azerêdo aborda as diversas formas de avaliação:
diagnóstica, significativa e flexível, levando-nos a uma reflexão de como utilizarmos
o processo avaliativo nas salas de aula e suas possibilidades de torná-lo efetivo.
O artigo de Pe. Bruno (Francisco Edson Garcês Carneiro Lira) discute os modelos
de avaliação da tradicional à sociointeracionista, visando à proposição da transformação social partindo da construção de um currículo multicultural e de uma avaliação que contemple os saberes prévios dos educandos da EJA na perspectiva de
sua integralidade.
20
Introdução
A discussão da terceira parte inicia-se com o texto de Edilene Dias, que propõe
um novo olhar sobre a formação docente. Tomando como ponto de partida o referencial de Tardif (2005), a autora discute o trabalho docente com base nos aspectos
técnico-pedagógicos e afetivos. Destaca a formação continuada e permanente e o
planejamento como ações contínuas de reflexão por parte dos formadores e educadores. Desse modo, defende que é por meio da ação de planejar que, na reflexão
sobre a prática, podemos encontrar caminhos norteadores e significativos que possam contribuir, de fato, para a formação dos discentes. Entretanto, os professores
devem estar atentos às mudanças que acontecem ao seu redor e que influenciam
a prática docente e a subjetividade, de modo a articular melhor sua autoformação,
quebrar a inflexibilidade dos cursos de formação e recriar um novo mundo, uma
nova terra, para novos sujeitos, sendo ator de sua própria prática pedagógica.
O artigo de Adriana Assis faz uma abordagem histórica da EJA, relacionando o
cenário atual e as políticas públicas em curso para esta modalidade de ensino. A autora recupera os documentos internacionais e nacionais que ratificam a EJA como
direito de aprender ao longo da vida. Destaca a importância de os educadores estudarem os marcos legais, de modo que se conscientizem dos direitos quanto à educação, bem como lutem pela efetivação de uma educação de qualidade. Adriana
ressalta também a constituição dos Fóruns de EJA, a partir de 1998, como espaços
de discussão e intervenção na elaboração de políticas públicas que afirmem/ratifiquem a EJA como direito. No entanto, a autora não deixa de enfatizar o caráter
marginal que ainda vigora nessa área, que ora oscila com visibilidade e incentivos
de recursos, ora com invisibilidade e restrição de recursos financeiros. Isso denota
que, apesar de a EJA figurar nas agendas políticas governamentais e documentos
nacionais e internacionais, ainda está muito marcada por políticas compensatórias
que visam à minimização da pobreza e à contenção social.
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Ariadne Viana ajuda-nos a refletir sobre a importância da heterogeneidade dos
educandos da EJA, bem como de seu reconhecimento para a elaboração de um
currículo. A autora discute a necessidade de articular os saberes da vida com os
saberes da escola, reconhecendo que os saberes produzidos no cotidiano sociocultural dos educandos podem ser pontos de partida fundamentais para a aprendizagem daqueles escolares. Ariadne defende que o diálogo entre esses dois tipos
pode contribuir para a permanência do educando na escola e para a continuidade
da escolaridade. Outra defesa da autora refere-se à inserção dessas diferenças dos
educandos na elaboração do projeto político-pedagógico da escola, de modo que
garanta uma formação ética, em que a identidade do aluno é perpassada pela identidade da escola. A autora conclui sua exposição teórica destacando a “importância
da práxis, ou seja, da elaboração coletiva das práticas vividas no cotidiano, para que
ocorra o efetivo direito à diversidade, valorizando a bagagem histórico-cultural dos
alunos em prol de uma aprendizagem significativa e emancipatória”.
O texto de Rosimária Cardoso pretende discutir a formatação de um currículo
a partir de elementos da prática docente que não rompem com aspectos de uma
educação conteudista. A autora busca identificar características de uma prática “tradicional”, por meio de um estudo exploratório em que observa as aulas de duas
professoras, buscando compreender o que pode proporcionar desmotivação dos
educandos quanto à aprendizagem. A autora conclui que a prática conteudista ainda é uma referência muito presente nas práticas dos docentes que, em sua maioria, não veem necessidade de alterar suas metodologias de trabalho para tornar as
aulas mais instigadoras. Daí ressalta a necessidade de o educador ter uma postura
de mediador na construção do conhecimento, por meio do desenvolvimento de
atividades diversificadas e contextualizadas, que colaborem para a aprendizagem e
a reflexão dos educandos.
O artigo do professor José Carlos Lima de Souza tem como objetivo discutir, a
partir da V Conferência Internacional de Educação de Adultos, realizada em Hamburgo, em 1995, a transição do paradigma de ensino supletivo para a educação
ao longo da vida, no tempo presente. O autor desenvolve sua exposição teórica
questionando: qual o papel da escola e da escolaridade na construção de uma
sociedade mais justa e cidadã? Que responsabilidade tem a escola no estabelecimento e consolidação da dominação nas sociedades contemporâneas? É a escola
aparelho reprodutor das disparidades sociais? No primeiro momento, Souza vai discutir o papel da escola entre dominação e transformação social, apresentando, de
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
21
Introdução
forma breve, os pensamentos de autores como Althusser, Poulantzas e Bourdieu,
que compreendem a escola como um dos pilares da dominação. É, portanto, nos
estudos do pensador italiano Antonio Gramsci que busca encontrar outras referências que contribuam para pensar a escola no papel da transformação social. Para
Gramsci, a escola é o conjunto de relações sociais que envolvem a educação e a
formação do indivíduo, voltando-se para a sua integração ao mundo e à sociedade,
tornando-o sujeito de sua própria história, um intelectual no sentido gramsciano,
um ser crítico e leitor do mundo, no sentido freireano. O autor retoma as funções da
EJA (reparadora, equalizadora e qualificadora) como estratégias fundamentais para
o projeto de emancipação social, em que o educando é um sujeito ativo na produção de conhecimento. Desse modo, Souza conclui que o papel da EJA representa a
formação de cidadãos conscientes de que a educação é um ato cotidiano e político,
ao estimular reflexões que levem ao combate das desigualdades sociais, muitas vezes disfarçadas sob o véu da diversidade regional e multicultural.
22
Introdução
Esperamos que a socialização dos saberes e das práticas dos professores possa
inspirar outros educadores a escrever sobre o muito do que sabem, a divulgar as
maravilhas que operam na sala de aula e a denunciar situações injustas, com vistas a
ampliar o campo teórico-metodológico e a discussão das políticas para a efetivação
do direito à Educação de Jovens e Adultos.
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REFERÊNCIAS
CRUZ, D. M. Aprendizagem por videoconferência. In: LITTO, F. M.; FORMIGA, M. M. (Org.). Educação
à distância: o estado da arte. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2009.
FUSARI, J. C.; FRANCO, A. P. A formação contínua como um dos elementos organizadores do
projeto político-pedagógico da escola. Rio de Janeiro: TV Escola, ago. 2005. Formação contínua
de educadores, boletim n.12.
PACHECO, J. Sozinhos na escola. Porto: Profedições, 2003.
SESC. Departamento Nacional. Proposta pedagógica: Educação de Jovens e Adultos. Rio de
Janeiro, 2000.
ZACCUR, E.; ESTEBAN, M. Professora pesquisadora: uma práxis em construção. 2. ed. Rio de
Janeiro: DP&A, 2002.
23
Introdução
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
EJA: de ensino supletivo
à condição de um
novo paradigma para
a educação no tempo
presente
José Carlos Lima de Souza*
RESUMO
Na última década, sob inspiração da declaração
da Unesco, documento resultante da V Conferência Internacional de Educação de Adultos
(Confintea), realizada em julho de 1997, em
Hamburgo, Alemanha, os educadores de EJA
vêm ressignificando alguns fundamentos da
educação, entre eles, o papel do currículo na
educação e da própria organização curricular,
elegendo novos objetivos, incorporando novas
preocupações e desenvolvendo novas abordagens. Assim, destaca-se o papel da EJA como
uma demanda social vinculada à ampliação da
cidadania aos segmentos excluídos da sociedade brasileira, ressaltando suas potencialidades
como instrumento de ampliação e aprofundamento da democracia no Brasil. Para isso, é
fundamental refletir acerca do papel da educação na luta contra as desigualdades sociais e na
construção de uma sociedade mais justa.
Palavras-chave: Educação de Jovens e
Adultos; cidadania; leitor de mundo; intelectual orgânico.
Serviço Social do Comércio
ABSTRACT
In the last decade, under the inspiration of the
UNESCO Declaration, a document resulting
from the Fifth International Conference on
Adult Education (Confintea), held in July
1997 in Hamburg, Germany, the Youth and
Adult educators are giving new meaning
to some educational fundamentals, among
them, the role of the curriculum in education
and the organization of the curriculum itself,
electing new objectives, incorporating new
concerns and developing new approaches.
Thus, the role of Youth and Adult Education
is stressed as a social demand linked to the
expansion of citizenship to the excluded
segments of Brazilian society, highlighting
its potential as a tool to broaden and deepen
democracy in Brazil. To this end, it is
crucial to reflect on the role of education in
combating social inequalities and building a
fairer society.
Keywords: Youth and Adult Education;
citizenship; world reader; organic
intellectual.
Educação em Rede
* Doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), mestre em História pela
UFF, bacharel e licenciado em História pela UFF, bacharel em Informática, pós-graduado
em História do Brasil pela UFF, professor de História na Rede Municipal do Rio de Janeiro,
colaborador do Grupo de Trabalho de Atualização Curricular em EJA na Secretaria Municipal do Rio de Janeiro (disciplinas História e Geografia), colaborador do Grupo de Trabalho
para a Elaboração de Material Didático em EJA na Secretaria Municipal de Educação do
Rio de Janeiro (disciplinas História e Geografia), professor do Colégio Santa Mônica, pesquisador na UFF.
A construção e o permanente aprofundamento da democracia não são tarefas
restritas ao domínio da política, pois demandam a ampliação de horizontes também
no campo social, e, dentro dele, as ações no campo da cultura e da educação merecem destaque como duas dentre as diversas iniciativas promotoras da emancipação
das classes menos favorecidas. O objetivo deve ser tornar essas ações parte integrante e ativa na formação de um sujeito coletivo crítico e, portanto, formador de uma
coesão social baseada na diversidade cultural e no respeito às diferenças, fundados
sobre um humanismo de caráter coletivista e popular, estabelecendo uma convergência entre a pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, e a escola de Gramsci.
Nesse sentido, esta reflexão ganha cientificidade à medida que situa a Educação de Jovens e Adultos como uma síntese entre a pedagogia do oprimido, de Paulo Freire, e a proposta gramsciana de escola. Portanto, cria um novo conceito de
escola, já não mais colocada como um mero espaço físico dedicado à educação. Ao
contrário, escola é um conjunto de relações sociais que envolvem a educação e a
formação do indivíduo social, que está voltado para a sua integração ao mundo e
à sociedade, tornando-o sujeito de sua própria história, um intelectual, no sentido
gramsciano, um ser crítico e leitor do mundo, no sentido freireano. Tendo como suporte o referencial teórico delimitado no parágrafo anterior, esta abordagem sobre
a EJA se desenvolve a partir das seguintes indagações.
• Qual será o papel da escola e da escolaridade nesse processo de construção
de uma sociedade mais justa e cidadã?
• Que responsabilidade tem a escola no estabelecimento e na consolidação de
uma dada forma de dominação nas sociedades humanas contemporâneas?
• Não seria a escola uma instância apassivadora dos segmentos sociais mais
explorados, marginalizados e discriminados da sociedade, ou mesmo um
aparelho reprodutor dessas disparidades?
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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A escola: entre a dominação e a transformação social
Para a maioria das matrizes teóricas contemporâneas que analisam a temática
do Estado, não há nenhuma possibilidade de crítica e transformação da sociedade
que passe pelo papel da escola.1 Para os jusnaturalistas,2 por exemplo, a escola se
vincula às atribuições do contrato social, que criam as bases para o “Estado civil”,
garantindo ao povo a condição de civilizado, abrindo mão de certas prerrogativas
como a liberdade, conciliando-a à sujeição. Desse modo, a escola acaba-se constituindo num instrumento que promove o alcance da razão por parte da soma de
indivíduos, de modo que saiam do seu “estado de natureza”, sendo, portanto, uma
instituição fundamental para a emancipação e a promoção dos indivíduos civilizados, tendo um caráter afirmativo, de avanço, de conquista em direção ao progresso
da humanidade.
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EJA: de ensino
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presente
Para uma parte dos marxistas, por outro lado, ela está ligada direta ou
indiretamente à teoria da reprodução, constituindo-se para alguns autores no pilar
fundamental para a constituição de uma dada dominação. Segundo Althusser
(apud CARNOY, 1994, p. 125-126), por exemplo, a escola, entendida como “aparelho
ideológico de Estado”, tal como outras instituições, como a Igreja e o Exército, está
fadada a reproduzir um conjunto de valores e saberes, sob bases teóricas e práticas
que garantam a sujeição da classe operária à ideologia dominante ou às manobras
operadas pela mesma. Essa afirmação baseia-se no fato de que a reprodução da
força de trabalho exige não somente uma reprodução da qualificação, mas também
a submissão às regras da ordem social estabelecida, o que sugere que o momento
da formação educacional seja na verdade a oportunidade para estabelecer como
conjunto de códigos sociais um conjunto de regras que ampliam e garantem a
eficácia da ideologia dominante para os agentes da exploração e da repressão, a
fim de que possam assegurar por todos os meios a dominação de classe. E essa
ideologia é comum a todos, de modo que cada qual desempenhe a sua tarefa,
sejam os proletários, os explorados, sejam os capitalistas, os exploradores. Nesse
sentido, o papel do educador aqui ou é o de agente da exploração, ou, por outro
lado, o de militante solitário contra a ideologia, contra o sistema e contra as práticas
1. Escola, aqui, obviamente não se refere a um espaço físico dedicado à instrução de alunos; é um conceito que está
relacionado ao conjunto de relações sociais que envolvem a educação e a formação do indivíduo, voltado para sua
integração ao mundo e à sociedade, tornando-o sujeito de sua própria história, um intelectual, no sentido gramsciano,
um ser crítico e leitor do mundo, no sentido freireano.
2. Defensores da existência de um “direito natural” do indivíduo, que prevalece às normas jurídicas.
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Educação em Rede
em que este o encerra, constituindo-se numa verdadeira batalha perdida (LUCKESI,
1990, p. 45-48).
Segundo Poulantzas (1981, p. 162), mesmo que a escola fosse capaz de tornar
o educando crítico, passando a ser sujeito de si próprio e partícipe das lutas populares, estaria ainda assim inscrita nos aparelhos de poder que materializam essas
lutas, pois, segundo ele, há um “encadeamento complexo do Estado com o conjunto de dispositivos de poder”. Para frisar esse aspecto, ele aponta o fato de que
o próprio Estado, como ponto de equilíbrio instável da seleção entre frações das
classes dominantes e das classes dominadas, possui um mecanismo de “seletividade estrutural” da informação, dado por parte de um aparelho e de medidas tomadas
pelos outros. Essa seletividade resulta da materialidade e história próprias de cada
aparelho, da representação específica de interesses particulares em seu interior e
do seu lugar na configuração da relação de forças dentro do Estado, incluindo-se
aqui a escola (ibidem, p. 154). Daí a mais crítica e revolucionária escola permanecer inscrita no conjunto de aparelhos que reproduzem o tipo de dominação numa
dada sociedade, a não ser que ponha em xeque os elementos fundantes dessa organização social, tarefa árdua e inócua, pois seu raio de alcance e a correlação de
forças com outros aparelhos jamais lhe serão favoráveis.
Até aqui, o que se observa, portanto, é o fato de que a escola não é o espaço privilegiado para uma ação revolucionária, que envolva mudança de valores ou
consciência das classes dominadas, pois a ideologia dominante atua sobre sua organização, limitando suas possibilidades de subverter uma relação social de exploração e dominação.
Para Bourdieu (1996, p. 105), é especialmente por meio da escola que as categorias do pensamento são elaboradas e impostas, o que, a princípio, condiciona
toda a visão de mundo reproduzida pela escola como restrita, porque é produzida
e garantida pelo Estado. Enquanto formadora de hábitos, a escola “propicia aos que
se encontram direta ou indiretamente submetidos a sua influência uma disposição
geral geradora de esquemas particulares capazes de serem aplicados em campos
diferentes do pensamento e da ação” (idem, 1987, p. 210), denominada “habitus
cultivado”, realizando um conjunto de operações que atuam no consciente e no
inconsciente dos indivíduos, internalizando esquemas que fazem parte da cultura. Tentando escapar do determinismo estrutural, Bourdieu identifica a tarefa das
pedagogias escolares como uma forma de habitus, ou seja, um sistema de disposições inculcado na pessoa em desenvolvimento, com o objetivo de gerar os tipos
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apropriados de ações e atitudes na vida posterior. Esse é o meio através do qual as
escolas podem passar seu capital simbólico. Dessa forma, a escolarização está ligada a uma forma de opressão e não de emancipação dos indivíduos, praticando uma
“violência simbólica”, o que não é planejado pelos educadores, mas é amplamente
produzido pela ação das próprias classes dominantes, ou melhor, pela interação
entre as mesmas e um sistema educacional conservador. No entanto, a novidade
aqui é que, pela sua própria lógica de funcionamento, a escola pode modificar o
conteúdo e a essência da cultura que transmite:
A cultura não é apenas um código comum nem mesmo um repertório comum de respostas a problemas recorrentes. Ela constitui um conjunto comum de esquemas fundamentais, previamente assimilados, e a partir dos quais se articula segundo uma “arte da invenção” análoga à da escrita musical, uma afinidade de esquemas particulares diretamente
aplicados a situações particulares (BOURDIEU, 1987, p. 208-209).
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Desse modo, a escola cumpre uma função expressa de transformar o legado
coletivo em inconsciente individual e comum (ibidem, p. 212-215).
Essa possibilidade sugere que haja uma “autonomia restrita”, em que, ainda
que difícil, não seja de todo impossível pensar que a mudança possa passar pela
escola. O maior problema dela não está na imposição das desigualdades de classes, mas, sim, em naturalizar um conjunto de conteúdos, cujo caráter arbitrário é
ocultado,3 legitimando uma ordem social que torna efetivas as relações de poder
e a desigualdade, sem que os dominados possam ter clareza disso. Assim, o que as
classes dominantes detêm é o “poder simbólico”. Cabe destacar que, em Bourdieu,
a reflexão acerca da escola e a teoria do Estado introduzem o conceito de cultura
e de habitus. Se, por um lado, se remetem a uma teoria da reprodução, por outro,
mostram como o processo de construção e conservação de uma dada dominação é
dinâmico, atuando nas mentes; daí a necessidade de que essa dimensão da realidade social também seja alvo de investigação por parte dos que refletem sobre teorias
da mudança, e até mesmo da revolução social.
Mas, se até aqui a escola é vista como um dos principais pilares da dominação
e, portanto, refletir sobre modelo de escola é algo que está superado para aqueles
3. Lembro aqui da permanente tentativa do MST de elaborar e atualizar um calendário próprio, com datas e cronologia marcada pela própria história social dos movimentos rurais do Brasil, dando destaque, por exemplo, a movimentos
que a historiografia de Ensino Médio e Fundamental pouco destaca, como a Guerra de Canudos e o Contestado.
Trata-se de uma tentativa de resistência.
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Educação em Rede
que se dedicam a pensar na emancipação das classes subalternas e oprimidas, vejamos o que se pode dizer sobre ela no pensamento de Gramsci.
Tendo sido um dos fundadores do Partido Comunista da Itália em 1921, esse
autor tornou-se uma das maiores referências do pensamento marxista e da esquerda mundial no século passado. Embora comprometido com a revolução proletária,
acreditava que a tomada do poder deveria, necessariamente, ser precedida por mudanças de mentalidade por parte das classes subalternas. Para ele, os intelectuais
eram os atores privilegiados dessa mudança, e a escola, um dos seus instrumentos
mais importantes. Foi ele quem trouxe à discussão pedagógica a elevação cultural
das massas como um objetivo primordial da escola. Por ela, as classes populares se
livrariam de uma visão de mundo assentada em preconceitos e tabus que se constituem no “senso comum”, predispondo-se à interiorização acrítica da ideologia das
classes dominantes.
Uma das originalidades desse pensador italiano está no fato de ter se detido
particularmente no papel da cultura e dos intelectuais nos processos da mudança
na história, e é nesse contexto que se inserem suas ideias sobre educação. Para entendê-las é preciso conhecer o conceito de “hegemonia”, um dos pilares do pensamento gramsciano. Sua obra maior foi escrita na prisão, vindo a público após a sua
morte, tendo sido produzida sob rigorosa censura, o que o obrigou a adotar uma
linguagem codificada, substituindo expressões como “marxismo” por “filosofia da
práxis”, “comunismo”, por “sociedade regulada” etc. Nessas condições, desenvolveu
também conceitos originais como “bloco histórico”, “intelectual orgânico”, e aprimorou outros, como o conceito de “partido”, de “revolução” e de “sociedade civil”.
A hegemonia significava para Gramsci a relação de domínio de uma classe social sobre o conjunto da sociedade. Domínio esse que se dá em duas esferas: uma
delas é a “coerção”, em concordância com as reflexões do marxismo clássico. Contudo, há uma outra mais eficaz, mais rica e mais dinâmica, sendo a responsável por
uma mudança de contexto em relação às táticas dos partidos revolucionários, porque as tarefas da revolução também mudam em diversos contextos históricos, que
é o “consenso” obtido pela classe dominante junto às subalternas. Talvez pelo fato
de que sua reflexão tenha se baseado em experiências políticas socialistas derrotadas na Itália, onde o fascismo assumiu ares de um movimento de massas.
Gramsci teve oportunidade de analisar o pensamento das massas e a relação
das mesmas não só com as classes dominantes, mas, sobretudo, com os seus va-
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lores, podendo observar o que elas reproduziam. E essa observação lhe permitiu
compreender que a complexidade da dominação se encontrava no “consenso”.
Gramsci constatou que a revolução na Itália passava por peculiaridades que
demandavam tempo e paciência revolucionários, desconhecidos para o movimento socialista internacional na época, até mesmo pela maneira como havia sido formada a cultura das massas populares na Itália; uma questão relacionada não só
às chamadas massas camponesas amorfas do sul italiano agrário, mas também
aos proletários do norte industrializado. Portanto, o “consenso” estava intimamente ligado à cultura, tratando-se de uma liderança ideológica conquistada entre a
maioria da sociedade, e formada por um conjunto de valores morais e regras de
comportamento.
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Segundo Gramsci, “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica”, isto é, uma experiência que envolve aprendizado. Para ele, a hegemonia é obtida por meio de uma luta “de direções contrastantes, primeiro no
campo da ética, depois no da política”. Ou seja, é necessário primeiro conquistar as
mentes, para depois conquistar o poder. Mas isso nada tem a ver com a manipulação ideológica. Para Gramsci, a função do intelectual e, por conseguinte, da escola
também, é estabelecer uma mediação para a tomada de consciência dos subalternos, e por que não dizer dos educandos, no ambiente escolar, algo que passa pelo
autoconhecimento individual e implica reconhecer “o próprio valor histórico”, o
que Nosella (2004) afirma não se tratar de um mero doutrinamento abstrato.
O terreno da luta de hegemonias é a sociedade civil, que compreende instituições de legitimação do poder do Estado, como a Igreja, a escola, a família, os sindicatos, os meios de comunicação. Ao contrário do marxismo tradicional, que tendia a
considerar essas instituições, mecanicamente, como meros aparelhos reprodutores
da ideologia do Estado, Gramsci via nelas a possibilidade de início das transformações, pela construção de uma nova mentalidade, própria das classes dominadas.
Na escola vislumbrada por Gramsci, as classes menos favorecidas poderiam se
inteirar dos códigos dominantes, a começar pela alfabetização e pela construção de
uma visão de mundo que levasse os indivíduos a superarem o “senso comum”, que
é um conjunto de conceitos desagregados vindos de fora, além de impregnados de
equívocos em virtude da religião e do folclore.
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Ainda em relação à escola, segundo Gramsci, para que o educando adquirisse
capacidade crítica era necessário que lhe fosse apresentado um currículo que trabalhasse as noções instrumentais, tais como ler, escrever, fazer contas, conhecer os
conceitos científicos, além de seus direitos e deveres como indivíduo social. O autor
defende a manutenção de uma escola única, voltada para a cultura geral, humanista e formativa, dando acesso aos educandos a “um ensino desinteressado”, destinado a criar os primeiros elementos de intuição acerca do mundo, liberta de toda
“magia” ou “bruxaria”. Gramsci acreditava que, pelo menos nos primeiros anos de
estudo, o educador deveria transmitir conteúdos aos educandos. A “escola unitária”
de Gramsci é a escola do trabalho, mas não no sentido estreito do ensino profissionalizante, através do qual se aprende somente a operar.
Segundo Nosella (2004), em termos metafóricos, “não se trata de colocar um
torno mecânico em sala de aula, mas sim de ler livros sobre seu significado, a história e as implicações econômicas do equipamento”. Trata-se, portanto, de uma escola
que recupera o significado da própria educação, resgatando um sentido mais amplo da descoberta e da construção do conhecimento, tornando o educando sujeito
do conhecimento, promovendo-o construtor/elaborador do saber. Tudo isso deve
ser construído dentro da correlação de forças estabelecida, permitindo ao educando desmistificar a cultura das classes dominantes e, assim, aos poucos, buscar diferenciar a sua cultura daquela.
Gramsci (2000), portanto, atribui à escola e à educação um caráter emancipador
diverso das teorias anteriores. Ele afirma que o princípio de toda mudança está em
conhecer com clareza a constituição dos valores dominantes, para que, posteriormente, fique claro para as classes subalternas o quanto o universo simbólico, os
valores e visão de mundo universais têm, na verdade, do caráter de classes daqueles
que dão a direção ao Estado. Segundo o autor, quem não tem conhecimento de
seus próprios interesses vive segundo os interesses de outros, e, assim, arrisco-me
a dizer que a luta pela construção de uma contra-hegemonia, ou seja, “a guerra de
posições gramsciana” passa necessariamente pela permanente construção/desconstrução de valores/contravalores, em um processo cuja dinâmica escapa à escola e à educação continuada, pois a construção da hegemonia também é dinâmica e
está sempre em movimento, pronta a ser elaborada e reelaborada, definida e redefinida. E esse movimento, que se dá no âmbito da sociedade civil, forma “intelectuais
orgânicos”, organizadores de uma cultura sob novas bases ético-morais, em que as
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classes subalternas, alcançando “o bom senso”, passam a imprimir um movimento
orgânico em direção a sua emancipação.
Diferentemente de muitos pensadores clássicos da educação, como Jean Jacques
Rousseau, que subordinavam o processo pedagógico à natureza, sugerindo que a
própria evolução das crianças daria conta de grande parte do aprendizado, Gramsci
tinha outra ideia. Segundo o pensador italiano, a educação é uma luta contra os
instintos, ligados às funções biológicas elementares, uma luta contra a natureza, para
dominá-la e criar o homem “atual” a sua época. Trata-se de uma polêmica acerca do
papel da educação como sendo o de distanciar o homem da natureza. Gramsci, sem
dúvida, atribui à escola um caráter mais dinâmico e mais socializante.
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Porém, tomar a análise do papel da escola em Gramsci não significa ignorar
que as visões de Althusser, Poulantzas e Bourdieu, e os problemas que colocaram,
estejam superadas pelo primeiro. Pelo contrário, trata-se, aqui, de reconhecer os
desafios por eles apontados, buscando superá-los. Gramsci, nesse caso, aponta uma
direção que abre novos horizontes para a educação, para a qual converge tanto o
seu pensamento, como também o de Paulo Freire, em que a educação é vista como
um ato político, já que tem um objetivo político, que é a libertação das massas de
uma verdadeira cegueira ideológica, cuja importância já havia sido expressa por
Marx em O capital – Tomo III, quando afirma que “se toda essência se confundisse
com a sua aparência, o homem não precisaria de ciência”. Escola é o conjunto de
relações sociais que envolvem a educação e a formação do indivíduo, voltando-se
para a sua integração ao mundo e à sociedade, tornando-o sujeito de sua própria
história, um intelectual, no sentido gramsciano, um ser crítico e leitor do mundo, no
sentido freireano.
As funções da EJA e a revolução cidadã
Após analisarmos as possibilidades e potencialidades da escola, devemos também ter em conta nesta discussão um outro aspecto fundamental, que é o sujeito da
aprendizagem e do processo educativo, a saber: o educando. Sabemos que o melhor
Projeto Político-Pedagógico, o melhor planejamento, a melhor Lei de Diretrizes e Bases da Educação não surtirão o menor efeito se não se buscar mobilizar outros elementos e outras esferas da sociedade, na tentativa de ampliar ao máximo a divisão
das tarefas ligadas à inclusão desses sujeitos sociais que são os educandos da EJA.
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Os alunos da EJA, em geral, vêm procurar os estudos, muitas vezes, acreditando
que a escola representa uma via concreta e objetiva de garantir por si a inclusão social. Deixam de ver, por outro lado, que a EJA, tal como um direito, representa uma
possibilidade de construção de uma trajetória rumo às chances de inclusão social
que estão colocadas na nossa sociedade, sendo marcadas, nestes tempos neoliberais, sobretudo, por uma grande timidez, limitação ou escassez de oportunidades.
Daí a complexidade da tarefa daqueles que se dispõem a trabalhar a serviço de uma
educação transformadora, e nisso consiste sua tarefa revolucionária: receber, acolher, estimular e coletivizar pessoas, nas quais a baixa autoestima e a falta de amor
próprio e autoconfiança formaram uma espécie de cadeado, que fecha boa parte
das passagens no coração humano para uma vida mais intensa, vivida com mais
profundidade na sua dimensão humanista e filosófica. Curiosamente, essa condição
representa algo parecido com uma espécie de cárcere ou prisão, sendo, nesse caso,
bem diferente daquilo que encontramos pelas delegacias e presídios de nossas cidades e do nosso país. Trata-se de um “aprisionamento sem paredes”. Portanto, a
luta que é travada pela maioria dos educandos da EJA tem como sentido principal a
inclusão nos limites daquilo que é chamado de cidadania, e, não, pela fuga de suas
fronteiras, tal como ocorre nas prisões de concreto. As grades desse novo tipo de cadeia são formadas pelos fatores responsáveis nas sociedades contemporâneas por
todas as formas de exclusão social, das quais muitos alunos da EJA são, por diversos
motivos, vítimas e prisioneiros neste país.
Faço aqui uma referência a um pensamento de Freire (1986), do final da década
de 1950, e que mais tarde veio a ser desenvolvido na “pedagogia do oprimido”,
acerca do problema do analfabetismo no Brasil. Dizia ele: “O analfabetismo no
Brasil é um problema. A alfabetização não é a sua solução.” Segundo o filósofo da
educação, essa questão deve ser analisada sob dois aspectos. Primeiramente, o
analfabetismo deve ser visto não como um problema em si, mas, sim, um sintoma
de algo muito maior, cujas raízes se encontram na própria exclusão social; portanto,
combatê-lo deve significar combater os fatores causadores da miséria e de outros
problemas que afligem as camadas mais pobres da sociedade brasileira, vítimas
do analfabetismo e não simplesmente responsáveis por ele. Por outro lado, Freire
lembra que toda a trajetória de exclusão social e analfabetismo gerou e continua
gerando mais miséria. Portanto, estando sua solução para além da escola, toda
tentativa de promover a inclusão cidadã partindo somente da alfabetização e da
educação se faz inócua, a menos que ambas as ações sejam encaradas como atos
políticos, comprometendo-se com mudanças mais profundas nas relações sociais
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supletivo à
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novo paradigma
para a educação
no tempo
presente
vigentes. Daí a educação ser um ato político, ou seja, ter uma intencionalidade, que
tem, e tem que ter mesmo, uma dimensão politizante, para muito além da dicotomia
do “educar para ser mandado e educar para mandar”.
Por outro lado, como pensar em virar essa página da história da sociedade brasileira sem que aqueles que são os sujeitos da mudança venham a ser não só partícipes, mas, sobretudo, formuladores da mesma? E é aqui que se insere a relevância do
papel da Educação de Jovens e Adultos. Ela deve dar conta dessa demanda e desse
papel. E, nesse sentido, ela pode vir a se constituir num dos pilares de mudança,
ajudando a construir uma sociedade mais justa, mais democrática, na qual os valores coletivos e o compromisso com a promoção da cidadania alcancem a todos. Por
isso, podemos estabelecer um elo muito forte entre as funções da EJA expressas por
Cury (2000, apud SOARES, 2002, p. 32-35) no Parecer 11/2000, a saber, “reparadora”,
“equalizadora” e “qualificadora”, e o “leitor do mundo” freireano, assim como o “intelectual orgânico” gramsciano.
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A articulação de todos esses princípios faz da EJA uma estratégia fundamental para a legitimação de qualquer projeto de transformação social voltado para a
emancipação das massas populares. Para Gramsci, é de fundamental importância
que se promova uma reforma ético-moral que eleve as classes subalternas do estado de atordoamento frente ao caráter multifacetado da dominação e subordinação
às quais estão submetidas. Assim, a “reparação” de uma grande dívida social em
relação ao direito à escola de qualidade não pode abrir mão da reparação desse ser,
que, isolado da educação, também se viu trancado pelo lado de fora da sociedade
e teve seu acesso negado a tantas e tantas oportunidades.
A “equalização” compreende o dever de garantir não só o acesso, mas também
o de socializá-lo ao máximo, tendo em vista o horizonte da igualdade de oportunidades para todos, sem distinções de qualquer espécie. E, por fim, a “qualificação”
tem como objetivo produzir nesse “educando” uma consciência crítica, que o leve
a ser capaz de fazer uma análise concreta de si mesmo, de sua história, tornando-o
sujeito de seu próprio viver. Ao mesmo tempo, deve despertá-lo para a realidade de
que é um ator social e que tem o compromisso de ajudar na construção de uma sociedade mais justa, solidária, fraterna e democrática, em que a diversidade cultural
torna a vida mais rica de possibilidades, o que, ao contrário do que pode parecer,
viabiliza a busca do universalismo, segundo Frigotto (2002, p. 13-25).
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Educação em Rede
Por isso mesmo, o educando não pode abrir mão de uma educação permanente
e da formação continuada, pois não se trata de especializar ou tecnicizar, mas, sim,
investigar, formular hipóteses, fazer ciência, filosofar. Essa é a “revolução cidadã” de
que tanto necessita o nosso país. E, sabendo de sua importância, alguns movimentos sociais no Brasil do tempo presente já se deram conta de que não poderão abrir
mão da escola, e, por isso mesmo, discutem, constroem, aperfeiçoam seus projetos
de educação em todos os segmentos, incluindo a EJA; agora já não mais com intuitos
de fortalecer sua militância, mas também de ampliar os limites e a capacidade de
seus atores de atuar na luta do dia a dia, na construção de alianças, na elaboração de
alternativas para os problemas que extrapolam seus interesses corporativos.
O papel da EJA não se esgota, pois ela representa não o compromisso de produzir alunos certificados, mas cidadãos conscientes de que a educação é um ato
cotidiano. A produção do conhecimento e a partilha de saberes são ações que não
se encerram na sala de aula, mas, ao passar por ela, devem sofrer uma dinamização
impulsionadora, que tem outras etapas e deve ser permanentemente renovada. E
essa descoberta envolve os próprios profissionais de ensino a ela dedicados, pois
é fundamental que se rompa com uma visão mecanicista de educação, ligada ao
ensino de conteúdos, na perspectiva de uma educação bancária, passiva e apassivadora, que aliena ao invés de emancipar, que desumaniza ao invés de humanizar
(RUMMERT, apud DE VARGAS et all, 1999, p. 39-49).
Portanto, todos os aspectos até aqui abordados nos remetem ao verdadeiro
educador freireano, que é aquele que educando se educa, e, portanto, também
ele se torna, em última análise, um sujeito da educação. Já não mais atua como
professor que transmite verdades prontas e acabadas, mas, sim, como educador,
mediador, companheiro de luta, solidário com aqueles com os quais compartilha
experiências de vida. Na verdade, ele próprio também se nutre delas, renovando
sua prática didático-pedagógica, criticando-a e reavaliando-a, para, assim, mantê-la
viva e fecunda, constituindo-se em fonte inesgotável de ampliação do conhecimento, que é um bem coletivo.
Se, no passado, o papel da Educação de Jovens e Adultos era meramente reparador, sem sequer dar conta da equalização, e menos ainda da qualificação, urge
consolidá-la como um segmento da educação, pelo quanto podemos ver que sua
relevância hoje faz com que se equipare a qualquer um dos outros segmentos tradicionais já existentes. E esse fato não se faz confirmar meramente por causa da
realidade dos números e estatísticas da educação no país, mas também pelo fato
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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supletivo à
condição de um
novo paradigma
para a educação
no tempo
presente
de que as novas fronteiras do mundo globalizado perpassam as questões mais comuns do dia a dia das pessoas, mexendo com antigos princípios e lógicas que até
então vinham dando o tom e o ritmo da vida.
Tal realidade renova e aprofunda as formas pré-existentes de exclusão econômica, política e social a que nos referimos anteriormente, quando tratamos das
“prisões sem paredes”. Nos dias atuais, os novos recursos e tecnologias na área da
informática e das telecomunicações, ao mesmo tempo em que alargam os horizontes da vida humana, podem produzir e têm produzido um abismo entre os que
têm e os que não têm acesso a essas ferramentas: é a modernidade produzindo um
novo e perigoso tipo de abismo social que é a exclusão digital.
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supletivo à
condição de um
novo paradigma
para a educação
no tempo
presente
Como segmento da educação, a EJA, com toda a sua especificidade, tem que
chamar para si a responsabilidade de avaliar não só a exclusão existente, mas também combater sua reprodução, estimulando reflexões que valorizem o combate às
desigualdades sociais, muitas vezes disfarçadas sob o véu da diversidade regional e
multicultural. Seu caráter singular é reforçado pela necessidade de universalizar as
conquistas sociais, colocando-se na contramão da construção de toda e qualquer
forma de apartheid, seja ele político, econômico, social, étnico etc. E, nesse sentido,
somente a EJA tem essa demanda, pois ela envolve não os educandos que serão
“amanhã”, mas aqueles que poderiam ter sido “ontem” e que devem ser “hoje”. É
aqui que ela se autonomiza, pois seu método e sua dinâmica próprios lhe conferem
a condição de adquirir nos próximos anos uma dimensão capaz inclusive de propor
respostas para os atuais problemas enfrentados pela educação como um todo.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
EJA – de ensino
supletivo à
condição de um
novo paradigma
para a educação
no tempo
presente
As teorias críticas do
currículo e o processo de
execução, construção e
ressignificação de práticas
curriculares na Educação
de Jovens e Adultos
Alessandra Nicodemos*
RESUMO
Este artigo propõe-se a uma análise das questões que circundam o campo do currículo no
âmbito da Educação de Jovens e Adultos (EJA),
procurando estabelecer uma conexão entre o
debate curricular crítico e a EJA. Num primeiro momento, faremos um resgate histórico das
principais teorias do currículo que se sedimentaram ao longo do século XX, identificando os
seus pressupostos básicos e suas categorias de
análise. Num segundo momento, identificaremos, nessa análise histórica, a potencialidade
das teorias críticas como espaço de entendimento das questões teóricas, políticas e metodológicas da Educação de Jovens e Adultos no
Brasil, nos dias atuais. Procuramos, assim, desvelar novas possibilidades de “práticas” curriculares, na perspectiva de reconhecimento da
atualidade das questões trazidas pelas teorias
críticas do currículo.
ABSTRACT
This article proposes an analysis of the
issues surrounding the curriculum field in
the context of Youth and Adult Education,
seeking to establish a connection between
the critical curriculum debate and Youth
and Adult Education. At first, we’ll make a
historical review of the major curriculum
theories that took roots along the twentieth
century, identifying their basic assumptions
and categories of analysis. Secondly, we
will identify in this historical analysis the
potentiality of the Critical Theories as a way
of understanding the political, theoretical
and methodological issues of Youth and
Adult Education in Brazil today. Thus we
hope to uncover new opportunities for
curriculum “practices” in anticipation of
today’s recognition of the issues brought
about by the Critical Curriculum Theories.
Palavras-chave: currículo; teorias do currículo; práticas curriculares; Educação de Jovens
e Adultos.
Keywords: curriculum; Curriculum
Theories; curriculum practices; Youth and
Adult Education.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
* Mestre em Educação pela Universidade Federal Fluminense, bacharel e licenciada em História, professora da Pós-graduação em EJA da Universidade Estácio de Sá, professora do
Curso de História e Pedagogia da Universidade Estácio de Sá, professora do CEFET de
Campos, tutora do SENAC Rio de Janeiro, coordenadora do Grupo de Trabalho para Atualização Curricular em EJA na Secretaria Municipal do Rio de Janeiro (disciplinas História e
Geografia), coordenadora do Grupo de Trabalho para a Elaboração de Material Didático
em EJA (disciplinas História e Geografia).
1 O campo do currículo
Na perspectiva dos autores do campo do currículo, este representa importante
aliado na transmissão e formulação de valores, normas, práticas sociais e comportamentos em uma determinada sociedade. Numa análise mais pragmática, podemos
considerar, então, o currículo como seleção de conhecimentos e saberes e essa seleção não é feita de forma aleatória ou desprovida de intencionalidade. O conhecimento é selecionado de acordo com o tipo de pessoa que pretende forjar (SILVA,
2005; MOREIRA, 2003).
E é nesse processo complexo de seleção que surgem as teorias do currículo,
procurando identificar os determinantes que justificam e legitimam os conhecimentos que serão selecionados ou não e sua intencionalidade.
Qual é o tipo de ser humano desejável para um determinado tipo de sociedade? Será a
pessoa racional e ilustrada do ideal humanista de educação? Será a pessoa otimizadora e
competitiva dos atuais modelos neoliberais de educação? Será a pessoa ajustada às ideias
de cidadania do moderno estado-nação? Será a pessoa desconfiada e crítica dos arranjos
sociais existentes preconizados nas teorias educacionais críticas? (SILVA, 2005, p. 15).
O que se percebe no exame das teorias do currículo são duas questões fundamentais: uma, de identidade; outra, de subjetividade. Ou seja, o conhecimento
constitutivo do currículo está totalmente implicado naquilo que somos, naquilo
que nos tornamos. Outro aspecto que emerge nas teorias do currículo é a questão
do poder, quando nos deparamos com alguns enunciados que são produzidos nos
documentos curriculares, tais como: “o que o currículo deve ser”, “privilegiar um tipo
de conhecimento”, “escolher uma identidade ou subjetividade como sendo ideal”.
Segundo Silva (2005), podemos organizar as teorias do currículo em três grandes grupos: as teorias tradicionais, as teorias críticas e as teorias pós-críticas.
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As questões propostas pelas teorias tradicionais partem de uma perspectiva de
neutralidade científica para as questões educacionais, limitando-se, assim, às questões técnicas de sua elaboração. O modelo afirma um caráter altamente comportamentalista da educação. Essa noção de currículo, a partir dos anos de 1960, passa a
sofrer crítica, devido ao seu caráter reducionista e técnico.
As colaborações posteriores, ensejadas nas teorias críticas e pós-críticas do currículo, não eliminam o seu aspecto prescritivo, porém, ampliam o debate no sentido
de incorporar determinados conceitos em novos paradigmas curriculares. O currículo passa a ser considerado, então, um campo contestado e de disputas em torno
do que ensinar, como ensinar, para que ensinar e para quem ensinar. Reflexões desenvolvidas a partir de então incorporam conceitos como: ideologia, poder, cultura,
multiculturalismo, gênero, etnia e tantos outros (SILVA, 2005).
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curriculares na
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2 As teorias do currículo
Currículo, no sentido que entendemos atualmente, é resultado de uma literatura construída no início do século XX. Consideramos o aparecimento do currículo,
pela primeira vez como um objeto específico de estudo e pesquisa, nos EUA, nos
anos de 1920, num processo de conexão entre industrialização, movimentos migratórios e escolarização. Nesse contexto, a escola passa a ser vista como lócus privilegiado de disseminação e inculcação de valores considerados fundamentais para as
futuras gerações, além de ter a função de adaptá-las às transformações econômicas,
políticas e sociais que ocorriam de forma acelerada no país.
Assim, abriu-se o caminho para o alargamento do sistema educacional para a
população de poucos recursos sociais nos EUA. Concomitantemente a esse processo de ampliação da escolarização, diversos grupos da elite econômica, política e
social norte-americana passam a defender o enquadramento do ensino escolar às
necessidades do desenvolvimento econômico. Perceberam-se imperiosas a organização, otimização e ordenação do currículo escolar para atender a critérios de
eficiência e cientificidade na formação de mão de obra; critérios esses irmanados
com a predominância do corolário positivista nas ciências, no final do século XIX e
início do século XX. Diante de tamanha importância dada ao papel da escola e de
seu currículo, estudiosos da educação se debruçam sobre o tema.
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Começam a se estruturar, então, processos de formação de especialistas, a institucionalização de disciplinas e departamentos universitários, a criação de uma
burocracia estatal especializada em currículo e reformas curriculares, além de uma
significativa produção de material especializado sobre o tema.
Na perspectiva das teorias tradicionais do currículo, sedimentadas nesse momento, este seria reduzido a uma questão de organização das inúmeras tarefas
dos agentes educacionais e, assim, atuariam de forma burocrática e mecânica.
Definiam-se, ainda, habilidades a serem desenvolvidas, sobretudo, mecanismos de
acompanhamento e verificação escolares.
Esse modelo curricular tradicional começa a sofrer contestação, a partir dos
anos de 1970, no debate educacional nos EUA e na Europa, principalmente por não
conseguir apresentar alternativas teóricas e práticas para uma questão central no
processo de escolarização de massa: a repetência e a evasão de determinados grupos sociais. A teoria tradicional estava centrada numa perspectiva do currículo meramente técnica e prescritiva, não reconhecendo as relações de poder existentes na
sociedade e sua estreita relação com a educação, currículo e fracasso escolar.
As teorias críticas vão inserir nos debates curriculares novas reflexões e profundos questionamentos sobre o papel da educação e do currículo na reprodução da
sociedade capitalista; e conceitos como ideologia, cultura e poder se constituem,
assim, no referencial básico para o entendimento das questões que circundam a
escola e as práticas curriculares.
Nessa perspectiva teórica, destaca-se a produção intelectual de autores como
Louis Althusser, Jean-Claude Passeron e Pierre Bourdieu, que, através de conceitos
básicos como ideologia, poder e cultura, vão ampliar a forma de conceber a educação e seu papel na manutenção das estruturas sociais. Esses autores vão influenciar
de forma direta ou indireta os pressupostos das teorias críticas do currículo que vão
se desenvolver posteriormente.
Louis Althusser, em 1970, publica o livro Os aparelhos ideológicos de Estado, que
se torna uma referência para as análises educacionais identificadas com a corrente
marxista de pensamento. Nessa obra, Althusser faz a conexão entre educação, sociedade e ideologia, revelando a interseção desses para a manutenção do capitalismo. Assim, o autor afirma que a sociedade capitalista depende não só de seus elementos econômicos para sua reprodução, mas também de artefatos ideológicos.
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Nessa dinâmica de análise, o autor aponta que além dos “aparelhos de repressão de
Estado”, como a polícia e o sistema judiciário, o sistema capitalista institui “aparelhos
ideológicos de Estado” (e deles depende para a sua manutenção), como a mídia, a
família e, principalmente, a escola.
Por que entre os aparelhos ideológicos de Estado apontados por Althusser, a
escola é a que ganha maior relevância?
Sua resposta a essa questão reside na centralidade e ampliação adquiridas pela
escola na sociedade capitalista moderna. A escola é a instituição que acompanha as
pessoas por mais tempo em suas vidas e ocorre pouca contestação a sua existência
e permanência no modelo societário capitalista. Dessa forma, a escola constitui-se
em lócus privilegiado de formação para o mundo do trabalho e de inculcação de
valores e normas.
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Para o autor, esse caráter de aceitabilidade dado à escola garante que o processo de inculcação de valores ideológicos, quase frequentemente externos aos
interesses das classes subalternas, seja naturalizado, e com isso, esses valores nnão
sejam contestados, pois são pouco perceptíveis.
O meio de difusão desse processo, para Althusser, é o currículo escolar. Isso
ocorre diretamente através de disciplinas como história, geografia e sociologia, que
claramente carregam conteúdos identificados com a disseminação de condutas e
comportamentos sociais. E ocorrem, ainda, indiretamente, através de disciplinas
consideradas técnicas, como Ciências e Matemática.
Outra forma de inculcação ideológica na escola são as práticas sociais que a instituição escolar legitima como pertinentes ou não: enquanto as crianças das classes
subalternas são inclinadas à submissão, as das classes dominantes são orientadas
para a posição de comando. Isso ocorre a partir de estruturas de exclusão das classes subalternas em níveis de escolaridade em que se aprendem hábitos e habilidades inerentes ao lugar social das classes dominantes.
Silva é categórico ao apontar a contribuição de Althusser para o entendimento
de como a escola e a educação funcionam para a manutenção da sociedade capitalista: ”Althusser nos deu, como vimos, a resposta: a escola contribui para a reprodução
da sociedade capitalista ao transmitir, através das matérias escolares, as crenças que
nos fazem ver os arranjos sociais existentes como bons e desejáveis” (2005, p. 32).
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Numa perspectiva crítica não marxista, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron
publicam, em 1970, o livro A reprodução, que passa a ser também uma referência
significativa para as teorias críticas do currículo.
Para explicar o papel da educação na reprodução das bases culturais e econômicas da sociedade capitalista, os autores usam a categoria de capital cultural. Este
é constituído pelo nível de aquisição que os indivíduos assimilam dos bens culturais
considerados hegemônicos e que os instrumentalizam para a vida social.
Nesses termos, considera-se cultura os valores, condutas e saberes produzidos
pelas classes dominantes como sendo socialmente superiores. Nas sociedades capitalistas, quem possui tais atributos leva vantagens materiais e simbólicas nesse
processo de diferenciação e hierarquização da cultura como “capital cultural”.
Esse processo ocorre por um mecanismo que os autores chamam de domínio
simbólico da cultura. Os valores, hábitos e costumes das classes dominantes são
apresentados como “cultura”, que é assimilada e valorizada por todos através de um
duplo processo de violência simbólica, o da imposição desses valores culturais e da
ocultação de sua imposição.
Mas de que forma essa seleção e dominação cultural se desenvolvem na escola
e contribuem para a perpetuação dos valores culturais dominantes?
Para os autores, é na escola que esse capital cultural se revela de maneira objetivada e de forma institucionalizada, sendo distribuído, socialmente e de forma
desigual, por meio de títulos e diplomas escolares.
O currículo escolar se organiza com base no capital cultural das classes dominantes, portanto, longe dos valores, linguagem e jeito de ser e agir das classes dominadas.
As crianças das classes dominantes, ao conviver diariamente com esses códigos
culturais, vivem um processo de assimilação e aceitação; diferentemente dos alunos das classes dominadas, que sentem dificuldade de assimilar esse código, já que
ele não pertence a seu universo social e cultural.
Nessa dinâmica, os alunos das classes dominantes são mais bem sucedidos na
escola, abrindo, assim, maior possibilidade para que ingressem em níveis superiores de formação. Contrariamente, os alunos das classes subalternas, por não se sentirem num espaço de reconhecimento, encaram o fracasso escolar, saindo da escola
antes de alcançarem o topo da vida estudantil. Argumentam os autores que, nesse
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processo, não ocorre a ampliação do capital cultural dos filhos dos trabalhadores,
que mantêm-se em patamares baixos, e completa-se, assim, o ciclo da reprodução
cultural. É, essencialmente, através dessa reprodução cultural, por sua vez, que as
classes sociais se perpetuam, garantindo, então, o processo de reprodução social.
As questões propostas pelas teorias críticas começam, a partir dos anos de 1980,
a sofrer críticas e questionamentos. Numa visão mais pragmática, tais pressupostos
tinham um caráter extremamente determinista, e seus mecanismos de análise colaboravam para o imobilismo dos sujeitos da escola e, em última instância, anunciavam a manutenção das estruturas sociais. Assim, para esses autores que elaboram
esses questionamentos, a teoria crítica passa a viver um impasse teórico. Esses argumentos que tentam elucidar a “crise da teoria crítica” indicam o nível extremamente
abstrato do discurso crítico e a dificuldade de tal discurso ser operacionalizado e
incorporado pelos docentes em suas práticas cotidianas e, dessa forma, contribuir
para a renovação das práticas curriculares (MOREIRA, 2003).
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As teorias pós-críticas do currículo surgem no final do século XX, procurando,
então, estabelecer uma conexão entre as questões trazidas pelas teorias críticas do
currículo, como poder, ideologia e identidade, e os aspectos centrais do multiculturalismo, relacionados às questões de gênero, raça, etnia e sexualidade.
A tradição crítica enveredou para o campo da análise das determinações de
classe do currículo. Já o multiculturalismo aponta que a variação da desigualdade
em matéria de educação e currículo é fruto, também, de outras dinâmicas, como as
de gênero, raça e sexualidade, e não podem estar condicionadas única e exclusivamente à dinâmica de classe.
As questões trazidas pelas teorias pós-críticas se assentam no debate que redimensiona o conceito de cultura. As contribuições do campo da antropologia possibilitaram o reconhecimento de que todas as culturas são equivalentes do ponto
de vista epistemológico e social. Através desse olhar, as várias culturas passam a
ser consideradas como o resultado das diferentes maneiras pelas quais os diversos
grupos humanos, submetidos a diferentes condições ambientais e históricas, conseguem realizar o potencial de criação que seria traço comum de todo ser humano.
A categoria central dessa perspectiva curricular é a do multiculturalismo, em seus
diferentes enfoques.
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Neste momento, devemos fazer-nos a seguinte pergunta: por que a preocupação com o multiculturalismo no campo curricular? É evidente a importância do
componente cultural na contemporaneidade. Trata-se de um campo onde se travam
lutas em torno do processo de significação do mundo social, entendendo que a cultura é uma prática produtiva e constituidora. O mundo, hoje, é palco inconteste de
conflitos predominantemente culturais, por conta das grandes divisões da humanidade. Tais conflitos são frutos das divergências de interesses entre diferentes grupos,
porque uns querem impor aos outros os seus respectivos significados culturais.
Essas diferenças se dão em várias instâncias do tecido social, tais como de raça,
classe social, gênero, linguagem, orientação sexual, entre outras. Podemos ilustrar
as consequências desses conflitos através de práticas violentas que recaem sobre
esses grupos em diferentes partes do mundo, pautadas em bases etnocêntricas,
xenófobas, racistas, machistas, homófobas e fundamentalistas.
Dessa maneira, qualquer posição que venhamos a assumir em relação às diferenças, seja ela de rejeição ou de aceitação, não nos permite negá-las. Essa questão
é um traço marcante do nosso tempo; não se trata de acreditar ou não, concordar ou
discordar, o fato é que ela nos atravessa de uma forma arrebatadora, por isso, queiramos ou não, vivemos num mundo inescapavelmente multicultural. Ainda que as
reflexões sobre o currículo virem as costas para a multiculturalidade, ela atravessará
os sistemas escolares e tudo o que disser respeito às experiências da comunidade
escolar, atuando de maneira inevitável nas ações e nas interações estabelecidas por
diferentes protagonistas.
Assim, nos anos de 1990, o multiculturalismo passa a exercer um papel importante na luta política de grupos “minoritários”, ao deslocar para o campo da política
o entendimento da diversidade cultural. O multiculturalismo constitui-se, assim, em
importante base teórica para os movimentos sociais de grupos culturais marginalizados que lutam para conquistar um lugar de reconhecimento e representação
na cultura nacional. Porém, consideramos que não podemos falar de multiculturalismo separando-o das relações de poder e de classe que circundam as relações
sociais atuais. Incorporar no debate curricular as questões das diferenças culturais,
raciais, étnicas, sexuais é – e, principalmente, também – falar de relações de classe
e de poder.
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Esse pequeno quadro histórico das teorias curriculares no século XX tem a intenção de reconhecer e trazer para a discussão a atualidade dos pressupostos da
teoria crítica para o debate educacional. Mesmo reconhecendo os elementos de
crise das teorias críticas, elas ainda se constituem como a tendência mais produtiva
do campo do currículo, no Brasil e nos EUA (SILVA, 2005). Consideramos, assim, que
em seu trajeto de existência, o currículo chega ao início do século XXI dialogando
com as teorias pós-críticas e contribuindo sobremaneira para o entendimento dos
desafios que a educação coloca, principalmente na Educação de Jovens e Adultos,
em seus elementos constitutivos e estruturais.
Nosso desafio no próximo item do artigo será o de refletir, aprofundar e responder algumas das questões que a Educação de Jovens e Adultos coloca no cenário
educacional brasileiro, à luz dos pressupostos das teorias críticas do currículo.
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3 A inovação das práticas curriculares na Educação de
Jovens e Adultos na perspectiva das teorias críticas
A aproximação do campo do currículo crítico e a Educação de Jovens e Adultos
(EJA) tem buscado, prioritariamente, como referenciais significativos a incorporação
de elementos dinâmicos da prática e da realidade sociais, possibilitando a superação
de uma perspectiva meramente tradicional, conteudista e formalista do currículo.
Numa primeira perspectiva de análise de práticas curriculares na EJA, nos remeteremos às teorias tradicionais de currículo. Não há como escapar delas, quando abordamos o tema curricular na sua definição nos moldes tradicionais, ou seja,
considerando-o como sendo meramente um conjunto de conteúdos programáticos estabelecidos para as disciplinas e séries escolares e imposto por mecanismos
de políticas públicas curriculares.
Tendo em vista a superação dessa concepção tradicional e normativa de currículo, é importante identificar a atualidade das teorias críticas como uma abertura
de caminho para traçar novas propostas de trabalho e para a formulação de novos
currículos e, principalmente, novas “práticas curriculares” na Educação de Jovens e
Adultos trabalhadores; compreendendo, dessa forma, as práticas educativas como
espaço de criação curricular e de possibilidades de inovação nos estudos do campo
das teorias críticas.
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Miguel Arroyo, reconhecendo a crise das teorias críticas, a partir dos anos de
1980, faz a seguinte reflexão.
As questões privilegiadas pela teoria crítica silenciaram velhas questões da prática escolar.
O debate sobre currículo, poder, ideologia, produção social do conhecimento, novos mapas culturais; o debate sobre quem seleciona e organiza o conhecimento escolar ocupou
nossos espaços e foi ficando marginalizada a cruel realidade do analfabetismo, da reprovação, da seletividade, da exclusão, do autoritarismo da aula, da violência da escola (...). Nesse
quadro, como estranhar o desencontro entre a teoria crítica e a prática escolar e profissional, entre nossos temas e o dia-a-dia da escola? (ARROYO, 1999, p. 148).
A intenção desse estudo, ao aproximar as questões das teorias críticas com as
práticas curriculares do professor de Educação de Jovens e Adultos, é a de romper
com uma tendência crítica que levou o professor a certo imobilismo. Identifica-se
que, nesse cenário, em vez de inovar as práticas curriculares, tais teorias contribuíram para gerar um sentimento de inutilidade da ação docente:
A teoria levou os professores a duvidar de suas práticas e apontou a necessidade de destruí-las. Não é por acaso, então, que os professores resistem a essa crítica destrutiva de suas
práticas, de suas concepções, de sua cultura escolar e profissional. Sentem-se ameaçados.
A crítica não conseguiu ser construtiva de novas práticas. Não conseguiu ser inovadora
(ARROYO, 1999, p. 148).
Para alcançar tal objetivo, vamos tencionar, no debate curricular crítico, o prescritivo e o praticado, através de um passeio pelas questões que visam à normatização e ao
controle das atividades pedagógicas no cotidiano escolar da EJA, reconhecendo, ainda, as possibilidades de construção de novos significados para a “prática curricular”.
A escola sempre teve como tarefa ocupar-se do processo de transmissão, assimilação a construção do conhecimento formal, e este é feito através das propostas curriculares. Entretanto, é importante mostrar que esse conhecimento formal é
apenas uma das facetas do tipo de cultura que invade o ambiente escolar. Mesmo
cercado desse aparato normatizador, os professores podem criar condições que
lhes sejam favoráveis à realização de uma série de atividades e experiências que serão vivenciadas juntamente com os alunos e que escapam aos manuais curriculares
e suas imposições estruturais.
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A autonomia e a participação do professor em funções conceituais, por outra parte, não
se vêem totalmente anuladas, porquanto são exigências que derivam da própria configuração do trabalho docente como um trabalho que se realiza com seres humanos (...).
Nesta situação, o professor mantém autonomia para escolher metodologias, fazer seleção
de conteúdos e de atividades pedagógicas mais adequadas a seus alunos segundo o interesse ou suas necessidades e dificuldades (BASO, 1998, p. 3).
Compreender, portanto, o currículo só como um instrumento de orientação
curricular é uma forma de entendimento que evidencia a dimensão de produto do
currículo. Essa visão vira as costas para todo o processo de produção sociocultural
que está implicado no cotidiano das escolas e classes, onde se relacionam as formas
culturais dominantes, constantemente, e outras formas, a dos protagonistas, implicados no processo de realização das propostas: professores e alunos. Há nas escolas
uma variedade de currículos em ação, apesar das tentativas de homogeneização
(OLIVEIRA, 2001).
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curriculares na
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Podemos considerar que as propostas curriculares dos chamados especialistas
estão presas a modelos extremamente idealizados da atividade pedagógica e dos
processos de aprendizagem. É necessário sair desse engessamento e desconstruir a
visão dominante de entendimento do currículo numa perspectiva tradicional.
Qual o caminho a seguir para se criar outro entendimento do currículo e das
práticas curriculares na EJA?
Mudar o foco. Romper com o olhar formalista e cientificista do currículo e considerar, a partir de agora, que é fundamental compreendê-lo como oriundo de múltiplos e singulares processos curriculares locais.
Na perspectiva de práticas curriculares significativas para a EJA, a escola não
é concebida somente como um espaço sociocultural de reprodução e verificação
de conteúdos e conhecimentos; mas também, e principalmente, espaço de socialização, de disputa em torno do que ensinar, de trocas culturais e de construção
significativa do conhecimento escolar e social.
Agora, estamos falando de um novo produto, isto é, um currículo para a EJA,
que não pode ser construído a partir de modelos pré-estabelecidos ou idealizados.
Estamos falando de um processo por meio do qual os sujeitos envolvidos com a
prática curricular ressignificam suas experiências a partir de redes de saberes e fazeres das quais participam.
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Educação em Rede
Nas últimas décadas, a Educação de Jovens e Adultos avançou no campo político, teórico e metodológico. Podemos considerar como relevantes nesse processo as
contribuições das teorias críticas do currículo. No campo político e teórico, não podemos deixar de reconhecer a importância da trajetória dos movimentos populares, principalmente aqueles ligados às demandas da alfabetização de adultos, que,
ao longo do seu processo de luta e mobilização, incorporaram temas e questões do
pensamento crítico.
Nesse sentido, é inegável a contribuição de Paulo Freire. Alguns dos conceitos
centrais do pensamento do autor, como conscientização, libertação e autonomia, e
outros termos, ligados a procedimentos metodológicos, como “a leitura do mundo
precedendo a leitura da palavra”, devem manter-se como referência para o debate
curricular da EJA, já que as questões políticas e pedagógicas do seu pensamento
permanecem atuais. Isso ocorre porque as condições sociais, econômicas e educacionais que geraram e geram esse contingente populacional não escolarizado ainda se mantêm inalteradas em nosso país: “Não posso ser professor se não percebo
cada vez melhor que, por não ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura!” (FREIRE, 1997, p.106).
Porém, não podemos deixar de considerar que essa perspectiva crítica, na EJA,
ocorreu mais nos marcos conceituais do que em políticas públicas e práticas docentes que incorporaram as especificidades teóricas, políticas e metodológicas da EJA.
Dessa forma, o professor ainda encara a Educação de Jovens e Adultos por uma
perspectiva compensatória, tendo como referencial pedagógico o modelo de escolarização de crianças e adolescentes. O conteudismo prevalece, assim como o
distanciamento entre conhecimento formal e a realidade do aluno. Podemos considerar que se repete em muitos casos o fenômeno do fracasso escolar.
Como o debate curricular crítico pode contribuir para reverter esse quadro?
Vamos, agora, a título de reflexão final, apontar alguns elementos a serem considerados pelos docentes para uma ressignificação das práticas curriculares na Educação de Jovens e Adultos trabalhadores.
As teorias críticas, embora nem sempre com a mesma base epistemológica, têm
em comum o caráter contestador da ordem social predominante, sobretudo no que
diz respeito aos mecanismos de controle e exclusão, como a escola, que corrobora
para a manutenção das estruturas sociais.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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As teorias
críticas do
currículo e o
processo de
execução,
construção e
ressignificação
de práticas
curriculares na
Educação de
Jovens e Adultos
Assim, para esse debate curricular, quem são esses indivíduos?
Miguel Arroyo (2001) afirma que os sujeitos da EJA são, em sua grande maioria,
trabalhadores urbanos e rurais, oprimidos e pobres, tendo como destaque nesse grupo a participação da população mestiça e negra, ou seja, sujeitos expulsos dos bancos
escolares ou que não tiveram oportunidade de ingressar na escola na idade desejada.
Por que eles fracassam?
Para os teóricos críticos, isso ocorre porque os currículos em que os sistemas
educacionais estão baseados privilegiam o capital cultural dos grupos economicamente dominantes.
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As teorias
críticas do
currículo e o
processo de
execução,
construção e
ressignificação
de práticas
curriculares na
Educação de
Jovens e Adultos
Nesse sentido, o processo de aprendizagem é monocultural e não dialógico, em
que determinados valores e conteúdos, selecionados pelos currículos oficiais, são impostos e cobrados em provas e testes, que, em última instância, vão determinar quem é
capaz ou não, através da manutenção ou expulsão do indivíduo dos bancos escolares.
O distanciamento entre o conhecimento e os sujeitos envolvidos nesse processo
é outra marca da exclusão que as teorias críticas elucidaram. O currículo, comumente, é organizado de modo a cumprir o preenchimento de uma espécie de caixa vazia,
onde o educador funciona como elemento detentor do conhecimento e o educando, passivamente, recebe o esperado conteúdo. Essa distância, frequentemente, cria
um ambiente pernicioso para o desenvolvimento da aprendizagem do aluno. Os
conteúdos não fazem parte do universo experimental da criança, jovem ou adulto,
não levam em consideração as experiências, o universo já vivido pelo educando.
O conceito de “problematização” surge como uma possibilidade de questionamento do que é apreendido, do que fazemos e vivemos na sociedade e na educação formal. Educar sem aquela pretensa neutralidade das teorias tradicionais. A
dimensão que a educação e o conhecimento ganham é a de estarem voltados para
uma prática reflexiva do educador e do educando.
As práticas curriculares, na perspectiva das teorias críticas, devem obedecer a
critérios que deixem claro que a construção do conhecimento estará a serviço da
identificação dos conflitos e das disputas existentes no seio da sociedade. Longe de
pretender neutralidade, é a clara intenção de que no processo de elaboração do conhecimento haja estímulo à conquista de valores culturais, políticos, éticos voltados
para a transformação social.
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Sabemos que os espaços de escolarização da Educação de Jovens e Adultos
recebem como alunos e alunas pessoas com histórias e experiências de vida diversificadas: vida profissional, histórico escolar, ritmo de aprendizagem, estrutura
de pensamento, origens, etnias, idades, crenças etc. No entanto, a riqueza desse
universo marcado pela diversidade e pluralidade não é, quase sempre, reconhecida
e valorizada no ambiente escolar.
Esses alunos, em sua maioria, já trazem consigo uma experiência escolar de insucesso e fracasso. O reingresso na escola é uma opção que requer coragem e ousadia. Ao tomar a decisão de retornar aos bancos escolares, esse aluno se coloca numa
posição de exposição de sua condição de pouca escolaridade, num desafio que, às
vezes, se constrói num processo de idas e vindas, envolvendo – e até, em algumas
situações, dependendo de – inúmeros condicionantes e atores: família, patrões, instabilidade no emprego, desemprego, miséria, horários de trabalho, condições de
acesso, distância entre casa e escola.
Nessa engrenagem, construída ao longo de sua existência, o aluno tende a responsabilizar a si próprio por essa “condição de fracasso”, na medida em que sua
formação educacional não favoreceu a análise e reflexão crítica acerca dos condicionantes histórico-sociais que são responsáveis por esse processo. Essa condição
de baixo rendimento e pouca escolaridade, acrescida da visão preconceituosa e
estigmatizada à qual são submetidas populações socialmente marginalizadas, provoca uma relação de fragilidade nos alunos.
Para o aluno, jovem ou adulto, que vivencia a complexa experiência de recomeço e resgate do processo de aprendizagem formal, os significados e sentidos extraídos desse experimento devem ser cuidadosamente construídos e sedimentados
na relação pedagógica, e o professor tem um papel fundamental nesse processo,
como aponta Paulo Freire: “Ninguém educa, ninguém educa a si mesmo, os homens
se educam entre si, mediatizados pelo mundo (2005, p. 75).
Diante de tamanha grandeza e responsabilidade, é de extrema importância que
a escola discuta sua ação pedagógica e sua verdadeira intencionalidade, o que implica, por parte do professor, um redimensionamento de suas práticas curriculares.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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ressignificação
de práticas
curriculares na
Educação de
Jovens e Adultos
A prática educativa, em vez de massificar a ação pedagógica, negando a identidade e a alteridade do aluno adulto, deveria reconhecer sua realidade, mapeando
os diferentes saberes que são originados dessa realidade, de forma a transformá-los
em mecanismo de aprendizagem para todos os sujeitos (docentes e discentes) envolvidos nesse processo de troca que é ensinar e aprender.
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curriculares na
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Horizonte: Autêntica, 2001.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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críticas do
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curriculares na
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Currículos
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
A importância do
espaço de vivência na
Educação de Jovens e
Adultos
Emmanuele Maria Correia Costa*
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo levar educadores a refletir sobre a elaboração de currículos
específicos em Educação de Jovens e Adultos,
e, a partir dessa reflexão, perceber a importância do espaço de vivência dos educandos, o que
contribui significativamente no processo de
aprendizagem daqueles que buscam a escola
tardiamente. Toma como referencial teórico os
estudos de Paulo Freire, que ao longo de sua
trajetória lutou por uma educação popular com
vistas a ajudar a construir uma sociedade mais
justa e democrática, agindo em defesa de um
ato educativo que contemplasse o pensar e o
concluir, contrapondo a simples reprodução
de ideias impostas à reflexão, argumentação,
criticidade e politização. Com base nesses fundamentos, pretende-se levar os educadores da
EJA, na atualidade, a pensar criticamente sobre a sua prática educativa com vistas à transformação da sociedade e à formação integral
dos alunos.
Palavras-chave: Educação popular; transformação; formação.
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ABSTRACT
This paper aims to get educators to reflect
on the development of specific Youth and
Adult Education curricula, and, from that
reflection, realize the importance of students’
experience, which contributes significantly
to the learning process of those seeking
education later in life. It take as a theoretical
reference the studies of Paulo Freire, who
throughout his career fought for popular
education in order to help build a fairer and
more democratic society, acting in defense of
an educational mode that included thinking
and concluding, in contrast to simple
reproduction of ideas imposed upon
reflection, argumentation, criticism and
politicization. Based on these foundations,
we intend to take the current Youth and
Adult educators to think critically about their
educational practices in order to transform
society and fully train students.
Keywords: Popular education;
transformation; training.
Educação em Rede
*Formada em Pedagogia, atualmente faz pós-graduação em Formação Docente de Tutores
em EAD e Concepções e Produção de Material Didático em EAD, na Universidade Federal
de Alagoas. Atua como professora do Esnino Fundamental na Escola São Raphael da rede
privada da cidade de Maceió, Alagoas.
Há muito tempo se discute problemáticas referentes à elaboração de currículos
específicos para a Educação de Jovens e Adultos, bem como à sua organização, que
devem envolver o universo cultural dos educandos e suas vivências, a fim de tornar
a aprendizagem mais significativa. Essas vivências perpassam ambientes variados,
tornando, assim, a classe de jovens e adultos rica em conhecimento de mundo na
forma de senso comum. E daí surgem as mais diversas discussões. Como transformá-lo em conhecimentos escolares?
A pessoa encarregada de interagir para que aumentem os saberes dos educandos é o professor-mediador. E para que isso aconteça necessita-se de formação continuada e constante reflexão a respeito do que ensinar e para quem ensinar, tendo
em vista que os estudantes estão em busca de uma condição de vida melhor.
Nesse sentido é preciso dar significado às aulas, buscar temas de interesse dos
educandos numa perspectiva formativa para cada grupo que atua na Educação de
Jovens e Adultos.
Os saberes dos jovens e adultos precisam corresponder às suas necessidades, e
principalmente às suas potencialidades como trabalhadores e cidadãos. As proposições teóricas e práticas devem ir além do aprendizado das letras.
Paulo Freire propôs uma alfabetização conscientizadora, a partir da leitura de
palavras e do mundo, com a qual iniciou a construção de sua pedagogia libertadora, de modo que, ao se referir à alfabetização de adultos, visava práticas sociais em
que a leitura e a escrita se realizassem não somente na aprendizagem inicial, mas
em diversos níveis, fazendo despertar habilidades nos estudantes.
É importante dar relevância à cultura dos alfabetizandos assim como às políticas educacionais, contextualizando os diversos meios de comunicação, linguagens
e conteúdos escolares, aproximando-os de práticas sociais concretas.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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A importância
do espaço de
vivência na
Educação de
Jovens e Adultos
A Educação de Jovens e Adultos possui peculiaridades, pois nessa etapa da vida
o adulto traz consigo diferentes habilidades, dificuldades e maior capacidade de
reflexão sobre o conhecimento em seus processos de aprendizagem. Considerando tais aspectos, as situações de aprendizagem precisam ser ricas em desafios, nas
quais os educandos percebam seus avanços concretamente.
Encontra-se uma dificuldade no processo de alfabetização de adultos: a sua
especificidade cultural. É necessário contextualizar historicamente os educandos,
bem como as atividades a serem desenvolvidas para tal clientela, despertando nos
alunos uma reflexão sobre a importância de aprender a ler, o que implica fazer uma
adequação da escola, de currículos, programas e métodos de ensino para atender à
especificidade de cada classe de alfabetização.
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A importância
do espaço de
vivência na
Educação de
Jovens e Adultos
A visão de mundo de uma pessoa que retoma os estudos na fase adulta, ou
mesmo aquela que inicia sua trajetória escolar nessa etapa da vida, é bastante
peculiar, pois ela é protagonista de uma história real e rica em experiências de
vida. Essas pessoas configuram tipos diversos, que chegam à escola com crenças e
valores já construídos.
As escolas recebem alunos jovens e adultos com traços de vida, origens, idades,
vivências profissionais, histórico escolar, ritmo de aprendizagem e estrutura de pensamento completamente variados. São pessoas que vivem no mundo do trabalho,
com responsabilidades sociais e familiares, com valores éticos e morais formados
segundo a experiência, o ambiente e a realidade cultural em que estão inseridas.
Os conhecimentos de uma pessoa que procura tardiamente a escola são inúmeros ao longo de sua história de vida. É por isso que o processo educativo de
adultos deve partir de um tema gerado com o envolvimento dos alunos. Eles são
possuidores de saberes do senso comum que deverão ser transformados em conhecimentos científicos.
A procura de jovens e adultos pela escola não se dá de forma simples, trata-se
de uma decisão que envolve as famílias, os patrões, as condições de acesso e, sobretudo, de permanência. Portanto, o fato de um jovem ou adulto frequentar a escola
é um desafio, um projeto de vida.
Grande parte dos jovens e adultos que buscam a escola esperam que ela seja
um espaço que atenda às suas necessidades, possibilitando sua integração à sociedade letrada.
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O desafio é construir uma escola na qual os professores e alunos se encontrem
como sujeitos, com a tarefa de provocar e produzir conhecimentos. Conhecimentos
sustentados na perspectiva daqueles que aprendem saberes diversos contribuidores efetivamente para a vida dos alunos.
Esses alunos buscam na escola mais do que conhecimentos prontos para serem
reproduzidos. Eles querem se sentir sujeitos ativos, participativos, crescer cultural,
social e, sobretudo, economicamente.
Segundo o filósofo e sociólogo chileno Jean Casassus (apud RATIER, 2008), além
de conhecer os conteúdos que ensina, o professor deve saber identificar as necessidades dos alunos. Em pesquisa realizada em 14 países e publicada no livro A escola e a desigualdade, foram analisados alguns aspectos que favorecem o bom desempenho dos
estudantes. Docentes com formação sólida, avaliação sistemática, material didático
suficiente, prédios adequados são fatores que contribuem para o bom desempenho.
Além disso, ter um ambiente emocional adequado, gerado pelo bom relacionamento
entre professor e aluno, é fundamental. “Para transmitir o gosto pelo conhecimento
um professor precisa dominar os conteúdos de sua disciplina e também saber acolher
as turmas, identificando interesses e sentimentos” (op. cit., 2008, p. 28).
Diz o filósofo Casassus (op. cit., 2008, p. 28):
(...) Sendo assim, a qualquer currículo moderno podem se adaptar temas de interesse dos
alunos. Afinal o aprendizado exige uma motivação interna de quem aprende. Por exemplo:
se preciso falar de física, de estrutura dos materiais ou de conceitos como velocidade e
aceleração, posso usar como base carros de corrida ou outro tema mais próximo do universo dos alunos. É possível encontrar caminhos para que esse entusiasmo se encaixe no
planejamento curricular. Dessa forma consigo elaborar dezenas de atividades. Trata-se de
adaptar o conhecimento a uma maneira compatível com o fluxo natural em que a turma
está inserida naquele momento.
As dificuldades com a educação em massa são acompanhadas de propostas
técnico-pedagógicas para a Educação de Jovens e Adultos que não se limitam à
escolarização. As críticas ao método de alfabetização da população adulta, por sua
inadequação à clientela, bem como pela superficialidade do aprendizado no curto
período de escolarização, remetem a uma visão sobre a problemática do analfabetismo e à consolidação de uma nova pedagogia de alfabetização para adultos que
tem como principal referência o educador Paulo Freire.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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A importância
do espaço de
vivência na
Educação de
Jovens e Adultos
Esse novo paradigma pedagógico se pautou num novo entendimento da relação entre a problemática educacional e a social. A alfabetização e a educação de
base de adultos devem partir sempre de um exame crítico da realidade existencial
dos educandos, de identificação de origens de seus problemas e possibilidades
de superá-los.
Na percepção de Paulo Freire (1989, p. 72), os conceitos de alfabetização e educação estão muito próximos, para não dizer que se confundem.
Alfabetização é mais do que simples domínio mecânico de técnicas para ler e escrever.
Com efeito, ela é o domínio dessas técnicas em termos conscientes. É entender o que se
lê e escrever o que se entende (...). Implica uma autoformação da qual pode resultar uma
postura atuante do homem sobre seu contexto. Por isso a alfabetização não pode ser feita
de cima para baixo, nem de fora para dentro, mas sim de dentro para fora pelo próprio
analfabeto, apenas ajustado pelo educador. O papel do educador por sua vez tem de ser
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A importância
do espaço de
vivência na
Educação de
Jovens e Adultos
fundamentalmente de dialogar com o analfabeto sobre situações concretas, oferecendolhe meios com os quais possa se alfabetizar. Vale dizer que o homem, como sujeito e não
como objeto de sua educação, tem um compromisso com sua realidade e nela deve intervir cada vez mais.
O desafio da Educação de Jovens e Adultos é o estabelecimento de uma política e de metodologias, com a finalidade de garantir aos adultos analfabetos e aos
jovens que tiveram passagens fracassadas pelas escolas o acesso ao universo profissional, político e cultural.
Os educadores devem ser compromissados, analisando critica e reflexivamente,
para assim poder definir de forma clara a ação educativa, estabelecendo uma proposta curricular que considere as relações escola-comunidade como um retrato cultural, na qual se produza uma prática educativa articuladora da teoria com a prática,
tendo o educando como sujeito do processo de aprendizagem.
A inserção dos jovens e adultos no processo de desenvolvimento como cidadãos produtivos demanda ações educativas considerando o seguinte.
A escolarização constitui instrumento indispensável à construção da sociedade democrática, porque tem como função a socialização daquela parcela de saber sistematizado que
constitui o indispensável à formação e ao exercício da cidadania (LIBÂNEO, 1994, p. 35).
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A proposta curricular dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para a Educação de Jovens e Adultos estabelece referenciais para a organização do trabalho
pedagógico. A oferta visa a alfabetizar e escolarizar através de cursos que atendam
às especificidades dos alunos jovens e adultos, estruturados em módulos, ciclos ou
etapas, correspondentes, em média, a um ano para cada duas séries, uma vez que
leva em conta a experiência e os conhecimentos prévios que os alunos possuem.
Vale salientar que a organização do calendário e do horário escolar dessa modalidade de educação deve atender às especificidades locais e da clientela. Dessa forma,
não só valoriza o ideal da educação popular, como destaca o valor educativo do diálogo e da participação, do saber dos alunos, e estimula um desempenho inovador
dos educadores.
Paulo Freire (2005, p. 30), em seu livro Pedagogia da autonomia, se refere aos saberes necessários à prática educativa e oferece contribuições valiosas para conduzir
à reflexão sobre competência docente.
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Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos (...), discutir com os alunos a razão de
ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos. Ensinar exige disponibilidade para o diálogo nas relações com os outros que não fizeram necessariamente
as mesmas opções que fiz em nível de política, da estética, da pedagogia (...), no respeito
às diferenças entre mim e eles ou elas (...). Ensinar exige o reconhecimento e a assunção
da identidade cultural, assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos. Ensinar exige apreensão da realidade,
transformar a realidade, nela intervir, recriando-a. Ensinar exige segurança, competência
profissional e generosidade. O fundamental no aprendizado do conteúdo é a construção
da responsabilidade que se assume (...).
Diante disso, percebe-se que a tarefa do educador não é fácil, pois é necessário
engajamento para que seja desenvolvido um trabalho de qualidade. É preciso buscar uma concepção mais ampla das dimensões tempo/espaço de aprendizagem, na
qual educadores e educandos estabeleçam uma relação mais dinâmica com o entorno social e com as suas questões, considerando que a juventude e a vida adulta
são também tempos de aprendizagens.
O educador precisa também considerar alguns pontos fundamentais na elaboração do currículo específico da Educação de Jovens e Adultos, tais como: a diversidade do público a que se destina, a geração de modelos que atendam a realidades
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
A importância
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vivência na
Educação de
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específicas em relação aos alunos, a organização do trabalho pedagógico, a flexibilidade na carga horária, na duração, na sequenciação de conteúdos, entre outros.
No que se refere à seleção e distribuição dos conteúdos curriculares, devem
ser considerados o desenvolvimento da personalidade dos alunos e o atendimento das suas exigências sociais. Adequando-os à natureza e às especificidades das
diferentes áreas e às características do aluno, esse currículo precisa estar centrado
no processo de reflexão, no tipo de pessoa e na sociedade que deseja formar. Deve
haver também a inclusão de atividades voltadas para a formação profissional dos
jovens e adultos, visto que em sua maioria são trabalhadores.
A proposta oficial deve passar por um momento de reconstrução coletiva, o que
imprime à proposta da EJA um caráter de provisoriedade, que em nada afeta as suas
proposições teórico-metodológicas, uma vez que se colocam como referencial.
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A importância
do espaço de
vivência na
Educação de
Jovens e Adultos
Os jovens e adultos procuram a escola motivados pela expectativa de conseguir
um emprego melhor, ou então são levados pelo desejo de elevação da autoestima,
da independência e da melhoria de vida pessoal. Mas o maior motivo da procura
pela escola é a necessidade de fixação de sua identidade como ser humano e social.
Isso suscita no educador a adoção de formas de relacionamento diferenciadas.
Com os adultos ganha destaque a sensibilização de interesse, ajudando-os a vencer
a timidez, a insegurança e os bloqueios.
Percebe-se que a matrícula de jovens e adultos cresceu nos últimos anos, impulsionada pela necessidade de melhorar o nível de escolaridade da população, já
que a sociedade hoje exige cada vez mais pessoas qualificadas. Com isso, tornou-se
urgente formar professores especializados na área de EJA para atender às especificidades daqueles que não tiveram acesso à educação em idade regular. Funções
nessa área exigem cada vez mais especializações e experiência.
Os alunos exigem do professor, além dos saberes disciplinares, práticas educativas que aproveitem a sua bagagem cultural e a experiência acumulada. O ideal é
que a escola responda às suas necessidades, estabelecendo uma relação entre os
conteúdos trabalhados e o uso que farão deles posteriormente. Deve haver práticas
pedagógicas que valorizem as diversas linguagens utilizadas pelos alunos, as várias
atuações que eles têm na comunidade e a autonomia que já possuem para resolver
suas questões práticas do dia a dia. Nessas situações, o domínio dos códigos escritos torna-se apenas uma das necessidades.
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Na EJA, além das disciplinas de base comum, enquadram-se disciplinas como
subjetividade e vivência coletiva, em que o professor reconhece e incorpora os diversos universos culturais existentes e a maneira como o sujeito se insere. Questões
como currículo e cultura podem ser integradas e transformadas em conteúdo didático e fundamentos metodológicos da educação popular, o que é tratado basicamente pelo educador Paulo Freire.
A condição socioeconômica dos jovens e adultos
Para que se possa estabelecer com clareza a parcela da população a ser atendida pela modalidade EJA, é fundamental refletir sobre o seu público, suas características e especificidades. Tal reflexão servirá de base para a elaboração de processos
pedagógicos específicos para esse público.
Pois os homens, mulheres, adultos ou idosos que buscam a escola pertencem
todos a uma mesma classe social: são pessoas com baixo poder aquisitivo, que consomem, de modo geral, apenas o básico à sua sobrevivência: aluguel, água, luz,
alimentação, remédios para os filhos etc. São sujeitos sociais e culturais, marginalizados nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura
letrada e aos bens culturais e sociais, o que compromete uma participação mais
ativa no mundo do trabalho, da política e da cultura.
A compreensão dessa realidade levou Paulo Freire a reconhecer o analfabetismo como uma questão não só pedagógica, mas também social e política, a qual se
refere não apenas a uma questão etária, como também de especificidade cultural.
Ocorre também nos alunos jovens e adultos uma baixa autoestima, muitas vezes por situações de fracasso escolar, fazendo com que esse aluno volte à sala de
aula revelando uma autoimagem fragilizada, expressando sentimentos de insegurança e de desvalorização pessoal diante dos novos desafios que se impõem. Quando retornam para a sala de aula, ficam suscetíveis ao fracasso escolar.
O sucesso escolar, por sua vez, produz elevação da autoestima e um grande
efeito de segurança nos alunos, enquanto o fracasso consequentemente gera grandes estragos.
Na sala de EJA, essas marcas se evidenciam, de um lado, por atitudes de extrema timidez e, por outro, por irreverência e transgressão. Esses alunos e alunas
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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A importância
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vivência na
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demonstram vergonha em perguntar ou em responder a perguntas, nervosismo
exacerbado nas situações de avaliação, ou então se mostram agitados e indisciplinados. Muitos não conseguem nem olhar no rosto do professor.
O papel do educador da EJA é determinante para evitar situações de novo fracasso escolar. Um caminho seguro para diminuir sentimentos de insegurança é valorizar os saberes que os alunos trazem para o ambiente escolar. O reconhecimento
da existência de uma sabedoria no sujeito proveniente de sua experiência de vida,
bagagem cultural, habilidades profissionais, certamente contribui para que ele resgate
uma autoimagem positiva, ampliando a autoestima e fortalecendo a autoconfiança.
O bom acolhimento e a valorização do aluno pelo professor possibilitam a abertura de um canal de aprendizagem com maiores garantias de êxito, porque parte
dos conhecimentos prévios dos educandos para promover conhecimentos novos,
fomentando o encontro dos saberes da vida com os saberes escolares.
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A importância
do espaço de
vivência na
Educação de
Jovens e Adultos
Todas as salas de EJA se unificam em torno de um fato: a grande maioria dos
alunos são trabalhadores que chegam para as aulas após um dia intenso de trabalho. É claro que essas salas apresentam um número significativo de desempregados
e de trabalhadores temporários ou informais.
Entretanto, é preciso lembrar que o trabalho experimentado por esses alunos
não passa nem de longe por uma atividade fundamental pela qual o ser humano
se humaniza e se aperfeiçoa. O trabalho que conhecem é, na maior parte das vezes,
repetitivo, cansativo e pouco engrandecedor. Muitos alunos dizem estar na escola
para poder arrumar um emprego, conseguir um trabalho melhor, crescer na profissão. Portanto, o trabalho é apontado pelos alunos de EJA tanto como motivo de
terem deixado a escola como razão para voltarem a ela.
Sem dúvida alguma o tema trabalho tem um lugar especial na EJA e deve ter
importância para professores e escola.
É importante, em sala de aula, pensar em habilidades que a escola pode ajudar
a desenvolver e que contribuam para uma atuação mais eficiente nesse universo
diversificado e competitivo que é o do trabalho. Com base em temas dessa natureza
a escola pode abrir horizontes para que os alunos conheçam com clareza as diferentes formas de trabalho, dominarem os caminhos possíveis para a obtenção de
empregos, além de buscar sempre informações na região ou comunidade a respeito da existência de espaços gratuitos de cursos de eletricidade, pintura, computa-
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ção, confecção e outros que poderiam representar uma forma de geração de renda.
Com isso a escola torna-se um espaço de inserção social.
José Carlos Libâneo (1994, p. 36) assim conclui a questão.
Não há prática educativa sem objetivos elaborados a partir de critérios elaborados que
reflitam os valores e ideais da legislação, os conteúdos produzidos pela prática social da
humanidade e as necessidades e expectativas de formação cultural exigidas pela população majoritária da sociedade.
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do espaço de
vivência na
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Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Considerações finais
O estudo realizado em torno do tema Elaboração de currículos em EJA foi de
extrema importância, pois contribuiu para a ampliação dos saberes dos educadores, para que possam embasar melhor as suas aulas de acordo com o que foi relatado a respeito das especificidades dos jovens e adultos.
Percebeu-se que o trabalho com jovens e adultos é um desafio tanto para
educadores quanto educandos, pois deve haver uma interação constante entre os
membros envolvidos, pois sem isso não há aprendizagem significativa.
66
A importância
do espaço de
vivência na
Educação de
Jovens e Adultos
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
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Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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A importância
do espaço de
vivência na
Educação de
Jovens e Adultos
Sujeitos da EJA e o
currículo
Kelma Araújo Soeiro*
Resumo
Abstract
O presente artigo tem como objetivo refletir sobre a teoria e a prática curricular desenvolvidas
na Educação de Jovens e Adultos. Esta modalidade de Educação vem suscitando discussões
para que se configure como campo próprio e
identidades próprias nas políticas públicas
educacionais do Brasil, levando em consideração todas as suas especificidades. Este é o
grande desafio ao pensarmos na construção de
um currículo que atenda aos anseios e necessidades da EJA, que se apresenta como campo
de práticas educativas que abriga uma diversidade de concepções. O currículo apresenta-se
como um espaço privilegiado para se analisar
e refletir como tais concepções se acomodam,
interagem ou se sobrepõem nas tentativas de
construção de um currículo no qual se expressam as várias identidades dos sujeitos da Educação de Jovens e Adultos.
This article aims to reflect on the curriculum
theory and practice developed for Youth
and Adult education. This type of education
has been raising discussions to set it up
as a field itself with its own identity in
the public educational policies in Brazil,
taking into account all its specificities. This
is the greatest challenge when thinking
of building a curriculum that meets the
aspirations and needs of Youth and Adult
Education, which presents itself as a field
of educational practices that holds a great
diversity of concepts. The curriculum is an
ideal opportunity to examine and reflect
on how such concepts are suitable, how
they interact or overlap in their attempts to
build a curriculum in which to express the
different identities of the subjects of Youth
and Adult Education.
Palavras Chave: Currículo; construção coleti-
Keywords: Curriculum; collective
construction; knowledge and experience;
teaching practice.
va; saberes, experiências; prática pedagógica.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
* Graduada em Pedagogia, com habilitação em Supervisão e Administração Escolar pela
Universidade Federal do Pará. Pós-Graduada em Metodologia do Ensino Superior, coordenadora do SESC LER/AP.
(Pre)conceito de currículo e a EJA
Nos últimos anos, não nos faltam teorias, leis, parâmetros e diretrizes para embasar a nossa reflexão sobre a dimensão curricular. Essas reflexões, atualmente, estão muito presentes nos espaços conquistados pela EJA, nas discussões referentes
à diversidade e identidade que essa modalidade de educação construiu ao longo
de sua história.
Ao falarmos de currículo, que conhecimento vem de imediato na nossa memória? O que entendemos por currículo? O que é currículo? O que faz parte desse
currículo? O que ele abrange? O que está explícito nele? Qual currículo atende à
diversidade da EJA?
Conforme Menegolla e Sant’Anna (1992, p. 213-214), currículo não é
(...) simplesmente a relação e distribuição das disciplinas, com sua respectiva carga horária.
Não é também o número de horas-aula e dos dias letivos. Ele não se constitui apenas por
uma seriação de estudos, que chamamos de base curricular (...) ou uma listagem de conhecimentos e conteúdos das diferentes disciplinas para serem estudados de forma sistemática, na sala de aula. (...) Não deve ser concebido apenas como uma relação de conteúdos
ou conhecimentos delimitados ou isolados. (...) Não é um plano padronizado, onde estão
relacionados alguns princípios e normas para o funcionamento da escola, como se fosse
um manual de instruções para poder se acionar uma máquina. (...) O currículo não é algo
restrito somente ao âmbito da escola ou da sala de aula.
Ao analisarmos a afirmativa de Menegolla e Sant’Anna, percebemos que no
Projeto SESC LER1 já ultrapassamos a concepção de que os currículos escolares são
apenas uma seleção de conteúdos e disciplinas organizados em uma grade curricular de acordo com alguns parâmetros. Superar essa concepção significa colocar
o currículo num espaço mais amplo, de suas determinações sociais, de sua história,
de sua produção contextual vivenciada pela sociedade, abrangendo as dimensões
1. Projeto SESC LER: implantado pelo Serviço Social do Comércio/Departamento Nacional em 1999, no interior da
Região Norte, surgiu como projeto de alfabetização e, ao longo dos anos, com a consolidação do trabalho, proporcionou aos alunos a continuação dos estudos até o 2º Ciclo.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
69
Sujeitos da EJA e
o currículo
sociais (identidade de gênero, etnias, classe social, linguagem cultural, deficientes
físicos e outros), educacionais, políticas, econômicas e principalmente culturais, no
sentido amplo de cultura.
Isso significa que o currículo não é elemento inocente e neutro, mas está vinculado às relações de poder e de produtividade (dominados e dominantes), transmitindo visões sociais particulares e intencionais e influenciando a construção de
identidades individuais e sociais.
Durante anos prevaleceu a concepção de currículo apenas como seleção de
conteúdos e disciplinas organizados em uma grade curricular. A partir da década
de 1980 as teorias pós-críticas surgem derrubando o paradigma curricular vigente
e apresenta uma nova concepção de currículo, na qual deveriam ser considerados
diferentes saberes até então ausentes em sua configuração, incluindo as questões
das diferentes identidades, poderes, gêneros e espaços.
70
Sujeitos da EJA e
o currículo
Segundo Tomaz Tadeu da Silva (2007, p. 147),
(...) depois das teorias críticas e pós-críticas do currículo torna-se impossível pensar o currículo simplesmente através de conceitos técnicos como os de ensino e eficiência ou de categorias psicológicas como as de aprendizagem e desenvolvimento ou ainda de imagens
estáticas como as de grade curricular e lista de conteúdos.
Uma questão central de qualquer teoria de currículo, sem dúvida, é saber qual
conhecimento deve ser ensinado. O que ensinar? O que saber? O currículo é sempre
resultado de uma seleção? Por que esses e não aqueles conhecimentos devem ser
ensinados e aprendidos? Por isso, talvez, a conceituação devesse ser menos ontológica (o que é currículo?) e muito mais histórica (como, em diferentes momentos e
em diferentes teorias educacionais, o currículo vem sendo concebido?).
Nas teorias de currículo, a pergunta “o que saber?” nunca está separada de uma
outra pergunta fundamental e precedente: o que os/as estudantes devem ser ou
se tornar? Esta concepção de currículo, abrangendo não só o saber e o saber fazer,
mas também o ser e o conviver, nos conduz a repensar e refletir as relações que se
estabelecem no currículo, analisando os interesses, as implicações e os benefícios
envolvidos na inclusão de determinados conhecimentos, experiências e práticas
culturais vividas por nossos estudantes, respeitando seus saberes, proporcionando
o diálogo com outras experiências e promovendo a construção de uma pedagogia
crítica.
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Educação em Rede
O currículo pensado nesse contexto deve objetivar a formação integral do aluno, oportunizando o aprendizado de conhecimentos diversos, habilidades, técnicas
e estratégias, bem como a construção de atitudes sociais críticas, inclusive no que
se refere ao exercício da cidadania democrática.
Entretanto, ainda na atualidade, muitos professores associam os conteúdos curriculares com conceitos a serem memorizados e procedimentos a serem reproduzidos.
Essa prática dissocia a educação do contexto social, do tempo, dos valores, condições
e acontecimentos históricos em que se manifesta e que integra (CRITELLE, 1981).
Atualmente, o que se observa na maioria das instituições é que o currículo consolidado na EJA traduz-se pela adaptação do material destinado ao Ensino Fundamental. Novas orientações curriculares não atingem de imediato a prática nas salas
de aula e, em geral, há pouca oportunidade nos espaços escolares para o debate e a
reflexão sobre as propostas curriculares para essa modalidade de ensino.
71
O currículo e os sentidos e propósitos da escola e da
escolarização para a EJA
No contexto atual da Educação de Jovens e Adultos, se faz urgente repensar
o currículo, sua funcionalidade e implicações na vida dos sujeitos que participam
dessa modalidade de ensino. Por isso, discutir o papel da escolarização para esses
sujeitos que não conseguiram concluir a educação básica na idade própria é um
aspecto muito relevante na educação brasileira atualmente.
Segundo Souza (2000, p. 165),
A educação básica para todos significa dar às pessoas, independentemente da idade, a
oportunidade de desenvolver seu potencial, coletivamente ou individualmente. Não é
apenas um direito, mas também um dever e uma responsabilidade para com os outros e
com toda a sociedade.
Nesse sentido, a construção de uma educação de qualidade para os sujeitos
da EJA no Brasil significa amenizar ou superar os desafios que ao longo da história
marginaliza e exclui homens e mulheres, negando-lhes direitos e acesso aos bens
materiais e culturais, no sentido amplo de cultura.
Para tanto, faz-se necessário que o currículo para EJA tenha em sua abrangência as vivências desses sujeitos, contemplando os anseios, necessidades e peculia-
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Sujeitos da EJA e
o currículo
ridades dessa modalidade de ensino. Desse modo, o currículo se configurará em
um instrumento importante e real do processo ensino-aprendizagem, que segundo
Santiago (1990, p. 50) “é compreendido como instrumento básico da organização e
do funcionamento da escola e é através dele que se faz a transmissão, ampliação e
apropriação do saber”.
72
Sujeitos da EJA e
o currículo
Ao refletirmos sobre a afirmação de Santiago, devemos fazer uma análise sobre o que o currículo escolar deve refletir em relação aos propósitos da escola e
da escolarização, pondo em foco questões tais como: o que e como se aprende na
escola? A quem interessa e a serviço de quem está o que é aprendido? Como podemos fazer para democratizar o que é discutido nas escolas de forma a não excluir
os conhecimentos dos diferentes segmentos sociais, sem anular identidades ou
segregar saberes? Que conteúdos são necessários a jovens e adultos que buscam
uma escolarização tardia? Como romper com a “clausura” que a escola ainda vive
em relação à dinâmica social de nossos dias? As respostas a esses questionamentos
nos permitem externar conflitos e alternativas que devem fazer parte do cotidiano
de nossas escolas na construção de um currículo a partir dos dilemas da sociedade
demandados em nosso tempo. Baseando-nos na Declaração de Jomtien (in OLIVEIRA e PAIVA, 2004, p. 9), entendemos que:
(...) a escola deverá incorporar efetivamente os conhecimentos – conteúdos e competências – necessários para que o indivíduo possa desenvolver-se física, afetiva, intelectual e
moralmente, a fim de desempenhar-se com autonomia no âmbito político, econômico e
social no seu contexto de vida.
Nas últimas décadas, as transformações demográficas e culturais deixaram explícito o peso da diversidade, colocando-a no centro do debate e das práticas educativas. Um currículo é hoje multicultural, seja qual for o sentido que queiramos
atribuir à raiz do termo cultura.
O currículo multicultural contempla os conhecimentos, as atitudes e as competências que, numa sociedade e num certo momento, são considerados relevantes,
tendo em conta as características da população escolar, as finalidades e propósitos
do sistema educativo. Ignorar essa diversidade, como variável constante na construção e realização do currículo, significa ignorar muitos daqueles saberes e atitudes, bem como o princípio da igualdade de oportunidades educativas. A razão de
ser e grande finalidade da teoria e da prática de organização e desenvolvimento
curricular é, e sempre foi, a concepção e realização das melhores formas de adequar
o currículo à diversidade a que se destina.
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Educação em Rede
De acordo com Sacristán (2000), o discurso dominante da pedagogia moderna,
mediatizado pelo individualismo, ressalta as funções educativas relacionadas com o
desenvolvimento humano, deixando de considerar, em muitos casos, a permanente
função cultural da escola como finalidade essencial. Na discussão sobre a educação
e a qualidade do ensino, torna-se fundamental retomar e ressaltar a relevância do
currículo — recuperando a consciência do valor da escola como instituição facilitadora de cultura e buscando descobrir mecanismos através dos quais ela cumprirá
tal função —, além de analisar seu conteúdo e sentido.
A busca do sentido da educação escolar e das práticas que nela se realizam não
será, por certo, uma preocupação restrita à Educação de Jovens e Adultos, porém,
nela, assume uma dimensão preocupante e desafiante, uma vez que para os sujeitos da EJA a educação escolar é uma opção que ocorre na fase adulta, e é também
uma luta pessoal e quase sempre árdua que precisa, por isso, justificar-se a cada
dificuldade, a cada esforço, a cada conquista. Ela é permeada e constituída por essa
demanda, que, na busca do sentido da escolarização, se coloca na EJA como indagação fundamental a todos que se envolvem com o ensino e a aprendizagem
dos conteúdos escolares, dos objetivos, das responsabilidades e perspectivas da
educação e da escola.
Currículo vivo e a prática pedagógica
A relação pedagógica professor-aluno — normalmente determinada pela escola
e pela prática docente – ainda está tão centrada no desenvolvimento do currículo
que não ocorre de uma forma dialogada. Desse modo, a atuação profissional dos
professores está condicionada pelo papel que lhes é atribuído no desenvolvimento
do currículo. As construções curriculares deveriam ter efetiva participação docente e
discente, a fim de se construir um currículo real, no qual os estudantes se percebam.
Para tanto, os professores e alunos precisam ser encorajados e estimulados a construír
e desenvolver seu próprio currículo, interagindo uns com os outros.
Todo currículo traz em si uma concepção de homem, de educação e de sociedade que será vivenciada na escola e na sala de aula; daí considerar que esse instrumento é colocado em prática em favor de alguém ou de alguma classe social.
Portanto, no currículo, não há neutralidade e desinteresse, mas, inevitavelmente,
relações de poder.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
73
Sujeitos da EJA e
o currículo
Nesse sentido, a contribuição de Freire (1996, p. 110) continua atual e relevante para um alicerce fundamental do currículo, quando diz que “ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no mundo”. Na perspectiva
freireana, pensar o currículo é antes de tudo pensar em homens e mulheres como seres pensantes e ativos, produtores de conhecimentos humanizáveis, críticos e reflexivos que ocorrem nas relações sociais. Enfim, o sujeito é histórico-cultural, transcende
ao tempo e nele estabelece relações com o conhecimento, e se apropria dele, criando
possibilidades para superar os desafios de uma sociedade dominante e opressora.
Segundo Giroux e McLaren (in MOREIRA e SILVA, 1999, p. 137),
A voz do estudante é um desejo, nascido da biografia pessoal e da história sedimentada;
é a necessidade de construir-se e afirmar-se em uma linguagem capaz de reconstruir a
vida privada e conferir-lhe um significado, assim como de legitimar e confirmar a própria
existência no mundo.
74
Sujeitos da EJA e
o currículo
É nessa perspectiva que deve se organizar o currículo dos sujeitos da Educação
de Jovens e Adultos, reconhecendo suas especificidades e peculiaridades. Assim, os
objetivos do trabalho pedagógico deixariam de ser apenas os de levar aos alunos
alguns conhecimentos clássicos e formais e passariam a incorporar as possibilidades de os conteúdos contribuírem para as ações concretas que os estudantes devem ser capazes de desenvolver na sua vida cotidiana.
A principal preocupação do trabalho pedagógico passa a ser de saberes que
contribuam para o desenvolvimento da consciência crítica, sem que isso signifique
uma opção por qualquer tipo de redução, como foi e ainda é preconizada por alguns. Não se trata de minimizar conteúdos para facilitar, mas de adequar conteúdos
a objetivos mais consistentes do que os da mera repetição de supostas verdades
universais desvinculadas do mundo e da vida.
Nesse sentido, diz Freire (1996, p. 33-34):
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina
cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? Por que não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos
e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações
políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade?
Há ética de classe embutida neste descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente
pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que
ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos.
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Nesse sentido, devemos dar importância à individualidade do aluno e ao contexto social
e cultural do ensino, visando promover conexões e significados pessoais no processo de
aprendizagem.
Nessa perspectiva, a aprendizagem cultural é um processo criativo e interativo
em que interagem os que vivem a cultura com os que nascem dentro dela, resultando em ideias, normas e valores que são similares de uma geração a outra. Assim
sendo, a aprendizagem cultural é um ato de recriação por parte de cada pessoa,
fundamentando-se na teoria de Vygotsky, que estabelece uma forte ligação entre
o processo de desenvolvimento e de aprendizagem com o ambiente sociocultural.
Ressalta-se, então, a importância de se considerar o conceito de zona de desenvolvimento proximal, situada entre aquilo que o indivíduo já sabe e consegue realizar
sozinho e o que pode ser desenvolvido com a ajuda e intervenção de outros.
Nesse contexto, o professor deixa de ser um mero executor de conteúdos estabelecidos pelo sistema, as suas tomadas de decisão não se confinam à sala de aula
nem o seu trabalho é individual e solitário. Ele dispõe de um espaço de iniciativas
próprio em trabalhos colaborativos com seus pares, no qual a reflexão se torna a
ferramenta-chave na resolução de problemas e de situações imprevisíveis.
Para Freire (1996, p. 43):
A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O saber que a prática docente espontânea ou
quase espontânea, “desarmada”, indiscutivelmente produz é um saber ingênuo, um saber
de experiência feito, a que falta a rigorosidade metódica que caracteriza a curiosidade epistemológica do sujeito.
A mudança da prática educativa exige luta para superar o entendimento formalista e cientificista do currículo, muito presente nas escolas brasileiras, buscando entendê-lo como oriundo de múltiplos e singulares processos e redes de conhecimentos
e experiências, e requer fazer aparecer alternativas curriculares efetivas construídas
cotidianamente pela interação dos sujeitos das práticas pedagógicas. Uma prática
curricular consistente somente pode ser encontrada no saber dos sujeitos praticantes
do currículo, sendo, portanto, sempre tecida em todos os momentos.
Nessa perspectiva, emerge uma nova compreensão de currículo. Não se fala de
um produto que pode ser construído seguindo modelos preestabelecidos, mas de
um processo por meio do qual os praticantes do currículo constroem e reconstroem
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
75
Sujeitos da EJA e
o currículo
conhecimentos, ressignificam suas experiências a partir das redes de poderes, saberes e fazeres das quais participam.
Considerações finais
A construção do currículo, a partir de uma perspectiva dialogada, na qual educando e educadores compartilham e vivenciam experiências, constroem e reconstroem conhecimentos e saberes, implica necessariamente uma constante releitura
de mundo, do conhecimento de si como sujeito constituidor de cultura, bem como
do respeito às relações heterogêneas e conflituosas que permeiam a sociedade.2
Compreender essas relações exige dos profissionais da EJA papel preponderante
na ação constante de reflexão e aprimoramento de sua prática, para poder proporcionar aproximação das expectativas e necessidades dos sujeitos da EJA. Para tanto, é
importante compreendermos como se constitui a identidade desses sujeitos.
76
Sujeitos da EJA e
o currículo
Por isso, precisamos pensar em uma educação diferente, com uma mudança real,
na qual os professores deixam o estágio estático e a resistência às transformações. O
professor tem que possuir os saberes, compreendê-los, organizá-los para então ensinar, uma vez que só se constrói conhecimento ao se refletir sobre o que se ensina.
Ao refletirmos sobre esta questão, observamos que ela é constituída de um movimento constante na rede de relações ativas entre os atores envolvidos no processo ensino-aprendizagem, nas negociações constantes entre diferentes experiências
de vida e na interação com o mundo vivenciado fora dos muros da escola.
Partindo desse contexto, podemos definir os sentidos e propósitos da escola e
da escolarização, em um mundo cada dia mais globalizado, que exige dos sujeitos
da EJA o exercício pleno de cidadania, em que o aluno incorpora, ressignifica e reconstrói os conhecimentos.
É nessa perspectiva que a ação pedagógica realizada pelo SESC LER trilha o seu caminho, na busca de construir um currículo no qual os atores envolvidos se percebam.
2. Etnia, classe social, gênero, linguagem cultural, identidade sexual, portadores de necessidades especiais, relações
de produtividade – dominado e dominante.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
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Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
77
Sujeitos da EJA e
o currículo
Educação de Jovens
e Adultos, um desafio
constante
Alcione Deodato de Sousa*
RESUMO
A formação do jovem e do adulto tem requerido, cada vez mais, um novo princípio educativo
que possa desenvolver capacidades para lidar
com a rapidez das mudanças na sociedade da
informação. Na perspectiva de Educação de
Jovens e Adultos, faz-se necessário verificar
alguns aspectos importantes para a efetivação
dessa modalidade de ensino, entre eles o contexto sociopolítico e as funções da EJA, o perfil do educando jovem e adulto e, finalmente,
a formação docente para atuar nessa modalidade. Portanto, esses são alguns dos aspectos
que devem ser levados em consideração para
que a Educação de Jovens e Adultos possa formar cidadãos capazes de realizar seus projetos
pessoais e profissionais e de exercer seu papel
transformador na sociedade.
Palavras-chave: Funções da EJA; educação;
cidadania.
Serviço Social do Comércio
ABSTRACT
Youth and Adult education has increasingly
required a new educational principle so
as to develop the skills to cope with the
rapid changes in the information society.
As regards Youth and Adult Education, it
is necessary to examine some important
aspects in order to accomplish this mode of
teaching, among them, the social-political
context and the Youth and Adult Education
functions, the profile of young and adult
learners, and finally the teachers to be
trained in this educational mode. So these
are some of the elements that must be taken
into account in order for Youth and Adult
Education to develop citizens capable of
carrying out their professional and personal
projects and playing their transformative
roles in society.
Keywords: Youth and Adult Education
Functions; citizenship.
Educação em Rede
*Aluna do curso de pós-graduação em Educação Profissional Integrada à Educação Básica
na modalidade Educação de Jovens e Adultos – proeja, do cefet-AM, e professora de Língua
Portuguesa e Literatura, na modalidade EJA, do SESC-AM.
Introdução
Ao longo dos anos, muito se tem falado sobre políticas públicas que tenham
como premissa a educação básica como direito de todos; exemplos são os vários movimentos de reformas educacionais, principalmente no que se refere à Educação de
Jovens e Adultos. Nesse sentido, vale analisar algumas das iniciativas do governo para
com os cidadãos que, por algum motivo, não concluíram a escolaridade básica.
Tendo em vista que, para a classe dominante, os jovens e adultos com baixa
ou nenhuma escolaridade representam perda para o mercado de trabalho, já no
governo de Getúlio Vargas temos uma tímida iniciativa em relação à EJA, quando
se determina que o ensino primário para os adultos seja dever do Estado e direito
do cidadão. No entanto, o próprio governo não tratou de recursos financeiros que
pudessem viabilizar esse fim.
Em meados dos anos 1950 e 1960, despontam os movimentos sociais voltados
para a educação que visam à conscientização do cidadão de seu papel na construção da sociedade. Nesse cenário, o então presidente da República João Goulart
convida o educador pernambucano Paulo Freire para coordenar o Programa Nacional de Educação. Na visão de Paulo Freire (1996), o primordial para o educando está em perceber as injustiças sociais e desenvolver uma consciência política
para que possa lutar contra a exclusão social, ciente de seu papel como cidadão
na construção de uma sociedade mais justa. A partir dos anos 1960, as ideias do
educador, difundidas na obra Educação como prática da liberdade, inspiraram diversos programas de alfabetização e educação popular espalhados pelo país. É
preciso salientar que as práticas difundidas pelo educador nortearam e continuam
norteando os trabalhos em EJA até os nossos dias. Mas é somente na Constituição de 1988 que verificamos uma referência a recursos financeiros destinados a
essa modalidade de ensino, isto é, a destinação de no mínimo 30% dos recursos da
União para a erradicação do analfabetismo em nosso país. Com a implementação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-EN), nº 9.394/96, a Educação
de Jovens e Adultos passa a ser uma modalidade da Educação Básica nas etapas
do Ensino Fundamental e Médio, usufruindo de uma especificidade própria que,
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
79
Educação
de Jovens
e Adultos,
um desafio
constante
como tal, deveria receber um tratamento consequente (Parecer CEB 11/2000, p. 26).
Com isso, tem-se o Parecer da Câmara da Educação Básica, do Conselho Nacional de
Educação – CNE/CEB 11/2000 –, consolidando o primeiro estatuto da EJA na história
do Brasil. Esse documento, embora marcado por algumas limitações ideológicas e
políticas, representa a possibilidade de sanar uma dívida social para com aqueles
que, por algum motivo, não tiveram a oportunidade de obter escolaridade de acordo com a faixa etária prevista nos aspectos legais.
Nessa ordem de raciocínio, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) representa uma dívida
social não reparada para com os que não tiveram acesso a e nem domínio da escrita e
leitura como bens sociais, na escola ou fora dela, e tenham sido a força de trabalho empregada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas. Ser privado desse acesso
é, de fato, a perda de um instrumento imprescindível para uma presença significativa na
convivência social contemporânea (Parecer CNE/CEB 11/2000, p. 5).
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Educação
de Jovens
e Adultos,
um desafio
constante
Perfil do educando jovem e adulto
No Brasil, há uma parcela significativa da população que, por razões econômicas, sociais e políticas, não teve assegurado pelo Estado o direito à educação básica,
deixando, portanto, de concluir a escolaridade mínima necessária a que teria direito. Essa parcela, formada por jovens e adultos, geralmente associa a falta de escolaridade às dificuldades que enfrenta no mercado de trabalho. Mais tarde, retorna
à escola a fim de alcançar um nível melhor diante da sociedade. É a partir desse
contexto que devemos traçar o perfil do educando jovem e adulto.
Já no Parecer CEB 11/2000, temos um retrato do educando da EJA.
O importante a se considerar é que os alunos da EJA são diferentes dos alunos presentes
nos anos adequados à faixa etária. São jovens e adultos, muitos deles trabalhadores, maduros, com larga experiência profissional ou com expectativa de (re)inserção no mercado
de trabalho e com um olhar diferenciado sobre as coisas da existência (...). Para eles, foi a
ausência de uma escola ou a evasão da mesma que os dirigiu para um retorno nem sempre
tardio à busca do direito ao saber. Outros são jovens provindos de estratos privilegiados e
que, mesmo tendo condições financeiras, não lograram sucesso nos estudos, em geral por
razões de caráter sócio-cultural (Parecer CEB 11/2000, pp. 33-34).
Percebemos que esses educandos trazem consigo uma rica história de vida,
marcada por experiências diversas, conhecimentos acumulados e reflexões sobre sua
Serviço Social do Comércio
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condição social, isto é, já chegam à escola com uma bagagem considerável de saberes. Diante disso, vemos que os sujeitos da EJA formam um grupo heterogêneo do
ponto de vista sociocultural. Portanto, essa modalidade de ensino precisa de um modelo pedagógico próprio, em que as situações pedagógicas satisfaçam as necessidades dos alunos, sem perder de vista a dimensão política e cultural desses educandos.
Rummert (2002, p.118) aponta alguns dos objetivos e anseios do público da
EJA, como alcançar um nível melhor perante a sociedade, obter conhecimentos
para lutar por seus direitos e compreender melhor a vida. Quanto ao primeiro objetivo, alcançar um nível melhor, entendemo-lo como a busca não só pela certificação, como também por uma profissionalização, para se adequar às exigências do
mercado. Nessa visão de elevação de escolaridade com profissionalização, o Estado
alterou o decreto nº 5.478, de 24/06/2005, pelo decreto nº 5.840, de 13/07/2006, em
que visa contribuir para a integração social desse grande contingente de cidadãos
privados do direito de concluir a educação básica e de ter acesso a uma formação
profissional de qualidade (MEC, SEMTEC, 200). Porém, não se pode esquecer de que
a Educação de Jovens e Adultos deve estar pautada não apenas na questão da profissionalização, mas também na formação integral do educando, considerando seus
saberes socialmente construídos, e, principalmente, no acesso dos saberes científicos, para que ele possa, criticamente, exercer seu papel de cidadão consciente e,
com isso, promover uma melhor qualidade de vida.
Funções da Educação de Jovens e Adultos
Como vimos, a EJA é uma modalidade de educação, na qual se apresentam especificidades e características próprias dos educandos jovens e adultos. Como bem
exemplifica o Parecer CEB 11/2000 (p. 5), “uma categoria organizacional constante
da estrutura da educação nacional, com finalidades e funções específicas”. Portanto,
merecem destaque as funções atribuídas a essa modalidade: função reparadora,
função qualificadora e função equalizadora.
A função reparadora concebe o educando como um ser social e garante a ele
o direito à escola de qualidade. O cidadão é tratado igualmente perante a lei; assim, não cabe distinção entre sexo, etnia, classe social, cultura etc. Um dos objetivos
dessa função é amenizar as desigualdades sociais através do direito do ensino de
qualidade para todo cidadão.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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E essa é uma das funções da escola democrática que, assentada no princípio da igualdade
e da liberdade, é um serviço público. Por ser um serviço público, por ser direito de todos e
dever do Estado, é obrigação deste último interferir no campo das desigualdades e, com
maior razão no caso brasileiro, no terreno das hierarquias sociais, por meio de políticas públicas. O acesso a esse serviço público é uma via de chegada a patamares que possibilitam
maior igualdade no espaço social (Parecer CEB 11/2000, p. 8).
A função equalizadora pretende não somente potencializar o educando para
fazer suas próprias mudanças, mas também possibilitar sua inserção no mercado de
trabalho e, muitas vezes, na vida social.
A reentrada no sistema educacional dos que tiveram uma interrupção forçada, seja pela
repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras
condições adversas, deve ser saudada como uma reparação corretiva, ainda que tardia, de
estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho,
na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação (Parecer
CEB 11/2000, p. 9).
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Ainda quanto à função equalizadora, cabe dar à EJA condições para que o indivíduo continue frequentando a escola e também criar mais vagas para esses “novos”
alunos e “novas” alunas, demandantes de uma nova oportunidade de equalização,
segundo o Parecer CEB 11/2000 (p. 9).
Finalmente, a função qualificadora pretende oferecer uma educação permanente e continuada para que o educando tenha possibilidade de refazer seu próprio projeto, ou seja, pretende oferecer atualização de conhecimentos para toda a vida.
Essa tarefa de propiciar a todos a atualização de conhecimentos por toda a vida é a função
permanente da EJA, que se pode chamar de qualificadora. Mais do que uma função, ela
é o próprio sentido da EJA. Ela tem como base o caráter incompleto do ser humano, cujo
potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou
não escolares. Mais do que nunca, ela é um apelo para a educação permanente e criação
de uma sociedade educada para o universalismo, a solidariedade, a igualdade e a diversidade (Parecer CEB 11/2000, p. 11).
Considerando todas essas funções, faz-se necessário um comprometimento político-pedagógico expresso nos programas, nos currículos escolares e nas propostas
pedagógicas, pois somente assim teremos a formação de sujeitos críticos, capazes de
tomar suas próprias decisões e, principalmente, cientes de seu papel como cidadãos.
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Formação docente
Depois de verificadas as especificidades, os objetivos e os anseios da Educação
de Jovens e Adultos, é necessário que o docente tenha pleno conhecimento de seu
papel na formação de cidadãos críticos. Para tanto, é preciso uma formação adequada para se trabalhar no campo da EJA. Como argumenta Aguiar (2008/2009, p.
48), o educador de jovens e adultos precisa ter presente que está trabalhando com
pessoas que têm uma história de vida diferenciada, portadores e portadoras de conhecimentos específicos. Daí a preocupação com a formação de profissionais que
irão exercer funções que mediarão a apreensão e construção crítica do saber, não
somente a transmissão do conhecimento de forma passiva e inquestionável.
Muitos desses jovens e adultos se encontram, por vezes, em faixas etárias próximas às dos
docentes. Por isso, os docentes deverão se preparar e se qualificar para a constituição de
projetos pedagógicos que considerem modelos apropriados a essas características e expectativas. (Parecer CEB 11/2000, p.57).
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Para o professor dessa modalidade é preciso conhecer e priorizar o contexto
real do educando, sem esquecer que a educação se faz pela interação dos conhecimentos do professor e do aluno e, com base nessa realidade, construir um projeto
pedagógico adequado que possa atender às necessidades dos alunos.
Como bem observa Rummert (2002, p. 123), a EJA, para atender às funções que
lhe são atribuídas, requer profissionais com formação específica. Por isso, ao reportar-se ao trabalho docente, ela afirma:
A realidade, no entanto, demonstra claramente ser necessário a atuação de profissionais
capacitados a formular e desenvolver ações e projetos pedagógicos que atendam às múltiplas peculiaridades dessa modalidade de educação, e que contemplem as características
cognitivas e afetivas dos jovens e adultos trabalhadores que buscam, na escola, uma significação social para as suas práticas, suas vivências e seus saberes, assim como a possibilidade
de concretização de diferentes sonhos que, o mais das vezes, voltam-se para a superação
de suas adversas condições de vida (RUMMERT, 2002, p. 124).
Na verdade, ainda são escassas as políticas públicas em relação à formação do
docente. Como exemplo, temos a ausência de concursos públicos para a modalidade, pouco material de pesquisa na área, raras oportunidades de cursos, entre eles,
especialização, mestrado e doutorado que contemplem a EJA.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Educação
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e Adultos,
um desafio
constante
Considerações finais
Com suas potencialidades e fragilidades, a Educação de Jovens e Adultos tem
uma história feita de muita luta para que possa se consolidar efetivamente como
uma modalidade de ensino capaz de contribuir para a formação de uma sociedade
mais justa, solidária e, principalmente, igualitária.
Dessa forma, com base nos estudos aqui postos, a EJA não deve abandonar
seu caráter desafiador quanto à formação de um currículo que deve possibilitar um
espaço democrático de conhecimento para o educando, pois, nas palavras de Paulo
Freire (1996), “educar para a vida requer um olhar que se projete para fora da escola
e para o futuro”. Pois somente assim teremos uma educação pautada no exercício
da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
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e Adultos,
um desafio
constante
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REFERÊNCIAS
AGUIAR, R. H. A. Possibilidades na Educação de Jovens e Adultos. Pátio: revista pedagógica, Porto
Alegre, n. 48, p. 47-49, nov. 2008/jan. 2009.
BRASIL. Ministério da Educação. Programa nacional de integração da educação profissional
com a educação básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos. Brasília, DF, 2007.
CURY, C. R. J. Parecer CEB 11/2000: diretrizes curriculares nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos. Brasília: Conselho Nacional de Educação, 2000.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
RUMMERT, S. M. Jovens e adultos trabalhadores e a escola: a riqueza de uma relação a construir. In:
CIAVATTA, M. (Org.). A experiência do trabalho e a educação básica. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
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de Jovens
e Adultos,
um desafio
constante
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
As diretrizes curriculares
da Educação de Jovens
e Adultos e o currículo
Marta Maria Araújo Pereira*
RESUMO
Este artigo tem como objetivo tecer considerações acerca do currículo posto em prática
cotidianamente na sala de aula e a relação de
docentes e discentes com o conhecimento expresso e corporificado no currículo. Abordamse alguns pontos da reflexão curricular contemporânea no que se refere ao estudo de novas
formas de organização curricular destinadas
à Educação de Jovens e Adultos. Discutemse, ainda, algumas concepções de currículo e
seus fundamentos para chegar à proposição
de um debate sobre as possibilidades de novos
desenhos curriculares que possam ser mais
adequados aos nossos alunos da EJA do que as
propostas tradicionais, bem como a relação do
professor na construção dos conhecimentos na
Educação de Jovens e Adultos.
Palavras-chave: Currículos praticados;
organização curricular na EJA; formação e
prática de educadores da EJA.
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ABSTRACT
This article aims to make considerations
about the curriculum implemented in
the classroom daily and the relationship
between teachers and students with the
knowledge expressed and embodied in the
curriculum. It deals with some points of
reflection on contemporary curriculum as
regards the study of new forms of curriculum
organization for Youth and Adult Education.
It also discusses some conceptions of
curriculum and its fundamentals in order
to reach the proposition of a debate on the
possibilities of new curriculum designs that
may be more suitable to our Youth and Adult
Education students than the traditional
proposals, as well as the involvement of the
teachers in the construction of knowledge in
Youth and Adult Education.
KEYWORDS: Curricula practiced;
Youth and Adult Education Curriculum
organization; training and practice of Youth
and Adult Education teachers.
Educação em Rede
* Formada em Pedagogia, pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional,
Coordenação Pedagógica e Administração Escolar. Coordenadora pedagógica do SESC
LER – Departamento Regional do Ceará.
Introdução
O objetivo deste texto é contribuir com o debate a respeito da EJA e das especificidades que as atuais políticas lhe atribuem. Assim, o texto aborda alguns pontos
da reflexão curricular que podem contribuir para o debate. Inicialmente, abordamos a Constituição Federal, por considerá-la fundamental para nos situarmos na
discussão. Em seguida, abordamos as práticas curriculares, a maneira como entendemos os processos de organização desses conhecimentos e algumas concepções
de currículo, para finalmente discutirmos o papel do professor na construção desses conhecimentos. Entendemos que trabalhar com alunos jovens e adultos suscita
para os professores trabalhar com diferentes necessidades de aprendizagem e expectativas, incluindo os níveis socioculturais, bem como saber lidar com o conflito
gerado por um currículo prescrito e por aquele que é posto na prática escolar.
Infelizmente as iniciativas governamentais vêm tratando a Educação de Jovens
e Adultos sempre sob a perspectiva das campanhas de combate ao analfabetismo.
Essas atitudes, somadas à incapacidade de a escola pública possibilitar o acesso
ao conhecimento da população por ela atendida, têm resultado no abandono dos
estudos por parte dos alunos e, consequentemente, na evasão da escola regular.
Nesse contexto cultural, surgem os jovens excluídos, não mais identificados como
analfabetos, mas como pessoas que interromperam o seu processo escolar gerando, assim, a clientela dos programas de EJA.
Um pouco de história
Foi a partir de 1943, com a anunciada redemocratização, que ocorreram as primeiras mobilizações em torno da educação de adultos, segundo Paiva (1983, p. 165-175).
A Educação de Jovens e Adultos no Brasil tem sido um tema polêmico desde que
começou a ser pensada em suas especificidades em relação ao ensino regular. A EJA
tinha uma perspectiva prioritariamente voltada para a alfabetização numa visão compensatória, na qual o objetivo de alfabetizar não se fazia acompanhar de um reconhe-
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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curriculares da
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Jovens e Adultos
e o currículo
cimento das especificidades dos alfabetizandos. As necessidades e possibilidades
desses educandos exigiam o desenvolvimento de propostas adequadas a elas.
Esses sujeitos que buscam a escola, tardiamente, para se alfabetizar, apresentam inúmeras
características que os diferencia das crianças, tais como: ultrapassam a idade de escolarização formal estabelecida pelas legislações educacionais; estão inseridos no sistema produtivo (ou temporariamente fora dele), são os responsáveis pela produção dos bens materiais,
mas são excluídos da participação desses bens. Representam, hoje, em algumas regiões
do Brasil, da América Latina e de todos os países que compõem o considerado terceiro
mundo, quase metade da população. E são um contingente tendencialmente crescente,
a prevalecerem as atuais políticas e práticas educativas, produtoras de fracasso e exclusão
escolar (MOURA, 2003, p. 116-117).
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Educação de
Jovens e Adultos
e o currículo
No plano das políticas, o combate ao analfabetismo no país nunca foi assumido
com seriedade. Ele se reduz, quase sempre, a campanhas montadas por governos
mais preocupados com resultados estatísticos do que propriamente com a qualidade da educação que é destinada ao adulto. Presume-se, portanto, que a alfabetização de adultos é sempre uma tarefa de menor importância.
A Constituição Federal de 1988 estendeu o direito ao Ensino Fundamental aos
cidadãos de todas as faixas etárias, o que nos estabelece o imperativo de ampliar as
oportunidades educacionais para aqueles que não tiveram a oportunidade de frequentar ou de permanecer na escola. Além da extensão, a qualificação pedagógica
de programas de Educação de Jovens e Adultos é uma exigência de justiça social,
para que a ampliação das oportunidades educacionais não se reduza a uma ilusão
e a escolarização tardia de milhares de cidadãos não se configure como mais uma
experiência de fracasso e exclusão.
Respaldada pelos avanços alcançados na Constituição Federal de 1988, no Artigo 208, que garante a educação a todos aqueles que a ela não tiveram acesso, independentemente da faixa etária, e, posteriormente, pela Lei n° 9394/96, especialmente nos seus Artigos 37 e 38, a EJA passou a ser uma modalidade da educação
básica nas etapas do Ensino Fundamental e Médio.
No tocante ao atendimento de jovens e adultos, no âmbito educacional, a referida lei intitula a Seção V, que trata da questão da Educação de Jovens e Adultos.
Nessa Seção, prescreve que os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente na
infância oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características
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do seu alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cursos
e exames.
Não se trata mais de suprir a escolaridade regular, mas oferecer oportunidades
educacionais apropriadas. Há uma mudança de concepção que se aprofunda quando a lei estabelece que é dever do Poder Público estimular o acesso e a permanência
do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.
Com isso, muito se tem discutido sobre a EJA e, para este fim, o MEC organizou
audiências públicas com o objetivo de esclarecer todas as dúvidas surgidas. No entanto, apesar de todas as discussões e esclarecimentos, muitas pessoas continuam
não tendo acesso à leitura e à escrita, ou recebem uma educação precária que não
as torna autônomas para fazerem uso social da leitura e escrita apreendidas, ocasionando repetência, reprovação e desistência dos alunos, mantendo adolescentes,
jovens e adultos sem o direito à escolaridade.
Um marco importante para a Educação de Jovens e Adultos foi a V Conferência
Internacional sobre a EJA (V Confintea), realizada em julho de 1997, em Hamburgo, na
Alemanha, que, entre outros objetivos, manifestou a importância da educação ao longo da vida. Nela há um trecho que diz: “A Educação de Jovens e Adultos é, ao mesmo
tempo, consequência da cidadania ativa e condição de plena e inteira participação na
vida da sociedade.1” Ou seja, a Declaração de Hamburgo reafirma o caráter permanente
da educação. O grande desafio, hoje, é fazer com que a sociedade oportunize a todos o
direito de viver de forma decente, como cidadãos e cidadãs do Brasil e do mundo.
A educação tem, a princípio, a finalidade de promover mudanças desejáveis e
relativamente permanentes nos indivíduos, para que estas venham favorecer o desenvolvimento integral do homem e da sociedade. A educação deve atingir a vida
das pessoas e da coletividade em todos os âmbitos, visando à expansão dos horizontes pessoais, o desenvolvimento biopsicossocial do sujeito, além da observação
das dimensões econômicas e o fortalecimento de uma visão mais participativa, crítica e reflexiva dos grupos nas decisões dos assuntos que lhes dizem respeito.
Assim, a Educação de Jovens e Adultos deve ser entendida de modo a promover a formação cidadã, a pluralidade cultural, a inovação tecnológica, a contextualização curricular e a formação integral de indivíduos capazes de decidir sobre suas
1. Conferência Internacional sobre a Educação de Jovens e Adultos, 1997.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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e o currículo
vidas, ascender social e individualmente, adaptar-se a novos contextos, participar
da tomada de decisões de políticas públicas, crescer em liberdade de autoconsciência com os outros, com vistas a uma sociedade mais justa e igualitária.
Devemos pensar na reorganização curricular não somente como estratégias
para favorecer o ensino-aprendizagem, mas como políticas educativas e culturais,
que permitam a reorganização dos espaços e tempos de compartilhamento de saberes e ampliem a experiência social pública e o direito de todos às riquezas materiais e espirituais das cidades. O desafio é organizar currículos flexíveis capazes
de comunicar e fazer sentido para os sujeitos concretos da EJA, entendendo suas
necessidades e potencialidades.
As propostas curriculares
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As diretrizes
curriculares da
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e o currículo
Sobre esse assunto, o que percebemos é que os critérios e modos de seleção e
organização curricular não buscam dialogar com os saberes nem com os desejos e
expectativas dos jovens a que se destinam. Não seguem a complexidade do estar
no mundo, da vida cotidiana e das aprendizagens que nela ocorrem. Percebo que
a vida real na maioria das escolas, sejam elas de crianças, de jovens ou de adultos,
ainda não incorpora as experiências, saberes e possibilidades dos sujeitos envolvidos na prática cotidiana do ensinar/aprender.
Assim, diante do que se discute sobre a EJA, reconheço que a escola não oferece um currículo atraente que vá ao encontro dos interesses dos alunos. Acreditamos que para minimizar os problemas do sistema educacional é preciso pensar em
uma educação que configure os espaços educativos como lugares de participação
sociocultural, destacando tanto o protagonismo e autonomia do sujeito da aprendizagem como o papel do educador como agente de mudanças.
Mas, para isso, se faz necessário aplicar um currículo crítico, democrático e transformador, que tenha como ponto de partida as experiências de vida dos alunos na
construção de novos saberes, desenvolvendo a formação de jovens e adultos nas
dimensões da vida tais como: cognitiva, afetiva, ética, cultural, estética e política.
(...) o currículo tem significados que vão muito além daqueles aos quais as teorias tradicionais nos confirmam. O currículo é lugar, espaço, território. O currículo é relação de poder. O
currículo é trajetória, viagem, percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum
vitae: no currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso, documento. O
currículo é documento de identidade (SILVA, 2007, p. 150).
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Um currículo para a EJA deve ser flexível, diversificado e participativo, definido a partir da compreensão de que as mudanças do mundo atual exigem que se
compreenda melhor a sociedade para nela atuar de maneira crítica, responsável e
transformadora.
O currículo precisa ser visto e estudado como um processo complexo e contínuo de planejamento ambiental.
Assim o currículo não é pensado como uma ‘coisa’, como um programa ou cursos de estudos. Ele é considerado como um ambiente simbólico, material e humano que é constantemente reconstruído. Este processo de planejamento envolve não apenas o técnico, mas
o estético, o ético e o político, se quisermos que ele responda plenamente tanto ao nível
pessoal quanto social (Apple, 1999, p. 210).
O conceito de currículo como um ambiente simbólico nos permite vê-lo como
um espaço que envolve noções relativas a conhecimento e cultura e direciona nosso olhar para aspectos não tão explícitos desses dois elementos.
O objetivo é promover a interação entre os sujeitos e a construção da cidadania,
numa escola em que toda a organização esteja a serviço da aprendizagem, para
que todos possam desenvolver ao máximo suas capacidades, transformando, assim, sem sombra de dúvida, o seu entorno.
A educação deve garantir a aquisição daquelas habilidades e conhecimentos
necessários para o desenvolvimento na sociedade atual, assegurando às pessoas
adultas sem uma escolarização primária uma educação que lhes seja útil, que lhes
sirva, sobretudo, para poder atuar na sociedade da informação.
A ideia é que a escola respeite o perfil cultural do aluno jovem e do aluno adulto, permitindo-lhes o aproveitamento de suas experiências e assegurando-lhes a
vivência de processos que construam sua autoaprendizagem como forma de conferir-lhes meios adequados para a superação da escolarização que não ocorreu. A
concepção passa a ser de formação continuada a partir do horizonte social e espaço-temporal desse educando.
A organização metodológica organizada pelo professor deve partir do conhecimento que os alunos e alunas trazem de suas experiências, incorporando a esse
trabalho organizativo o saber sistematizado das diversas áreas do conhecimento.
Assim, nasce uma proposta educacional baseada em princípios democráticos, na
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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e o currículo
qual o currículo é construído com o intuito de viabilizar uma aprendizagem significativa, em que a cultura, o saber e as experiências de vida, o trabalho e a luta social
estejam articulados com o saber acadêmico das várias áreas de conhecimento. Portanto, o processo de ensino-aprendizagem não funciona como instrumento de desvelamento da realidade e de construção de novos cenários sociais se tal proposta
não considerar a educação como um ato político, tal como considera Paulo Freire, e
por conseguinte, não possibilitar aos envolvidos o reconhecimento técnico, político
e ético de seu papel.
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e o currículo
O educando é sujeito de sua história, pensa sua realidade e tem direito de conhecer e transformar com autonomia o tempo e o espaço no qual está inserido.
Esse sujeito precisa conhecer o saber sistematizado para não ser por meio dele dominado. O educando deve conhecer a arte e a filosofia, as ciências e a cultura da
humanidade para afirmar sua cultura e sua arte. Deve conhecer sua história e se
assumir enquanto sujeito que faz história. O currículo não deve estar organizado
em torno das disciplinas como costuma ser feito na escola tradicional.
É buscando compreender a realidade do educando, as suas contradições básicas, sua situação existencial, concreta, presente, que são problemas e desafiam
soluções e exigem respostas, tanto em nível prático como teórico, que se inaugura o diálogo libertador. A pesquisa da realidade do aluno possibilita ao educador
apropriar-se da cultura, dos saberes e da filosofia da comunidade escolar.
Portanto, um currículo relevante é propício a melhores resultados de aprendizagem, devendo respeitar as demandas dos alunos em suas diferentes circunstâncias. É necessário que se tenha sensibilidade à experiência cultural do aluno adulto,
à sua língua e à sua experiência de vida.
De acordo com Brandão (1986), a via regular da inserção dos saberes — os acadêmicos e todos os outros — se dá pela curricularização. A escola tem que se conscientizar da tarefa e atualizar-se sobre os saberes que ela não pode mais conhecer,
pois estes estão no cotidiano do qual se isolou. Só através da reinserção dos valores
do “outro”, dos saberes do cotidiano do “outro”, renasce a expectativa de aplicação da
teoria que possa privilegiar a ampliação da presença do ser nas práticas curriculares.
O currículo de uma instituição também não pode ser pensado de forma estática, pois da mesma forma que o educando é por ele influenciado, enquanto recebe
novos conhecimentos, também o próprio currículo é influenciado por quem “passa”
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pela instituição, contribuindo para a sua atualização e reformulação. Há com certeza os currículos que sofrem essas influências de forma mais tranquila por serem
mais flexíveis, porém há outros que trazem uma perspectiva mais tradicional e são,
portanto, mais fechados a essas mudanças. Isso não quer dizer que as mudanças
não ocorram, apenas que são menos intensas.
Apesar de o currículo ser pensado buscando abranger as perspectivas específicas da aprendizagem do educando para uma formação em uma dada instituição,
ele sofre as influências de uma vasta rede de relações com a qual o aprendente tem
contato direto ou indireto e que também influencia na sua formação, e isso acontece de forma muito natural. São contatos com outras instituições, outras famílias,
outras pessoas, com a diversidade.
Esse é o ponto que garante as diferentes formas de agir, as diferentes atitudes
tomadas, muitas vezes por educandos que, apesar de formados por uma mesma
instituição, passam a ter práticas diferentes, mais tarde, no mundo do trabalho, nas
suas relações com os outros.
Atualmente, os profissionais da escola têm procurado constituí-la como um espaço de práticas e de reflexão, visando ao desenvolvimento integral dos sujeitos
sociais matriculados nessa modalidade de ensino, considerando as suas particularidades de faixa etária e de população que ficou fora da escola.
Formação e prática de educadores da EJA
As instituições de ensino muito têm se preocupado com a formação profissional docente, pois a qualidade do ensino depende praticamente da relação entre
professor-aluno e das competências e habilidades que o educador obtém durante
sua formação docente.
Percebo, portanto, que o professor precisa ser pesquisador em relação à sua
prática educativa, envolvendo desse modo teoria e prática. O educador precisa desenvolver uma prática pedagógica crítico-reflexiva, a fim de orientar seus educandos por meio de uma didática que os eduque pela pesquisa, além de analisar o
contexto histórico, social e político de seus alunos, auxiliando-os a construir uma
sociedade mais justa e igualitária. O conceito de Educação de Jovens e Adultos se
move na medida em que a realidade faz algumas exigências em relação à sensibili-
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curriculares da
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e o currículo
dade e à competência dos educadores. Isso pode ser observado no seguinte argumento de Gadotti (2001, p. 65).
Pela educação, queremos mudar o mundo, a começar pela sala de aula, pois as grandes
transformações não se dão apenas como resultantes dos grandes gestos, mas de iniciativas
cotidianas, simples e persistentes.
Percebe-se, no entanto, que o educador de jovens e adultos constrói o seu saber alicerçado em relações históricas, convicções e compromissos por meio da inserção do professor na sociedade contemporânea, abordando todas as dimensões
na sua função de educador.
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O educador da EJA precisa estar preparado para fazer do espaço da sala de aula
um espaço da construção coletiva, em que a pesquisa, como princípio educativo e
pedagógico, contribua para a construção da aprendizagem significativa dos educandos, estando atento às necessidades e características do grupo de acordo com
a realidade escolar e a vivência de cada educando. É necessário que o professor
valorize a experiência de cada um, integrando-os à vida escolar, ampliando assim o
universo cultural por meio da socialização. Nesse sentido, Freire (2003, p.137) colabora com a seguinte reflexão.
Como ensinar, como formar sem estar aberto ao contorno geográfico, social, dos educandos? [...] Preciso, agora, saber ou abrir-me à realidade desses alunos com quem partilho
a minha atividade pedagógica. Preciso tornar-me, se não absolutamente íntimo de sua
forma de estar sendo, no mínimo, menos estranho e distante dela.
A formação do professor para EJA é uma prática de conhecimento que visa à aquisição de uma proposta pedagógica pautada no diálogo, no questionamento e na compreensão da realidade que nos conduz à busca de novas propostas coletivas de mudanças, em que o conhecimento deve ser apresentado como uma construção social.
Dessa forma, um desafio que se apresenta para os educadores da modalidade
de EJA é a elaboração de referenciais curriculares básicos, contextualizados com as
exigências do mundo contemporâneo, tendo como parâmetros as capacidades, as
competências e as habilidades que se pretende que os jovens e os adultos construam e desenvolvam. Esses parâmetros são também indicadores para guiar a organização, a natureza e a seleção de conteúdos das diferentes áreas do conhecimento.
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Trabalhar nessa perspectiva exige um maior controle e valorização do estudo
das disciplinas que passam a ser consideradas como recursos que ganham sentido
em relação às capacidades que se deseja que os alunos desenvolvam.
Nos espaços da EJA, os sujeitos são múltiplos. É preciso estar atento para as trajetórias de vida, que sempre são singulares. O desafio do conhecimento, na EJA,
não pode estar limitado àquilo que os alunos e alunas devem aprender, mas também voltado para que educadores e educadoras aprofundem seus conhecimentos,
como sujeitos da aprendizagem.
A prática educativa, segundo Paulo Freire, não é neutra, pois qualquer que seja
a postura do educador, ela será o reflexo de sua posição política, seja ela de neutralidade, de concordância, de pragmatismo, seja ela de luta, de não acomodação, de
progressismo.
Formar profissionais para lidar com as diferentes realidades, valorizando as diversidades, é um desafio. Formar o cidadão não é tarefa exclusiva da escola, assim
como a formação dos profissionais da educação não será a solução para as mudanças que precisam ser efetivadas na escola. No entanto, a escola tem grande responsabilidade e um papel a desempenhar na formação e nas mudanças que precisam
se efetivar na realidade social dos educandos.
Barreto (2006, p. 78) nos instiga a pensar a respeito da prática como fundamental nos processos de formação. Sobre isso a autora afirma que, “quando a formação
não altera a teoria [as representações] do educador, ela pode mudar o que ele diz,
sem, entretanto, mudar o que ele faz”,2 e nisso consiste a importância da formação
permanente.
Dessa forma, considerando a diversidade de seu público e as particularidades
de tempos e de espaços que a EJA apresenta, o educador do aluno jovem e adulto
deve refletir crítica e sistematicamente acerca de suas ações educativas. Segundo
Borges (2006), é a partir dessa “reflexão-ação” que o professor terá condições de
produzir alternativas que ajudarão na “superação das dificuldades apresentadas
pelas dinâmicas e diversidades que emergem das relações que se estabelecem na
EJA”. Contudo, Barreto (2006) chama atenção para o fato de ser “raro, em menos de
um ano, o educador conseguir assimilar a prática de refletir sobre sua prática”.
2. A professora fez a referida afirmação durante o debate da mesa sobre Formação de Educadores de Jovens e
Adultos.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
95
As diretrizes
curriculares da
Educação de
Jovens e Adultos
e o currículo
Acredito que o educador do aluno jovem e adulto deve tomar consciência da
atual situação da EJA. É necessário também que o profissional da EJA tenha uma
formação em teorias pedagógicas sobre a juventude e a vida adulta, a fim de conhecer e perceber o seu aluno enquanto sujeito de direitos e respeitando seus saberes e sua realidade.
Considerações finais
Assim, diante dos temas aqui abordados, espero que os envolvidos com a EJA
compreendam que uma grande parcela da população brasileira ainda está sendo
excluída de exercer plenamente sua cidadania por não ter acesso ao ensino fundamental e quando o tem, não desenvolve uma permanência com sucesso. São
pessoas furtadas do direito à escolaridade.
96
As diretrizes
curriculares da
Educação de
Jovens e Adultos
e o currículo
Entendo que as instituições educativas precisam preparar-se para atender aos
adultos que desejam aprender, educar-se e reeducar-se, mesmo na mais avançada
idade, e, para alcançar essa meta, faz-se necessária uma metodologia de ensino especial que atenda às expectativas desses sujeitos.
Por meio destas reflexões posso considerar que o educador precisa deixar marcas significativas e atuar como referência na vida dos seus educandos; ser um diferencial para os alunos que, mesmo possuindo anos de experiência e tendo adquirido algum conhecimento de vida, não possuem, na sua maioria, uma visão crítica
sobre a realidade na qual estão inseridos, não sendo capazes de reivindicar seus
direitos e cumprir seus deveres como cidadãos pertencentes a uma sociedade.
Assim concluo este texto, percebendo que a escola e os demais espaços educativos da EJA se configuram como oportunidades de construção de relações humanas significativas, tanto para os educandos como para os educadores que acreditam
que a EJA possa ser uma experiência bem-sucedida para todos que a procuram.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
REFERÊNCIAS
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Vozes, 1999.
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Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
As diretrizes
curriculares da
Educação de
Jovens e Adultos
e o currículo
Reconhecer as
necessidades do
educando para
qualificar o currículo
Christiana Diniz Lopes*
RESUMO
Este artigo discute a necessidade de um currículo específico para a Educação de Jovens
e Adultos, abordando duas questões muito
importantes para a construção do currículo:
a heterogeneidade na EJA e as questões do
mundo do trabalho. Analisa como esse grupo
heterogêneo e suas especificidades permeiam
o universo escolar, como são atendidos e o que
desejam dentro de uma perspectiva de escolarização e profissionalização.
ABSTRACT: This article discusses the need
for a specific Youth and Adult Education
curriculum, addressing two very important
issues in order to design the curriculum:
Youth and Adult Education heterogeneity
and workplace issues. It analyzes how this
heterogeneous group and its specificities
permeate the school environment, how it
is treated and what its objectives within a
perspective of education and vocational
training.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; heterogeneidade; diversidade cultural.
Keywords: Youth and Adult Education;
heterogeneity; cultural diversity.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
* Pedagoga graduada pela Universidade Estácio de Sá. Estagiária da Gerência de Educação e Ação Social do SESC - Departamento Nacional, no exercício de 2008.
Introdução
A intenção de realizar este estudo decorre de uma preocupação em torno da
realidade atual em que se encontra a organização curricular da Educação Básica de
Jovens e Adultos em nossa sociedade, em que não há políticas públicas específicas
para a EJA, que possui um público heterogêneo e envolvido num universo cultural
diversificado.
Para a elaboração de um currículo mais adequado para a construção de um
conhecimento de qualidade, faz-se necessário problematizar algumas questões
expressas nestes dois temas: a heterogeneidade na EJA e as questões do mundo
do trabalho.
A primeira questão está relacionada às especificidades da EJA, que é formada
por um grupo heterogêneo e de múltiplas culturas. Nesse universo cultural, a sala
de aula se torna um desafio para o educador, cujo trabalho busca o oposto, ou seja,
a homogeneidade desse grupo, baseando-se em um currículo elaborado sem levar
em conta essas especificidades.
As diversas culturas trazidas pelos alunos precisam ser integradas aos conhecimentos oferecidos pela escola e, a partir da pluralidade de experiências, deve-se
elaborar um currículo que seja um fator de enriquecimento no processo cognitivo.
Uma educação de qualidade reconhece as reais necessidades de sua clientela, sua
historicidade, o contexto em que se encontra e os objetivos almejados por ela.
A segunda questão está relacionada ao mundo do trabalho, fator importante
para um número expressivo de alunos da EJA, que vive um momento de competitividade, qualificação profissional e maior nível de escolarização. Esses elementos são
obstáculos a serem vencidos pelos jovens e adultos no mercado de trabalho, que
buscam na educação a ferramenta para vencer suas dificuldades e necessidades, e,
mais que isso, o seu lugar no mercado.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Reconhecer as
necessidades
do educando
para qualificar o
currículo
A heterogeneidade como desafio
O educando da EJA faz parte de um grupo heterogêneo e traz consigo múltiplas experiências de vida e grande diversidade cultural. Ele constitui um público
que não teve a oportunidade de efetuar seus estudos no período da infância, justamente quando a educação foi negligenciada pela falta de políticas públicas direcionadas a essa modalidade de ensino.
[...] oportunidade educativa para um largo segmento da população, com três trajetórias
escolares básicas: para os que iniciam a escolaridade já na condição de adultos trabalhadores; para adolescentes e adultos jovens que ingressaram na escola regular e a abandonaram há algum tempo, frequentemente motivados pelo ingresso no trabalho ou em razão
de movimentos migratórios e, finalmente, para adolescentes que ingressaram e cursaram
recentemente a escola regular, mas acumularam aí grandes defasagens entre a idade e a
série cursada (DI PIERRO et all, 2001, p. 65).
100
Reconhecer as
necessidades
do educando
para qualificar o
currículo
Os alunos da Educação de Jovens e Adultos são indivíduos inseridos no mundo
do trabalho, possuidores de uma trajetória escolar marcada por alguns fracassos
e exclusão que provocaram a desmotivação na sala de aula, levando à desistência
pela escolarização.
Outras características desses educandos são as idas e vindas na instituição escolar, advindas das constantes mudanças de moradia e faixas etárias diversificadas,
que contribuem para ressaltar as diferenças específicas e propiciam ainda mais a
heterogeneidade do grupo.
Essa clientela, geralmente, apresenta uma autoestima baixa e demonstra certa insegurança no momento da aprendizagem. Eles não têm certeza de todo seu
potencial e competência na construção de saberes, em virtude do passado escolar
e, muitas vezes, do seu próprio contexto social; porém, apesar dessa interrupção,
desejam retomar a escolarização.
Quando voltam à escola, trazem consigo um conjunto de saberes do senso comum, não só pela vida comunitária e familiar, mas pelo ambiente de trabalho que
alguns vivenciam.
É a partir dessa realidade que o desafio na sala de aula começa. O educador
se depara com essa pluralidade de informações e com pessoas diferentes em suas
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essências, um conjunto humano bem heterogêneo, tendo como base profissional
uma instituição que tende a homogeneizar o grupo que a compõe.
Um dos principais problemas que se apresenta ao trabalho na EJA refere-se ao fato de que,
não importando a idade dos alunos, a organização dos conteúdos a serem trabalhados e
os modos de abordagem dos mesmos segue as propostas desenvolvidas para as crianças do ensino regular. Os problemas com a linguagem utilizada pelo professor e com a
infantilização de pessoas que, se não puderam ir à escola, tiveram e têm uma vida rica em
aprendizagens que merecem maior atenção (OLIVEIRA, 2004, p. 105).
A escola, de modo geral, não leva em conta o contexto social e as experiências
de vida do educando no momento da construção do currículo. Podemos observar
que existe um grande equívoco na proposta pedagógica, porque a educação oferecida no ambiente escolar é ainda moldada para atender a clientela infantil, que tem
necessidades bastante diferenciadas dos adolescentes e adultos que compõem a
EJA. A estrutura curricular e os conteúdos oferecidos na escola são organizados a
partir de concepções, valores e ideias de um universo bem distante da realidade
que os educandos da EJA vivenciam. Isso dificulta a apropriação dos conhecimentos oferecidos porque está distante daquilo que experimentam em seu cotidiano,
não facilitando o processo cognitivo.
Outro fator importante que compõe a identidade do aluno é a multiplicidade
cultural em que todos estão inseridos.
A nossa identidade é formada a partir dos grupos sociais a que pertencemos e
de diferentes culturas. As variações de raça, classe social, linguagem, família, cultura, influenciam no modo de vida, a diferença está presente em todo momento.
Dentro dessa perspectiva, o indivíduo forma visões diferentes sobre um mesmo tema, porque cada um percebe a natureza da vida de acordo com a realidade
que vive.
Desse modo, quer rejeitemos ou aceitemos a diferença, quer pretendamos incorporá-la
à cultura hegemônica, quer defendamos a preservação de seus aspectos originais, quer
procuremos desafiar as relações de poder que a organizam, em hipótese alguma, negá-la.
Ela estará presente em todos os cenários sociais, empobrecendo-os e contaminando-os
segundo alguns, enriquecendo-os e renovando-os, segundo outros. Em síntese, vivemos
em um mundo inescapavelmente multicultural (MOREIRA, 1999, p. 84).
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Reconhecer as
necessidades
do educando
para qualificar o
currículo
Mesmo que a escola tenha como base o padrão de uma determinada classe
social, se deparará com as diferenças culturais. Sabemos que as instituições de ensino se baseiam no modo capitalista da classe elitista, que tenta negar o modo de
vida das classes empobrecidas, rejeitando sua cultura, sua linguagem. Porém, essa
influência não é descartada no momento da construção do conhecimento, porque
o educando não se separa dela quando entra na sala de aula. Ela faz parte da sua
essência e necessita ser explorada para dialogar com os conhecimentos escolhidos
na grade curricular.
Quando o aluno é inserido no ambiente escolar, as bagagens culturais entram
em conflito, principalmente no aspecto da linguagem, que na escola é mais rebuscada, formal, nem sempre compreendida pelo sujeito. Além disso, esse espaço se
traduz muitas vezes em ambiente de preconceitos e discriminações, porque educadores despreparados não aceitam outro tipo de linguagem que não seja a oferecida
pela escola.
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Reconhecer as
necessidades
do educando
para qualificar o
currículo
Em alguns casos, o professor faz uma avaliação muito rigorosa e equivocada
das produções textuais, ou mesmo da própria fala do aluno. Uma avaliação nesse
nível pode ser motivo de constrangimento na sala de aula, ou pode contribuir para
aumentar a distância entre educando e educador, dificultando ainda mais a relação
entre eles, que necessita de interação constante para o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, o que acaba sendo prejuízo para ambas as partes.
Devemos entender que nesse processo não é só o aluno que aprende, o professor
aprende junto com o aluno.
O professor deve ensinar. É preciso fazê-lo. Só que ensinar não é transmitir conhecimento.
Para que o ato de ensinar se constitua como tal, é preciso que o ato de aprender seja precedido do, ou concomitante ao, ato de apreender o conteúdo ou o objeto cognoscível,
com que o educando se torna produtor também do conhecimento que lhe foi ensinado
(FREIRE, 1994, p. 118).
Para que um sujeito construa conhecimento é preciso que aquilo que é apresentado na aula tenha significado e, a partir daí, ele possa repensar as noções
preconcebidas e reconstruir novos saberes com base naquilo que já teve oportunidade de aprender. Ele precisa encontrar na escola um espaço onde possa refletir
sobre suas experiências de vida, as coisas do senso comum e as teorias oferecidas pela escola, para criar uma visão crítica desses conteúdos, construindo suas
próprias concepções a respeito do mundo que o cerca. É importante também
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Educação em Rede
que o educador troque com o educando suas vivências para além dos conteúdos escolares, dando oportunidade à classe de ter outras referências como base
de aprendizado.
É fundamental ressaltar que o Brasil é um país de múltiplas culturas regionais,
onde a emigração está em constante movimento. Existe, portanto, nos centros urbanos, uma grande circulação de pessoas advindas das áreas rurais, com sotaques
e vocabulários variados, que integrarão o universo escolar.
As contribuições que esses indivíduos trazem vão dialogar com a cultura
urbana, que também tem suas especificidades. E dentro desse quadro ainda
existem as diferenças de idade, que pontuam, atualmente, em grande escala, a
EJA. Estudos mostram que, a cada momento, vem crescendo o número de adolescentes matriculados na Educação de Jovens e Adultos e que eles têm visões
de mundo, linguagem e objetivos bem diferentes dos adultos dessa modalidade
de ensino.
A heterogeneidade desse grupo é constituída pelo conjunto de todas essas especificidades, que se traduzem em pontos importantes, que devem ser valorizados
no momento da construção do currículo escolar.
A EJA e as questões do mundo do trabalho
O mundo do trabalho é uma questão que está relacionada a uma forma de
sobrevivência inerente a qualquer sujeito em nossa sociedade, ponto fundamental na vida de uma grande parte dos alunos dessa modalidade de ensino.
O meio de subsistência é uma questão muito importante, porque é por meio
do trabalho que as pessoas conseguem conquistar bens materiais e realizar sonhos. Devemos lembrar que vivemos em uma sociedade de consumo, na qual
a maioria das pessoas busca uma estabilidade social e a realização de desejos
através do dinheiro.
Quando pensamos essa realidade em relação à clientela da Educação de Jovens
e Adultos, observamos que o educando trabalhador vê a escola como um lugar
onde ele pode solucionar pelo menos três pontos essenciais que permitam seu ingresso e/ou sua permanência nesse universo do trabalho: a profissionalização, a
certificação e o conhecimento.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
103
Reconhecer as
necessidades
do educando
para qualificar o
currículo
Na sociedade capitalista em que vivemos, o mercado de trabalho tornou-se
muito competitivo, pela falta de empregos para todos os trabalhadores e pela desigualdade social existente. Numa atmosfera em que procura é muita e a oferta, pouca, as empresas estão fomentando no mercado a competição através da busca de
melhor qualificação profissional, da obtenção de melhores resultados na produção.
Um funcionário precisa aprender a operar máquinas e ter no mínimo a escolarização básica para esse propósito. Dentro dessas perspectivas, o mercado exige não só
qualificação profissional, mas também mais escolaridade.
Esses elementos apontados se tornam obstáculos a serem vencidos pelos
jovens e adultos que estão inseridos nesse mercado ou que desejam fazer parte dele. Eles não buscam apenas a leitura e a escrita oferecidas pela educação,
mas querem muito mais, na medida em que almejam conquistar um lugar no
mundo do trabalho.
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Reconhecer as
necessidades
do educando
para qualificar o
currículo
Hoje, diante de um mundo globalizado, no qual um grande número de pessoas
pode se comunicar com qualquer parte do mundo através da internet, a educação
vai além de um diploma, busca-se informação e conhecimento, para poder-se conectar com esse modo de vida virtual.
Em qual entrevista de emprego não são feitas aquelas conhecidas perguntas: quais
são seus conhecimentos de informática? E qual o seu nível nesses conhecimentos?
Afastado do ambiente escolar por alguns anos ou por muitos, o aluno deseja
esse saber que a escola oferece. Necessita dele para compreender o universo do
trabalho, crescer e melhorar suas condições de vida.
O mercado de trabalho também conta com a escola para realizar suas expectativas. O currículo escolar é pensado para a satisfação do mercado de trabalho
e não para as reais necessidades de conhecimento e informação do educando.
Não há preocupação em dar um conhecimento integral para o aluno da Educação
de Jovens e Adultos porque a sociedade acredita que escola é para crianças, os
adultos já ultrapassaram a idade de aprender. Se perderem a oportunidade, não
há nenhuma importância, pois somente as crianças são o “futuro da nação”.
Então encontramos nessa modalidade de ensino um tempo menor para o
aprendizado, um conhecimento fragmentado e um currículo desfavorável em relação a realidade do universo profissional.
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Considerações finais
Diante do que foi exposto neste artigo, pude fazer uma breve reflexão sobre a
construção do currículo escolar, sua eficiência e eficácia para o processo pedagógico dos sujeitos da EJA.
Observei nesse estudo que, dentro do quadro social em que se encontra a sociedade brasileira, é difícil falar em educação e currículo escolar sem remeter às
questões sociais e estruturais e sem relacionar o contexto político e econômico em
que os educandos da Educação de Jovens e Adultos estão inseridos. Esse público é
sobrevivente de uma sociedade excludente, conheceu o fracasso escolar na infância, é proveniente, em sua maioria, da pobreza que cresce pela omissão dos órgãos
públicos e da sociedade como um todo. Nessa perspectiva, podemos observar a
falta de políticas públicas consistentes que amparem e atendam essa modalidade
de ensino, e que contribuam para o seu desenvolvimento.
As práticas educativas, em qualquer nível ou modalidade de ensino, enfrentam
desafios político-institucionais que impactam o fazer pedagógico, inibindo muitas
iniciativas e projetos elaborados pelos educadores no planejamento do currículo escolar. Os resultados sinalizam a fragilidade do fazer educativo pela falta de um olhar
diferenciado para esse público, que é específico em toda a sua natureza. Crianças,
adolescentes e adultos são indivíduos que trazem experiências de vida diferentes,
logo, têm objetivos e necessidades distintos.
Esses resultados também contribuem como sinalizadores no mapeamento de
novos caminhos para a elaboração de um currículo mais voltado para a realidade
dos jovens e adultos, para uma educação que tenha como principal objetivo construir saberes e ressignificar conhecimentos que transformem o educando num ser
ativo, crítico, pensante. Um sujeito que poderá transformar o contexto social em
que vive, lutando pelos seus diretos e garantias, exercendo seu verdadeiro papel
de cidadão.
O que se tem visto é que mesmo a Educação de Jovens e Adultos sendo assegurada pela Constituição Federal, de 1988, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDBEN 9.394/96) e pela Declaração de Hamburgo, de 1997, o fato é que
o Estado, a família e a sociedade são omissos, não assegurando direitos e garantias,
como cidadania e educação, a esses indivíduos.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
105
Reconhecer as
necessidades
do educando
para qualificar o
currículo
Este artigo científico é um pequeno esboço que discutiu alguns questionamentos e concepções, mas que não se encerram aqui porque nenhum conhecimento
é estático. Penso que o conhecimento não é constituído uma única vez, mas pelas
múltiplas experiências de uma vida inteira.
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Reconhecer as
necessidades
do educando
para qualificar o
currículo
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Educação em Rede
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Reconhecer as
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do educando
para qualificar o
currículo
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Reconhecer a
identidade do aluno:
fator fundamental para
a construção de um
currículo em EJA
Tamára dos Santos Cunha*
RESUMO
Este artigo tem o intuito de despertar nos educadores e teóricos da área um olhar diferenciado para o processo de elaboração de currículos para a modalidade da EJA, tendo em vista
que o público pertencente a esse segmento
possui características identitárias bastante diversificadas. Devemos, portanto, estar atentos
à necessidade de reconhecimento dessas diferentes identidades no momento da construção do eixo norteador do processo de ensinoaprendizagem, denominado como currículo. Salientamos também a importância que o educador possui enquanto mediador do processo
educacional.
ABSTRACT
This article is intended to raise in educators
and theorists in the area a different outlook
in the process of curriculum development
for Youth and Adult Education, taking into
consideration that the target audience in
this segment has very diversified identity
characteristics. We should therefore be
alert to the need to recognize these different
identities at the time of construction of the
guiding lights of the teaching-learning process,
termed as curriculum. We emphasize the
importance of the educator as a facilitator in
the position of mediator in the educational
process.
Palavras-chave: EJA; identidade dos educandos; currículo.
KEYWORDS: Youth and Adult Education;
identity of the students; curriculum.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
* Graduada em Pedagogia pela Universidade do Rio de Janeiro (UERJ) e estagiária da
Gerência de Desenvolvimento Técnico do Departamento Nacional do SESC no exercício de
2008.
Introdução
A Educação de Jovens e Adultos, como uma das modalidades de ensino que
mais avança nos debates curriculares atuais, apresenta várias particularidades que
influenciam na constituição de um currículo. Desde situações elementares, que são
vistas em quaisquer ambientes educacionais, até as mais complexas, praticamente
restritas à EJA. Uma das questões consideradas como complexa de ser trabalhada é
a que faz menção à identidade dos seus alunos.
Esse ramo da educação assume basicamente três funções, que seriam: a reparadora, a equalizadora e a qualificadora. A primeira é um processo de reparação da
escolarização até então obtida por muitos dos educandos; a segunda diz respeito à
promoção de condições mínimas necessárias aos alunos para a equidade de saberes entre a escolarização padrão e a pertinente à EJA; e a última focaliza o preparo
desses estudantes para as necessidades do mercado de trabalho, tanto para os que
já estão inseridos como para os que desejam aí se inserir. Com isso, torna-se imprescindível abranger a multiplicidade de culturas, resgatar a autoestima, proporcionar
uma educação com qualidade e, ao mesmo tempo, oferecer segurança aos alunos
no caminhar do processo educativo. Tudo isso baseando-se, principalmente, numa
abordagem crítica do conhecimento.
Assim, neste artigo, demonstraremos os fatores que merecem ser observados,
por meio de publicações e pesquisas desta área, a fim de que possamos proporcionar efetivamente uma educação de qualidade aos alunos pertencentes à EJA,
já que é comum no processo de construção do currículo a ocorrência de apenas
uma adaptação dos eixos norteadores da educação regular, tornando esse direcionamento dissociado da realidade do público a ser atendido, acarretando múltiplos
e variados casos de fracasso escolar.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Reconhecer a
identidade do
aluno: fator
fundamental
para a construção
de um currículo
em EJA
A Educação de Jovens e Adultos
A Educação de Jovens e Adultos vem passando por um processo de reformulação de seus valores. Nesse novo cenário, a EJA vem rompendo com o seu caráter
supletivo, passando a extrapolar as suas fronteiras, assumindo novas ambições. As
mudanças se baseiam, principalmente, na constante troca de ideias e também nos
valores pregados pela prática de ensino freireana. Essa metodologia de ensino tem
como princípios o diálogo, a indagação e a experimentação, em contraponto com
o método reprodutor de um conhecimento pronto e acabado e a uma educação
bancária, tão criticada por Freire.
110
Reconhecer a
identidade do
aluno: fator
fundamental
para a construção
de um currículo
em EJA
Dessa forma, essa modalidade de ensino passa a dar conta de alguns dos problemas que anteriormente eram negados e que acarretaram vários casos de fracasso escolar. Vale ressaltar ainda que esta evolução se dá, principalmente, por causa
do comprometimento que os educadores têm com o seu trabalho, já que se percebe que, com o passar da história da EJA, os órgãos públicos pouco auxiliaram no
avanço qualitativo dessa modalidade educativa.
Um outro fator fundamental para o sucesso dessas mudanças recentemente assimiladas pela EJA é a formação do educador juntamente com o comprometimento
diante de seu trabalho, pois muitos dos educandos já passaram por casos traumáticos de escolarização, tornando-se mais resistentes à instituição escolar. Por isso, o
educador deve se preocupar bastante em reconhecer que tipo de aluno possui
em suas classes, na tentativa de impedir a ocorrência de um processo educativo
dissociado da realidade de seus alunos.
No mínimo, esses educadores precisam respeitar as condições culturais do jovem e do
adulto analfabeto. Eles precisam fazer um diagnóstico histórico-econômico do grupo ou
comunidade onde irão trabalhar e estabelecer um canal de comunicação entre o saber
técnico (erudito) e o saber popular (GADOTTI, 2003, p. 32).
Segundo Gadotti (2003), o educador deve estar comprometido em proporcionar um processo educativo multicultural, ou seja, trata-se de não negar a cultura
primeira desses alunos e, tampouco, as outras manifestações culturais que os rodeiam, baseando-se numa abordagem de ensino e aprendizagem que reconheça
os valores e crenças democráticas e procure o fortalecimento do pluralismo cultural. O objetivo é que esse processo educacional se torne eficaz e significativo na vida
dos educandos.
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Educação em Rede
Aluno da EJA
Na educação destinada aos educandos que são tanto jovens quanto adultos,
temos uma enorme dificuldade para traçar o perfil do aluno que está inserido neste
contexto, pois na EJA se encontram pessoas de faixas etárias e histórias de vida
bastante diversificadas, sendo uma tarefa um pouco árdua chegar a um patamar de
saberes interessantes a todos.
É diferente da educação regular, em que a maior parte dos alunos se encontra
mais ou menos no mesmo nível de conhecimentos e experiências de vida, tornando-se mais fácil, no caso, proporcionar um trabalho pedagógico que consiga dar
conta de suas necessidades e características culturais.
Desse modo, nós, educadores, devemos pensar sobre quem é o jovem e o
adulto da EJA. A partir dessa reflexão perceberemos que eles possuem, ao mesmo
tempo, particularidades e semelhanças. Porém, para o jovem, esse processo é um
pouco mais doloroso, em alguns casos, do que para o adulto, pois o jovem educando geralmente passou pelo processo de “fracasso” muito recentemente, estando,
assim, muito descrente de sua capacidade. Já o adulto, em muitos casos, procura a
EJA para melhorar as suas condições de trabalho, portanto, possuindo uma postura
diferenciada perante essa oportunidade de ensino.
A partir disso, o jovem da EJA deve ser visto como uma pessoa cujas condições
de existência remetem à dupla exclusão de seu grupo de pares da mesma idade e do
sistema regular de ensino, por evasão ou retenção. Então, ele se incorpora ao curso
da EJA, objetivando, na maioria das vezes, concluir etapas de sua escolaridade para
buscar melhores ofertas no mercado de trabalho através da sua inserção no mundo
letrado. Nesse aspecto, esse jovem se assemelha ao adulto que sempre buscou esse
tipo de curso para sua formação, mas, se diferenciando dele em suas condições biológicas e psicológicas, aponta para uma demanda diferente no atendimento escolar.
Além disso, na EJA, da mesma forma que somos responsáveis em dar conta
da pluralidade de identidades dos nossos educandos, temos também que assumir
basicamente a responsabilidade em relação a três pontos: reparar a escolarização,
em alguns casos, traumática, até então obtida por muitos dos educandos; proporcionar as condições mínimas necessárias aos alunos para a equidade de saberes
entre a escolarização valorizada socialmente e a pertinente à EJA; e preparar esses
estudantes para as necessidades do mundo do trabalho, tanto para os que já estão
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Reconhecer a
identidade do
aluno: fator
fundamental
para a construção
de um currículo
em EJA
inclusos como para os que desejam se inserir. Esses fatores devem influir bastante
no momento de pensarmos em qual deverá ser a nossa postura pedagógica perante os nossos alunos.
Contudo, temos a nossa responsabilidade cada vez mais acentuada, pois devemos dar conta dos equívocos e das faltas que a escolarização regular cometeu
com alguns deles. Ao mesmo tempo, devemos proporcionar àqueles que nunca
tiveram acesso a um processo educativo sistematizado uma educação que aborde
a multiplicidade de culturas, resgate a autoestima, possua qualidade, juntamente
com a segurança de que os alunos necessitam para continuar a caminhar dentro
desse processo educativo.
Construção de um currículo para a EJA
112
Reconhecer a
identidade do
aluno: fator
fundamental
para a construção
de um currículo
em EJA
Tendo em vista que os alunos pertencentes à EJA possuem origens diferenciadas, podendo ser adolescentes ou até mesmo idosos, surgem alguns questionamentos em relação ao currículo a ser elaborado. Como trabalhar com pessoas tão
distintas de forma padronizada? Por que não estabelecer uma proximidade entre
os saberes curriculares fundamentais, os alunos e a experiência social que eles têm
como indivíduos? Segundo Freire (2005, p. 30), a resposta para essas questões é
bastante complexa. Pois se estabelecermos como meta chegar a um patamar igualitário de conhecimento estaremos cometendo um enorme erro, já que desprezaremos o capital intelectual e a cultura desses indivíduos.
A cultura é, portanto, esfera de lutas, de diferenças, de relações de poder desiguais. Essas
diferenças são sempre em relação a algo, não diferenças absolutas. São diferenças políticas,
não apenas diferenças textuais, linguísticas, formais. São diferenças construídas com base
em relações de poder estruturais e globais que não devem ser secundarizadas (MCLAREN
apud MOREIRA, 1999, p. 84).
McLaren(1999) fala na citação anterior justamente sobre o que é cultura e como
esta se constitui, e, também, nos leva a refletir sobre a importância de não desvalorizá-la. Afinal, somos todos inseridos em um contexto cultural no qual ocorre um
jogo de poder, e os valores provindos das esferas dominantes são assimilados de
forma mais rápida e coercitiva por nós. Em muitas situações nem percebemos a
assimilação desses valores, entretanto, em cada ambiente social, alguns deles são
reconhecidos e apreciados; desse modo, ao trabalharmos com a diversidade de atores, não podemos desprezar as distintas manifestações culturais e identitárias.
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Educação em Rede
Esse aspecto é de fundamental importância para uma melhor compreensão do
que ocorre no cenário educacional das classes de EJA, pois essas são constituídas de
educandos de distintas faixas etárias, histórias, vivências escolares e com muitos já
inseridos no mercado de trabalho. Desse modo, é muito difícil elaborar um currículo
formal que dê conta de todas essas variáveis, o que, na maior parte das vezes, acaba
não ocorrendo mesmo.
Os currículos utilizados atualmente nas classes regulares, em muitas situações,
são também os mesmos em que as classes de EJA se baseiam. Entretanto, percebemos que nas turmas em que temos um certo “padrão” de aluno, os currículos nem
sempre dão conta das particularidades; nas salas de jovens e adultos o cenário não
será diferente, principalmente pelo fato de esses alunos possuírem especificidades
mais acentuadas do que nas classes regulares.
Dessa maneira, ao concebermos diretrizes curriculares para essa modalidade
de ensino, devemos nos utilizar de alguns princípios e recursos, baseados principalmente na teoria crítica da aprendizagem, a fim de que o processo de escolarização
seja o mais próximo possível da realidade dos nossos alunos, tornando-o mais rico
e significativo para suas vidas.
A seguir, indicaremos com mais detalhes a necessidade de valorizarmos tais
princípios. Começando com a importância de trabalharmos com o multiculturalismo.
No caso específico do multiculturalismo crítico, a idéia é que, se a escola não acolher conhecimentos e valores subjugados e não confrontá-los com os saberes dominantes, dificilmente poderá constituir-se em ambiente estimulador da criação de conhecimentos
significativos e relevantes para o aluno e para a sua luta em prol da transformação social
(MOREIRA, 1999, p. 89).
Segundo Moreira (1999), o trabalho através do multiculturalismo crítico é bastante significativo para os alunos, já que proporciona um ambiente estimulador e
problematizador do conhecimento, fazendo com que os saberes populares e os dominantes sejam confrontados, e, dessa forma, criando-se novos saberes e, assim,
promovendo-se a transformação social dos educandos. Esse processo pode ser considerado uma aprendizagem significativa, além de proporcionar o reconhecimento
de que nenhuma cultura é completa, precisando haver esse diálogo intercultural
para seu crescimento. Esse diálogo é importante, pois a cultura é um campo de
luta e um espaço constituidor de diversas identidades, tornando-se fundamental
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
113
Reconhecer a
identidade do
aluno: fator
fundamental
para a construção
de um currículo
em EJA
trabalhar em conjunto com ela. A cultura apresenta-se também como um núcleo que
mescla as identidades dos distintos grupos sociais e povos, sendo então fundante
para construirmos um currículo formal para as classes de EJA.
Da mesma forma, devemos trabalhar em prol de uma formação acadêmica que
valorize a heterogeneidade de atores, facilitando a compreensão de que a diversidade é uma construção social que nos possibilita desenvolver o respeito pelo outro
e também nos auxilia a vencer as resistências que o mundo moderno nos impõe. É
importante lembrar que os saberes devem sempre ser trabalhados de forma contextualizada, a fim de que sejam percebidos como importantes para o crescimento
profissional e pessoal de nossos alunos. Quando os conhecimentos passados não
demonstram ter aplicabilidade prática, isso gera um descontentamento e um desinteresse pelo que é repassado pela instituição escolar.
114
Reconhecer a
identidade do
aluno: fator
fundamental
para a construção
de um currículo
em EJA
Não podemos nos esquecer também de abordar em nossos currículos as temáticas relacionadas com conhecimento, poder, linguagem, racismo e sexismo, tendo
em vista que estas são vivenciadas em nosso cotidiano, e em muitos casos, nós,
como educadores e formadores, não sabemos como trabalhar tais temáticas sem
preconceitos e estereótipos. E o fator mais importante a que devemos estar atentos é a conscientização do docente perante a prática educacional que pretende seguir, porque de nada adianta o currículo tratar de aspectos tão importantes para o
crescimento de nossos alunos como homens-cidadãos-profissionais, se o educador,
que tem a função de mediar esse processo, assumir uma postura tradicional no seu
cotidiano da sala de aula.
É válido ressaltar que devemos ter muito cuidado no momento de elaborar o
currículo, seja para as classes de EJA ou para as da educação regular. Também devemos nos lembrar de que o currículo não é um pacote pronto de métodos e práticas
educativas e sim um eixo norteador para o trabalho docente, podendo assim se
adequar caso necessário. Da mesma forma, pode receber as contribuições que os
nossos alunos venham a nos dar.
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Considerações finais
No decorrer deste artigo, observamos vários fatores, começando pelo entendimento do que hoje significa a Educação de Jovens e Adultos, depois refletimos sobre o tipo
de aluno que a EJA possui, para, a partir daí, começarmos o debate acerca do que seria
relevante para ser tratado no currículo para essa modalidade de ensino.
Percebemos que a EJA ainda passa por alguns problemas, sejam relacionados
aos saberes que devem ser trabalhados, seja a falta de preparo do docente, como
também o próprio reconhecimento da EJA como modalidade de ensino pelas instâncias governamentais. Não podemos esquecer também a questão identitária de
nossos alunos, tanto pela sua pluralidade como até mesmo pelo fato de alguns deles já terem passado sem sucesso por espaços escolares.
A questão de preparo docente é bastante grave, pois de nada adianta debatermos sobre que conhecimentos devem ser valorizados e trabalhados nas salas
de aula se nossos colegas educadores não tiverem embasamento teórico e a competência necessária para lidar com os outros problemas que ainda se encontram
vigentes no cenário educacional. Com isso, devemos pensar em que tipo de formação vem sendo destinada aos formadores de nosso país.
Em suma, a questão identitária da EJA é muito marcante e presente, sendo necessário olhá-la com muito zelo, a fim de que possamos, ao elaborar nossos currículos, preparar algo que seja significativo e marcante, tanto na vida quanto no
trabalho de nossos educandos. Da mesma forma, devemos atentar para que tipo
de educadores estão sendo formados, pois de nada adianta um currículo adequado
às necessidades da EJA se os responsáveis pela mediação dos processos educativos
estiverem despreparados para o cumprimento de suas funções.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Reconhecer a
identidade do
aluno: fator
fundamental
para a construção
de um currículo
em EJA
REFERÊNCIAS
CARRANO, P. Juventudes: as identidades são múltiplas. Revista Movimento, Niterói, RJ, n. 1, maio
2000.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31. ed. São Paulo:
Paz e Terra, 2005. (Coleção Leitura).
GADOTTI, M. Educação de Jovens e Adultos: correntes e tendências. In: GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E.
(Org.). Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. 6. ed. São Paulo: Cortez: Instituto
Paulo Freire, 2003. (Guia da escola cidadã, v. 5)
MOREIRA, A. Multiculturalismo, currículo e formação de professores. In: MOREIRA, A. F. B. (Org.).
Currículo: políticas e práticas. 2. ed. Campinas: Papirus, 1999.
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aluno: fator
fundamental
para a construção
de um currículo
em EJA
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
O desafio do professor
na construção do
currículo da Educação
de Jovens e Adultos
(EJA)
Nurse Antônia de Freitas Vieira*
RESUMO
Este artigo consiste em um estudo bibliográfico da temática da EJA, à luz da legislação de
educação e da análise de alguns estudiosos da
atualidade. Em um primeiro momento, abordam-se os fundamentos da EJA pelos preceitos
da legislação brasileira específica para a educação, estabelecida na Constituição Federal, na
Lei de Diretrizes e Bases Nacional e no Parecer
11/2000. Em seguida, apresentam-se os fundamentos da EJA e discorre-se sobre a conceituação da organização de proposta curricular na
abordagem de alguns estudiosos dessa temática. Por fim, apresenta princípios propostos
sobre experiências exitosas na organização de
uma proposta curricular para a EJA.
Palavras-chave: EJA; currículo; fundamentos da educação; proposta curricular.
ABSTRACT
This article is a bibliographical study of
the Youth and Adult Education topic in
the light of education legislation and the
analysis of some modern scholars. At first
we discuss the fundamentals of Youth and
Adult Education according to the precepts
of Brazilian legislation specific to education,
established by the Federal Constitution,
the Law of National Directives and Bases
and the Expert Opinion 11/2000. Next the
fundamentals of youth and adult education
are presented addressing the concept of
curriculum proposal organization according
to the approach of some scholars in this
subject. Finally, it presents the principles
proposed on successful experiences in
organizing a Youth and Adult Education
curriculum.
KEYWORDS: Youth and Adult Education;
curriculum; education foundations;
curriculum proposal.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
* licenciada Plena em Geografia (UFES) com pós-graduação lato sensu: especialização em
Educação Profissional Integrada à Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens
e Adultos (IFES -Instituto Federal de Educação do Espírito Santo). Pós-graduada latu-sensu
em Planejamento Escolar (UNIVERSO). Coordena os Programas Sociais da Administração
Regional do SESC - ES.
Introdução
O professor da Educação de Jovens e Adultos confronta-se no seu cotidiano
com um potencial humano diversificado e, frente a sua opção de ensinar, tem como
desafio criar constantemente situações pedagógicas para efetivar uma educação,
dentro do que se propõe para essa modalidade de ensino, que satisfaça às necessidades dos jovens e adultos no resgate a sua formação.
O Parecer 11/2000 estabeleceu a EJA como uma modalidade de ensino com
identidade própria, portanto ela necessita ser revista pelos seus educadores no sentido de se promover uma reorganização curricular com modelo pedagógico próprio, considerando os interesses, as experiências e o cotidiano de jovens e adultos ,
que, em sua maioria, são trabalhadores.
O presente artigo pretende examinar de que forma os estudiosos da EJA vêm
contribuindo para esse desafio frente à reconstrução dos saberes e à organização
curricular sugerida na legislação pertinente para essa modalidade de ensino.
Os fundamentos da Educação de Jovens e Adultos
(EJA)
Os primeiros fundamentos da educação de uma forma geral, estabelecidos nos
artigos 205 e 206 da Constituição Federal Brasileira e na LDBEN, artigos 1º e 2º, determinam a educação como direito de todos, dever do Estado e da família.
Na composição do currículo da EJA, os artigos 26 e 27 da LDBEN instituíram que
fossem inseridos os estudos da Língua Portuguesa, da Matemática, o conhecimento
físico e natural da realidade política, especialmente do Brasil, o estudo da História
do Brasil, o ensino da Arte, a Educação Física, sendo esta última facultativa ao aluno
do ensino noturno, e o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna a
partir da 5ª série do Ensino Fundamental, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar.
Os fundamentos da Educação de Jovens e Adultos foram estabelecidos no Parecer 11/2000, que coloca a necessidade de a EJA ser pensada como “modelo pe-
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
119
O desafio do
professor na
construção do
currículo da
Educação de
Jovens e Adultos
(EJA)
dagógico próprio, a fim de criar situações pedagógicas e satisfazer necessidades de
aprendizagem de jovens e adultos” (Parecer 11/2000, p. 9). Esse documento define
três funções para a EJA:
• a função reparadora, que tem como finalidade reparar o direito negado a uma educação
de qualidade para todos aqueles que não tiveram acesso à escolaridade básica na idade
apropriada;
• a função equalizadora, que tem como alvo garantir a reentrada nos sistemas educacionais
a todos os trabalhadores, donas de casa, aposentados, migrantes, seja pela repetência ou
pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições
adversas, possibilitando aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida
social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação;
120
O desafio do
professor na
construção do
currículo da
Educação de
Jovens e Adultos
(EJA)
• a função qualificadora ou permanente é o próprio sentido da Educação de Jovens e
Adultos, a qual tem como base o caráter incompleto do ser humano, cujo potencial de
desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares, indicando que em todas as idades e em todas as épocas da vida é possível se
formar, se desenvolver e construir conhecimentos, habilidades, competências e valores
que transcendem os espaços formais da escolaridade e conduzem à realização de si e ao
reconhecimento do outro como sujeito. (Parecer 11/2000, p. 9)
A organização curricular
A organização dos currículos por disciplinas vem sendo contestada como incapaz de “dar conta da problemática social” e de “integrar saberes”, impedindo uma
aprendizagem significativa. Há educadores que apontam uma proposta constituindo novos campos de saberes interdisciplinares e outros que assinalam a “construção
de disciplinas escolares sem necessária referência nas disciplinas científicas”, constituídas de objetos de ensino próprios às disciplinas escolares, tais como “educação
sexual”, “educação para o trânsito” e “educação e sociedade”, integrando-se ou não
às disciplinas científicas (LOPES; MACEDO, 2002 p. 71-72, 81).
A construção de um currículo requer, portanto, competências do professor.
Com maior razão, pode-se dizer que o preparo de um docente voltado para a EJA deve
incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer professor, aquelas relativas à
complexidade diferencial desta modalidade de ensino. Assim esse profissional do magistério deve estar preparado para interagir empaticamente com esta parcela de estudantes
e estabelecer o exercício do diálogo. Jamais um professor aligeirado ou motivado apenas
pela boa vontade ou por um voluntariado idealista e sim um docente que se nutra do
geral e também das especificidades que a habilitação como formação sistemática requer
(Parecer 11/1000, p. 56). Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
“Na complexidade do mundo contemporâneo exige-se uma aprendizagem contínua, sendo importante considerar que na EJA o aluno necessita de competência como
leitor e escritor do seu próprio texto e da sua própria história” (PAIVA, 2004, p. 41).
Princípios para construção de uma proposta curricular
para a EJA
Ao organizar uma proposta curricular para a EJA, deve-se levar em consideração que essa modalidade de ensino tem uma identidade própria, como recomenda
a legislação. O currículo deve atender às demandas dos alunos levando em conta
seus “conhecimentos e habilidades adquiridas por meios informais”, devendo articular-se com o mundo do trabalho, além de considerar o oculto que encobre suas
experiências históricas, sociais e culturais (cf. art. 37 da Lei de Diretrizes Bases de
Educação Nacional - LDBEN - e PAIVA).
Nesse contexto, apresentamos três propostas de organização curricular que
consideramos grandes alicerces para os educadores da EJA na construção de um
novo modelo pedagógico dessa modalidade de ensino.
A primeira, de Paiva. Sua experiência foi desenvolvida no estado da Bahia, em
1995. Os princípios para organização de uma proposta pedagógica indicados são:
o trabalho como princípio educativo; a cidadania como possibilidade de o homem
construir relações; a democratização e construção do saber e a criticidade como
requisito de fazer leitura do mundo. A linha metodológica segue a abordagem interdisciplinar dos conteúdos, as linguagens como expressão e organização do pensamento e a realidade do aluno como ponto de partida da prática pedagógica. Para
tratar melhor os conteúdos, o currículo foi organizado por área de conhecimento.
A segunda proposta trata do Projeto de Ensino Fundamental de Jovens e Adultos do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais, do qual destacamos apenas alguns princípios, que, somados à experiência de Paiva, em nossa
análise, complementam a organização curricular dando mais eficácia ao processo
pedagógico, como: flexibilidade na organização dos tempos escolares, construção
coletiva de trabalho, organização de projetos interdisciplinares e transdisciplinares
com oficinas diversas, atividades extra-classe e espaços reservados. A cada semestre deve-se ter a definição de incluir vários subtemas ( COELHO, 2001, p. 9-11).
A terceira refere-se à Educação Profissional. Nessa proposta, os conteúdos devem ter conexões com a realidade do educando para que produzam nexos e sen-
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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O desafio do
professor na
construção do
currículo da
Educação de
Jovens e Adultos
(EJA)
tidos, devendo ser desenvolvidos através de práticas pedagógicas, cujos conceitos
mantenham conexão com as várias ciências. Dessa forma, espera-se que haja o resgate da formação e se desenvolva a autonomia e a criatividade.
(*) O Projeto de Ensino Fundamental de Jovens e Adultos do Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais – 2° segmento – Proef 2 – compõe hoje, com o Projeto de
Ensino Fundamental – 1° segmento e o Projeto de Ensino Médio, o Programa de Educação
Básica de Jovens e Adultos da UFMG. Esse programa oferece a funcionários da Universidade e pessoas da comunidade a oportunidade de escolarização básica, com avaliação no
processo e certificado expedido pela escola de Ensino Básico – Centro Pedagógico UFMG
( COELHO, 2001, p. 9-11).
Considerações finais
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O desafio do
professor na
construção do
currículo da
Educação de
Jovens e Adultos
(EJA)
A formação educativa dos sujeitos se dá em vários espaços da convivência humana. A escola, como um dos espaços de construção e reconstrução do conhecimento, tem como função promover o acesso e a permanência dos sujeitos. Nesse
sentido, a escola requer que seus professores compreendam os princípios e os fundamentos da EJA, centrados na igualdade de condições e liberdade de aprender.
As três propostas apresentadas para a EJA apontam uma ruptura da construção
clássica da organização curricular por disciplina com modelos preestabelecidos de
forma linear.
Este é o grande desafio do professor da EJA: construir o conhecimento dos educandos, através de uma relação dialética, conduzindo a sua prática de docência e
reconhecendo a validade das experiências dos indivíduos.
É assim que o currículo da EJA necessita ser construído: em movimento, nas
práticas docentes, nas discussões coletivas, pela adequação dos conteúdos, por
meio de uma interface entre os diferentes autores, baseado na realidade e na identidade dos educandos e nos valores sociais produzidos.
Desse modo, é preciso que o educador da EJA seja reflexivo, pesquisador e
comprometido.
As ações que congregam um verdadeiro mestre são aquelas que conduzem
seus discípulos, que buscam na escola uma porta de esperança para uma vida melhor a caminho de uma aprendizagem significativa para melhor compreensão da
vida e leitura de mundo.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
REFERÊNCIAS
COELHO, A. M. S. et al. A elaboração da proposta curricular como processo de formação docente.
Alfabetização e Cidadania: revista de Educação de Jovens e Adultos, São Paulo, n.11, abr. 2001.
FRIGOTO, G.; CIAVATTA, M. (Org.). Ensino médio, ciência, cultura e trabalho. Brasília: MEC/
SEMTEC, 2004.
LOPES, A. C.; MACEDO, E. A estabilidade do currículo disciplinar: o caso das ciências. In: LOPES, A;
MACEDO, A. Disciplina e integração curricular: história e política. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. p. 74.
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O desafio do
professor na
construção do
currículo da
Educação de
Jovens e Adultos
(EJA)
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Conteúdos significativos:
desafio na Educação de
Jovens e Adultos
Heleonira Lima*
RESUMO
Este artigo traz à tona o diálogo das especificidades da Educação de Jovens e Adultos. Para
isso, propõe uma reflexão sobre a adequação
dos currículos preestabelecidos e a realidade
desse segmento educacional delineando uma
práxis coerente e coesa embasada no reconhecimento desse aluno considerando a sua vivência ao longo de sua história.
Palavras-chave: EJA; currículo; desafio;
escola.
Serviço Social do Comércio
ABSTRACT
This article brings up the dialogue of the
specificities of Youth and Adult Education.
To this end, it proposes a reflection on the
suitability of pre-established curricula and
the reality of this educational segment,
outlining a coherent and cohesive practice
based on the recognition of the young and
adult students, considering their experiences
throughout their stories.
Keywords: Youth and Adult Education;
curriculum; challenge; school.
Educação em Rede
* Graduada em Pedagogia, com pós-graduação em Psicopedagogia e Gestão Escolar. Professora de Educação Infantil (Rede Privada, SP) e Ensino Fundamental 2º Segmento, EJA,
professora (Rede Pública, Cuiabá). Coordenadora da Educação Infantil e Ensino Fundamental 1º Segmento SESC AR/MT, professora da Formação Continuada de Educadores e
do Programa Salto para o Futuro SESC AR/MT. Técnica Pedagógica do Projeto SESC Ler e
gerente do SESC Escola de Cuiabá/MT.
A existência da escola justifica-se pelo conhecimento. Por ele e para ele é que
a escola se mantém há séculos. Mas ainda é o ponto central de intermináveis discussões, e isso se deve ao fato de que tanto os estudantes como os professores não
possuem a real consciência do que é necessário ensinar e aprender.
Constante é a busca pelo saber, que quando saciada nos acomoda e equilibra
(PIAGET, 1980). Cabe ao profissional da educação gerar interesses pelo desafio de
saber mais e mais. Este é o ponto crucial para o início da ação pedagógica – partir da
necessidade de reconhecer o aluno gerando estratégias em que as dúvidas venham
à tona promovendo um continuum de descobertas e realizações.
Esse percurso parece ser natural e até poético, mas não é assim. Aprender requer um lançar-se ao novo, ao desconhecido, e isso certamente gera insegurança
e medo, que muitas vezes nos paralisam, pois, como afirma Rubem Alves, “para entender é preciso esquecer quase tudo o que sabemos. A sabedoria precisa do esquecimento. Esquecer é livrar-se dos jeitos de ser que se sedimentam em nós e que
nos levam a crer que as coisas têm de ser do jeito que são” (in OLIVEIRA, 2008).
Historicamente, a prática educativa não incita questionamentos. Ao contrário,
a passividade é a condição para a aprendizagem, em que qualquer insucesso está
sob a responsabilidade exclusiva do aluno.
Ainda hoje é muito presente essa perspectiva tradicional com propostas únicas
em todo o país, desconsiderando especificidades, inclusive regionais, e impedindo
inovações a partir de suas realidades.
O aluno da EJA procura a escola com múltiplas expectativas: de “alcançar um nível melhor perante a sociedade”; de “adquirir conhecimentos para poder lutar pelos
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
125
Conteúdos
significativos:
desafio na
Educação de
Jovens e Adultos
seus direitos”; de “ser o exemplo da família”; de poder compreender melhor “a vida,
porque quem não sabe é cego, mudo e surdo”1.
Sobre essas expectativas não podemos construir uma escola estática, que se
preocupa somente com a educação reparadora ou equalizadora, pois não há como
recuperar o tempo perdido pelos alunos da EJA, nem propor direitos de igualdade,
simplesmente. Tem-se que qualificá-lo, favorecendo o aprender ao longo de toda a
sua vida. É preciso praticar a educação transformadora.
Nessa perspectiva, as estruturas legislativas têm caminhado num (re)conhecimento desses estudantes e deve-se a Paulo Freire a retomada dos pressupostos sobre a visão crítica e libertadora, pois só a conscientização leva à libertação, que deve
ser propiciada na análise e elaboração do currículo da EJA, voltando-se cada vez mais
à educação funcional, aquela que prepara o educando para sua vida profissional.
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Conteúdos
significativos:
desafio na
Educação de
Jovens e Adultos
Tornando o aluno capaz de desvelar a sua realidade e propor alternativas de
atuação, ele terá condições de propor melhorias à sua vida, ressignificando suas expectativas de escolarização e assumindo outro enfoque – de significação, pois “o ato
de estudar implica sempre o de ler, mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo,
de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita” (FREIRE, 1993).
Dessa forma é descoberto um novo sentido no educar, tanto para o ensinante
quanto para o aprendente, mudando completamente o foco do processo educativo
para aquele que aproximará a vida da escola e a escola, da vida.
A influência dos novos pensares culminou na V Conferência promovida pela
Unesco, em 1997, na cidade de Hamburgo, na Alemanha, estabelecendo o vínculo
da EJA ao desenvolvimento da humanidade, onde se apresentaram os Quatro Pilares da Educação:
Aprender a conhecer: está imbricado ao aprender a aprender. Refere-se ao despertar para o
conhecimento numa capacidade de adquirir estratégias para desenvolver as suas próprias
opiniões com criticidade;
Aprender a fazer: estabelece a aquisição das ferramentas, instrumentos metodológicos necessários para o aprender, ou seja, aplicar na prática os conhecimentos teóricos adquiridos.
Não somente no que se refere à qualificação profissional, mas à aquisição de competências
que possibilite o enfrentamento de situações desafiadoras e de trabalhos em equipe;
1. Respostas de alunos de cursos supletivos, do Ensino Fundamental, ao serem perguntados sobre as motivações
que os levaram a voltar a estudar, obtidas durante a aplicação de 327 questionários durante o desenvolvimento da
pesquisa Educação básica, formação técnico-profissional e qualificação. Convergências e divergências entre capital e
trabalho, no atual quadro de reestruturação produtiva, de agosto de 1999 a julho de 2001.
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Aprender a conviver: consiste no maior desafio da educação, pois objetiva o conhecimento
de si mesmo e do outro para que em prol de uma sociedade mais solidária destitua-se
de opiniões preconcebidas. É somente sob a descoberta progressiva do outro que o desconhecido – o grande propulsor do preconceito2 – é vencido, desfavorecendo atitudes
conflituosas que promovam a destruição de si mesmo e da humanidade;
Aprender a ser: é o ápice do equilíbrio. A educação deve voltar-se para essa completude –
entre espírito e corpo –, com capacidade cada vez maior de discernimento, autonomia e
responsabilidade pessoal.
Nesse sentido, o relatório de Delors (1998) destaca a importância de se conceber a educação de modo integrado.
Numa altura em que os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento, em detrimento de outras formas de aprendizagem, importa
conceber a educação como um todo. Esta perspectiva deve, no futuro, inspirar e
orientar as reformas educativas, tanto em nível de elaboração de programas como
da definição de novas políticas pedagógicas.
Mudar: difícil começo, mas não impossível
O novo pensar em educação sugestiona a mudança de paradigmas, mas isso
não significa abster-se do já vivido, pois essas experiências embasarão futuras
ações, pois “negar o velho, substituindo-o pelo novo, é um princípio oposto a uma
atitude interdisciplinar na didática e na pesquisa em educação. (...) Negar o velho é
uma atitude autoritária” (FAZENDA, 2001, p.16).
Apesar de constatarmos que muitos paradigmas3 estão presentes na contemporaneidade não há como fazer uma educação nos moldes antigos. Devemos refletir e descortinar o que realmente concebemos como educação, como ela se dá e
qual o papel da sociedade e da escola para que ela se efetive. Como afirma Gaudêncio Frigotto, “não se trata de pura e simplesmente mudança de conteúdos, mas de
uma forma nova de produção de conhecimento”.
Assim, temos o desafio de buscar modelos que apontem caminhos para uma
melhor compreensão do mundo e suas múltiplas realidades, pois não se aceita
aprender como antes. Hoje o educando questiona, complementa e ensina.
2. Costuma indicar desconhecimento pejorativo de alguém ao que lhe é diferente.
3. Do grego parádeigma, modelo, padrão de regras, segundo as quais as pessoas procuram solucionar seus problemas e obter sucesso.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Conteúdos
significativos:
desafio na
Educação de
Jovens e Adultos
Para repensar a educação nesses moldes e aceitá-la, é preciso haver mudanças.
Isso significa lançar-se ao novo, transformar-se.
Saberes que tecem a aprendizagem
Os alunos jovens e adultos possuem conhecimentos que ao longo de sua vida
foram vividos e sedimentados. Nessa noção:
(...) o conhecimento se tece em redes que se tecem a partir de todas as experiências que
vivemos, de todos os modos como nos inserimos no mundo à nossa volta, não tendo,
portanto, nenhuma previsibilidade nem obrigatoriedade de caminho, bem como não podendo ser controlada pelos processos formais de ensino-aprendizagem (OLIVEIRA, 2003).
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Conteúdos
significativos:
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Educação de
Jovens e Adultos
Não há como desvincular os saberes vivenciados na informalidade dos elencados nas propostas educativas. Assim, para haver essa conectividade considera-se
três saberes: o do corpo, o cotidiano e o científico.
O saber do corpo é sustentado pelos cinco sentidos pertencentes a cada ser,
mas pouco valorizado nos dias de hoje e muito pouco incitado nas salas de aula, exceto nas aulas de artes. Contudo, é através desse saber que o aluno permite abrir-se
ao conhecimento mais formal, num maravilhamento que precisa ser cultivado e valorizado pelo professor, uma vez que é o caminho do raciocínio lógico, da reflexão,
do processo de análise-síntese, e assim constrói um novo e esperado conhecimento
– o científico.
Em referência à fenomenologia da percepção, o filósofo francês Maurice Merleau-Ponty explica que considera seu próprio corpo como seu ponto de vista sobre
o mundo (1971, p. 83). Assim, tem consciência de seu corpo através do mundo e
tem consciência do mundo devido a seu corpo (1971, p. 95).
Não há como perceber o mundo sem considerar as influências culturais e sociais. Não é possível entender o corpo de modo neutro: este é passível de interpretação e todos os seus resultados são partes de um conjunto de saberes, de conhecimento, de cultura.
Já o saber cotidiano é fundamentado no amadurecimento das experiências denominadas do senso comum, que, mesmo permeado por valores já concretizados
antes da escolarização, é desvalorizado tanto pelo aluno como pela própria escola,
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por não ser sistematizado. O aluno tem consciência disso e se sente inferiorizado
por tal situação.
É impossível entender essa dicotomia, pois se a escola está para atender/complementar as necessidades sociais, o que vem de fora dela é minimizado, negado.
Quanto ao saber científico, é sobre ele que a sociedade se volta numa valoração
permeada de interesses sociopolíticos determinados por uma minoria dominante.
Cabe aos dominados cumprir essas vontades, uma vez que se manter à margem
dos seus próprios interesses, comodamente, poderá garantir a sobrevivência.
É sob esta forma de produção de conhecimentos que se instala o nosso desafio,
pois a organização curricular sob a perspectiva cientificista dificulta o diálogo entre
as experiências vividas, os saberes já adquiridos e os conteúdos escolares.
Diagnosticar lacunas e propor alternativas viabiliza o caminho. E considerar
como ponto de partida que a unificação dos saberes é a possibilitadora do significado – do quê e para quê aprender – certamente alavancará mudanças.
Saberes do educador
A EJA, de um ponto de vista realista, enfatiza a necessidade da adequação do
educador a essa realidade, ou seja, não basta dominar técnicas de ensino nem decodificar os conteúdos a serem aplicados. Deve-se trazer para o aluno o que ele
realmente precisa saber para que o link com o mundo fora da escola seja estabelecido imediatamente, pois não há mais tempo a perder.
Segundo Freire (2002), deve haver uma relação de interação entre professores
e alunos que será pautada no conhecimento de que o processo de alfabetização de
adultos necessita de uma relação dialogal e autêntica, permitindo que os sujeitos
do ato de conhecer (educador/educando/educador) se encontrem movidos pelo
objeto a ser conhecido.
Caso o aluno perceba que não está aprendendo ou que o processo de ensino-aprendizagem está distante das suas expectativas, ele abandona a escola, e resgatá-lo é estabelecer o compromisso de resgatar também a sua autoestima para a
capacidade de aprender, pois, como dito anteriormente, ele acredita que já é tarde
para o saber, para a escola.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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desafio na
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Portanto, a anamnese4 é a grande possibilidade de o educando se expor, de trazer informações diversificadas dos seus grupos sociais, programas de lazer, formas
de obter informações, hábitos nutricionais, crenças; e de o educador acessar dados
que certamente interferirão na seleção dos conteúdos e da metodologia apropriada à aprendizagem. Ainda, atualizar periodicamente as informações, ressignificando conteúdos – ciclicamente, tornando-os cada vez mais próximos aos interesses
e necessidades dos alunos. Não basta propor estratégias para descobrir quem é o
nosso aluno. É essencial que a partir desse desvelar haja a adequação do currículo
de forma a atendê-lo.
A burocratização dos conteúdos é o bloqueio aos avanços pedagógicos na EJA,
uma vez que foram organizados sequenciadamente, do mais fácil para o mais difícil
e, ainda, de acordo com a linearidade das fases do desenvolvimento infantil. Assim,
a infantilização dos jovens e adultos é inevitável.
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significativos:
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Jovens e Adultos
A concepção e a prática bancárias, imobilistas, fixistas, terminam por desconhecer os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráter
histórico e da historicidade dos homens. Por isso mesmo é que os reconhece como seres
que estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e com uma realidade, sendo
histórica também, é igualmente inacabada (Freire, 1980, p. 83).
Torna-se essencial reverter essa situação para que o aluno não se sinta na posição da criança, pois são “estudantes que aspiram trabalhar, trabalhadores que precisam estudar”.5
Aprender: interesse ou necessidade
O homem é movido por pulsões,6 o que faz com que os seus interesses sejam
transformados em necessidades de aprender, que são validadas socialmente para
que, de forma comum, expliquem a sua realidade. São essas situações que redimensionam a educação, ampliando o foco curricular para as questões de cidadania.
4. Anamnese: do grego aná = trazer de novo e mnesis = memória, é uma entrevista que tem por objetivo trazer de
volta à mente todos os fatos relativos ao entrevistado.
5. Parecer CEB 15/98.
6. Para Freud, a pulsão significa broto, uma força germinativa; um impulso, impulsão, propulsão. É a forma originária
do querer.
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De acordo com Freinet (GRANZOTTO, 1997), é o fio de Ariadne7 que irá permitir
que uma escola desenvolva a sua ação pedagógica voltada ao trabalho, com os
recursos técnicos devidamente organizados, propiciando tateio experimental do
estudante de forma criativa e de livre expressão. Reforça, ainda, que é a livre expressão que libertará o aluno, possibilitando ao educador conhecê-la. Nesse ponto,
as teorias de Freinet e Paulo Freire se entrecruzam, porque é o conhecimento que
propicia o exercício da criticidade, e esta é o que permitirá a liberdade. Então não
há como separar as ações educativas desses objetivos, que num percurso único caminham para a formação do homem-cidadão.
O destaque da importância da imaginação para a construção do conhecimento, presente nos estudos de Ellis e Hunt (1993), confirma que, ao obtermos uma
informação via sentidos, o cérebro aciona uma matriz celular correspondente ao
estímulo sensorial. Evidente que a familiaridade com o objeto facilita o seu reconhecimento, pois a matriz celular já fora desenvolvida (LIMA, 2003).
Nessa teoria é possível inserir a ideia de conhecimento prévio do aluno, que a
partir da segunda metade do século XX ganha margens juntamente com o Construtivismo. Atualmente vem tomando outro sentido. Educadores verificam os conhecimentos adquiridos pelos alunos até em avaliações para esse fim, mas não utilizam
os dados para a adequação de planejamentos que atendam às necessidades deles
e nem para propor seus avanços.
Outro aspecto a considerar são as relações afetivas, “pois é certo que o que estabelece a relação professor e aluno é o prazer em aprender e os educadores sabem
disso, mas a dificuldade está na prática, separam o emocional do cognitivo, o intelectual do afetivo, o sentir do pensar” (LIMA, 2003).
A aprendizagem é determinada pelo aluno, o que quer aprender, como e quando. Basta lermos em suas expressões e encontrarmos a sintonia de fogos: “o fogo do
desejo de ensinar com o fogo do desejo de aprender”, como afirma Madalena Freire. É nesse boom de emoções que se resume o processo de ensino-aprendizagem,
pois, para Ranghetti (2001), “é a afetividade que desenha o grau de intensidade que
o nosso eu infere sobre o objeto a conhecer”.
7. Fio de Ariadne: expressão usada na literatura como metáfora. Inspirada na lenda de Ariadne, filha de Minos, rei de
Creta. Designa uma coisa que serve de guia a uma pessoa perdida entre dificuldades. Ariadne, presa em um labirinto,
encontrou a saída, guiando-se por um fio que desenrolava à medida que entrava no labirinto.
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significativos:
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Nesse sentido, identificar e canalizar as emoções às aprendizagens é tornar a
sala de aula um espaço com significados.
Snyders (1993, p. 392) conclui que:
O aluno aprende realmente bem o que cativa, numa atmosfera de aula que lhe pareça segura, com um professor que sabe criar afinidades. Eis porque a escola, ao mesmo tempo,
tem de conciliar o intelectual e o afetivo e constitui um lugar privilegiado para operar essa
conciliação. A alegria da escola só é possível na medida em que o intelectual e o afetivo
conseguem não se opor.
Tome-se o conceito de interdisciplinaridade, surgido na Europa (final da década
de 1960) e, a seguir, nos EUA, na luta dos estudantes contra a fragmentação das
áreas, buscando a proximidade do currículo aos temas políticos e sociais.
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No Brasil, Paulo Freire, na obra Pedagogia do oprimido (1968), conceitua a ação
curricular através de Temas Geradores, num diálogo entre os conteúdos a serem
estudados com a realidade sobre a análise crítica.
A escolarização dividida em disciplinas, sem diálogo, propicia a percepção também fragmentada dos conhecimentos, influenciando o desenvolvimento da habilidade de síntese, sendo esta adquirida quando a visão global dos fatos é aprendida.
Não é necessário ao educador abdicar de seu percurso profissional, pois “negar
o velho é uma atitude autoritária” (FAZENDA, 2001, p.16). Opor-se a isso é negar o
preceito que fundamenta a atual pedagogia na EJA em especial.
Quando Arroyo (2008, p. 20) diz “que é urgente recuperar o conhecimento como
núcleo fundante do currículo e o direito ao conhecimento como ponto de partida
para indagar os currículos”, ele reforça novamente a necessidade de definição da
educação que se quer partindo do cidadão que temos e do que queremos formar.
Tais fatores são decisivos para compor sujeitos com conhecimentos necessários ao
direito e aos saberes do trabalho.
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Considerações finais
As questões aqui abordadas buscam articular a problemática da EJA no que se
refere aos conteúdos, pois cabe à escola organizá-los, e esta o tem feito de forma
paralisante, alheia à realidade.
Os alunos de EJA esperam da escola a oportunidade de serem valorizados, pois
a condição de não escolarizados os mantém humilhantemente à margem da vida.
Esperam uma proposta educativa que possibilite o encontro de uma escola segura,
confiável, que respeite as suas experiências e a partir delas possa pensar num currículo significativo ao seu dia a dia.
Tal proposta não elimina as identidades curriculares, mas conta com profissionais especializados para assumir o desafio de articular as disciplinas no sentido único – de compreensão.
Mesmo na incerteza do que é isso e de como fazer, precisamos redimensionar
a nossa educação, significando-a para todos, uma vez que é ilimitado o potencial
humano para descoberta de novos campos de atuação.
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significativos:
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REFERÊNCIAS
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Paulo: Cortez, 2002.
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Curso (Especialização em Psicopedagogia) – ICE, 2002.
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MORAES, A. P. G. Inclusão da variável ambiental no ensino fundamental da rede municipal
de ensino de Cuiabá. 2000. p. 11-12. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Educação Ambiental) – UFMT, 2000.
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Conteúdos
significativos:
desafio na
Educação de
Jovens e Adultos
OLIVEIRA, I. B. Pensando currículo na Educação de Jovens e Adultos. In: PAIVA, J.; OLIVEIRA, I. B.
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In: CIAVATTA, M. (Org.). A experiência do trabalho e a educação básica. Rio de Janeiro: DP&A,
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SILVA, J. B. A Educação de Jovens e Adultos e interdisciplinaridade. Disponível em: <http://
www.fundaj.gov.br/licitacao/jovens_adultos.pdf>. Acesso em: 27 dez. 2008.
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Práticas educativas e
construção de currículo
em EJA
Reflexão das práticas avaliativas, construção
da aprendizagem significativa
Adna Ramos Abreu Santos*
Resumo
Abstract
Este trabalho apresenta uma breve reflexão sobre a elaboração do currículo escolar em EJA,
apontando aspectos relevantes de um de seus
elementos fundamentais, a avaliação. considerada um instrumento de suma importância
no currículo escolar e no processo de ensinoaprendizagem.
This paper presents a brief reflection on
the development of a school curriculum
on Youth and Adult Education, pointing to
relevant aspects of one of its fundamental
elements, the evaluation, considered an
instrument of paramount importance in
the school curriculum and in the teachinglearning process.
palavras-chave: Reflexão; currículo; avalia-
ção; aprendizagem.
Keywords: Reflection, curriculum,
evaluation, learning.
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* Curso de Graduação em Pedagogia - licenciatura Plena. Local de atuação: SESC - Serviço
Social do Comércio - Zona Norte - Natal/RN.
Introdução
Um dos pontos mais debatidos nos últimos 20 anos é a formação do docente
para atuar na área do Ensino Fundamental, e, em especial, na EJA. Inúmeras propostas inovadoras vêm sendo desenvolvidas com o intuito de avançar no conhecimento do campo de ensino em nosso país e melhorar a posição em que se encontram
os caminhos dos saberes nas universidades e escolas públicas em geral.
A vida profissional de um docente exige frequentes estudos, pesquisas em
fontes teóricas e experiências de trabalhos, mas não existe formação teórica que a
prática pedagógica em sala de aula não supere com novas reflexões baseadas em
observações comportamentais do aluno, na análise das suas mudanças de atitudes
em relação ao aprendizado mediado pelo professor, bem como no desenvolvimento de suas habilidades.
Tendo por finalidade contribuir para a ampliação dos seus conhecimentos,
auxiliando-os nas necessidades presentes no seu cotidiano, este artigo vem apresentar uma breve reflexão sobre a relevância das práticas docente e avaliativa na
sala de aula como elementos básicos e essenciais para a elaboração do currículo em
EJA, bem como da participação do corpo discente, contribuindo com suas histórias
reais e experiências. Tais práticas devem propiciar ao educando uma transformação
que o torne capaz de viver em uma sociedade com dignidade, reconhecendo seus
direitos e deveres, buscando resoluções para seus problemas.
Quanto à avaliação em EJA, que desempenha um papel essencial no currículo
escolar, esta não se restringirá apenas a formular um levantamento de informações
sobre resultados de aprendizagens, mas funcionará como um elemento de planejamento, ação-reflexão-ação.
Essa prática integra o processo de ensino e aprendizagem, de forma que poderá ser realizada continuamente pelo professor, que irá observar as atitudes, os
procedimentos, os conceitos e as ações direcionadas a situações reais, mostrando
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Práticas
educativas e
construção de
currículo em EJA
que realmente a aprendizagem se deu de forma significativa, sem pesar notas ou
pontuações, evitando uma concorrência por valores numéricos ou um julgamento
negativo, sem nada fazer para melhorar e buscar soluções para o aluno que não
conseguiu avançar.
Um currículo real
O currículo é um importante instrumento educacional, seja no âmbito escolar
regular ou na modalidade de EJA. Isso já é reconhecido por parte de quem tenta
organizar os caminhos que devem percorrer o ensino e a aprendizagem no processo cognitivo do ser social. O fundamental na sua elaboração não é compreendê-lo
apenas na forma tradicional, como um conjunto de conteúdos programáticos, mas,
sim, como e a quem será direcionada essa organização de conteúdos curriculares.
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Práticas
educativas e
construção de
currículo em EJA
O caminho que leva à formulação de uma proposta curricular torna-se o fruto
de uma série de decisões sucessivas que serão o resultado da aplicação de alguns
princípios firmemente estabelecidos e unanimemente aceitos. Consequentemente,
o que importa é justificar e argumentar sobre a solidez das decisões que vamos tomando e sobretudo velar pela coerência do conjunto (COLL, 1987, p. 43).
Na sua elaboração, de certa forma, estão implícitos o corpo docente e o discente, tornando-os reais e presentes.
O docente está diretamente em contato com diversificadas situações vivenciadas pelos alunos. É ele quem propicia a conexão entre os objetivos, conteúdos e
realidade dos alunos. Quanto ao corpo discente, este traz uma riqueza de experiências culturais e sociais para serem compartilhadas na sala com o grupo, ampliando
os conhecimentos e tornando a aprendizagem significativa. Sendo assim, o currícu-lo se torna um documento real e presente, podendo relacionar-se com o cotidiano
dos alunos, tanto dentro da escola como fora dela.
Coll (1987) afirma que o currículo pode ser considerado um projeto, pois ele é
um guia para os encarregados do seu desenvolvimento, um instrumento útil para
orientar a prática pedagógica, uma ajuda para o professor. Por essa função, não
pode limitar-se a enunciar uma série de intenções, princípios e orientações gerais
que, por ser excessivamente distante da realidade das salas de aula, seja de escassa ou nula ajuda para os professores. Portanto, o cuidado que devemos tomar
com esse guia é o de não deixar de fora o processo de produção sociocultural
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presente no cotidiano escolar e os sujeitos envolvidos na dinâmica de efetivação
das propostas.
Um Projeto Curricular válido, útil e eficaz é, por definição, um instrumento indefinidamente perfectível cujo uso pelos professores nunca se limita – ou não deveria limitar-se
– a uma aplicação mais ou menos automática. Um bom Projeto Curricular não é o que
oferece soluções prontas, fechadas e definitivas aos professores, mas aquele que lhes
proporciona elementos úteis para que possam elaborar em cada caso as soluções mais
adequadas, em função das circunstâncias particulares nas quais exercem sua atividade
profissional (COLL, 1987, p. 188).
O desafio do educador
Nas práticas curriculares de sala de aula é comum os professores agirem conforme o sistema de trabalho que lhes é destinado, selecionando uma lista com conteúdos e temas julgados relevantes. Depois, escolhem qualquer tema, organizam atividades que devem ser realizadas em busca de respostas às suas questões, seguindo
o roteiro para concluí-lo no final de cada ano letivo. Porém, o grande desafio do
educador é fazer com que esse documento oficial e técnico se transforme em um
currículo vivo, ou seja, aquele em que o profissional vai tentar associar o conteúdo
ao que é necessário na formação de um determinado sujeito que já atua em um
mundo social.
O professor se dirige a uma sala de EJA com intuito de desenvolver seu trabalho
sem a preocupação de relacionar os conteúdos com as experiências dos alunos, seus
desejos e ideais ou seus objetivos de vida. A dinâmica dos encontros se torna cansativa e desestimulante, sem falar que não vai auxiliá-los em suas necessidades sociais
cotidianas. Diferente desse professor é o que entra em contato com o grupo através
de um texto que reflete a sua vida e a dos alunos, conversando e pedindo exemplos
de situações contidas nos versos de uma poesia, comparando e valorizando a história de cada um, fazendo-os perceber e aceitar a riqueza que têm suas experiências.
As experiências de vida mais diversas surgem na atividade pedagógica e interferem no
trabalho curricular, trazendo ao cotidiano da escola uma multiplicidade e uma riqueza cultural e social não controláveis pelas propostas curriculares. Sendo assim, poder-se-ia dizer
que existem muitos currículos em ação nas escolas, apesar dos diferentes mecanismos
homogeneizadores. Infelizmente, boa parte das propostas curriculares tem sido incapaz de
incorporar essas experiências, pretendendo pairar acima da atividade prática e diária dos
sujeitos que constituem a escola (OLIVEIRA, 2001).
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Práticas
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currículo em EJA
A construção do currículo poderá ser coletiva. Antes da organização dos conteúdos, deve-se pensar quem é o sujeito que iremos auxiliar a ampliar o seu saber: um jovem que tem sonhos de frequentar uma universidade, um adulto que
pretende melhorar suas habilidades de leitura e mudar de cargo na empresa onde
trabalha, ou até mesmo um sujeito na terceira idade que gostaria de aprender a ler
um poema, simplesmente porque lembra sua vida, mas não teve oportunidade de
desenvolver suas habilidades de leitura e escrita. É com essa diversidade com que
nos deparamos nas salas de aula de EJA, é um desafio para o professor trabalhar
com os diferentes objetivos e pensar em uma forma de elaborar um currículo que
contemple essa heterogeneidade escolar.
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Práticas
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construção de
currículo em EJA
Refletindo sobre esse público de jovens e adultos, é fundamental organizar alguns importantes aspectos do currículo em EJA, que deveríamos utilizar para estruturar esse documento, tornando-o vivo e real: primeiramente, buscar informações necessárias para definir as intenções que formaram os objetivos e conteúdos,
considerando a singularidade dos vínculos estabelecidos por cada um em função
das experiências e conhecimentos anteriores, e, em segundo, romper com o formalismo e incorporar os saberes, valores e crenças adquiridos no universo social pelos
grupos de alunos.
Segundo Beane (1997), com esse enfoque colaborativo, a integração curricular
também promove uma integração social. Por essa razão, os professores que utilizam a aproximação empenham-se em criar comunidades democráticas em suas
salas de aula.
Com a integração de conhecimentos prévios vivenciados no dia a dia pelos
alunos é que os professores poderão ampliar saberes que realmente beneficiarão o
desenvolvimento e relacionar os conteúdos que serão um diferencial na aprendizagem. Assim, os educandos alcançarão os verdadeiros objetivos por eles almejados,
aqueles que têm um significado concreto e eficaz em suas vidas.
Para isso, nós, professores, devemos estar atentos à organização dos conteúdos
presentes no currículo da EJA, não nos restringindo a transmitir apenas matérias
dentro de disciplinas estabelecidas e que não tenham nenhum vínculo com a realidade dos alunos, mas trabalhando de uma única forma, visando a atender todos
no grupo com equidade, pois não devemos esquecer que nossas salas de aula são
também heterogêneas, cada um aprende em tempos e de maneiras diferentes.
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Os conteúdos que devemos abordar nas salas de Educação de Jovens e Adultos
devem conter temáticas que levem os alunos a refletir sobre sua condição de membros de uma sociedade, na qual se produzem certas formas de relação das pessoas
entre si e delas com o meio natural.
A avaliação, por muito tempo, limitou-se a reunir informações sobre resultados de aprendizagem obtidos pelos alunos, que, muitas vezes, eram tidos como
responsáveis pelo sucesso ou fracasso na escola. O ato de avaliar poderá servir a
outros fins, além de só saber se o aluno alcançou ou não certos objetivos de aprendizagem. A avaliação reúne diferentes sujeitos e objetos, também diversas funções,
por ser concebido como um elemento do planejamento e como uma prática que
integra o processo de ensino e aprendizagem.
Ao centrarmos a avaliação no educador, devemos analisar o processo de ensino
planejado e executado por ele, suas expectativas em relação ao grupo ou a cada
aluno, a adequação dos conteúdos e as estratégias didáticas. Com essa expectativa, a avaliação é tomada como instrumento de acompanhamento do processo de
aprendizagem de cada aluno e do grupo, ao mesmo tempo, instrumento de acompanhamento do processo de ensino, de regulação do planejamento e verificação
de sua adequação às necessidades de aprendizagem dos alunos. Entre as diversas
possibilidades de avaliação estão a diagnóstica ou inicial, a formativa ou a de processo e a somativa ou de resultados, que desempenham a função, para o aluno e
para o educador, de integrar a prática educativa do início ao fim, de forma contínua
no decorrer do processo.
A primeira, diagnóstica ou inicial, é essencial para darmos partida à aprendizagem dos alunos, para identificarmos seus conhecimentos prévios sobre determinado tema, conceito, procedimento etc. Esse momento é adequado para que o
professor conheça o que os alunos já sabem, quais procedimentos dominam, que
atitudes os predispõem ou indispõem para realizar a aprendizagem do conteúdo
em pauta. Com essas informações, o educador poderá ajustar seu plano de intervenção pedagógica, adequando-o às condições em que seus alunos se encontram.
A avaliação formativa ou de processo é a que permite ao educador acompanhar
o processo de aprendizagem dos alunos e saber de que modo as atividades didáticas estão colaborando ou não para que os alunos atinjam os objetivos previstos. Baseando-se nessas informações, o educador poderá também realizar ajustes no seu
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plano com o objetivo de encontrar respostas às necessidades manifestadas pela
turma ou por algum aluno, para os quais deverá propiciar trabalhos diferenciados.
Por último, a avaliação somativa ou a de resultados tem como objeto os resultados obtidos pelos alunos, e que é ponto de chegada promovido pelo educador por
meio de seu plano de ensino. É através desse instrumento que ele prevê e planeja
novas aprendizagens, revendo seu plano e estratégias de trabalho para uma próxima etapa ou uma nova turma.
Desse modo, a escola encerra sua ação na verificação dos resultados, transformando “o processo dinâmico da aprendizagem em passos estáticos e definitivos”.
No entanto, a avaliação da aprendizagem deve ser “um ato dinâmico que qualifica e
subsidia o reencaminhamento da ação” (LUCKESI, 1990, p. 75).
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Práticas
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O educador poderá utilizar diversas formas de registro de sua prática e dos
avanços do aluno. Uma dessas formas presente no dia a dia de sala de aula, é o
portfólio dos alunos, que é um instrumento que arquiva informações obtidas em
avaliações diagnósticas, de processo e de resultados, organizando atividades que
acompanham a aprendizagem. Com esse instrumento, que permanece em sala de
aula, o professor pode se orientar para fazer seus registros e observações, analisar,
refletir, estudar e pesquisar novos caminhos. É esse registro diário, semanal ou mensal de todo o processo de trabalho desenvolvido com os alunos, observando suas
atitudes, ações e procedimentos diante das dificuldades encontradas e os novos
conceitos adquiridos por eles, que facilitará um novo planejamento de ações para
mediar uma aprendizagem significativa.
Outro instrumento de que o professor poderá apropriar-se é a ficha de observação por objetivo de aprendizagem, que consiste em uma tabela preenchida pelo
educador em determinados períodos do processo de aprendizagem. Existem ainda
diversas formas de organizar as informações que substituem a avaliação, além de
atividades especialmente destinadas a esse fim, como provas, trabalhos, pesquisas
etc. O importante é contar com alguma forma de registro que retrate o andamento
do processo de ensino e aprendizagem, para que tanto os alunos quanto o educador tenham referências para aperfeiçoar o trabalho.
No seu verdadeiro sentido, a avaliação sempre faz parte do processo de ensino-aprendizagem, pois o professor não pode propiciar a aprendizagem a menos que esteja constantemente avaliando as condições de interação com seus educandos (VASCONCELLOS,
1956, p. 59).
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A questão da avaliação está na verdade voltada para uma finalidade fundamental, que é favorecer a aprendizagem dos alunos e auxiliá-los a alcançar esse
fim com clareza e significado. Como instituição, o que se espera da escola é que
possa colaborar para formar a cidadania (objetivo de que participam outras instâncias sociais) pela mediação do conhecimento científico, estético e filosófico. O
conhecimento não tem sentido em si mesmo: deve ajudar a compreender o mundo
e a nele intervir. Assim sendo, entendemos que a principal finalidade da avaliação
no processo escolar é ajudar a garantir a formação integral do sujeito por meio da
efetiva construção do conhecimento, a aprendizagem por parte de todos os alunos
(VASCONCELLOS, 2000, p. 47).
Algum dia, podemos imaginar, não mais haverá notas, conceitos ou classificação na escola. Porém, a avaliação, com certeza, sempre existirá, com o objetivo de
acompanhar o desenvolvimento dos alunos, para ajudá-los em suas dificuldades,
não com a finalidade de exclusão do processo educacional.
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Considerações finais
Em resumo, pode-se concluir que a elaboração de um currículo na escola é fundamental para se alcançar um bom desempenho e rendimento do educando, e que
a prática, a experiência e estudos facilitam a elaboração de um documento que
auxilie todo o trabalho docente com base na vida dos discentes e de toda a comunidade escolar.
Esta breve reflexão não tem como intuito fornecer a receita certa para se elaborar um currículo com um mesmo padrão, pois bem sabemos que cada escola, seus
profissionais e alunos têm uma necessidade diferenciada, mas que a experiência
com a prática nos favoreça no desafio de enfrentar e vencer as dificuldades que
encontramos na área da educação.
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Práticas
educativas e
construção de
currículo em EJA
Se pretendermos que os nossos alunos jovens e adultos se apropriem do conhecimento e da aprendizagem significativa e que tenham o saber como um requisito essencial e como uma ferramenta que os auxilie em sua vida social, devemos ir
além do marco de um currículo disciplinar idealizado para submeter a população
a um saber não funcional. Precisamos nos aproximar da realidade dos alunos com
o objetivo de realmente ajudá-los a vencer e a ter uma vida digna na sociedade.
Devemos pensar melhor no instrumento de avaliação, tomando os devidos cuidados não para medir o que o aluno sabe, mas para observar sua reação diante de
situações desafiadoras do cotidiano com base na aprendizagem adquirida.
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REFERÊNCIAS
BEANE, J. A. Curriculum integration: designing the core of democratic education. New York:
Teacher’s College Press, 1997.
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Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Práticas
educativas e
construção de
currículo em EJA
Reflexões para a
constituição de um
currículo possível em
Educação de Jovens e
Adultos
Lêda Letro Ribeiro*
RESUMO
Este trabalho resulta da minha reflexão sobre as fundamentações teóricas da educação;
a função da escola na atual conjuntura brasileira; os impactos das novas políticas públicas
sobre o direito de todos os brasileiros a uma
educação de qualidade; as especificidades da
Educação de Jovens e Adultos (EJA); e os desafios gerados em relação à elaboração de um
currículo que leve em conta os processos pedagógicos, inclusive de alfabetização e letramento dos alunos no Ensino Médio, e à necessidade
de formação de professores qualificados para o
atendimento desse público.
ABSTRACT
These paper results from my reflections on
the theoretical foundations of education,
the role of schools in the current Brazilian
juncture, the impacts of new public policies
on the right of all Brazilians to quality
education, the specifics of Youth and Adult
Education, and the challenges faced when
developing a curriculum that takes into
account the teaching processes, including
the literacy and higher learning of high
school students, and the need to train
qualified teachers in order to meet the needs
of this target audience.
Palavras-chave: Educação; direito; currículo; jovens e adultos.
KEYWORDS: Education; law; curriculum;
youth and adults.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
* Profissional integrada à Educação Básica na Modalidade Educação de Jovens e Adultos
na IF-SC; professora de Geografia e Filosofia, no curso de ensino médio modalidade EJA no
SESC-SC; membro do Fórum Estadual de EJA e professora/tutora a distância do polo de
Florianópolis, no curso de aperfeiçoamento de professores de EJA da UFSC.
Introdução
O presente trabalho está organizado em quatro partes: na primeira, traço
um panorama de como a educação brasileira está inserida no contexto político
mundial e nacional e defendo a importância do professor como agente crítico de
mudança; na segunda parte, apresento os principais desafios e dilemas enfrentados pelos professores da EJA e desenvolvo a ideia de que é possível e necessária a
constituição de um currículo mais adequado às especificidades dessa modalidade
de ensino; na terceira, relato como a teoria e a prática pedagógica se recriam e se
contextualizam no cotidiano escolar do Centro de Atendimento de Florianópolis (CAF); e na quarta e última parte concluo com a mesma questão que o inicia,
será mesmo possível a constituição de uma proposta curricular baseada em um
outro paradigma?
O conhecimento crítico como poder de
transformação
A educação é um campo onde as decisões simbólicas são tomadas a partir de
uma luta em que diferentes classes estão envolvidas. A cultura dominante integra
a classe dominante ao distingui-la das outras e ao desmobilizar a classe dominada
a partir dos sistemas simbólicos que servem para impor e legitimar a dominação.
Nesse contexto a escola funciona como o aparelho ideológico central do Estado,
transmitindo a ideologia da cultura dominante por meio de seu currículo, o que
garante a reprodução mais ampla da sociedade capitalista (SILVA, 2001).
Assistimos, nas últimas décadas, à construção de um discurso ideológico divulgado pelas classes dominantes em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil, no qual a
educação quase sempre esteve relacionada a padrões e modelos que não atendem
às necessidades da sua população, mas a uma lógica externa. Ao longo da história,
a dominação se fez presente nas mais diversas áreas: econômica, institucional e política, estando esse discurso representado, entre outros, em documentos legais que
legitimam políticas educacionais neoliberais.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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de um currículo
possível em
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Jovens e Adultos
Na década de 1990, o Ministério da Educação (MEC), em associação aos organismos internacionais: Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI), Organização Mundial do Comércio (OMC) etc., preparam, por intermédio da escola, tanto educadores como educandos para aceitarem passivamente a lógica do capital,
como se esta fosse uma “coisa natural” (SIQUEIRA, 1997). O que se observou foi a
nova agenda educacional imposta por esses organismos, que prega a expansão da
escolarização básica com o objetivo de acabar com o analfabetismo e de atender às
necessidades do mercado em detrimento dos cursos de educação de nível superior
e da pesquisa, o que ainda leva o país a uma dependência cada vez maior da ciência
e da tecnologia desenvolvidas no exterior.
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de um currículo
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Nesse contexto, a adoção da lógica da gestão empresarial pelas escolas vem
se tornando real. A docência e a profissionalização dos professores vêm regidas
por leis, diretrizes e pareceres que estimulam a competição entre as instituições.
Transformam, assim, a função do professor, que antes era a de transmissor do conhecimento, na de colaborador, um profissional competente, eficiente, habilidoso,
polivalente e comprometido com a construção de uma escola eficaz que objetiva
formar trabalhadores cada vez mais competentes, habilidosos, versáteis e atualizados. Entretanto, alienados, não enxergam que ao competir por uma vaga em um
mercado capitalista que oferece emprego somente para uma parcela da população
provocam o aumento da exclusão social e da miséria da nação.
Com um discurso ambíguo de descentralização e autonomia, o governo foi se
desobrigando de seus deveres, transferindo para esferas menores, estados e municípios, a responsabilidade da oferta da educação básica, ao mesmo tempo que
continuou exercendo controle sobre a suposta qualidade, através do Sistema de
Avaliação, que impõe padrões de eficiência aos sistemas de ensino.
Paralelamente a essas políticas, entidades ligadas à formação de professores
buscam desenvolver uma base comum nacional para formação dos profissionais da
educação, como é o caso da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Educação (Anped), oferecendo oportunidade para uma qualificação real.
Nós, professores, precisamos juntar esforços a essas entidades para melhor conhecer a história e o contexto em que os documentos e os discursos sobre a EJA
foram e são produzidos. Esse entendimento, a meu ver, é fundamental para a realização de um trabalho crítico e libertador nessa modalidade.
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Dilemas e desafios, qual a melhor forma de
superá-los?
Segundo o Documento Base Nacional Preparatório à VI Conferência Internacional de Educação de Adultos (Confintea), os números do analfabetismo no Brasil
ainda são enormes. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou
que 14,4 milhões de brasileiros, com 15 anos ou mais, eram analfabetos em 2006; na
região Sul eram 1,2 milhão. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio
(Pnad), 30,5 milhões de brasileiros com 15 anos ou mais em 2006 eram analfabetos
funcionais, ainda que tenham frequentado a escola em média 8,5 anos. Esses dados
confirmam e denunciam a desigualdade de acesso e permanência na escola entre
os cidadãos, a precariedade do desenvolvimento da habilidade básica de leitura e
escrita e o quanto ainda se tem a fazer para transformar a escola em um espaço de
inclusão e de valorização das múltiplas culturas que constituem a nossa sociedade.
A realidade dos nossos alunos não é diferente. Como resultado de todos esses fatores, atualmente recebemos matrículas no Ensino Médio de alunos precariamente alfabetizados, muitos analfabetos funcionais. Esses estão sendo promovidos
pelos professores do Ensino Fundamental antes de sequer dominar a técnica de
leitura e escrita.
Tal fenômeno tem desafiado o coletivo de professores que leciona no nível
médio na modalidade EJA. Na maioria das vezes, somos profissionais que não
possuem formação específica em alfabetização. Por isso ficamos sem saber como
agir. O que fazer? Aqui, arrisco a fazer algumas especulações. Talvez as instituições
que oferecem vagas nos cursos de nível médio devessem contratar profissionais
especialistas em alfabetização. Essa atitude, em curto prazo, poderia levar as escolas
a cumprir seu dever mais elementar que é o de ensinar a ler e escrever; em médio
prazo, nós, professores, poderíamos nos qualificar para atender às necessidades de
alfabetização dos alunos jovens e adultos e, em longo prazo, os gestores, educadores
e educandos do primeiro e segundo segmentos do Ensino Fundamental e do
Ensino Médio deveriam promover encontros para debater e estabelecer o nível de
proficiência em leitura e escrita que o aluno deve alcançar antes de ser promovido
para o nível seguinte.
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Porém, enquanto medidas não são tomadas, o que fazer com esses jovens e
adultos que ao final de um curso de nível médio ainda se encontram no estágio de
semianalfabetismo?
Acredito que o maior dilema dos professores da EJA, hoje, seja decidir sobre o
que fazer. Certificar o aluno que frequentou as aulas, mas não concluiu seu processo
de alfabetização, ou reprová-lo e contribuir para o agravamento de sua baixa autoestima, reafirmando sua incapacidade de aprender?
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A responsabilidade dos educadores que trabalham nos cursos que possuem
autonomia para fazer a avaliação no processo e expedir o certificado de conclusão
da Educação Básica é muito grande. O que leva a formular outras perguntas: qual
a qualidade de um curso que não consegue sequer alfabetizar os alunos? Até que
ponto a responsabilidade é do professor que não está conseguindo fazer as mediações necessárias e até que ponto a responsabilidade é do aluno que não está se
dedicando o suficiente para superar suas limitações? Como buscar juntos respostas
satisfatórias a essas questões? Segundo Hoffmann (1997),
Uma prática libertadora da avaliação não exige obrigatoriamente uma revolução de métodos e técnicas, mas uma compreensão diferenciada do seu significado, uma consciência
crítica de nossas ações.
E no caso dos alunos que chegam alfabetizados ao Ensino Médio, como formálos para que se apropriem cada vez mais de sua língua materna em benefício de
todos? O que cabe aos professores realizar em relação ao letramento para que se
alcance o bem comum? Acredito que propiciar situações em que o aluno se mobilize para:
• desenvolver a capacidade de usar a língua portuguesa, compreendendo que
ela possui códigos e convenções que são apenas parecidos com os da língua
falada;
• ampliar seu vocabulário;
• passar de um pensamento rudimentar a um mais complexo;
• expressar melhor, seja oralmente ou por escrito, suas emoções, seus sentimentos, seus sonhos, seus planos etc.;
• conhecer, reconhecer, ler e interpretar textos de vários gêneros e tipos;
• identificar os suportes em que estes são publicados;
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• compreender que a leitura nos permite repensar o que se pensa de acordo
com as ideias de outros, inclusive daqueles que já morreram ou que estão
distantes de nós;
• buscar informações;
• participar de debates, de seminários, reuniões;
• construir argumentos para discordar, se opor, concordar, enfim, posicionarse e daí ter o que escrever;
• escrever com a intenção de divulgar as próprias ideias e, a partir disso, interferir e influenciar na forma e nos pensamentos de outras pessoas;
• entender que escrever dá poder e que quanto melhor se escrevem ideias
criativas, criadoras, lógicas, maiores as chances destas se tornarem “imortais”.
Assim, talvez, o aluno perceba o papel social da escrita.
Além disso, nós, professores, também temos que ter consciência da importância da leitura e da escrita na participação social. Precisamos investir na nossa formação e quem sabe nos tornarmos, como diz Ramos (2007),
(...) um intelectual pesquisador, comprometido com a elaboração de um currículo que organize os conhecimentos tanto em forma de disciplinas ou de projetos interdisciplinares,
mas que garanta a manutenção dos referenciais das ciências básicas, relacionando os conceitos e integrando conhecimentos gerais e específicos, sob uma construção contínua ao
longo da formação, sob os eixos do trabalho, da ciência e da cultura.
Outra informação trazida pelo Documento Base Nacional Preparatório à VI
Confintea é o crescimento das matrículas de jovens e adultos na modalidade EJA
do Ensino Médio no Brasil. Entre 1997 e 2006, este foi da ordem de 344%. Essa nova
realidade amplia as perspectivas para EJA, apontando-a como uma área específica de
direitos e de responsabilidade político-educacional, já que educamos quase sempre
agentes oriundos das classes populares, jovens, adultos e idosos, na sua maioria
negros e negras pobres, filhos de trabalhadores braçais analfabetos, que possuem
uma trajetória escolar marcada pela discriminação negativa, pelas reprovações
e interrupções. A cada dia está mais presente na escola a multiplicidade de raça,
de cultura, de gênero, de linguagem, de classe etc., o que nos obriga a definir um
novo paradigma para essa modalidade da Educação Básica, construindo não só um
currículo que inclua a todos, mas uma escola que rompa com o modelo tradicional.
As políticas públicas e a elaboração de documentos-base para a EJA são muito
recentes e muito ainda se discute na Câmara de Educação Básica do Conselho
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Nacional da Educação (CEB/CNE); somam-se a isso professores desqualificados,
desatualizados e desmobilizados; um contexto sociocultural desfavorável dos
alunos; e a falta de infraestrutura e de recursos pedagógicos, o que gera um quadro
caótico e torna de extrema urgência que os sistemas de ensino mantenedores
de cursos de EJA promovam cursos de formação de professores/educadores em
serviço que garantam a melhoria da qualidade da educação, principalmente
quando se deseja a elaboração de um currículo capaz de atender às necessidades
de aprendizado da classe trabalhadora.
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Porém, não podemos negar que houve avanços na condução das políticas públicas para a EJA. O governo atual vem somando esforços aos movimentos organizados da sociedade civil para que a alfabetização e o letramento de jovens e adultos sejam alcançados, através da criação da Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (Secad), da Comissão Nacional de Alfabetização e de
programas como o Brasil Alfabetizado. Gradualmente, vem assumindo novos compromissos políticos no sentido de garantir o direito à educação dos alunos da EJA.
Em 2006, foi instituído pela Emenda Constitucional nº 53 o Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em substituição ao Fundef; tem se apoiado os Sistemas de Ensino
para Atendimento à EJA e a Educação Profissional Integrada à Educação Básica na
Modalidade de Jovens e Adultos (Proeja), em consonância à Capacitação de Profissionais do Ensino Público, promovido pela Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica (Setec/MEC), além do financiamento dos últimos Encontros Nacionais
de EJA (Eneja), entre outros.
Mas que capacitação é necessária?
Segundo Moreira (1999), é preciso formar docentes multiculturais, capazes de
analisar sua prática criticamente a fim de aprimorá-la; comprometidos com o seu
desenvolvimento intelectual, agentes transformadores e pesquisadores que compreendam as posições de distintos grupos culturais em uma mesma sociedade e
a concepção burguesa de trabalho historicamente construída, redutora da mão de
obra do trabalhador a mera mercadoria de troca. Essas são competências essenciais
para que o nível de proficiência dos educandos melhore.
Esses momentos e espaços de formação são fundamentais, mas é preciso que
o professor/educador se questione: de que lado se está? Qual deve ser o papel de
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quem quer ver a lógica da cultura dominante revertida? Como deve agir diante de
todas essas transformações neoliberais que afetam a sua vida, bem como a de seus
educandos? Que práticas, que teoria adotar?
Do discurso à ação
O Projeto Político-Pedagógico do Curso da EJA do Centro de Atividades de Florianópolis (CAF) – Serviço Social do Comércio foi elaborado em outubro de 2004
pela equipe técnica, coordenadoras regional e local, e fundamentado na Proposta
Pedagógica da Educação de Jovens e Adultos do Departamento Nacional do SESC,
elaborada em setembro de 2000. Em junho de 2006, o projeto foi aprovado pela Secretaria de Educação do Estado de Santa Catarina, ficando o SESC autorizado a oferecer o Ensino Fundamental (2º segmento) e o Ensino Médio na modalidade EJA.
Em agosto de 2006, o Curso passou a funcionar no CAF, que sedia múltiplas
atividades, o que possibilita aos alunos frequentar não só os espaços destinados às
aulas, como as salas, a biblioteca e o laboratório de ciências, mas também o teatro
do SESC. A área de teatro do SESC tem como programação cultural peças, espetáculos de dança, cinema, contação de histórias, shows musicais etc., e o centro de
convivência conta com um espaço privilegiado, no qual realizamos as festas de confraternização. Espaços externos também são utilizados para aulas e passeio, como
o centro comercial da cidade, os pontos turísticos, os museus, as feiras de flores e
livros, a sede campestre do SESC-Cacupé, a praia, a universidade etc. A proposta é
ampliar ainda mais o acesso dos nossos 150 alunos a outras atividades e espaços,
propiciando-lhes maiores e melhores alternativas de vivências culturais.
As atividades ocorrem de segunda a sexta-feira, com duração de quatro horas,
divididas em quatro aulas diárias nas disciplinas de Artes, Biologia, Filosofia, Física,
Geografia, História, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira, Matemática, Química e
Sociologia, ministradas por sete professores/educadores licenciados, coordenados
por uma equipe técnica formada por pedagogas.
O público atendido no Curso da EJA do CAF é formado prioritariamente por
trabalhadores ligados ao comércio e pela comunidade em geral, caracterizados
principalmente por serem sujeitos que permaneceram muitos anos fora da escola
e/ou carregam uma história de fracasso escolar. Quando questionados sobre seus
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objetivos ao regressarem ao espaço escolar, eles deram as seguintes respostas: criar
novas possibilidades profissionais e/ou ascender profissionalmente; melhorar a
empregabilidade, se preparar para atender às necessidades do mercado de trabalho; adquirir novos conhecimentos; concluir o Ensino Médio; continuar os estudos,
cursando o nível técnico ou ensino superior; ser alguém na vida; realizar um sonho;
satisfazer um desejo.
Por ser o Projeto Político-Pedagógico um documento oficial da escola onde se
registram as propostas curriculares, entendidas aqui como o conjunto das práticas
pedagógicas desenvolvidas no cotidiano escolar, ele vem sofrendo atualizações
permanentes com o objetivo de adequá-lo aos princípios por ele mesmo prescritos:
que o processo educativo seja mediado pelo mundo do trabalho, voltado à formação integral do educando, baseado nos preceitos da humanização, da democracia
e dos direitos humanos.
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São exemplos das atualizações:
• a integração do curso da EJA a outros setores, como o de grupos, de saúde,
de nutrição, de cultura, de esporte e de recreação, tornando-o responsabilidade de todo o CAF e não somente do setor de educação;
• a divisão do número de aulas pelo número de professores e não mais por
disciplina, o que mantém um equilíbrio maior entre as áreas;
• a oferta somente do Ensino Médio, porque nesse nível a demanda por vagas
é maior e a evasão menor;
• a adequação do tempo de duração do curso à determinação do Parecer CEB/
CNE nº 29/2006, de 1.200 horas distribuídas em 18 meses;
Outras características foram mantidas, tais como:
• a organização do curso em dois ciclos de formação e por disciplinas;
• a frequência mínima obrigatória de 75% às aulas;
• a avaliação quantitativa baseada em provas finais para definir médias que
deverão ser alcançadas pelos alunos;
• as reuniões de conselho de classe com a participação de todos os alunos.
A avaliação ainda é a maior dificuldade encontrada pelo grupo. Sabemos que
esse é o ponto que deverá ser revisto e reformulado pela equipe, o mais rápido
possível. Ainda que nada nos obrigue, continuamos a usar fórmulas que servem
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como parâmetros de uma avaliação classificatória excludente, prática que gera a
reprovação e a evasão.
Já o conselho de classe participativo é a nossa melhor prática, professores e
alunos se reúnem e todos têm o direito de avaliar o curso e de fazer propostas. É
um momento democrático que favorece o crescimento de todos. Porém, para que
se alcancem os princípios do Projeto Político-Pedagógico, é necessária a criação de
órgãos colegiados que possibilitem não só o debate, avaliação e formulação de propostas para a melhoria do funcionamento do curso, mas que tenham algum poder
deliberativo, como é o caso das assembleias escolares e/ou dos colegiados. Outra
oportunidade de participação política e democrática é o Fórum Estadual da EJA do
Estado de Santa Catarina. Precisamos motivar os alunos para que se mobilizem e
passem a participar, como, por exemplo, através de um grêmio estudantil.
Neste contexto, quais seriam as perspectivas?
Acredito ser o SESC uma instituição que se mostra aberta ao debate e que enseja a democratização da educação. Por isso, vários são os compromissos que podem
ser estabelecidos entre essa instituição e os sujeitos que estamos formando para
viver neste mundo, como:
• a construção de um currículo, com a participação de todos os segmentos,
que reconheça as especificidades da EJA, o histórico de exclusão e de baixa
autoestima dos educandos, as expectativas de ascensão social e a esperança
de uma vida com mais qualidade;
• a valorização das várias culturas trazidas por esses educandos;
• a proposição de práticas didático-pedagógicas que adotem avaliações de
caráter formativo, que elaborem objetos de estudo e materiais didáticos com
foco na interdisciplinaridade, visando a atender às especificidades da EJA;
• a valorização dos profissionais da educação, possibilitando sua formação
continuada e em serviço;
• a garantia da constituição de órgãos colegiados que propicie a participação
democrática da comunidade escolar em todos eles.
Quem sabe assim possamos resgatar valores que favoreçam a humanização
dos sujeitos, propiciando a formação integral de cidadãos éticos que reconheçam o
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valor de serem virtuosos, solidários, democráticos, morais, tolerantes, autônomos,
qualificados para o mundo do trabalho e emancipados.
É louvável e digna de reconhecimento a intenção de promover a formação cidadã ativa, oportunizando aos educandos uma melhor formação, um aprofundamento e aprimoramento de seus conhecimentos. Mas, para que estas se configurem
em ações reais, é imprescindível a atualização das práticas docentes, no sentido de
qualificá-las e torná-las abrangentes e inovadoras. O professor/educador somente
contribui para a formação de cidadãos críticos, livres, emancipados, conscientes,
responsáveis, autônomos, éticos, democráticos, felizes etc. se primeiramente desenvolver essas virtudes nele mesmo, abandonando a ingenuidade e os preconceitos do senso comum e adotando como princípio as atividades de análise, reflexão
e crítica.
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Jovens e Adultos
Acredito que se quisermos, podemos assumir compromissos pautados em outra lógica que não seja a do mercado, dando condições ao desenvolvimento pleno
do ser humano. Sim, é possível a constituição de um currículo para a EJA que represente um conjunto de práticas escolares capazes de contribuir para que as funções
reparadora, equalizadora e qualificadora sejam efetivadas ao socializarmos com os
alunos os conhecimentos que os levam a se perceberem como cidadãos que possuem direitos, segundo Rummert (2002),
(...) de acesso à escolaridade básica de qualidade, sem qualquer ordem de discriminação
negativa; de políticas que garantam retorno e a permanência fornecendo-lhes as condições necessárias para que adquiram ou complementem sua escolaridade e de atualização
de conhecimentos por toda a vida.
Tais conhecimentos devem possibilitar que o educando reflita sobre:
• o seu papel no mundo enquanto agente transformador da sua realidade individual e comunitária;
• sua participação na construção de uma sociedade democrática;
• sua compreensão do papel da ciência para a destruição das condições geradoras de exclusão e meio para promoção da sua inserção no mundo do
trabalho.
Desse modo, formaremos nossos jovens e adultos conscientes de seus recursos
pessoais, despertando-os simultaneamente para suas responsabilidades familiares,
sociais, profissionais, cívicas, culturais e políticas.
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Educação em Rede
Faz-se necessária e emergencial a fundamentação das práticas pretendidas em
teorias libertadoras como norteadoras da valorização dos profissionais da educação que as executarão, visando servir principalmente de orientação aos aprendizes
que buscam e necessitam de uma formação coerente e adequada às necessidades
de uma sociedade dinâmica e exigente.
Nessa perspectiva, cabe ao Estado formular políticas públicas para os sistemas
de ensino, viabilizar a construção de propostas pedagógicas que expressem o projeto político e cultural da sociedade, além de contratar, valorizar e remunerar adequadamente seus profissionais. Com salário justo e formação permanente, o educador conseguirá contribuir como mediador para que o educando conscientize-se,
a partir da reflexão, do seu papel no mundo do trabalho, buscando participar de
fóruns políticos e democráticos.
Estabelecer um novo paradigma é o grande desafio, uma vez que ainda persistem situações de exclusão provocadas, entre outras, pela adoção de práticas pedagógicas pouco adequadas à modalidade da EJA. Nesse contexto, cabe refletir sobre
os projetos políticos e culturais, suas finalidades, seus princípios, sua estrutura e seu
funcionamento, como e por quem estão sendo elaborados, quais são as condições
concretas de trabalho de quem os elabora e suas consequências para a qualidade
do curso oferecido pela instituição onde se trabalha.
Estamos em um momento político decisivo. Por sermos favoráveis à criação de
oportunidades de acesso e permanência das classes populares na escola, precisamos nos mobilizar para transformá-la em um espaço sociocultural onde o cidadão
tenha seu direito à Educação Básica de qualidade assegurada, pois só assim teremos a chance de fazer justiça neste país.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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de um currículo
possível em
Educação de
Jovens e Adultos
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de um currículo
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Jovens e Adultos
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Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Parte II
160
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
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Avaliação da
aprendizagem
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Avaliação da aprendizagem
escolar nos cursos da
Educação de Jovens e Adultos:
uma discussão acerca das
possibilidades de rediscuti-la
nos currículos escolares
Aldeci da Silva Dias*
RESUMO
A avaliação da aprendizagem escolar dos alunos da Educação de Jovens e Adultos necessita
de maior discussão, pela qual se pretende interpretar as diferentes vozes, quando são instadas a discutir sobre a avaliação. Apesar de ser
uma questão polêmica, não se pode fugir desse
tema, visto que os alunos precisam das “notas”
para serem promovidos. As assertivas dos diferentes autores denotam uma compreensão
crítica do assunto, mas que não podem ir muito além daquilo que a sistemática de avaliação
prevê. Muito embora a questão fundamental
não seja o quantitativo no ato de avaliar, mas,
sobretudo, o aspecto qualitativo das informações contidas durante esse processo, verificase um paradoxo ao se compreendê-la como um
mal necessário.
ABSTRACT
The learning assessment of the students in
Youth and Adult Education needs further
discussion in order for the different voices
urged to discuss the evaluation can be
interpreted. Even though it’s a controversial
issue, one cannot escape this topic, since
the students need their “grades” so as to
get promoted. The assertions of various
authors show a critical understanding of the
subject, but cannot go much beyond what
the systematics of the evaluation provides.
Although the fundamental issue is not
the quantitative of the evaluation action,
but above all, the qualitative aspect of the
information contained in this process, there
is a paradox when you understand it as a
necessary evil.
Palavras-chave: Avaliação; currículo;
discussão.
Keywords: Evaluation; curriculum;
discussion.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
*Aluno pesquisador pela Universidade Federal do Amapá. Formado em Pedagogia pela
Universidade Federal do Pará. Pós-graduado em Orientação Educacional pelas Faculdades
Integradas Severino Sombra. Licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal
do Amapá. Pós-graduado em Metodologia do Ensino de História pelo Instituto Brasileiro de
Pós-graduação. Especialista em Ciências da Religião pelo Ipar (Belém). bacharel em Direito
(Unifap). É orientador educacional na Escola Estadual Santuário do Perpétuo Socorro, na
modalidade EJA, pelo Governo do Estado do Amapá e professor de História pelo município
de Macapá. Atualmente é aluno de especialização em história do Amapá e do mestrado integrado em Desenvolvimento Regional pela mesma universidade.
Introdução
Muito se tem discutido sobre a avaliação e pouco se tem avançado quando se
fala no reenquadramento do currículo. Não por omissão, mas porque o tema é árido
e necessita de elementos que possam desvelar os mitos existentes.
A avaliação, ao longo do tempo, tem se constituído num dos aspectos mais problemáticos da prática pedagógica. Professores e pesquisadores têm efetuado vários
estudos no sentido de constatarem as causas que levam ao alto índice de evasão e
repetência escolar. Estão presentes diferentes situações e, entre estas, destaca-se a
avaliação porque é através dela que ocorre a aprovação ou reprovação.
Esse processo é indispensável na prática pedagógica. Se os educadores utilizarem-na adequadamente, tornar-se-á o recurso mais importante no processo ensinoaprendizagem, por possibilitar ao professor reformular ou não ou até mesmo cancelar seu planejamento e, consequentemente, transformar sua prática pedagógica.
No entanto, o que se observa é que a maioria dos professores não exerce o
papel que se atribui à avaliação, trazendo, assim, consequências graves para um
trabalho mais efetivo na práxis pedagógica.
Muitos fatores contribuem para que o professor utilize a avaliação de forma
inadequada, como, por exemplo, o currículo escolar, que privilegia o acúmulo de
conhecimento, não levando em consideração o processo amplo da educação; a má
formação do professor é outro fator, pois sua falta de conhecimento sobre o que
seja avaliação dificulta e prejudica todo um processo, porque, sem isso, ele não utiliza critérios para realizá-la e quando os usa, são arbitrários e inadequados.
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Com essa atitude, o professor atribui conceitos aos alunos baseado em seus
próprios valores e não leva em consideração a cultura dos alunos, em especial dos
provenientes das camadas pobres, tendendo a reproduzir os valores da classe dominante. Assim, a avaliação torna-se instrumento para conseguir disciplina na sala
de aula, confirmação do autoritarismo do professor etc., deixando, dessa forma, de
ter a sua função principal que é diagnosticar a aprendizagem.
Nesse sentido, a avaliação diagnóstica possibilita detectar as possíveis falhas
do processo ensino-aprendizagem e, assim, retomá-la, buscando novas alternativas para melhorá-la. No entanto, o que acontece é que o professor não dá muita
importância para os resultados obtidos pelos alunos, importando-se em transmitir
conteúdos que posteriormente serão cobrados e aos quais serão atribuídas “notas”.
Nesse caso, a avaliação apenas tem função de cumprir aspectos legais na vertente
“conteana”, assim esquecendo a função pedagógica.
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escolares.
Nesse sentido, o currículo torna-se um instrumento importante de análise, pois
possibilita, como instrumento estruturante e organizacional da escola, discutir diferentes concepções, através de elementos que identifiquem o discurso dos docentes
e suas práticas em sala de aula, muitas vezes desvelando comportamentos não condizentes com a postura de educador.
Quando se discute avaliação escolar, o que realmente está em jogo é a prática
escolar como um todo, o constitutivo da avaliação: a tomada de posição. Sem esse
caráter a avaliação não tem sentido.
Outro aspecto do problema avaliativo que ocorre na Educação de Jovens e
Adultos é a inadequação da forma de avaliar para essa clientela, visto que se trata
de alunos com uma tipicidade diferente do aluno regular.
Nessa linha de raciocínio, é preciso considerar que o resultado final sempre fica
circunscrito à aprovação e reprovação. A partir daí, então, poder-se-ia desvelar preconceitos ou um autoritarismo que o professor exerce no ato de avaliar. É claro que
o professor é apoiado socialmente nessa dominação, considerando que seu ofício
tem a legitimidade do Estado em função da sua formação e dos aspectos jurídicos
no ato da posse.
Assim, torna-se oportuno indagar: como tem sido a prática de avaliação? Essa
prática está associada à falta de definição e clareza dos professores quanto à definição de avaliação? Qual sua finalidade no processo ensino-aprendizagem e na filo-
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sofia da educação que fundamenta sua prática pedagógica? Que tipo de homem se
pretende formar e para que tipo de sociedade?
Julgar e classificar pessoas é um exercício que se faz desde a infância, dessa forma, contribuindo para que experiências revelem diferentes compreensões acerca
da realidade, de percepções e variações acerca do mundo que nos rodeia.
A avaliação escolar, até um passado recente, realizava-se alicerçada na convicção
de critérios do professor e na tradição escolar; no entanto, se distinguia do próprio
ato de ensinar/educar. Os critérios de avaliação determinados pelos valores fundamentais instituídos e mantidos por cada formação social variavam profundamente
no espaço e no tempo. Assim, por exemplo, os espartanos avaliavam as novas gerações segundo os valores da cultura e desenvolvimento físicos, enquanto os atenienses atentavam acima de tudo para as qualidades intelectuais e morais do indivíduo.
Na pedagogia tradicional (cabe frisar, infelizmente, isso ocorre até hoje), a
avaliação se limitava apenas a sua função classificatória, realizada no final de uma
unidade, curso ou programa, e resultava em nota ou conceito. Sem dúvida, essa
prática reflete a pedagogia reprodutivista, na medida em que oferece uma educação fundamentada em valores e padrões da classe média, excluindo as crianças
das camadas populares ao conhecimento acumulado pela sociedade. No entanto,
se o professor optar por uma educação que possibilite aos alunos, além da instrumentalização teórica, as habilidades e os conteúdos necessários para a formação da
consciência crítica, a avaliação passa a desempenhar uma função diferente daquela
praticada pela maioria dos professores.
A escola, ao compreender o currículo nesta nova prática de avaliação, deve
estar consciente da importância política de sua competência no domínio do conteúdo da disciplina, no conhecimento de propostas alternativas para trabalhar tais
conteúdos através do processo de sistematização das experiências e conhecimentos dispersos e desorganizados que os alunos possuem e que, inevitavelmente, deverão ser elementos constitutivos do currículo.
Do educando vai ser exigida uma participação dinâmica na sala de aula e capacidade de compreensão, análise e síntese, e não apenas relacionada aos aspectos
da memorização.
Após considerações preliminares, serão discutidos alguns tópicos importantes
sobre avaliação da aprendizagem que pretendem instrumentalizar este estudo:
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conceito de avaliação, a filosofia da educação que norteia a prática avaliativa, as
funções e modalidades da avaliação, instrumento de avaliação, histórico e avaliação
na Educação de Jovens e Adultos.
Conceito de avaliação: um enfoque crítico
A avaliação tem sido utilizada com diferentes significados por professores que
a confundem na sua prática com o conceito de medida. Mas o que significa cada
um desses conceitos e qual a implicação da falta de clareza dos mesmos para a
prática avaliativa do professor? E de que forma poderá ser melhor compreendido
no currículo?
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Medir é uma forma de comparar grandezas, tomando uma como padrão e outra como objeto a ser medido e tendo como resultado a quantidade de vezes que a
medida padrão cabe dentro do objeto medido. Medir significa a descrição quantitativa do grau que o aluno alcança ao dominar determinados conteúdos, limitando-se
a uma coleta de informações do comportamento do educando e sua ordenação em
termos numéricos, quantitativos, ou seja, a medida padrão para a aprendizagem é
o número de acertos (testes, provas e outros).
A partir desse entendimento, a avaliação constitui-se num processo mais amplo
que a medida e implica a interpretação dos dados fornecidos pela medida, envolvendo um julgamento de valor sobre os mesmos. Dessa maneira, ao avaliar resultados em termos de aceitação ou não como indicativo de que o aluno alcançou os
objetivos esperados segundo critérios preestabelecidos demonstra que a avaliação
pode ter outra compreensão.
Posta dessa maneira,
a avaliação é uma questão de justiça, bom senso, equilíbrio pessoal e valorização do desempenho do aluno, enfatizando o aprender a aprender, o aprender a ser, o aprender a
criar e o aprender a fazer. Assim a avaliação do ensino da aprendizagem e da produção é
concebida sob a ótica da competência (retenção de conhecimentos), da capacidade (saber explicar e relacionar conhecimentos), da habilidade (saber aplicar e relacionar conhecimentos de forma criativa e inovadora) e da (com) vivência de sentir-se realizado por ser
competente, capaz e hábil (BOTH, 2008, p. 104).
Uma das definições mais comuns e significativas que subsidiam o aspecto acima levantado é a formulada por Luckesi (1988), de que a avaliação é um julgamento
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de valor sobre manifestações relevantes da realidade, tendo em vista uma tomada
de decisão. Assim, verifica-se que em primeiro lugar entende-se por juízo de valor
uma afirmação ou negação qualitativa sobre um determinado objeto, tendo como
base critérios preestabelecidos. Em segundo lugar, esse julgamento se faz com base
nos caracteres relevantes da realidade relacionados com os objetivos que se quer
alcançar. E, por último, a avaliação exige uma tomada de decisão sobre o objeto
avaliado com o escopo de contribuir para a transformação e crescimento do indivíduo, num processo que envolve o mecanismo da ação-reflexão-ação na prática
avaliativa, isto é, “o julgamento avaliativo da ação deve estar em função do aprimoramento desta” (LUCKESI, 1988, p. 13).
Diante dessa definição, questiona-se: quais as decisões tomadas com relação
aos resultados de uma avaliação? Tem servido aos propósitos da dimensão e/ou
classificação por notas, impedindo assim o crescimento e o acesso ao saber e à
competência, ou tem sido direcionada por uma visão de totalidade sobre os dados
relevantes numa perspectiva de aprimoramento da prática pedagógica e não da
estagnação através da classificação?
Então, a partir dessa concepção, poder-se-ia atribuir algumas características
que a avaliação deve assumir, orientada por essas inquietações:
• deve ser realizada de acordo com objetivos claramente definidos;
• tem finalidade de detectar as dificuldades de assimilação de conhecimento,
procurando superá-las, fazendo com que essa transmissão resulte num domínio efetivo dos conteúdos e habilidades por parte dos alunos;
• serve para verificar até que ponto o ensino tem alcançado os objetivos
pretendidos.
A prática da avaliação e da filosofia que a norteia
A avaliação educacional, em geral, não se dá nem se dará num vazio conceitual,
mas, sim, dimensionada por um modelo teórico do mundo e da educação traduzido em prática pedagógica. Dito assim, entende-se que a prática educativa não é
neutra, mas fundamentada por uma concepção de mundo e de educação de quem
a executa, que determina dois tipos de prática pedagógica: uma voltada para a reprodução e conservação da sociedade e, automaticamente, a domesticação dos
alunos e outra, para as perspectivas de transformação social.
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No primeiro caso, a avaliação assume uma função classificatória, constituindose num instrumento meramente legalista que impede o processo de crescimento
intelectual do aluno, na medida em que o professor tem o poder de classificar os
alunos de forma definitiva por meio de conceito ou nota que atribui, baseando-se
em critérios não bem definidos e claros. É o caso do educador que facilita a aprovação de aluno baixando o nível de exigência do conhecimento e habilidades, ou
do professor que utiliza os testes-surpresa, com um grau de dificuldade superior ao
nível da turma, com o objetivo de prejudicar os alunos indisciplinados.
Já no contexto de uma pedagogia voltada para a transformação, a avaliação
assume a função diagnóstica e deve ser um instrumento dialético de avanço, possibilitando aos educandos acesso ao saber e à competência, além do crescimento
para a autonomia necessária à vivência de uma relação de reciprocidade e não de
subordinação de uns sobre os outros – característica própria de uma pedagogia
conservadora.
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A opção do educador por uma pedagogia que traduz o modelo de sociedade
voltada para a sua transformação deve romper com uma prática avaliativa autoritária, que serve como mecanismo para reproduzir e conservar a sociedade, deixando
isso claro e presente no currículo escolar.
A prática da avaliação está inserida num contexto mais amplo, e está a serviço dele. Por isso, a escola deve fazer uma opção clara e objetiva sobre a filosofia
norteadora da sua prática pedagógica quanto ao planejamento, a execução e a
avaliação, e tais princípios deverão estar presentes no currículo escolar. É preciso ter
consciência de qual o tipo de aluno que se deseja formar: críticos, criativos, capazes
de analisar a realidade e buscar soluções para os problemas dessa realidade, ou
formar alunos passivos, meros repetidores de conhecimentos.
É importante ressaltar que a falta de clareza e/ou definição do conceito de avaliação trazem implicações para a mesma. O que se observa na realidade é que o
objetivo da avaliação na prática pedagógica da maioria dos professores da Educação de Jovens e Adultos é simplesmente cumprir uma exigência legal de atribuir ao
aluno, a cada bimestre, determinado conceito ou nota que definirá sua aprovação
ou reprovação ao final de um ano letivo.
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Colocado dessa maneira, é oportuno asseverar que tal situação perpassa o entendimento que o professor tem do mundo e do homem. A partir daí, então, devese iniciar um processo de construção de uma avaliação mais justa e participativa.
Dentro da perspectiva de educação voltada para a transformação da sociedade,
a avaliação apresenta outros objetivos, tais como: servir de instrumento para que a
maioria da população tenha acesso ao saber sistematizado e, não, eliminar aqueles
que apresentam maiores dificuldades para adquirirem esse saber, pois o que ainda
ocorre é que a escola transmite e leva em consideração os valores de classe média
ou alta para atribuir conceitos aos seus alunos.
Com a função classificatória, a avaliação constitui-se num instrumento estático e formador
do processo de crescimento; com a função diagnóstica, ao contrário, ela constitui-se num
momento dialético do processo de avançar no desenvolvimento de ação de crescimento
para a autonomia, do crescimento para a competência etc., como diagnóstico, ela será um
momento dialético do senso de estágio em que se está e de sua distância em relação à
perspectiva que está colocada como ponto a ser atingido à frente (LUCKESI, 2005 p. 72).
Ao assumir essa posição, cabe ao professor comprometer-se com uma “instrumentalização teórica” de conscientização e organização política do educando que possibilite a reivindicação de seus direitos em nível de igualdade com a
classe dominante.
Funções e modalidades da avaliação
Antes de falar sobre esse item, é importante comentar alguns princípios básicos
que devem orientar o processo de avaliação. Já foi dito em tópico anterior que a
avaliação só terá sentido se os objetivos tiverem sido claramente definidos; nesse
caso, a avaliação é funcional, pois é feita em função de objetivos.
O importante também é compreender que a avaliação deve ser um processo
sistemático, sempre estabelecendo o critério e/ou padrão de domínio que se espera do aluno; deve ser contínua, realizada não só em final de bimestre, de semestre ou de ano, mas ao longo de todo um processo integral, abrangendo todos os
domínios do comportamento do aluno – cognitivo, afetivo e psicomotor –, seus
interesses, opiniões, habilidades e competências e não apenas a quantidade de conhecimentos retidos.
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Podem-se citar três modalidades de avaliação, que, na prática, devem estar interrelacionadas entre si: a somativa, formativa e diagnóstica.
1) A avaliação somativa é aquela que ocorre no final de um curso, de um bimestre ou semestre, isto é, após um determinado período de tempo, com a finalidade
de classificar os alunos segundo os níveis de aproveitamento, cujos resultados são
expressos em notas e conceitos.
2) A avaliação formativa ocorre durante o processo de ensino-aprendizagem
para verificar o grau de domínio de aprendizagem. A avaliação formativa desempenha papel importante.
Dá um feedback (retroalimentação) contínuo do professor acerca de seu desempenho no
processo de ensino, pois ao verificar que a maior parte de seus alunos não está atingindo
o domínio esperado, a avaliação formativa servirá de alerta para que ele procure analisar o
que está errado em seu ensino e reformule suas estratégias (DINIZ, 1982, p. 8).
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Também dá feedback ao aluno, na medida em que mostra o que ainda precisa
dominar, suas falhas e as possibilidades de uma recuperação:
A avaliação formativa informa ao aluno a necessidade de maior dedicação ao estudo e melhor organização do mesmo; torna-se necessário, portanto, uma recuperação paralela, pois
esta só tem sentido se realizada no momento em que o aluno verifica suas falhas, podendo
assim recuperá-las imediatamente (Idem).
A recuperação imediata, decorrente da avaliação formativa, é fundamental porque, ao mostrar as falhas do aluno durante o processo, impede-o de acumular dificuldades que prejudicarão o domínio de habilidades mais complexas.
3) A avaliação diagnóstica é utilizada com dois objetivos: detectar o nível em
que se encontram os alunos no início do processo com relação às habilidades, experiências acumuladas e outros conhecimentos, bem como detectar as causas de suas
dificuldades durante o processo de ensino-aprendizagem. A avaliação diagnóstica
serve de instrumento de compreensão do estágio de aprendizagem em que se encontra o aluno, tendo em vista tomar decisões suficientes e satisfatórias para que
ele possa avançar no seu processo de aprendizagem. Se determinado conhecimento ou habilidade é essencial na aprendizagem do educando, ele deverá adquiri-lo, e
se não conseguir, dever-se-á trabalhar para tal, e isso é possível de ser identificado
através da avaliação diagnóstica. Mas, para que a avaliação diagnóstica seja possí-
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vel, é preciso compreendê-la e realizá-la comprometida com uma concepção pedagógica, mais precisamente, com uma proposta pedagógica histórica-crítica.
Instrumentos de avaliação
A opção por uma abordagem transformadora de educação exigida do professor, além dos princípios básicos comentados anteriormente, requer muito mais do
que predisposição e comprometimento com seu fazer pedagógico. É antes de tudo
desenvolver uma compreensão holística de mundo e ser humano.
Assim, é frequente se observar na prática avaliativa de muitos professores a escolha de testes como instrumento de avaliação predominante, que, na maioria das
vezes, contém questões rotineiras que exigem do aluno simplesmente a memorização dos conteúdos, deixando em segundo plano os objetivos previstos.
É bastante comum, por exemplo, ver-se em provas questões do tipo: “dê o plural”, “dê o
feminino”, “separe em sílabas”, inteiramente desligadas de um contexto capaz de ser problematizado. Muitas vezes os exercícios sobre textos propõem perguntas cujas respostas
não exigem mais do que copiar uma palavra do próprio texto, para completar uma frase
idêntica ao mesmo. Na matemática, também são comuns as clássicas “continhas” precedidas da instrução: “arme” e “efetue”. Muitos problemas matemáticos são quase idênticos aos
dados em classe e o aluno já está quase que treinado para resolvê-los, não se solicitando
nenhuma forma mais elevada de pensamento. Com este panorama estamos avaliando
apenas se nossos alunos são bons repetidores, mas nunca se são críticos ou criadores
(CANDAU, 1988, p. 41).
Existem instrumentos adequados para cada tipo de objetivo que se deseja alcançar; compete ao professor utilizar instrumentos e técnicas variadas que sejam
práticas com relação a sua elaboração e que atendam às diversas situações.
No caso dos testes, existem determinados objetivos que podem ser verificados
em questões objetivas, outros, em subjetivas, não havendo nenhuma relação de superioridade desta sobre aquela, isso no entendimento de alguns educadores. Dessa
forma, as questões de múltipla escolha, testes para completar, itens para relacionar,
são importantes para avaliar certos objetivos que seriam difíceis de avaliar de outra
forma; o mesmo acontece com os objetivos de expressão do pensamento lógico do
aluno, que são avaliados através de redações ou outros similares.
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Bloom (1993) e seus colaboradores classificaram os objetivos educacionais na
área cognitiva apresentados numa hierarquia de comportamento, partindo do mais
simples e concreto para o mais complexo e abstrato:
1) Conhecimento: valoriza a memorização, o reconhecimento de fatos, como,
por exemplo, citar nomes, fatos, datas, conceitos, dizer sinônimos. É o nível mais
baixo de resultados de aprendizagem no domínio cognitivo.
2) Compreensão: corresponde à mais simples habilidade ou capacidade intelectual. O objetivo de compreensão exige que o aluno não apenas cite, mas explique, identifique, interprete, resuma, traduza uma língua para outra.
3) Aplicação: aplicação de conhecimento em situações novas e concretas, isto
é, pôr em prática regras, normas, ideias gerais, princípios e teorias, atendendo ao
princípio da transferência da aprendizagem, por exemplo; empregar numa relação
as regras de concordância verbal.
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4) Análise: divisão de um todo em suas partes ou elementos constitutivos. Os
objetivos desta categoria são: comparar, dar a função sintática de um nome numa
oração, distinguir uma coisa da outra, determinar a relação entre duas coisas ou
fenômenos.
5) Síntese: reunião de elementos na constituição de um todo. O aluno terá que
constituir ou montar algo, desenvolver a sua criatividade. São objetivos desta categoria: formular um objetivo expressivo, elaborar uma hipótese, elaborar um projeto
de excursão, formular um plano de operações, escrever uma redação de uma comunicação original (conto).
6) Avaliação: é categoria mais complexa e exige julgamento de valor ou expressão de um ponto de vista original com base em critérios definidos.
É muito importante que o professor, ao elaborar os seus instrumentos, possibilite a avaliação de objetivos mais elevados, reduzindo ao máximo as categorias de
níveis mais baixos, que apenas exigem repetição de fatos e informações, procurando atingir gradativamente as formas mais elevadas e complexas sínteses.
No quesito questões subjetivas, o aluno expressa sua própria resposta, seu pensamento, “em vez de selecioná-la entre várias alternativas, como ocorre com questões de múltipla escolha” (VIANNA, 1973, p. 81).
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É importante dizer que os professores se preocupam em definir avaliação dentro de termos técnicos. E, ainda, a avaliação está bastante relacionada a diversos termos com que é frequentemente associada e geralmente confundida, por exemplo,
verificação, medida e, naturalmente, controle. Esses termos deveriam ser distinguidos entre si, uma vez que o significado que se dá às palavras costuma influenciar o
fazer pedagógico do professor.
O problema que ocorre quando se discute avaliação está intimamente ligado
apenas à parte intelectual de quem está sendo avaliado: se o aluno aprendeu ou não.
Nesse sentido, a avaliação é conteudista, na medida que só privilegia o conteúdo.
A avaliação sem o caráter diagnóstico torna-se apenas verificação de aprendizagem, isto é, subtrai-se da avaliação a tomada de decisão. Quando um professor
avalia um aluno e esse mesmo aluno fracassa continuadamente sem que o professor tome a iniciativa de buscar as causas e superá-las, ele está apenas fazendo
verificação.
Imagine-se que uma pessoa vai ao médico por sentir dores nas costas. De início, o médico constata ser uma pneumonia que está localizada na parte esquerda
inferior do pulmão e, apesar de verificar a doença, não prescreve nenhum remédio.
Depois de 15 dias, o paciente retorna ao médico, sempre reclamando das dores. O
médico constata que a pneumonia já tomou conta de seu pulmão esquerdo e já
está no lado direito. Consequência: o paciente morre.
Então, colocada nessas proporções, a avaliação apenas constata alguma coisa.
É claro que o médico que verificou a pneumonia no paciente, de imediato, deveria
ter tomado uma decisão: aplicar o antibiótico; se não der resultado, reforça-se a
dosagem, até que o paciente sare. Se estiver clara na mente do professor a importância da avaliação, ele terá que rever seus objetivos, mudar sua metodologia, suas
estratégias, enfim, fazer alguma coisa para que os alunos aprendam.
Dito assim, é difícil retirar uma parte do todo e examiná-la isoladamente. Esse
procedimento, além de favorecer uma análise parcial da realidade, quando não relaciona a parte ao todo, pode comprometer a visão da totalidade e, consequentemente, direcionar ações dissociadas do seu universo. Contudo, verifica-se que qualquer uma das opções especificadas está comprometida com uma ideologia.
Outra questão delicada é a avaliação no processo. Antes de mais nada, é importante chamar atenção para que esta não venha a se tornar uma arma contra o aluno.
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Ela surge da necessidade de proporcionar aos educandos vários momentos de avaliação e, assim, oferecer uma visão muito mais ampla da mesma, desconsiderando
o caráter excludente, visto que é contínua e não estanque. Compreendida dessa
forma, a avaliação não se limita à exigência da frequência do aluno como subterfúgio “legal”, mas abrange diferentes processos da aprendizagem.
Na forma de avaliação no processo observa-se que essa modalidade exige do
aluno frequência diária, visto que acontece a todo momento. Logo, o aluno com
frequência irregular já se encontra em desvantagem em relação aos outros.
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Isso se reproduz na sociedade capitalista, pois, de certa forma, aqueles que não
precisam vender bombom ou reparar carros para ajudar na economia de casa estão
privilegiados em relação aos que precisam dividir o tempo da escola com o trabalho. Vista assim, a exigência da presença do aluno, inevitavelmente, prejudicará essa
forma de avaliação. Dessa forma, a avaliação novamente é excludente, na medida
em que a escola fica “amarrada” nessa concepção de avaliação.
O mais importante é perceber que houve avanço significativo na forma de se
conceber a avaliação, partindo do pressuposto de que, sendo de natureza classificatória, é nociva e só serve ao propósito de manter a ordem e a disciplina na sala
de aula. O passo seguinte, sem perder o equilíbrio, se dará a partir do momento em
que o professor se sentir seguro dos objetivos a alcançar, sendo objeto de análise e
discussão no currículo escolar.
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Considerações finais
Sem querer cometer injustiças, verificam-se esforços de professores e coordenadores pedagógicos da Educação de Jovens e Adultos no sentido de desvelar essas incongruências da avaliação e as ideologias subjacentes, notadamente quando
iniciam a construção do Projeto Político-Pedagógico da escola.
A partir das vozes de professores, alunos e coordenadores, pode-se constatar
que esse tipo de educação sofre discriminação de diretores, professores e coordenadores que não atuam nessa modalidade. Isso é perceptível quando tratam a EJA
como uma modalidade “intrusa” na escola. Isso, de certa forma, legitima o preconceito, a discriminação. Desconstruir esse paradigma não é nada fácil, posto que está
no nível de formação de consciência e discurso.
A Universidade Federal do Amapá, através de seu curso de Pedagogia, não tem
perspectivas de preparar professores para atuarem nessa modalidade. Faz-se necessário o desenvolvimento de políticas mais eficazes quanto à formação e pesquisa nas áreas de ensino e aprendizagem na Educação de Jovens e Adultos.
Apesar de a avaliação ter uma característica essencial, que é a tomada de decisão, infelizmente, o que as escolas vêm fazendo é simplesmente a verificação. E
mesmo que o professor esteja predisposto a realizar a avaliação como diagnose,
ele enfrentará um problema sério – a exigência no cumprimento dos conteúdos
curriculares, defrontando-se com situações conflitantes: primeiro, o idealismo pedagógico, o querer assumir a avaliação como caráter diagnóstico — essa atitude
perpassa uma definição pedagógica e política — segundo, verificar que, apesar da
avaliação ser uma tomada de decisão, o professor precisa, necessariamente, cumprir as exigências acerca dos conteúdos programáticos.
Apesar das tentativas de colocar a avaliação no âmbito da diagnose como retomada de decisão, o que vale mesmo é a classificação em média do aluno. Vista
assim, a avaliação classificatória, apesar das análises como injusta e arbitrária, o professor ainda utiliza, e vai utilizar por muito tempo, como efeito de comprovação de
que avaliar é necessariamente ter que aprovar ou reprovar alguém.
Também há que considerar que a finalidade da Educação de Jovens e Adultos é
corrigir a distorção entre idade e série dos alunos oriundos do ensino regular e que
após a correção dessa distorção retornariam para este ensino. Entretanto, o que se
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percebe não é isso, na medida em que é mais atrativo cursar duas séries em um ano.
Assim, a finalidade inicial da EJA não se realiza na prática.
Não se quer com isso deixar implícito de que deve haver uma redução na qualidade do processo de ensino dos jovens e adultos, mas torna-se imperativo asseverar
que não se pode justificar o avanço da EJA como algo “normal” e “necessário” para
esses alunos. Do ponto de vista da eficiência e eficácia do ensino regular, vislumbrase que a EJA subsista por ausência desses elementos. Já que regular é aquilo que
funciona dentro de padrões normais, a EJA, então, seria uma exceção.
Dessa forma, chegou-se à conclusão de que o elemento essencial para que se
dê à avaliação educacional escolar um rumo diverso do que vem sendo exercitado
é o resgate da sua função diagnóstica. Para não ser autoritária e conservadora, a
avaliação deverá se constituir em um instrumento dialético de avanço, instrumento
de identificação de novos rumos.
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Com isso, não se quer subestimar a competência e habilidade do professor
para avaliar seus alunos, mas, sobretudo, essa autoridade não pode ser entendida
como prerrogativa exclusiva do mesmo, de uma competência outorgada, concedida pelo Estado. É preciso, antes, desvelar as contradições e ideologias existentes
no ato de avaliar.
Pensar a avaliação a partir de uma matriz cultural que resgate o currículo oculto
é garantir ao indivíduo a possibilidade de manifestar seu agir e pensar.
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REFERÊNCIAS
BLOOM, B. et al. Manual de avaliação formativa e somativa do aprendizado escolar. São
Paulo: Pioneira, 1983.
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177
Avaliação da
aprendizagem
escolar nos cursos
da Educação de
Jovens e Adultos:
uma discussão
acerca das
possibilidades
de rediscuti-la
nos currículos
escolares.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Recordações:
complemento para uma
prática inovadora
Maria de Assunção Cortes Costa*
RESUMO
ABSTRACT
Este artigo tem por finalidade apresentar uma
experiência vivenciada no ano de 1997, que
serviu de reflexão e subsídio para inovar a prática pedagógica referente ao Ensino de Jovens
e Adultos. O tema, “Recordações: complemento
para uma prática inovadora”, foi resultado de
uma avaliação do curso “Elaborando currículos em Educação de Jovens e Adultos”, realizado pelo SESC – AP, que me levou a detectar
os fatores relacionados ao processo avaliativo
apresentados por alunos de EJA. Os resultados indicam que para uma prática pedagógica
inovadora é necessário caminhar em busca de
novos subsídios como garantia de ampliar as
atividades de reflexão e operação sobre o ato
de avaliar.
This article aims to present an experience
undergone in 1997, which served as a point of
reflection and support to innovate the Youth
and Adult Education teaching practices.
The theme, “Memories: a complement for
an innovative practice,” was the result of an
evaluation of the course “Developing Youth
and Adult Education Curricula,” held at
SESC - AP, which led me to detect the factors
related to the evaluation process presented
by Youth and Adult Education students.
The results indicate that for an innovative
teaching practice it is necessary to seek new
supports as a guarantee in order to expand
the activities of operation and reflection on
the act of evaluating.
Palavras-chave: Prática educativa; avaliação; processo de ensino-aprendizagem.
Keywords: Educational practice;
evaluation; teaching-learning process.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
* Docente da Escola Estadual Maria Neusa Carmo de Souza; graduada em licenciatura
Plena em Pedagogia na Universidade Federal do Amapá (Unifap); bacharel em Letras
Tradutor Português/Inglês no Instituto de Ensino Superior do Amapá (Iesap); Pós-graduada em Docência do Ensino Superior – Unimeta – Macapá(AP).
Introdução
O ensino na Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um desafio político, econômico, cultural e pedagógico. Esse desafio compreende uma multiplicidade de experiências que vem se destacando na última década. Neste contexto, o Indicativo para
formulação das Diretrizes da Educação de Jovens e Adultos do Estado do Amapá
(2002)1 traz referências sobre os programas que foram desenvolvidos ao longo da
história, tais como: o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), de 1969, e o
Ensino Supletivo, em que as responsabilidades pelo ensino eram das associações,
igrejas e comunidades, além da Fundação Educar, de 1985, que substituiu o Mobral
e foi criada com a atribuição de fomentar programas destinados àqueles que não
tiveram acesso à escola.
No final de 1987, a Fundação Educar foi extinta devido ao corte das verbas
voltadas a esse projeto, e, em substituição, foi criado o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (Pnac), que nem foi implementado. Dando continuidade
aos estudos, foi criada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN
nº 9394/96, que abre um leque sobre o valor do conhecimento tanto escolar como
extra-escolar voltada, para a qualificação profissional e o preparo do educando no
exercício da cidadania.
Nesse percurso educacional, as escolas de Educação de Jovens e Adultos vão
em busca de alternativas para propiciar ao aluno viver no mundo da informação,
elaborando pensamentos e ações de forma crítica. Existem, assim, inúmeras escolas
trabalhando a EJA com sucesso, devido aos projetos que são realizados com grande
êxito. Como diz Cury (2003, p.119), “essas técnicas contribuem para mudarmos para
sempre a educação. Elas constituem o projeto escola da vida e podem gerar a educação dos nossos sonhos”. Seguindo a linha do educador Paulo Freire (1921-1997), o
1. Fonte: Extraído do Indicativo para a formulação das Diretrizes da Educação de Jovens e Adultos do Estado do
Amapá, elaborado pelos técnicos da Divisão de Educação de Jovens e Adultos do Amapá da Dieja/SEED AP – 2002.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
179
Recordações:
complemento
para uma prática
inovadora
projeto alfabetiza com base nos temas geradores, fazendo a ligação dos conteúdos
escolares com a vida do estudante.
Mesmo com essas oportunidades que as escolas vêm vivenciando, o índice de
reprovação escolar é alarmante, sendo ainda motivo de preocupação e alvo de estudos, análises e debate entre os educadores, especialistas e profissionais comprometidos com a educação.
A problemática do ensino deve ser tratada com atenção, a fim de gerar resultados positivos em relação à reprovação e à evasão escolar, no entanto, é preciso que
o estudo seja contínuo em todos os aspectos do processo ensino-aprendizagem,
e que a metodologia utilizada e, principalmente, a formação do educador da EJA
sejam diferenciadas daquelas demais modalidades de ensino.
180
Recordações:
complemento
para uma prática
inovadora
Nesse contexto, a avaliação é um dos fatores que interfere diretamente no
processo ensino-aprendizagem, sendo um dos focos em discussão. Mesmo assim,
percebe-se o conflito gerado pelas diferentes formas de compreensão do que significa o ato de avaliar, pois os professores trabalham para a transmissão de conhecimentos e repetição de conteúdos sem perceberem que a avaliação faz parte da vida
humana, acompanhando o indivíduo na trajetória de sua vida.
Conforme ressalta Hoffmann (2003, p. 41):
O aluno constrói o seu conhecimento na interação com o meio em que vive. Portanto,
depende das condições desse meio, da vivência de objetos e situações, para ultrapassar
determinados estágios de desenvolvimentos e ser capaz de estabelecer relações cada vez
mais complexas e abstratas.
Partindo desta ideia, exponho uma experiência vivenciada em que destaco os
fatores e as dificuldades do ato de avaliar, detectando a real dificuldade do aluno da
Educação de Jovens e Adultos, para uma possível reflexão de que a avaliação não
pode se basear somente em números e dados, mas, sim, ser colocada a serviço do
pleno desenvolvimento do educando.
Experiência em sala de aula
O tema “Recordações: complemento para uma prática inovadora” foi definido
devido à angústia gerada na prática educativa que me levou à reflexão e que proporcionou buscar subsídios para uma avaliação alternativa no ensino de jovens e
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adultos. A referida experiência ocorreu em uma turma de 2ª etapa (na época Ensino
Supletivo), no ano de1997, na Escola Estadual Serafini Costaperária, com atendimento no Ensino Fundamental regular e EJA Fundamental, localizada no bairro Jardim Felicidade I, Macapá (AP).
Apresento as dificuldades que um professor enfrenta quando não possui uma
formação especial acerca do processo de ensino-aprendizagem que vai desenvolver.
Estou me referindo também a todos os alunos e alunas, independentemente do ensino: Fundamental, Médio, EJA ou Superior, já que o educador deve estar preparado
para planejar, pesquisar, estudar e ter compromisso com a formação dos alunos.
Era uma turma de senhores e senhoras com um nível de escolarização baixo,
caracterizado por pouca ou nenhuma leitura de livros, jornais ou revistas. O conhecimento de mundo era o que prevalecia, mas foi por mim esquecido! Sem apoio
da escola e sem orientação pedagógica, enfrentei esse desafio. O único material
didático utilizado foi o livro de 1ª a 4ª séries do Ensino Fundamental, dos quais eram
extraídos os conteúdos, que, por sua vez, eram passados no quadro e copiados pelos alunos. Na época eu não exercitava leituras de outros livros, jornais ou revistas.
No entanto, hoje reflito: eles eram privados de entrar em contato com os textos!!!
A experiência vivida revela o perfil de uma aluna que ficou reprovada e hoje
ainda vive sob condições socioeconômicas precárias. Com seus sete filhos, luta pela
sua sobrevivência. Uma jovem senhora, aparentemente com seus 35 anos de idade, vendedora de doces e salgados, não sabia resolver as quatros operações fundamentais da matemática. Onde se viu uma coisa dessas?! E então, eu pensava: essa
senhora é atrasada mesmo! No fim, nota vermelha era o que ela recebia e a reprovação foi o seu resultado final.
Refletindo, o professor deve valorizar o saber prévio do aluno e, em conjunto com a escola, olhar mais atentamente a experiência de vida que o educando
da EJA possui, e tal conhecimento deve ser um complemento para o crescimento
profissional desse educando; esses saberes devem ser valorizados, sistematizados e
integrados ao saber escolar.
Na realidade, a escola não dá valor a esse conhecimento, excluindo-o totalmente do currículo na medida em que não vê a importância do saber que o aluno trabalhador traz para a escola. “Os jovens e adultos trabalhadores trazem para o interior
do espaço escolar uma multiplicidade e uma riqueza de saberes que quase nunca
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
181
Recordações:
complemento
para uma prática
inovadora
ousam externar por considerá-los inadequados, sem valor ou mesmo equivocados”
(CIAVATTA, 2002, p. 126).
Onde se encaixa o estudo das linguagens? A venda nos olhos não nos tem deixado enxergar a maravilha do cotidiano das linguagens de que tais sujeitos sociais
educandos são portadores quando desenvolvem uma conversa entre amigos, narram uma história contada por colegas, uma notícia de jornal, rádio ou tevê, para não
falar da linguagem dos gestos e da visão que têm do próprio corpo!
De acordo com a proposta curricular da EJA, o estudo das linguagens do cotidiano representa um componente essencial do currículo, pois não se pode estigmatizar o jovem e o adulto em função de suas competências e habilidades adquiridas
na trajetória de vida.
182
Recordações:
complemento
para uma prática
inovadora
A prática: um caminho para o ensino de qualidade
Sabemos que os alunos se beneficiam com experiências de vida, em especial
os alunos da EJA que conseguem desenvolver suas atividades educacionais relacionando os conteúdos programáticos com as experiências do cotidiano e enfatizando a interação com os outros, como citado anteriormente no pensamento de
Hoffmann (2003).
Em contrapartida, quando um aluno é excluído dessas oportunidades, aumentam as suas chances de não conseguir sucesso pessoal e profissional, como exposto
na experiência citada – uma senhora rica em conhecimento, com experiência de
vida incomparável, ficou reprovada! E até hoje continua com suas vendas de doces,
no entanto, não continuou seus estudos. Tal recordação levou-me a trabalhar em
busca de nova orientação do ensino no sentido da vida cotidiana, que na época eu
não sonhava em ter.
Nesse sentido, entender a prática da avaliação de Jovens e Adultos predominante hoje implica repensar como essa prática foi construída ao longo do tempo,
uma vez que a prática está a serviço de um modelo teórico de sociedade e de educação, modelo esse que vê a educação como um mecanismo de conservação e reprodução de sociedade: “tendo sua origem na escola moderna sistematizou-se a
partir dos séculos XI e XII com a cristalização da burguesia como modelo de prática
educativa da sociedade à qual serve.” ( HOFFMANN, 1996, p. 42).
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Sabe-se que na escola tradicional, pouco preocupada com a análise crítica, com
a reflexão e com a construção de conhecimento, exigia-se assimilação e fixação de
conteúdos e a avaliação era mais quantitativa. Nesse sentido, concordo com o pensamento de Cury (2003, p. 142), que diz: “peço aos mestres: encontrem espaço para
humanizar o conhecimento, humanizar sua história e estimular a arte da dúvida”.
O autor incentiva o educador na busca de alternativas e na construção de novos caminhos para o sucesso de sua prática, uma vez que toda transformação é
fruto da construção de um novo olhar na formação do educando. No entanto, é necessário que o educador da EJA esteja em busca contínua de novas metodologias
que venham a atender às especificidades de cada aluno.
Que a escola seja um espaço de acolhida desse aluno e que ele sinta prazer em
estar participando das ações que ela promove, pois humanizar o espaço de aprendizado é um compromisso de todos; que seja respeitado o aluno como um ser humano capaz de construir e sistematizar novos saberes e aprimorar os saberes adquiridos na reconstrução de novos conhecimentos, pois o aluno da EJA é atuante na
sociedade, ele pensa e sobrevive em busca de crescimento profissional e social, mas
com suas próprias formas de ser, viver e lutar por uma melhor qualidade de vida.
Assim, Ciavatta (2002, p. 125) reafirma que:
Ao pensarmos na especificidade da Educação dos Jovens e Adultos, uma questão logo se
apresenta: quem são eles? A resposta abriga múltiplas possibilidades. O universo constituído pelos que procuram os diferentes níveis de escolaridade básica, fora da faixa etária
socialmente prevista, caracteriza-se por uma diversidade. Todos praticamente trazem, entretanto, como característica comum, a partilha de expectativas, que constituem a expressão do desejo de viver uma vida melhor.
O conhecimento pedagógico é indispensável na prática do professor. Portanto, o ato de ensinar-aprender necessita estar embasado em conhecimentos fundamentais para que de fato se atinja o objetivo do saber aprender. Assim, o processo
educativo alcançará seu objetivo, tornando o educando alguém capaz de reorganizar conceitos já construídos, possibilitando a criação de novos saberes voltados à
realidade de seu contexto social.
Nesse sentido, Freire (1993, p. 28) nos dá a seguinte contribuição:
Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender participamos de
uma experiência total, diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e éti-
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Recordações:
complemento
para uma prática
inovadora
ca, em que a boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade.
A compreensão dessa experiência total referida por Freire requer a construção
de alternativas e ações que exigem o confronto entre os múltiplos saberes que tecem a realidade escolar, o que desafia o professor a buscar os saberes implícitos nas
atuações dos alunos na prática pedagógica. Nesse sentido, é necessário questionar
as características que o educador de jovens e adultos, na atualidade, precisa cultivar. Basicamente, é importante que esse educador tenha experiência na Educação
de Jovens e Adultos, o que facilita muito a diversidade de práticas baseadas nos
conteúdos curriculares de acordo com a realidade do aluno da EJA.
184
Recordações:
complemento
para uma prática
inovadora
Nessa perspectiva, a educação exige que a práxis pedagógica dos professores
seja significativa, prazerosa e diversificada e que possibilite o desenvolvimento tanto dos educadores quanto do educando. Para isso, requer uma preparação, ou seja,
um planejamento adequado, muitos estudos e leituras, para que haja uma reflexão
da práxis pedagógica em consonância com as necessidades dos alunos.
Nesse aspecto, Freire sugere:
A responsabilidade ética, política e profissional do ensinamento lhe coloca o dever de se
preparar, de se capacitar, de se formar antes mesmo de iniciar sua atividade docente. Essa
atividade exige que sua preparação, sua capacidade, sua formação se tornem processos
permanentes. Sua experiência docente, se bem percebida e bem vivida, vai deixando claro
que ela requer uma formação permanente do ensinamento. Formação que se funda na
análise crítica de sua prática. (FREIRE, 1993, p. 28).
Dessa maneira, compreende-se a relevância da necessidade de o educador
possuir “virtudes” ou “saberes” para desenvolver práticas pedagógicas coerentes,
uma vez que o processo educativo possibilita ao docente desenvolver uma rede
de pensamentos concretos sobre a realidade em que se encontra inserido. Porém,
sabe-se que essa transformação do docente perpassa a prática educativa – crítica
ou progressista – e que, por isso mesmo, deve ser obrigatória na sua formação e na
sua prática. Assim, na sua prática pedagógica cotidiana, o educador deve oferecer
conhecimentos cuja compreensão seja clara e lúcida.
Avaliação
Marques (1976) retrata a avaliação como um processo contínuo, sistemático,
compreensivo, comparativo, cumulativo, informativo e global que permite avaliar o
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conhecimento do aluno. Sendo assim, a avaliação é um processo gradativo e ininterrupto capaz de dimensionar o conhecimento do aluno, que deve ser respeitado
de acordo com suas potencialidades, e privilegiando o senso crítico, a imaginação,
a compreensão e a comunicação.
A avaliação é um processo que busca comprovar, pesquisar e analisar. Luckesi (2002) enfatiza a avaliação diagnóstica, que tem por pressuposto acompanhar
as diferenças individuais, percebendo avanços e recuos do processo de ensino e
aprendizagem. Hoffmann (1993) chama a atenção para a avaliação mediadora, que
possibilita ao educador gerenciar a ação didática, tendo em vista observar o educando e, por conseguinte, oferecer ações que propiciem seu progresso na aprendizagem. Perrenoud (1999) destaca a dimensão formativa da avaliação, que viabiliza
o desenvolvimento de competências e habilidades de cada sujeito aprendiz a partir
de situações pedagógicas inovadoras. Saul (1994) enfatiza a avaliação emancipatória, que significa a abertura para o processo democrático do ato de avaliar no
contexto escolar. Por fim, Moretto (2003) analisa os instrumentos avaliativos, mais
especificamente a prova, que podem servir como forma de conhecer as reais dificuldades do educando se forem trabalhados numa dimensão construtivista, ou
seja, não no sentido de provocar tensão ou medo, mas de propiciar questões que
conduzam o aluno à reflexão crítica do conhecimento científico articulado a sua
própria realidade.
Contudo, nos encontros pedagógicos e formações continuadas, as escolas pouco discutem as ideias desses autores, e com isso, tornam-se impotentes na organização do trabalho pedagógico, em suas ressignificações, na elaboração de nova
roupagem para o currículo e, principalmente, no estabelecimento de uma íntima
relação entre ensino-aprendizagem.
Sendo assim, a concepção avaliativa deve ser fundamentada para o aprimoramento da prática pedagógica como forma de evitar a concepção de poder no
desenvolvimento e efetivação das ações avaliativas, na medida em que “quem tem
o poder de avaliar também tem o poder de legitimar ou de condenar o pensamento avaliativo” (HADJI apud GUIMARÃES, 1994, p. 79). A relação avaliador-avaliado é
vivida, nessas condições, como uma relação de combinação hierárquica.
Com isso, a prática avaliativa deve estimular, favorecer e programar uma ação
subsequente que resulte em um processo mais prazeroso, em que a prática do professor vai se aperfeiçoando na medida em que ele vai se tornando também um
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
185
Recordações:
complemento
para uma prática
inovadora
professor observador, mediador e avaliador de si e do outro, pois já não confunde
mais o ser justo com o usar de rigidez. Thereza Penna Firme afirma que “justo é ter
bom senso e rigidez é fazer o juízo na base de regras expostas que deve seguir, com
base no conteúdo programático exposto pela escola” .2
Nesse aspecto, é importante aprimorar o conhecimento sobre a Educação de
Jovens e Adultos, o que é um compromisso de todos, principalmente quando este
é adaptado de acordo com as mudanças e as transformações de mundo, como retrata Silva (2007, p. 25): “as instituições de ensino têm que viver uma dinâmica de
metamorfose, de significados, pois devem caminhar de acordo com as transformações sociais”. Por esse motivo, deve-se dar importância, nas discussões referentes
à avaliação, às questões fundamentais na formação do educando e às alternativas
metodológicas na prática dos educadores. Contudo, é válido ressaltar:
186
Recordações:
complemento
para uma prática
inovadora
O problema da avaliação é muito sério e tem raízes profundas: não é problema de uma
matéria, série, curso ou escola; é todo um sistema educacional, inserido num sistema social
determinado, que impõe certos valores desumanos como o utilitarismo, a competição, o
individualismo, o consumismo, a alienação, a marginalização, valores estes que estão incorporados em práticas sociais, cujos resultados colhemos em sala de aula, uma vez que
funcionam como “filtros” de interpretação do sentido da educação e da avaliação (VASCONCELLOS, 2000, p. 14).
A avaliação, nessa perspectiva, tem consolidado uma prática centrada apenas
na reprodução do saber, por meio da qual se tem estabelecido uma relação fragmentada entre o que o aluno aprende e o que a escola ensina. Fato este que faz da
avaliação algo que tem um fim em si mesmo, viabilizando a aprendizagem como
um processo marcadamente mecanicista.
Se se resolver o problema da avaliação, se todos fizerem uma avaliação bem–feita, estará
resolvida a questão da qualidade do ensino. Estas afirmações acabam fazendo parte do
ideário dos educadores e até mesmo do senso comum. A avaliação deve ser melhorada
sim, mas dentro do conjunto das práticas educativas do qual ela se faz parte. Sem isto, não
tem sentido trabalhar especificamente sobre a avaliação (SAUL, bases birene.br).
Partindo desse pressuposto, a escola deve vivenciar uma ação integrada envolvendo administração, supervisão, orientação educacional e educadores, a fim
de atender e detectar as necessidades singulares de cada aluno, com práticas que
atendam às necessidades dos mesmos, sempre atenta à diversidade: é atribuição
2. Fonte: Extraído da videoconferência sobre os Avanços da Avaliação no Século XXI — IESD.
Thereza Penna Firme é PhD, Educadora e Psicóloga; formação acadêmica no campo da Avaliação; Mestre em Psicologia Educacional; Mestre em Educação; Doutora em Psicologia da Educação e do Adolescente.
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do professor considerar a especificidade do sujeito, analisar suas potencialidades e
avaliar a eficácia das medidas adotadas.
A importância das linguagens cotidianas para o
currículo escolar
Na prática que vivenciei, pude ter como exemplo a importância das linguagens
cotidianas. Se o objetivo é formar cidadãos capazes de interagir no mundo e transformá-lo, assumindo assim suas próprias ações, o estudo das linguagens tem um
papel fundamental para o currículo escolar em Educação de Jovens e Adultos, pois
quem produz linguagens consegue vivenciar essa produção em qualquer situação
de vida, na medida em que qualquer aprendizagem só é possível por meio da linguagem, que formaliza todo conhecimento.
A linguagem em si atinge as mais diversas áreas do conhecimento: no trabalho, na vida doméstica, na política e nas relações do indivíduo em sociedade; assim
como a avaliação, o planejamento e o conhecimento estão interligados, a linguagem do dia a dia não está separada desse contexto. No entanto, é até mais fácil para
o professor quando ele aproveita esse momento para planejar, devido à facilidade
de manter contato com os alunos. Como diz Paulo Freire, a importância do “diálogo”
é ponto essencial para o conhecimento e aprendizagem na relação entre professor
e aluno.
Em todos os campos da linguagem da atualidade, em plena era tecnológica,
prevalecem a leitura e a escrita; daí a necessidade de ir além das paredes da escola,
vivenciar o todo, o contexto de história de vida intra e extraescolar. Assim, sugere-se
a oportunidade de conhecer os eixos da linguagem de modo geral, principalmente
quando falada ou escrita com segurança por alunos jovens e adultos, para enfrentar
qualquer preconceito linguístico.
À luz desta questão, Perini (2004, p. 55) sugere:
O que alguns chamam português certo,3 é uma língua que aprendemos na escola, com
a dificuldade que todos conhecemos, e que usamos (quando usamos) para escrever, mas
nunca para conversar. É a língua padrão do Brasil, (...) é a língua usada pelos jornais, livros
técnicos, revistas e a maior parte da literatura. Portanto, tem seu lugar seguro no ensino, e o
ideal seria que toda a população a conhecesse, a ponto de usá-la com certa facilidade.
3. O grifo é nosso.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Recordações:
complemento
para uma prática
inovadora
O preconceito linguístico existe principalmente relacionado às pessoas que não
possuem uma escolaridade, pois a língua sofre variações de uma região para outra
ou de um país para outro, havendo diferença quando falada por um homem ou por
uma mulher, por um adulto ou por uma criança. Existem as variedades linguísticas,
assim como as diversidades de gênero, etárias, socioeconômicas, de nível de instrução etc. Essa diversidade se dá no cotidiano de cada pessoa e de cada aluno de EJA
e, necessariamente, precisa ser enfatizada e sistematizada para o aprimoramento
da aprendizagem escolar.
Considerações finais
188
Recordações:
complemento
para uma prática
inovadora
O estudo sobre o tema evidenciou um desafio para o qual a escola e os professores têm que se dispor a encontrar uma solução, pois toda proposta pedagógica
só terá sucesso se o professor agir como pesquisador, sempre incentivando o aluno
ao progresso.
Falta de conhecimento! Desestímulo! Descompromisso! O que leva um educador a ficar alheio a esses conhecimentos? As oportunidades são inúmeras, basta
refletir conscientemente para se tornar um educador compromissado com a Educação de Jovens e Adultos. Educação precisa ser ativa, intervir, questionar, problematizar numa abordagem que evidencie contextos e aspectos específicos, ao mesmo
tempo sabendo que a escola impregnada por questões de poder, pode resistir a
argumentos teóricos válidos e sabendo do compromisso real que a palavra currículo tem com a vida cotidiana.
Assim, esperamos que a experiência descrita neste artigo sirva de exemplo para
muitos educadores que hoje, em tempo de mudanças, ainda permanecem com os
olhos vendados, já que é hora de tirar essa venda e se tornarem educadores conscientes, compromissados com o futuro de todos os seus educandos.
Um passo para essa mudança pode estar na adoção de uma avaliação que priorize a formação integral do aluno, que considere suas formas de pensar e agir que
enriqueça e colabore com o processo de construção do conhecimento.
Refletir sobre a avaliação é importante porque ela é uma prática educacional
necessária para que se meça a qualidade da aprendizagem do aluno, do ensino
do professor e das ações da escola como um todo no sentido de uma educação
emancipatória.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
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Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Recordações:
complemento
para uma prática
inovadora
Diagnosticar saberes
significativos ao aluno ou
simplesmente avaliar
Marlucia Oliveira do Carmo Azerêdo*
RESUMO
Avaliar é um ato de respeito às diferenças, portanto não podemos ter uma avaliação fechada
e predeterminada por professores. Precisamos
aprender que existem vários níveis de aprendizagem dentro do ambiente escolar e, por isso,
temos que saber como avaliar as peculiaridades sem prejudicar determinado aluno.
Palavras-chave: Avaliação diagnóstica;
avaliação significativa; avaliação/flexibilidade.
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ABSTRACT
Evaluation is an act of respect for
differences; so we cannot have a closed and
predetermined assessment by teachers. We
must learn that there are various learning
levels within the school environment and,
therefore, we must know how to evaluate
the peculiarities without hurting a specific
student.
Keywords: Diagnostic evaluation;
meaningful evaluation; assessment/
flexibility.
Educação em Rede
*Acadêmica do curso de licenciatura Plena em Pedagogia e professora da rede municipal de ensino, atuando hoje com o primeiro ano do Ensino Fundamental.
Avaliar é levar em conta as diferenças entre os estudantes. Para que esse ato seja
cada vez mais significativo para o aluno, o docente da Educação de Jovens e Adultos
precisa trabalhar as peculiaridades de cada um. Ele não pode lançar mão de uma
mesma avaliação todos. De inteira responsabilidade do professor, o ato de avaliar
deve ser ao mesmo tempo, diagnóstico, significativo e reflexivo.
O ato de avaliar é muito presente na vida de quem trabalha no âmbito educacional. Atualmente, um dos objetivos primordiais da educação é formar pessoas
que consigam compreender seu próprio mundo, cidadãos que sejam capazes de
refletir sobre seus atos, compreendendo a melhor forma de agir perante os problemas sociais e familiares.
Hoje, no Brasil, a procura por cursos que possibilitem a aquisição da escolaridade básica ou sua complementação nos níveis de Ensino Fundamental e Médio
por parte de jovens e adultos vem aumentando significativamente. Essa procura
aumenta a cada ano e a conclusão a que chegou é a de que os professores estão
cada vez mais se aperfeiçoando e procurando entender o processo de construção
do conhecimento dos estudantes de EJA.
Vejo que, a cada ano, discentes estão ajudando a melhorar uma modalidade de
ensino voltada para aqueles que por algum motivo deixaram a escola, em determinado momento da vida se viram excluídos do processo regular do ensino formal e
agora se sentem cobrados pela sociedade com relação à exigência da escolaridade
básica. Isso vem sendo confirmado com a Lei 9.394/1996, que garante o ensino a essas pessoas que, por um motivo particular, não tiveram a possibilidade de concluílo em tempo regular.
Não podemos fechar os olhos para uma realidade que é cada vez mais frequente no cotidiano escolar, pois percebemos cada vez mais a procura por parte dos
jovens e adultos por vagas nas escolas para retomarem seus estudos. A Educação
de Jovens e Adultos apresenta peculiaridades, e por motivos como o compromisso
com filhos e trabalho, e até mesmo com os problemas de base que ainda não foram
resolvidos, precisamos ter um olhar bem atento para avaliar essa clientela.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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saberes
significativos
ao aluno ou
simplesmente
avaliar
Não podemos ignorar que, no Brasil, problemas de base ainda não foram resolvidos e, portanto, diante de constantes transformações tecnológicas na conquista do conhecimento,
convivemos com o analfabetismo sem condições de interação com perfis sociais e econômicos mais modernos (PICONEZ, 2003, p. 27).
Devemos avaliar nosso alunos pensando na inclusão, “entendida como participação crescente na vida social, política e econômica do país” (PICONEZ, 2003, p. 27),
cabendo ao professor o papel de mediador da aprendizagem do discente, em vez
de apenas apontar suas dúvidas e dificuldades.
Deve-se procurar conhecer as dificuldades dos alunos para então usá-las de forma construtiva, de modo que a aprendizagem possa ser significativa e mais próxima
da realidade de cada sujeito, respeitando o ritmo e o modo de aprender de cada um.
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saberes
significativos
ao aluno ou
simplesmente
avaliar
O docente precisa utilizar estratégias de avaliação que o levem a perceber
o modo como seu aluno constrói conhecimentos, seja através da participação
nos debates em classe, nas atividades escolares ou na vida familiar e social, motivando sua autoestima de forma que esta prevaleça sobre os problemas que enfrenta na sociedade.
Esse aluno precisa se sentir parte integrante de sua sociedade, alguem que
cumpre obrigações de cidadão, que defende seus direitos, pois só então ele conseguirá perceber que já é membro desta. Acredito que o professor pode ajudar muito
o educando, estimulando valores e habilidades para que ele possa refletir sobre
suas atitudes perante os obstáculos do seu cotidiano.
Para Luckesi (2005, p. 28), “a avaliação educacional, em geral, e a avaliação da
aprendizagem escolar, em particular, são meios e não fins em si mesmos, estando
assim delimitadas pela teoria e pela prática que as circunstancializam”.
Nesse sentido, cabe ao professor ter o entendimento da dimensão do processo
da avaliação, observando a construção do conhecimento dentro da modalidade de
ensino em que atua. Segundo Gadotti (2003, p. 16), “crianças e adultos se envolvem em processos educativos de alfabetização com palavras pertencentes à sua
experiência existencial, palavras grávidas de mundo. Palavras e temas”. O educador
deve perceber esse envolvimento para que não infantilize o processo educativo do
adulto. À medida que sujeitos sociais, educandos marcados pela heterogeneidade,
se envolvem plenamente no processo de construção do conhecimento, precisam
estar bem orientados sobre como se dá esse processo para que não se sintam infe-
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riores nem superiores aos demais colegas de classe, uma vez que a aprendizagem
ocorre de forma específica para cada pessoa.
Percebemos que os jovens e adultos têm realidades e experiências distintas
das das crianças. O professor, ao utilizar uma atividade infantilizada na EJA, acaba
tornando sua aula desinteressante e, consequentemente, avaliando seu aluno de
maneira equivocada.
Esse equívoco ocorre quando o professor não percebe que a clientela com a qual
trabalha não gosta da forma como as atividades estão sendo administradas. Não é o
conteúdo em si que não interessa, mas a maneira como é repassado a essas pessoas,
o que leva o professor a realizar uma avaliação que não é clara nem objetiva, deixando parecer “injusta” ao apontar os erros; isso não ajuda seus alunos no sentido de um
crescimento cognitivo e pessoal. Não é esse tipo de avaliação que queremos para
nossos alunos da EJA, mas sim uma avaliação que os leve a refletir sobre seus avanços e suas dificuldades na construção de seus conhecimentos, atitudes e valores.
A avaliação precisa ser um processo constante no aprendizado, devendo ser
realizada a todo instante, com a percepção dos avanços e das dificuldades de
cada aluno.
Não podemos julgar o aluno da EJA sem antes conhecer o mundo que o cerca,
e, para que realmente ocorra uma avaliação justa, o professor deve perceber as diferenças e limitações de cada um dentro de sala, sendo que essas limitações possibilitam ao educador traçar os pontos que devem ser avaliados em sua aula.
O planejamento facilita a construção de uma avaliação significativa, pois, no
momento em que o professor planeja, deve pensar em cada aluno de forma a levar
em consideração a individualidade do mesmo para que não ocorra uma avaliação
generalizada e formatada de modo a prejudicar determinado aluno.
Em 1988, surge a Carta Magna, em que pela primeira vez na história da Educação Brasileira,
consagra a obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental para todos os brasileiros,
transformando-o em “direito público subjetivo”, independentemente da idade do candidato. Ou seja, a Educação de Jovens e Adultos, marginalizados ou excluídos da escola
na idade própria, integra-se no sistema educacional regular de ensino, observando-se,
evidentemente, as especificidades didático-pedagógicas para a clientela-alvo (GADOTTI,
2003, p. 44).
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simplesmente
avaliar
Hadji (2001, p. 86-87) indaga: “O que é, efetivamente, ensinar, senão ajudar alunos a construir os saberes e competências que a frequência nas disciplinas escolares
apela e cuja construção permite?” É essa avaliação de construção de conhecimentos
que os profissionais da educação da EJA devem perseguir, os objetivos da avaliação
destinada a esses alunos, pois como avaliar esse aluno se não levamos em conta
sua vivência? Como conseguirão associar os conteúdos a sua realidade? Todos esses
pontos devem ser levados em consideração pelo professor na hora de avaliar seus
alunos. Queremos que os educadores se empenhem em uma avaliação que faça
com que o aluno da EJA reflita sobre o que e como está aprendendo, para que seus
conhecimentos se tornem realmente significativos.
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saberes
significativos
ao aluno ou
simplesmente
avaliar
A avaliação deve ter sentido na vida de qualquer aluno, por que não ter sentido
para os alunos da EJA? Será que esse ponto primordial no processo ensino-aprendizagem não tem sentido na vida escolar dessas pessoas? Ou será que nossos professores, hoje, não estão preocupados em querer que seus alunos compreendam
como se dá a construção de seus saberes? Acredito ser de inteira responsabilidade
do educador conhecer as peculiaridades de cada um de seus alunos para que o processo de construção do saber se dê de forma clara, para que o aluno possa associar
suas aprendizagens à realidade de vida, uma vez que estudam para serem incluídos
em uma sociedade preconceituosa, que discrimina quem não sabe ler e escrever.
É importante que o professor da EJA reflita sobre tais fatos para que tenha clareza da dimensão da especificidade do trabalho com essa modalidade de ensino.
De acordo com Hoffmann (2006, p. 11), “algumas vezes, ocorre a educadores
conscientes do problema apontar aos alunos as falhas do processo, criticá-las a
contento e profundidade, exercendo, entretanto, em sua sala de aula, uma prática avaliativa improvisada e arbitrária”. Cabe a nós, educadores, refletir sobre essa
prática improvisada – será que estamos avaliando nossos alunos como realmente
merecem? Ou será que estamos realizando uma avaliação arbitrária? Devemos refletir sobre essa prática para que não tracemos uma avaliação errada sobre o aprendizado de nossos educandos. Precisamos avaliar de forma a estimulá-los cada vez
mais na construção dos conhecimentos, para que possam sentir-se construtores de
seus aprendizados.
Somos frutos de uma prática autoritária e precisamos refletir sobre nossa
prática para não reproduzir aquela. Mesmo não sendo tarefa simples, temos que
pensar sobre que pessoas queremos formar, pois cabe a nós, educadores, traçarmos
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objetivos, como mediadores do processo ensino-aprendizagem, para realizarmos
uma avaliação correta dessa construção de conhecimento que é tão importante
para os alunos.
Segundo Hoffmann (2006, p. 58), “para analisarmos a perspectiva da avaliação
como uma ação mediadora, de fato, é preciso partir da negação da prática atual
quanto ao seu caráter de terminalidade, de obstrução, de constatação de erros e
acertos”. O professor precisa ver seus alunos como construtores do seu próprio processo educacional, dos quais seremos mediadores e não julgadores. Temos que ter
claro que o ato de avaliar vai muito além do ato de detectar erros no aprendizado
dos alunos. Avaliar não é julgar a construção de saberes, e sim, compreender a forma como os alunos constroem seus conhecimentos. O professor precisa entender
que não cabe a ele querer repassar informações prontas e acabadas para que seus
alunos decorem conteúdos ou fórmulas. Ele precisa mediar a aprendizagem de forma prazerosa e criativa, pois assim cada aluno construirá seus próprios conceitos,
tornando o aprendizado bem mais significativo.
O professor precisa trabalhar o ”erro” do aluno de forma construtiva; assim, o
educando não terá medo de inovar, tentar criar, pois terá certeza de que suas dificuldades serão trabalhadas da melhor forma, de modo a garantir seus avanços e
conquistas.
Para o profissional em atividade, avaliar significa em primeiro lugar escolher exercícios,
provas, aos quais submeter os alunos. Quando um professor interroga-se sobre a maneira
como poderá apreciar os conhecimentos de seus alunos, encontra-se diante de uma primeira escolha: avaliação oral ou escrita? É a questão das condições do “teste” que surge primeiramente. Construir um dispositivo de avaliação consiste precisamente em determinar
essas condições (HADJI, 2001, p. 77).
Vejo que não precisamos marcar dia e hora para avaliar nossos alunos, uma vez
que o aprendizado se dá a todo instante – então por que data marcada? Será que
achamos que determinando dia e hora nossos alunos estarão mais ou menos preparados para serem avaliados? Vejo que, agindo assim, só prejudicaremos nossos
educandos, pois, a meu ver, precisamos, sim, avaliar nossos alunos, mas uma avaliação que vise à melhora dos mesmos, para que eles próprios possam perceber suas
dificuldades e conquistas; desse modo, até mesmo o ato de avaliar será bem mais
significativo na vida do aluno. Este só conseguirá ter uma aprendizagem prazerosa
se sentir-se seguro para expor suas ideias.
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avaliar
Essa busca deve ser mediada pelo professor de forma clara e coesa, com o único
intuito de ajudar o aluno nesse processo de construção de conhecimento. Tal busca deve se tornar um momento de prazer e de segurança entre aluno e professor,
uma vez que o aprendizado deve ser construído de forma clara e em torno de uma
confiança recíproca.
Para Luckesi (2005, p. 18), “o sistema de ensino está interessado nos percentuais
de aprovação/reprovação do total de educandos”. No sistema público de ensino,
que atende a EJA, a situação não é diferente. Precisamos mudar essa realidade, devendo ir muito além da preocupação com dados estatísticos. Portanto, a qualidade
dessa aprovação deve ser levada em conta.
Não podemos deixar o ensino perder sua natureza de promover a construção
do aprendizado. E para que isso ocorra, precisamos conscientizar nossos alunos do
papel que desempenham na sociedade como sujeitos críticos.
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De acordo com Luckesi (2005, p. 32), “a avaliação educacional será assim, um
instrumento disciplinador não só das condutas cognitivas como também das sociais, no contexto da escola”. É nessa perspectiva que o professor deverá trabalhar.
O ato de avaliar o aluno da EJA é antes de tudo refletir sobre a pessoa que estamos avaliando. Devemos levar em conta que essa pessoa adulta ou jovem, presente nos bancos escolares, cursando ainda o primeiro ciclo da educação básica,
por exemplo, já tem toda uma história de vida anterior, não cabendo a nós, como
mediadores da construção de conhecimento, julgá-los.
Sabemos que o professor, como mediador do conhecimento, deve utilizar-se
de várias técnicas e estratégias para fazer com que seu aluno consiga aprender não
apenas para o dia da “prova”, mas para a vida, o que muitos de nossos colegas professores ainda não se deram conta, ou seja, não fazem.
Preocupam-se sobremaneira em atribuir nota 7 ou 7, 5, enquanto relegam a último plano
os sérios problemas de aprendizagem. Perdem o sono por tais problemas imaginários ao
invés de se deterem em problemas verdadeiramente reais de aprendizagem (HOFFMANN,
2006, p. 45)
O professor, como mediador da aprendizagem, deve agir de forma que o aluno
possa interagir na construção do seu próprio conhecimento, estimulando, assim,
uma presença significativa nas salas de aula.
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Nesse contexto mais técnico, o elemento essencial, para que se dê à avaliação educacional
escolar um rumo diverso ao que vem sendo exercitado, é o resgate da sua função diagnóstica. Para não ser autoritária e conservadora, a avaliação terá de ser diagnóstica, ou seja,
deverá ser o instrumento dialético do avanço, terá de ser o instrumento da identificação de
novos rumos. Enfim, terá de ser o instrumento do reconhecimento dos caminhos percorridos e da identificação de novos caminhos a serem perseguidos (LUCKESI, 2005, p. 43).
A avaliação deve ser realizada ao longo de todo um processo educativo, visando à
dinâmica dos grupos em sala e sempre respeitando a individualidade de cada aluno.
O educador deve proporcionar que a avaliação se torne parte integrante do
processo de construção dos saberes. Desse modo, ele estará abrindo espaço para
que seus alunos possam criar novas estratégias que possibilitem o enriquecimento
do desenvolvimento educativo.
Com esse olhar mais amplo, não avaliamos apenas se o aluno sabe ou não, avalia-se todo o desenvolvimento, tanto do educando como do próprio professor, que
é parte integrante do processo de construção de saberes.
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REFERÊNCIAS
GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E. (Org.). Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta. 6. ed.
São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2003.
HADJI, C. Avaliação desmistificada. Porto Alegre: Artmed, 2001.
LUCKESI, C. C. Avaliação da aprendizagem escolar. São Paulo: Cortez, 2005.
PICONEZ, S. C. B. Educação escolar de jovens e adultos. São Paulo: Papirus, 2003.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Avaliar: um ato político
que poderá levar à
transformação social
Pe. Bruno (Francisco Edson Garcês Carneiro Lira)*
Resumo
Abstract
O presente artigo faz um estudo sobre os processos de avaliação escolar, sobretudo pensando nos alunos da Educação de Jovens e Adultos
(EJA), que, na maioria das vezes, já possuem
certa bagagem cultural, mesmo que esta seja
proveniente do senso comum, o que deverá ser
ressignificado nas práticas pedagógicas. Nosso texto também apresenta a relação entre as
práticas da Escola Tradicional e o aluno. Propõe-se uma avaliação a partir dos estudos de
Luckesi, Hoffmann e Hadji: diagnóstica, prognóstica e qualitativa. Sugerimos um currículo
multicultural que abranja todas as dimensões
da integralidade do ser humano: a física, sensorial, emotiva, mental e espiritual, em que o
ensino seja contextualizado e direcionado para
a transformação social.
This paper is a study of the school evaluation
processes, particularly related to Youth and
Adult Education students, which in most cases,
already have some cultural baggage, even if
it comes from common sense, which must be
reinterpreted in the teaching practices. Our
text also presents the relationship between
Traditional School practices and the
student. It proposes a diagnostic, prognostic
and qualitative evaluation based on the
studies of Luckesi, Hoffmann and Hadji.
We suggest a multicultural curriculum
that covers all dimensions of the whole
human being: physical, sensory, emotional,
mental and spiritual, in which education is
contextualized and directed toward social
transformation.
Palavras-chave: Avaliação; Educação de Jovens e Adultos; replanejamento; ensino-aprendizagem; transformação social.
KEYWORDS: Evaluation, Youth and Adult
Education; re-planning, teaching and
learning; social transformation.
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* Graduado em Filosofia e Teologia pela Escola Teológica do Mosteiro de São Bento de Olinda – PE; fez licenciatura plena em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Mestre em Ciências da Linguagem pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
Atualmente, é o supervisor pedagógico da Educação de Jovens e Adultos (EJA) do SESC –
Santo Amaro (Recife - PE) e professor-adjunto dos cursos de Gerenciamento de Redes, Administração de Empresas e Ciências Contábeis da FAPE IV (Faculdade Pernambucana).
O ato de educar nasceu junto com o desenvolvimento do próprio ser humano,
que se preocupou em ensinar aquilo que aprendeu e o que há de mais importante
para a ser identificado como determinado povo e com culturas que lhe são peculiares. Portanto, quando se fala em ensinar, não se deve pensar apenas na sua modalidade formal de escola com salas de aula, materiais pedagógicos, currículos e
professores, mas também vale considerar a “escola da vida”.
Mesmo na aprendizagem informal, a atitude avaliativa está presente durante
todo o processo, pois só temos certeza daquilo que aprendemos quando avaliamos, ou seja, quando nos deparamos com um determinado problema e, partindo
de várias estratégias, chegamos a uma solução. Também dentro das práticas formais
de ensino-aprendizagem a atitude avaliativa deverá redimensionar todo o percurso
na direção de uma real aprendizagem. Nesse contexto, a prática das avaliações deverá ser uma constante, pois dela dependerá todo o sucesso do trabalho docente
com relação a uma real aquisição dos novos conhecimentos por parte dos alunos.
O professor, aquele que avalia, deverá ser portador de uma atitude que é peculiar à
sua profissão: ensinar, fazer com que os alunos aprendam, e não apenas reprovar e
mostrar superioridade, pois o verdadeiro sábio será um eterno aprendiz.
Sabe-se que, semanticamente, avaliar difere de corrigir, que seria apenas uma
contagem de erros que sempre classifica ou desclassifica. A escola tradicional, tendo por base a doutrina behaviorista, em vez de realizar uma real avaliação, sempre
fez exames, provas, muito mais com a finalidade de aprovar ou reprovar do que
avaliar processos de aprendizagem. A esse respeito Lira (2006, p. 111) comenta:
Para Skinner, fundador da teoria behaviorista (comportamentalista), o aluno é condicionado a partir de estímulos externos a dar uma resposta. Esse estímulo seria uma espécie
de reforço (positivo ou negativo), dependendo da realização ou não da aprendizagem.
Esta teoria está centrada no treino, eliminando toda a possibilidade de reflexão. Frederic
Skinner, preocupado com a aprendizagem em geral, propõe uma teoria comportamentalista a partir de condicionamentos. O indivíduo é apresentado como um autômato, um
robô, cujo comportamento é modificado por meio de um conjunto de estímulos e respos-
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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político que
poderá levar à
transformação
social
tas, ignorando-se, totalmente, a consciência e os estados mentais. Em suas experiências
com ratos, observou que eles, ao receberem determinado estímulo, mudavam de comportamento e aprendiam. Esse processo era estimulado pelo reforço, que podia ser positivo
(como ofertas de queijo) ou negativo (como deixá-los com fome, mas sem chegar a ser um
sofrimento físico, opondo-se, assim, à punição).
Pode-se dizer que esta ideia de condicionamento operante também se aplica
ao ato de avaliar de maneira tradicional, ou seja, o aluno “aprende” porque é condicionado pelos estímulos. Quem não se lembra dos bolos com palmatória (reforço
negativo) ou das notas coroadas de estrelinhas e dos chocolates que ganhávamos
de nossas professoras (reforço positivo)? Esse tipo de método não prova a verdadeira
aprendizagem, pois o condicionamento, com o passar do tempo, fica no esquecimento, enquanto que a aprendizagem real leva à solução de vários tipos de problemas em contextos multiformes. Lembramos ainda do que diz o autor (2007, p. 26).
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Avaliar: um ato
político que
poderá levar à
transformação
social
Sendo assim, o professor que opta por esse estilo de prática pedagógica é um treinador.
Na década de 70, todos nós lembramos daqueles prêmios que recebíamos, quer dos professores ou dos pais, quando tirávamos boas notas ou apresentávamos bons exercícios.
Esses prêmios funcionavam, ou ainda hoje podem funcionar, como um reforço positivo,
enquanto o castigo aparece como modo de punir os supostos “erros”.
Tais erros deveriam ser um indicador positivo daquilo que precisa ser modificado na prática pedagógica. O erro otimizado leva os professores a descobrir em que
lugar e em qual momento deverão redimensionar o seu trabalho docente para que
o aluno aprenda. O aluno errou porque tentou acertar, buscou estratégias para isso,
e se tentar novamente, de outros modos, com certeza acertará.
Fazemos, portanto, uma relação entre o currículo tradicional estereotipado, local das escolhas do professor e das ideologias políticas do momento, e esse modo
de avaliação que oprime, condena e que leva o aluno a ser um reprodutor dos livros
didáticos e dos professores: o que chamamos “cultura de caderno”. O aluno não conseguirá ir além dos apontamentos tirados do quadro na sala de aula e dos exercícios
sem desafios do livro didático, na maioria das vezes, descontextualizados. A respeito disso, Silva (2004, p. 36) informa-nos:
A função de sistema educativo não se restringe a apenas garantir a entrada e a permanência dos aprendentes na escola e lhes oferecer merenda. Seu desafio maior está em
possibilitar as condições necessárias para que haja aprendizagens de qualidade social. A
partir desse ponto de vista, é relevante superar as aprendizagens mecânicas, baseadas nas
memorizações, na repetição, na reprodução e na cópia.
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Como sabemos, o perfil do alunado dos cursos de Educação de Jovens e Adultos (EJA) é bem diversificado devido aos vários contextos de procedência de cada
um. Há aqueles que estão ali porque provêm de várias reprovações e pela vontade
dos pais, e não a sua, de que estudem naquele momento. Outros casos, mais motivadores, são aqueles de pessoas que passaram anos sem estudar porque tiveram
que trabalhar na tenra idade e agora, por motivos trabalhistas ou por já exercerem
determinada profissão, desejam, realmente, estudar para aplicar os conhecimentos
adquiridos em suas próprias vidas. Nesse grupo encontramos um campo fértil para
unir a teoria à prática.
A partir das reflexões de Cipriano Luckesi, Jussara Hoffmann e outros, o paradigma da avaliação tem se modificado e se mostrado mais diagnóstico-qualitativo,
levando professores e alunos a se autoavaliarem e estabelecendo juízos de valor e
uma consequente tomada de decisões. Aqui os conhecimentos prévios dos alunos
são sempre valorizados, e o conhecimento é construído em cima daquilo que já
se sabe e pratica. Baseando-nos nessa premissa, inferimos que a avaliação deverá
ser contínua, estabelecendo constantes reestruturações da prática docente e do
currículo sempre em favor da real, e não maquiada, aprendizagem. O teórico francês Charles Hadji, na sua avaliação desmistificada, apresenta a avaliação qualitativa
centrada no aluno como prognóstica, ou seja, o professor, partindo das singularidades de cada um, já prevê resultados e antecipa (refaz) as suas práticas avaliativas.
Quanto ao aspecto dos conhecimentos prévios pensamos como Hoffmann
(1998, p. 135):
Há muito que refletir sobre cada momento de aprendizagem de um aluno: sobre suas concepções prévias, seu saber construído a partir de experiências de vida, sobre sua forma de
expressar tais conhecimentos, sobre suas possibilidades cognitivas de entendimento das
questões formuladas, sobre desejos e expectativas em termos do conhecer. Refletir sobre
essas diferenças e múltiplas dimensões do conhecimento é a tarefa do avaliador. Não para
encontrar respostas definitivas ou absolutas, mas para delinear caminhos, estratégias de
aprendizagem, para formular novas perguntas que complementem e enriqueçam suas hipóteses iniciais, para desenvolver uma ação de reciprocidade com o seu aluno, no sentido
de ensiná-lo e, ao mesmo tempo, aprender com ele.
É nesse sentido que o educador estará sempre revendo as suas práticas. Tendo
por base aquilo que o aluno já sabe, seu perfil social, seu tempo para aprender.
Vemos aqui, claramente, que nenhum currículo poderá estar engessado, e sobretudo os de EJA, devido aos vários níveis cognitivos de seu público. O termo grade
curricular cada vez mais deverá ser substituído por matriz ou proposta curricular,
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social
já que está em constante mutação a partir das observações avaliativas. Neste momento, não poderíamos deixar de mencionar, ainda, Silva (2007), que, ao dialogar
com Giroux, Derrida e outros, sugere a construção de um currículo multicultural em
que se respeitem as identidades dos alunos, em nosso caso, os de EJA, sobretudo
no que concerne a etnia, raça, credo religioso, variedades linguísticas... Estando o
processo avaliativo atrelado às práticas de ensino e ao currículo não se poderá esquecer, em sua construção, da diversidade cultural de nossos alunos; entendendo
cultura também como os determinados pontos de vista dos alunos, sempre a partir
de um lugar social.
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político que
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transformação
social
Conforme o mesmo autor, em um processo de construção de currículo deverse-á levar em consideração o discurso do saber, do poder e da formação de subjetividades. Nesse sentido, vê-se que, embutidas nas propostas curriculares estão as
ideologias e crenças. Assumimos para a EJA uma proposta curricular pós-crítica que
busca contemplar o ser humano como um todo e, por isso mesmo, a avaliação também deverá considerar todas as dimensões da integralidade do homem: a física,
sensorial, emotiva, mental e espiritual.
Todo processo avaliativo, desse modo, liga-se à construção curricular, a qual deverá ter mobilidade de acordo com o perfil de cada aluno, por isso faz-se necessário
perguntar: o que avaliar? Para quê? Por quê? Como? As três primeiras indagações situam-se naquilo que é significativo para o aluno a fim de que possa intervir em seu
contexto social e, consequentemente, na transformação da realidade. No que se
refere aos aspectos metodológicos (o como), deve-se atentar para os vários instrumentos avaliativos: trabalhos, projetos, provas, observação da capacidade criativa.
O ensino, portanto, deverá ser contextualizado, aplicado às diversas realidades,
tornando-se cada vez mais significativo para as existências dos alunos, que, por sua
vez, deverão agir em busca da autenticidade, ou seja, do conhecimento seguro,
que dará firmeza às verdadeiras teorias e não somente a modismos. Nesse sentido,
professores e alunos deverão estar em constante conversação, sempre abertos às
novas aprendizagens.
O acompanhamento do desenvolvimento de um aluno (o seu processo avaliativo) ocorre a partir da visualização por parte do professor (parceiro do ato educacional) dos conceitos formulados e reformulados, por meio de várias ações educativas
e com diversos instrumentos. Dessa perspectiva, Hoffmann (1998) diz que essas
ações educativas deverão ser desafiadoras, com tarefas de aprendizagem sucessivas e gradativas, permitindo ao professor o acompanhamento dos graus de evolu-
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ção do pensamento do aluno em diferentes áreas do conhecimento. E afirma que
“não há sentido em procedimentos avaliativos quantitativos e que visem à soma de
resultados parciais (médias de aprendizagem), mas processos analíticos e qualitativos, uma vez que a evolução do conhecimento não se dá por etapas que se somam,
mas pelo ultrapassamento, pela superação”.
Voltando para a perspectiva avaliativa conforme a proposta de Luckesi (2003),
gostaríamos de enfatizar a total relação existente entre o ato de avaliar, o planejamento e o replanejar. A respeito disso, ele mesmo diz:
Planejamento e avaliação são atos que estão a serviço da construção de resultados satisfatórios. Enquanto o planejamento traça previamente os caminhos, a avaliação subsidia os
redirecionamentos que venham a se fazer necessários no percurso da ação. A avaliação
é um ato de investigar a qualidade dos resultados intermediários ou finais de uma ação
subsidiando sempre sua melhora... A avaliação da aprendizagem necessita, para cumprir o
seu verdadeiro significado, assumir a função de subsidiar a construção da aprendizagem
bem-sucedida. A condição necessária para que isso aconteça é de que a avaliação deixe de
ser utilizada como um recurso de autoridade, que decide sobre os destinos do educando,
e assuma o papel de auxiliar o crescimento (p. 165-166).
Como vemos, a avaliação serve para redirecionar a prática pedagógica, tendo em vista a real aprendizagem do aluno, aquela que busca resolver problemas
e facilitar atitudes sociais, portanto, com função de auxílio em todo o processo de
ensino-aprendizagem. De certo modo, ao se promover uma avaliação desse tipo,
qualitativa e formadora, busca-se uma regulação pedagógica que acontece através
de novas estratégias e caminhos a serem trilhados na busca da construção do saber.
Luckesi (op. cit.) conclui afirmando que “planejamento, execução e avaliação são recursos da busca de um desejo. Para tanto, é preciso saber qual é o desejo e entregar-se a ele”. Esse desejo seria a ação pedagógica praticada pelos docentes na busca de
resultados satisfatórios com o auxílio do planejamento e da avaliação.
Luckesi propõe uma avaliação diagnóstica como saída para o modo autoritário de agir nas práticas avaliativas e como meio de auxiliar na construção de uma
educação que esteja a favor da democratização da sociedade. Para ele, a avaliação
se monta no seguinte tripé: juízo de qualidade; sobre dados relevantes da realidade; para uma tomada de decisão. Demonstra, também, a dicotomia entre o tipo de
avaliação conforme o modelo tradicional, em cima do medo e castigos, e aquela
libertadora, que deixa a domesticação dos educandos para a sua humanização. Ele
diz que a avaliação nunca poderá ficar ao arbítrio pessoal do professor e do seu
estado psicológico, ou seja, daquilo que ele define como relevante ou irrelevante,
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político que
poderá levar à
transformação
social
pois é essa postura que faz aparecerem as “armadilhas” nos testes; faz surgirem as
questões para “pegarem os desamparados”; nascem estes mesmos testes para “derrubarem todos os indisciplinados”. Esse autor, portanto, vê a avaliação como um ato
extremamente amoroso, por ser ato de atitude acolhedora e, através dessa acolhida, sobretudo por parte dos professores, todas as chagas doentias dos castigos, das
classificações e reclassificações, dos exames e exclusões são efetivamente curadas.
De certo modo, a perspectiva de Hadji (2001), como já mencionada anteriormente com relação à avaliação desmistificada, é um pequeno acréscimo ao que preconiza
Luckesi, ou seja, o professor, antes mesmo de detectar falhas no processo de ensino
e aprendizagem (diagnose), já se antecipa na emissão de julgamentos e criação de
novas estratégias, por isso é que propõe uma avaliação prognóstica. Segundo ele,
“a validade de previsão do julgamento dos professores também expressa o fato de
que ele é, em parte, produtor do sucesso ou do fracasso dos alunos, por meio desses
mecanismos de ajuste dos resultados às representações” (op. cit. p. 55).
206
Avaliar: um ato
político que
poderá levar à
transformação
social
Sendo o aluno o sujeito do processo de ensino/aprendizagem, a avaliação formativa tem como preocupação constante pôr-se a serviço dele para integrá-lo em
uma prática pedagógica no seio da qual não se anule.
Para o autor, a regulação, na avaliação prognóstica, consiste numa reorganização da ação pedagógica, trabalho esse feito pelo professor, e uma regulação metacognitiva, ou seja, uma atividade realizada pelo próprio aluno, que se autoavalia e
vê o que já aprendeu e o que ainda falta ser verdadeiramente apreendido. Estabelece-se, assim, uma parceria entre o protagonista da ação educacional (aluno) e seu
mediador (o professor).
Hadji ainda apresenta a avaliação formativa-reguladora como aquela que trilha
por diversos caminhos metodológicos, apresentando possibilidades para reflexão
e recriação por parte dos atores do processo de ensino-aprendizagem. Para tanto, propõe que seja negociado aquilo que deverá ser avaliado: elencar objetivos
construindo diversos instrumentos avaliativos, sempre interpretando as informações coletadas, e refletindo sobre como poderão ser aplicadas na realidade social
tendo em vista a sua transformação. Ele propõe quatro tarefas para uma avaliação
prognóstica formativa que se ligam à prática do professor avaliador: desencadear
comportamentos a observar; interpretar comportamentos observados; comunicar
os resultados da análise e remediar os erros e as dificuldades analisados. Conforme
sua proposta, nas escolas, as avaliações deverão estar a serviço das aprendizagens,
tornando-se, assim, auxiliares no ato de aprender. Em um contexto de ensino, a
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avaliação deverá sempre contribuir para o êxito do mesmo. Portanto, a avaliação
normativa e classificatória opõe-se a esta nova forma que é mais criteriosa e sempre
com um objetivo a ser atingido: a aprendizagem. Enquanto a avaliação diagnóstica
identifica as características do aprendiz e seus pontos fortes e fracos, a prognóstica
já faz os ajustes necessários dos conteúdos programáticos para facilitar a aquisição
de competências e conhecimentos por parte dos alunos. Como se observa, esse
tipo de avaliação tem como preocupação constante pôr as ações pedagógicas a
serviço do aluno, integrando-o como protagonista da ação avaliativa. Essa nova forma de avaliar constitui-se de um combate diário, pois nem sempre os nossos alunos
estão motivados para o estudo e a pesquisa, daí ter de ser feito diariamente um
trabalho “exaustivo” de motivação.
Existe, portanto, uma diferenciação entre avaliação institucional e a avaliação
da aprendizagem, que deverá ser contínua e não tem como finalidade a imposição
da nota, pois, como o próprio nome já indica, o professor observa se os alunos estão
aprendendo e vai modificando as suas práticas quantas vezes forem necessárias
para que ocorra a efetiva aprendizagem. Esse tipo de avaliação formativa liga-se
às diferentes formas e tempos de aprender de cada aluno, fugindo totalmente da
mensuração.
Como vemos, no processo de aprendizagem escolar, o ensino e a avaliação se
interdependem, pois seria desprovido de sentido avaliar o que não foi objeto de
ensino, e também não teria sentido nenhum avaliar sem que os resultados das avaliações fossem refletidos nas próximas atuações pedagógicas. Desse modo um alimenta o outro, tendo a função de desenvolver as determinadas competências nos
campos que forem eleitos durante a ação docente nas determinadas áreas do saber.
Sobre esse assunto Antunes (2003, p. 155-156) afirma:
Na rotina de nossas atividades escolares, o fio dessa interdependência parece ter-se rompido e, desse modo, avaliação e ensino nem sempre guardam essa reciprocidade. Com grandes prejuízos para o ensino, pois, em muitos casos, a avaliação passou a ser uma espécie
de finalidade: a aula é dada para preparar a prova; o livro é lido porque “é pra nota”; a literatura é consultada porque “cai no vestibular”, e assim por diante. Estuda-se para [...] “uma
prestação de contas”, que pode ser mensal, trimestral, anual no final do ciclo etc. Daí ser o
termo “cobrar” uma expressão bem corrente no discurso da escola, o que bem claramente
denuncia esse lado mercadológico do ensino. É mais do que oportuno, pois, perguntar-se
sobre os “descaminhos” da avaliação e decidir por uma mudança de rumo, mudança que
tem suas origens na revisão de nossas concepções. Sim, porque mudar, seja o que for, tem
que começar pela revisão de nossos fundamentos conceituais. Se não, muda apenas o
palavreado, muda apenas a fachada.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
207
Avaliar: um ato
político que
poderá levar à
transformação
social
Como vemos, Irandé Antunes comenta de maneira muito clara e objetiva o
modo funcional a que as avaliações se prestaram e ainda se prestam como sendo uma cobrança para nota, um verdadeiro mercado de “pontos”. Produz-se para
receber algo em troca e não somente para aprender. Muitas vezes esses “estudos
contabilísticos” levam apenas ao ato de decorar para ser esquecido com o passar
do tempo, enquanto que, quando se aprende, a nota torna-se uma consequência e
aquilo que foi aprendido vai para o uso concreto da vida. A mesma autora (op. cit. p.
160), ainda diz: “A avaliação, em função de sua finalidade, deve acontecer em cada
dia do período letivo, pois aprendizagem também está acontecendo todo dia”.
Tomando a avaliação como um instrumento que favoreça a aprendizagem, tornamos realidade aquelas funções da EJA já elencadas por Leôncio Soares:1 função
reparadora, que consiste em sanar uma falha do passado; a equalizadora que buscar
tratar todos os alunos com igualdade; e a função qualificadora, que deseja oferecer
aos estudantes de EJA um ensino de qualidade que vise a sua inserção social.
208
Avaliar: um ato
político que
poderá levar à
transformação
social
A avaliação, portanto, torna-se um ato político na medida em que o professor
busca oferecer aos alunos, sem exceções, verdadeiros instrumentos avaliativos que
possam redirecionar as práticas pedagógicas na busca da aprendizagem. E aqui surge a pergunta: para que aprender? A resposta está clara. Estudamos para a transformação social. Transformação esta que levará à melhoria da qualidade de vida do
homem e, consequentemente, do planeta. Essa é a finalidade política das pesquisas, das indagações e investigações que permeiam o nosso pensar e, por que não
dizer, o nosso agir.
E assim, vamos adiante para a construção do ser que transpõe o mundo do ter,
das meras aparências, do espetáculo materialista-individualista passando dessas realidades para aquelas que vislumbram uma sociedade verdadeiramente altruísta e
voltada para os interesses do coletivo.
As constantes avaliações, que visem a aprendizagens significativas, poderão
levar-nos a este fim, à transformação social. Dependerá agora de cada professor
e de cada aluno fazer a sua parte dentro da ação didática para termos a sociedade
que tão ansiosamente esperamos.
1. In mímeo.
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Educação em Rede
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Avaliar: um ato
político que
poderá levar à
transformação
social
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
parte III
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Formação de
educadores
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Um novo olhar à
formação docente
Edilene do Socorro Almeida Dias*
RESUMO
Este trabalho tem por objetivo refletir sobre
a formação docente, oportunizando aos educadores um repensar crítico e significativo
sobre a elaboração, organização e execução
de seus procedimentos pedagógicos. O aporte
teórico definido foi de autores que defendem a
formação permanente do educador como uma
ação pensada estrategicamente, dentro de um
contexto social caracterizado por influências
econômicas, sociais e políticas. Este artigo
teve como objetivo compreender a importância de planejar as ações político-pedagógicas
vivenciadas na formação permanente do educador nos diferentes níveis educativos, tendo
em vista que a ausência de políticas públicas
gera uma falta de motivação para a mudança
dos paradigmas, permanecendo uma distância
entre teoria e prática no contexto das práticas
educativas e do planejamento docente.
Palavras-chave: Educação; formação docente; planejamento.
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ABSTRACT
This paper aims to reflect on teacher training,
providing opportunities for educators to
rethink, critically and significantly, the
drafting, organization and execution of
their teaching procedures. The theoretical
support defined was developed by authors
who advocate the continuing training of
educators as an action strategically designed
within a social context characterized by
economic, social and political influences. This
article aims to understand the importance
of planning the political-teaching actions
experienced in the permanent training
of educators in the different educational
levels, taking into consideration that the
absence of public policies gives rise to a lack
of motivation for a change of paradigms,
and thus a disconnection between theory
and practice remains in the context of
educational practices and teacher planning.
Keywords: Education; teacher training;
planning.
Educação em Rede
* Pedagoga, especialista em Psicopedagogia e Educação Profissional Técnica de Nível
Médio Integrado ao Ensino Médio, membro da Associação Brasileira de Psicopedagogia – ABPp-RJ e da Secretaria de Educação do Estado e do Município de Santana.
[email protected]
Introdução
Em todo processo histórico, o homem foi e é um ser importante, capaz de criar,
recriar e transformar sua realidade. E por viver e conviver numa sociedade multicultural complexa e transitória, a exigência de uma formação e qualificação permanentes, de cunho participativo, atuante e crítico tem se tornado o alvo central na
ressignificação dos paradigmas educacionais.
Assim, é mister que se faça uma reflexão sobre a formação docente, bem como
sua aplicabilidade no processo de ensino-aprendizagem em sala de aula, pois, na
maioria das vezes, as discussões teóricas despontam por caminhos que não condizem com a prática conduzida para atender às necessidades do mundo contemporâneo ou às normas burocráticas do sistema educativo, tornando-a superficial,
incrédula e sem comprometimentos com os reais anseios dos alunos.
Partindo dessas concepções, a formação não é apenas uma vertente para insuflar novas práticas. Ela constitui instâncias de decisões políticas capazes de consolidar e dinamizar ações que venham ao encontro de interesses de uma coletividade.
Em sala de aula, o professor é uma referência capaz de contribuir para o resgate
do sentido social do trabalho na escola. Para isso, exige-se uma acertada e racional
previsão de todos os procedimentos necessários a uma formação de qualidade, em
suas diferentes etapas de desenvolvimento e execução, para o alcance dos objetivos desejados.
Portanto, a necessidade de se pensar sobre a formação docente, o que se quer
alcançar, com que meio se pretende agir e como avaliar o que se quer atingir é de
suma importância para a obtenção de resultados positivos no âmbito educacional.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Um novo olhar
à formação
docente
Breve contextualização
O Brasil, nas últimas décadas, intensificou o foco na formação docente. No entanto, os avanços, no que se refere à qualidade do ensino, nos frustram quando
nos deparamos com os baixos resultados dos alunos no processo de ensino-aprendizagem, no desenvolvimento de sua autonomia intelectual e, principalmente, na
superação de preconceitos estabelecidos ao longo da humanidade.
Nosso país se constitui de um alto índice de analfabetos funcionais que ainda
não conseguiram adentrar no mercado de trabalho do ponto de vista qualitativo
– sem que seja pelo subemprego –, porém, enquanto o país desenvolve-se pelas
demandas do capital, a Educação caminha pelos passos lentos e repetitivos de um
modelo educativo obsoleto que não se enquadra mais neste contexto social.
214
Um novo olhar
à formação
docente
Vivemos atualmente em prol da “sociedade do conhecimento”, na qual o sistema mercadológico nos bombardeia a cada dia com cursos de formação em todas
as áreas e a mídia incentiva aos nossos jovens e adultos, bem como professores, a
opção por uma formação acelerada através de “cursos-relâmpago”.
Nesse contexto, a educação ainda submete-se a uma proposta de ensino pouco
atrativa, silenciando e/ou aligeirando as regras do sistema educativo como: cumprimento do ano letivo, conteúdos, projetos educativos muitas vezes sem sustentação
teórica e prática que altere atitudes e/ou comportamentos para os que atuam na
escola. O cenário educacional que está posto é desafiador para o professor, que
absorveu na sua formação as ideologias impostas pelo sistema capitalista e, como
consequência, acabou sendo um mero “repetidor” de conteúdos, esquecendo-se da
heterogeneidade da sala de aula, dos anseios, sonhos, desejos, entre outros sentimentos que perpassam as classes da EJA. Apesar de seus investimentos pessoais ou
institucionais, esse professor ainda não incorporou as mudanças de seu tempo.
Diante do que foi exposto, compreendi que ao longo de todo processo formativo faz-se necessário “não encontrar um novo caminho, mas um jeito novo de caminhar”, como relembra a poesia de Thiago de Mello.
A ação docente
O trabalho docente é permeado por teoria e ações práticas, produz resultados
sobre o humano, requer reflexão teórico-prática permanente, aprofundamento e
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formação continuada. Sua complexidade envolve a interação com alunos e colegas,
planejamento e gestão do ensino, avaliação, transformações curriculares etc. Nesse
sentido, conforme Tardif (2005, p. 8), a docência é “uma forma particular de trabalho
sobre o humano, ou seja, uma atividade em que o trabalhador se dedica ao seu ‘objeto’ de trabalho, que é justamente um outro ser humano, no mundo fundamental
da interação humana”.
Acredita-se que haja um caráter interativo na produção do conhecimento. O
professor é sujeito do processo em que se produz o conhecimento. A comunicação tem papel fundamental nesse processo e constitui o espaço no qual o sujeito estudado vai amadurecendo e construindo de forma coletiva e cada vez mais
complexa sua expressão, condição essencial para o conhecimento que se constrói.
Manifesta-se, assim, uma natureza construtivo-interpretativa, em um processo vivo,
em permanente desenvolvimento, no qual se realizam e legitimam formas muito
diversificadas, entre elas a elaboração pelos próprios sujeitos de suas expectativas
sobre os resultados esperados.
O trabalho didático, numa perspectiva político-pedagógica, envolve métodos
e procedimentos nos quais temos que ousar o novo e o diferente para revitalizar o
nosso fazer pedagógico.
Os significados e as perspectivas que buscamos em nossa prática diária não se
esgotam apenas na aplicação de técnicas didáticas adequadas, ela exige a compreensão dos aspectos culturais, econômicos, sociais e políticos da sociedade.
O espaço para execução do trabalho docente é a escola, uma organização na
qual vários outros sujeitos (diretor, funcionários, pais, comunidade etc.) intervêm e
interagem uns com os outros. Dessa forma, se reafirma que um professor trabalha
com e sobre os seres humanos, sofrendo influências das diversas esferas e coletividades humanas. Logo, compreender a profissão docente pressupõe compreender a
complexidade do processo de ensino-aprendizagem que constitui o seu eixo.
Podemos destacar como uma primeira característica do trabalho docente o
fato de ser um trabalho interativo. O ensino dirige-se a seres humanos, que são, ao
mesmo tempo, seres individuais e sociais.
Segundo Tardif (2002, p. 22), “o objeto do trabalho docente são os seres humanos que possuem características peculiares”. Além de individual, o objeto do trabalho docente é também social. Sua origem de classe, étnica e de gênero o expõe a
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Um novo olhar
à formação
docente
diferentes influências e experiências, que repercutem em sala da aula, provocando
diferentes reações e expectativas no professor e nos alunos.
Nesse sentido, Tardif (2002, p. 130) nos alerta, “o objeto do trabalho docente
escapa constantemente ao controle do trabalhador, ou seja, do professor”.
Uma boa parte do trabalho docente é de cunho afetivo, emocional. Baseia-se em emoções,
em afetos, na capacidade não somente de pensar nos alunos, mas igualmente de perceber
e sentir suas emoções, seus temores, suas alegrias, seus próprios bloqueios afetivos.
De acordo com o autor citado, pelas peculiaridades do “objeto” de trabalho docente, a prática pedagógica dos professores consiste em gerenciar relações sociais,
envolve tensões, dilemas, negociações e estratégias de interação. Ensinar é, portanto, fazer escolhas, constantemente, em plena interação com os alunos.
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Um novo olhar
à formação
docente
Ora, essas escolhas dependem da experiência dos professores, de seus conhecimentos,
convicções e crenças, de seu compromisso com o que fazem, de suas representações a
respeito dos alunos e, evidentemente, dos próprios alunos (TARDIF, 2002, p. 132).
O planejamento docente é um pressuposto essencial para assegurar não somente o alcance dos objetivos da prática do professor, mas também para definir
a competência dele na sua trajetória profissional com base nos aspectos didáticos
de sua disciplina. A organização e o desenvolvimento planejado das atividades
didático-pedagógicas criam as condições necessárias para uma atuação docente
mais eficiente e eficaz no processo de ensino-aprendizagem. Os planos constituem
o cenário sobre o qual vão ser delineadas as competências e as habilidades a serem
asseguradas aos alunos no âmbito das diferentes disciplinas.
Por ser um trabalho interativo, o ensino exige um investimento pessoal do
professor para garantir o envolvimento do aluno no processo e despertar seu interesse e participação, evitando desvios que possam prejudicar o trabalho. É por
esse motivo que Tardif (2002, p. 132) afirma que “a personalidade do professor é um
componente de seu trabalho”. O que ele denomina de trabalho investido, ou seja,
“no desempenho de seu trabalho o professor empenha e investe o que ele é como
pessoa”.
Aquilo que nos parece ser a característica do trabalho investido ou vivido é a
integração ou absorção da personalidade do trabalhador no processo de trabalho
quotidiano como elemento central, que contribui para a realização desse processo.
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Cada professor que vivencia a formação continuada e permanente adota no dia
a dia estratégias próprias de atendimento individualizado, de distribuição da atenção e de acompanhamento de seus alunos, estando sempre atento a essa tensão
entre o individual e o coletivo.
Diante do exposto, a abordagem escolhida parte do pressuposto de que é preciso refletir sobre os cursos de formação oferecidos, bem como o fazer pedagógico
daqueles que ainda hoje negam a importância da formação continuada e permanente, da construção do planejamento didático, pois alguns dizem que “têm tudo
planejado na cabeça” ou que já sabem o que será discutido. A mecanização do conhecimento precisa ser substituída pelo raciocínio lógico para que todos os atores
da educação possam participar racionalmente da sociedade dentro da qual a escola
está inserida, como afirma Libâneo (1994, p. 56):
O planejamento do trabalho docente é um processo de racionalização, organização e
coordenação da ação do professor, tendo as seguintes funções: explicar princípios, diretrizes e procedimentos do trabalho; expressar os vínculos entre o posicionamento filosófico,
político, pedagógico e profissional das ações do professor; assegurar a racionalização, organização e coordenação do trabalho; prever objetivos, conteúdos e métodos; assegurar
a unidade e a coerência do trabalho docente; atualizar constantemente o conteúdo do
plano; facilitar a preparação das aulas.
É importante ressaltar que tratar da formação docente tem se tornado uma
tarefa complexa, tanto pelo desgaste sofrido ao longo do tempo, como pela dificuldade encontrada pelos indivíduos constituintes do coletivo numa escola em
conviverem de forma profissional com a pluralidade de ideias, que são salutares e
necessárias numa organização desta natureza.
Portanto, a formação do professor, bem como de outros atores sociais envolvidos no processo educativo, tem deixado a desejar no âmbito escolar; porque foi
introjetado nas pessoas que cursos de formação consistem em nada mais que eventualmente adequar o proposto a uma realidade, executando algo que outros já haviam decidido por nós, ou discussões teóricas que na prática cotidiana não levam a
mudanças dos paradigmas adotados na escola.
Considerando que essa prática, ao longo do tempo, foi internalizada pelas
pessoas e institucionalizada pela escola, hoje temos inúmeros desafios a enfrentar
quando falamos de processos de formação docente como um procedimento viabilizador de novas práticas, pois tal situação tem levado os profissionais da educação
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Um novo olhar
à formação
docente
a encarar a formação como algo que ajuda na inovação do ensino-aprendizagem
mas que nem sempre atende às reais necessidades dos professores.
A formação permanente tem propiciado maior profissionalismo por parte do
professor, que exige mais autonomia da escola e, consequentemente menos interferência externa. Isso terá como efeito uma redução dos controles burocráticos e
uma crescente autonomia para os professores.
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Um novo olhar
à formação
docente
Uma das competências dos professores na escola será o de despertar em seus
alunos a paixão pelo conhecimento, mas isso só acontecerá se o professor conseguir alcançar os caminhos de sua própria autoria e a paixão pelo saber, visto que o
professor que conseguir encontrar em seus valores luz que guie sua própria história
conseguirá encontrar em sua autoria o seu próprio valor, pois o ser humano que
constrói sua autoria se humaniza e não se maquiniza, decide viver por meio de seu
próprio olhar, do seu próprio viver e do seu próprio criar, edifica sua vida com arte
porque esta arte/vida é fruto do seu próprio sonho.
O planejamento docente como uma ação de formação
político-pedagógica
O planejamento é um processo que exige organização, sistematização, previsão,
decisão e outros aspectos, na pretensão de garantir a eficiência e eficácia de uma
ação, quer seja em um nível micro, quer seja em nível macro. Do ponto de vista educacional, o planejamento é um ato político-pedagógico porque revela intenções, e
a intencionalidade expõe o que se deseja realizar e o que se pretende atingir.
Com base neste entendimento, é possível constatar que o planejamento didático docente tem um caráter político-pedagógico, tanto em relação à democratização das relações cotidianas da escola como no processo global da sociedade e da
cidadania. Por outro lado, não haverá educação de qualidade se o planejamento
não estiver enraizado, no mundo real e a ele articulado.
Assim sendo, é substancial que a escola, bem como o professor, enfrente o desafio de compreender os novos tempos para abraçar os anseios das novas gerações e como ressalta Demo (2001, p. 21), dialogar com a realidade inserindo-se nela
como sujeito criativo”, porque a escola deve ser um espaço de convivência, onde os
conflitos serão trabalhados e não camuflados.
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A ação de planejar as atividades educativas não se restringe à reflexão a respeito dos problemas educacionais. Ela implica uma visão e análises amplas de mundo
e da sociedade. É necessário resgatar a dimensão pedagógica do planejamento docente como uma atividade que propicie a aglutinação em torno da escola dos diferentes segmentos escolares, como corrobora Padilha (2001, p. 66): “O planejamento
é socializado quando o processo de decisão é possibilitado a todos e não limitado
aos especialistas”, ou mesmo a um “grupo de coordenação”.
O planejamento docente deve constituir uma proposta progressista que expresse o tipo de homem e de sociedade que lutamos para construir. Deve ser pautado em uma proposta pedagógica que busque compreender a relação dialética
entre teoria e prática, superando a dualidade da escola de formação acadêmica e a
escola de formação popular, e que trabalhe o conhecimento sistematizado historicamente, não o reproduzindo simplesmente, mas recriando-o e transformando-o.
Como comenta Freire (1992, p. 43), o diálogo é “o encontro amoroso dos homens
que mediatizados pelo mundo o pronunciam, isto é, o transformam e transformando-o humanizam para a humanização de todos”.
Convém, no entanto, segundo Padilha (2001, p. 63), perceber que:
O ato de planejar em sentido amplo é um processo que visa dar respostas a um problema,
estabelecendo fins e meios que apontam para a sua superação de modo a atingir objetivos
antes desejados, pensando e prevendo necessariamente sem desconsiderar as condições
do presente e experiências do passado; levando em conta os contextos e os pressupostos
filosóficos, culturais, econômicos e políticos, de quem, com quem e para quem planeja.
É possível entender que uma nova competência pedagógica se origina na própria prática, no debruçar-se sobre ela, no movimento dialético ação-reflexão-ação.
Busca-se escapar da dicotomia entre teoria e prática, pois ambas têm papel assegurado na construção do planejamento docente, porque as teorias são como mapas
que nos ajudam a viajar sobre o momento presente, o que não se faz sem a história.
A questão central do planejamento docente não pode ser a de somente saber
como se vai passar um conteúdo preestabelecido. Ela deve conter ideias mais amplas e mais profundas.
Para tanto, faz-se necessário que, nos cursos de formação docente, reflitamos
sobre a ação de planejar para que possamos encontrar caminhos norteadores e
significativos que possam contribuir de fato na formação dos discentes.
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Um novo olhar
à formação
docente
Considerações finais
A todo momento, em todo lugar e em diversos campos da atividade humana,
as pessoas buscam o “novo”, o “diferente”, onde possam registrar a sua marca, a sua
identidade, o seu diferencial.
Vivemos em uma época que em nada se assemelha a outras vividas por nossos
antepassados e para a qual não fomos preparados e, como consequência, sentimos
grandes dificuldades para enfrentar os desafios com que nos defrontamos.
A formação permanente neste século é uma das premissas e exigências contemporâneas e por isso as pessoas buscam incessantemente se manterem informadas e atualizadas, em especial os docentes.
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Um novo olhar
à formação
docente
Ao nos reportarmos à formação docente, não podemos apenas focar os cursos
de formação para o exercício da profissão. Ela acontece em múltiplas dimensões e
em várias esferas, governamentais e não governamentais. No entanto, convém frisar que existe uma conectividade em rede, que os conhecimentos são construídos
não somente do ponto de vista linear e hierárquico, mas circularmente nas dimensões teórica, política, social, epistemológica, pedagógica e didática.
Nessa perspectiva, os docentes apropriam-se de diferentes saberes para a construção de sua prática, começam a perceber que somos seres em construção e inacabados, e como consequência desenvolvem a concepção de que mudar é preciso
e necessário.
Nesse contexto, é fundamental que se estabeleçam prioridades no que tange
à formação permanente do professor, priorizando não só formar do ponto de vista academicista, mas daquele do ser individual, capaz de realizar-se como pessoa,
como ser social que se identifica com o seu grupo e atividade que desempenha, e
este foco parece ser uma missão quase impossível.
Os estudos e investigações no que se refere à formação docente descrevem geralmente uma desvinculação entre o pensar e o agir como um entrave na aplicabilidade da prática pedagógica, ocasionando uma repetição dos modelos tradicionais
e ultrapassados.
Segundo Moço et al. (2008, p. 42), que comenta sobre a precariedade da formação dos educadores, “eles buscam um referencial teórico, mas não conseguem se
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aprimorar, acabam fazendo no dia a dia um trabalho intuitivo e equivocado”. Partindo desse pressuposto, é importante ressaltar que a formação docente não está adequada às reais necessidades do professor, atrofia o desenvolvimento do processo
educativo, não tem garantido uma mudança das concepções e práticas e tem como
resultado o retardamento do crescimento do país, haja vista que a sociedade evolui
a partir de sua evolução educacional.
As exigências do mundo contemporâneo requerem do profissional da educação uma postura pré-ativa, interativa e pós-ativa, ou seja, o professor precisa ser um
sujeito ativo nas diversas situações existenciais da prática educativa: ser pré-ativo
significa anteceder ao agir; ser interativo é intermediar o processo educativo, promovendo a interação entre as partes; e pós-ativo significa dizer que ao final de determinada situação a ação de produzir com autonomia não se esgota em um único
fim, mas continua, para que se desvelem os processos cognitivo, estético e poético
numa perspectiva reflexivo-criadora.
O professor, por sua vez, é o mediador dessa articulação do conhecimento científico necessário entre o trabalho em sala de aula e a relação com a prática social do
educando, visto que o aluno já traz consigo uma carga de informações ao ingressar
na escola a ser considerada, uma vez que a escola tem como finalidade primordial
a formação do aluno em sua globalidade, levando-o a ser um cidadão crítico, ativo
e criativo. Mediar essa relação entre aluno, conhecimento e a sua realidade é papel
fundamental dos docentes e da escola.
Essa relação só será possível por meio de uma metodologia dialética que conceba o homem como ser ativo e de relações com o outro e com o meio. Nessa
perspectiva, o processo de formação permanente dos professores configura-se nas
relações existentes entre estudos, pesquisa e autoavaliação, contribuindo significativamente para o seu aperfeiçoamento profissional.
Dessa forma, é preciso que haja uma mudança de posicionamento e redimensionamento das formas de desenvolver a formação, levando-se em consideração a
prática de novas metodologias, interatividade entre as partes, partilhamento das
ideias e afetividade. Esse conjunto de ações pressupõe combustível incontestável
para que haja um novo resgate da educação com chances de dar certo, e o resultado que se espera é o melhor possível.
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Um novo olhar
à formação
docente
Inovar em educação é, pois, um processo individual/coletivo de análise do real,
do que é pertinente e do que precisa ser modificado no sentido de possibilitar às
crianças, aos jovens, aos adultos o direito de desenvolver-se como seres humanos e
cidadãos, através da escola.
Partindo desse pressuposto e considerando os professores como executores
e responsáveis por resultados positivos no processo educativo, estes devem estar
atentos às mudanças que acontecem ao seu redor e que influenciam a sua prática
docente e a sua subjetividade. Assim, poderão articular melhor sua autoformação,
quebrar a inflexibilidade dos cursos de formação e recriar um novo mundo, uma
nova terra para novos sujeitos, sendo atores de sua própria prática pedagógica.
222
Um novo olhar
à formação
docente
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TARDIF, M.; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da docência como
profissão de interações humanas. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.
223
Um novo olhar
à formação
docente
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Especificidades da EJA:
trajetória e desafios para
o saber docente
Adriana Cláudia de Assis*
RESUMO
O presente trabalho faz uma abordagem histórica do lugar que a Educação de Jovens e Adultos tem ocupado no cenário nacional e no âmbito de políticas públicas para essa modalidade
de ensino. Nosso objeto de estudo é a Educação
de Jovens e Adultos, tendo como aporte teórico e metodológico documentos legais, como a
LDB (1996) e o Parecer 11/2000, e os autores
que buscam em suas discussões priorizar o estudo dessa temática. Objetiva-se a partir deste
trabalho identificar os avanços ocorridos ao
longo dos últimos oito anos; articular teoria e
prática às experiências dos alunos da EJA; e
analisar as discussões no cenário nacional no
que se refere a essa modalidade.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; políticas públicas; cenário nacional.
ABSTRACT
This paper addresses the historical place
Youth and Adult Education has occupied
in the national scene and in the context of
public policies for this type of education.
Our object of study is the Youth and Adult
Education, having as theoretical and
methodological support legal documents,
such as the BDL (1996) and Expert Opinion
11/2000, and the authors that seek to
prioritize the study of this subject in their
discussions. This paper aims to identify,
based on this study, the advances that have
occurred over the past eight years, aligning
theory and practice with the experiences of
Youth and Adult Education students and to
analyze the discussions in the national arena
with regard to this type of education.
Keywords: Youth and Adult education,
public policies, the national arena.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
* Formada em Pedagogia Universidade Estadual Vale do Acaraú. Atua no SESC—Serviço
Social do Comércio de Natal, Rio Grande do Norte.
No cenário nacional, por muitos anos, os jovens e adultos não escolarizados
aparecem à margem das atividades sociais e políticas, marcados por desigualdades,
principalmente quando se trata de jovens e adultos da classe trabalhadora, como
os pobres, negros e desempregados e, sobretudo, os que não obtiveram uma educação básica de qualidade. Porém, vale salientar que essas diferenças sociais nas
quais estão envolvidos não foram aceitas por livre escolha, mas lhes foram impostas
como resultado de uma sociedade em constantes transformações. Sociedade essa
que não se deu conta que essas transformações deveriam ocorrer concomitantemente no campo educacional.
Esses grupos marginalizados não pretendiam estar na situação em que se encontram; se tivessem que escolher, fariam diferente, de modo a alcançar outros espaços na sociedade. Segundo Arroyo (2001),
não podemos esquecer que o lugar social, político, cultural pretendido pelos excluídos
como sujeitos coletivos na diversidade de seus movimentos sociais e pelo pensamento
pedagógico progressista tem inspirado concepções e práticas de Educação de Jovens e
Adultos extremamente avançadas, criativas e promissoras nas últimas décadas (ARROYO,
2001, p. 10).
A partir desse pressuposto, podemos perceber que vários movimentos vão surgindo com a finalidade de criar políticas públicas para o ensino da Educação de Jovens e Adultos, de modo que esse público possa se constituir de sujeitos históricos
e sociais que participem ativamente da construção de uma sociedade mais justa.
Conforme a Declaração de Hamburgo, de 1997, “a alfabetização, concedida
como o conhecimento básico necessário a todos num mundo em transformação, é
um direito humano fundamental. Em toda a sociedade a alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o desenvolvimento de outras
habilidades” (Parecer CEB 11/2000. In SOARES, 2002, p. 34-35).
A educação seria oferecida como um direito desses jovens e adultos, para que
fossem capazes de atuar na sociedade como sujeitos autônomos. Porém, é um desafio muito grande o que se tem pela frente, que é oferecer um direito básico a todo
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
225
Especificidades
da EJA:
trajetória e
desafios para o
saber docente
cidadão. Segundo a declaração de Hamburgo, a alfabetização tem também o papel
de promover a participação em atividades sociais, econômicas, políticas e culturais,
além de ser um requisito básico para a educação continuada durante a vida” (Parecer
11/2000. In: SOARES, 2002, p. 35).
Se, por um lado, vão surgindo esses movimentos, percebemos que, por outro,
muita coisa precisa ser feita, a começar pelos textos legais que não reconhecem a
importância da EJA. Porém, as Diretrizes Curriculares Nacionais elaboram um instrumento de grande valorização para essa modalidade de ensino. Trata-se do Parecer
CNE/CEB 11/2000, que, embora marcado por limites políticos e ideológicos, favoreceu enorme potencial e valorização no âmbito da EJA.
226
Especificidades
da EJA:
trajetória e
desafios para o
saber docente
O Parecer, em suas definições prévias, cujo texto traz nas premissas uma dualidade sobre a realidade brasileira no que se refere às oportunidades econômicas,
sociais e educacionais, evidencia o contraste entre aqueles que têm o domínio do
conhecimento e aqueles que ao longo da vida não conseguiram obtê-lo. De acordo
com o Parecer:
Dois Brasis, “oficial e real”, “Casa Grande e Senzala”, o “tradicional e o moderno”, capital e interior, urbano e rural, cosmopolita e provinciano, litoral e sertão, assim como os respectivos
“tipos” que os habitariam e constituiriam. A esta tipificação em pares opostos, por vezes
incompleta ou equivocada, não seria fora de propósito acrescentar outros ligados à esfera
do acesso e domínio da leitura e escrita que ainda descrevem uma linha divisória entre
brasileiros: alfabetizados/analfabetos, letrados/iletrados 1. Muitos continuam não tendo
acesso à escrita e leitura, mesmo minimamente; outros têm iniciação de tal modo precária
nestes recursos, que são mesmo incapazes de fazer uso rotineiro e funcional da escrita e da
leitura no dia a dia (Parecer 11/2000. In: SOARES, 2002, p. 28).
Analisando a citação, percebemos que a realidade daqueles que são menos favorecidos, nos dias atuais, continua longe de aproximar-se do padrão dos que têm
o domínio do conhecimento, pois existe uma linha divisória muito acentuada que
faz esse distanciamento. Portanto, não podemos esquecer que a função da EJA é
reparar, equalizar e qualificar. A função reparadora tem como principal objetivo restaurar um direito que foi negado, ou seja, oportunizar de forma concreta a presença
de alunos, jovens e adultos, na escola, garantindo-lhes uma educação de qualidade.
Pois um dos motivos mais alegados pelos alunos de EJA para o abandono dos estudos na idade apropriada é a escolha forçada entre o trabalho e os estudos. A maioria
deles precisa sair do seu lugar de origem em busca de emprego ou melhoria da
1. Ver definição de acordo, com a professora Magda Soares, no PARECER 11/2000, p. 3.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
qualidade de vida. Existem outros fatores que também desfavorecem o acesso escolar, como a não existência de escolas ou a distância de suas moradas.
No entanto, é muito importante garantir para os alunos jovens e adultos o direito à escolarização de qualidade que lhes foi negado. De acordo com Arroyo:
A EJA nomeia jovens e adultos pela realidade social: oprimidos, pobres, sem terra, sem teto,
sem horizontes. Pode ser um retrocesso encobrir essa realidade brutal sob nomes mais
novos de nossos discursos como escolares, como pesquisadores ou formuladores de políticas: repetentes, defasados, aceleráveis analfabetos, candidatos a suplência, discriminados.
Empregáveis... Esses nomes escolares deixam de fora dimensões de sua condição humana
que são fundamentais para as experiências de Educação (In: ARROYO, 2001, p. 12).
Esses são apenas alguns dentre tantos outros rótulos que recebem os alunos
da EJA. Mas o que deve ser feito para minimizar tal situação e possibilitar a inserção
desse público de maneira que tenha oportunidade de iniciar ou continuar a escolarização, podendo gozar de direitos mínimos, como autonomia, reconhecendose enquanto sujeito ativo e participativo das decisões intrínsecas à sociedade? Ao
abordar os aspectos igualitários na função equalizadora, Ciavatta faz uso da afirmação de Santos (1996, p.3), quando diz que “temos o direito a ser iguais quando
a diferença nos inferioriza, temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos
descaracteriza”.
Acerca dessa afirmação seria relevante questionarmos se as políticas públicas
educacionais implementadas para a EJA têm levado em consideração necessidades
como o universo ao qual pertence esse público, suas histórias de vida, sua visão de
mundo conforme seus traços culturais e sua vivência social, familiar e profissional;
se o que está sendo efetivado como ensino e aprendizagem contempla aqueles alunos que anteriormente abandonaram a escola (ou deixaram de inserir-se nela) por
motivos diversos, ou se o que está sendo desenvolvido é mera reposição do que foi
perdido na idade regular (neste caso, tratando-se dos conteúdos curriculares).
A discussão é bastante ampla acerca do processo educativo que envolve esse
público. No entanto, é necessário que haja uma valorização, um compromisso e o
respeito pelos saberes prévios dos educandos. Não podemos esquecer de que o
aluno da EJA, quando vem para a escola, traz consigo um leque de informações
e conhecimentos de mundo e que esse conhecimento, quando bem aproveitado,
servirá de ponte para ampliar novos saberes. Não valorizar esse conhecimento sig-
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
227
Especificidades
da EJA:
trajetória e
desafios para o
saber docente
nifica tratá-lo como se ele fosse uma tábula rasa, ou seja, alguém que não possui nenhum conhecimento anterior ao da escola. Nesse sentido, Paulo Freire questiona.
Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e os riscos que oferecem à
saúde das gentes? (FREIRE, 1996, p. 33).
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta a que se deva associar a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a constante e a
convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida? [...] Por que não
estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a
experiência social que eles têm como indivíduos? (FREIRE, 1996, p. 33 e 34).
228
Especificidades
da EJA:
trajetória e
desafios para o
saber docente
A partir do momento em que o educador trabalha dentro da perspectiva de
valorização da individualidade do aluno, exercendo o respeito aos seus conhecimentos e experiências de vida, levando em conta as diversas realidades existentes
no cotidiano dos alunos, o processo de ensino e aprendizagem fluirá. O educando
se sentirá sujeito ativo desse processo, fazendo com que conceitos e significados
sejam melhor internalizados.
É nesse sentido que a função qualificadora traz uma importante discussão no
que se refere à constante necessidade da qualificação, uma vez que, na atualidade,
mesmo quem já tem formação média ou superior precisa estar constantemente se
atualizando. Dessa forma, a função qualificadora vem reforçar para a Educação de
Jovens e Adultos essa necessidade, não somente no intuito de qualificar como também de estimular nos educandos a busca constante por outros conhecimentos que
venham acrescentar e favorecer as necessidades de cada indivíduo em diferentes
fases de suas vidas.
A função qualificadora valoriza a educação em diferentes etapas, pois incentiva
que devemos sempre nos atualizar buscando novas aprendizagens, seja a título de
conhecimento ou de qualificação para o mercado de trabalho. As Diretrizes Curriculares Nacionais são um referencial bastante relevante, sobretudo nesta última
década; contudo, é importante que façamos uma retomada histórica no sentido de
resgatarmos um pouco sobre a Educação de Jovens e Adultos no Brasil, para que
possamos melhor compreender as mudanças, avanços e retrocessos, cujos reflexos
culminam no momento atual.
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Educação em Rede
A EJA tem sido colocada nas pautas dos discursos relativos à educação desde
a década de 1940 – quando era denominada Educação de Adultos ou Educação
de Adolescentes e Adultos –, sendo implementadas campanhas de alfabetização,
cujo custeio ficava sob responsabilidade do governo nesta e na década de 1950,
mas que, devido a estruturação e desenvolvimento, mereceu diversas críticas em
vários aspectos, sobretudo pedagógicos, uma vez que os resultados pareciam não
atender à proposta inicial, que era a melhoria das condições de vida nas localidades,
o que apontava para o fracasso.
No início da década de 1960, muito provavelmente devido aos resultados das
experiências anteriores e das lutas políticas do período, além do referencial metodológico do educador Paulo Freire2, cuja proposta compreendia a emancipação
das classes populares e cujas orientações serviram de modelo para os diversos movimentos nessa área, então encabeçados por representantes políticos de alguns
estados nordestinos. Após o golpe militar de 1964, as políticas no Brasil, de uma
maneira geral, tomaram novos rumos, inclusive na educação.
Já na década de 1980, o marco legal que reforça pelo menos o direito de acesso
à escolarização de base no Brasil foi a Constituição de 1988, que, de acordo com a
Proposta Curricular do Ministério da Educação e Cultura para a EJA no primeiro segmento, se consolidava como um direito ao Ensino Fundamental aos cidadãos de todas as faixas etárias, o que nos estabelece o imperativo de ampliar as oportunidades
educacionais para aqueles que já ultrapassaram a idade de escolarização regular.
Posteriormente, na década de 1990, com a realização da Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jontiem, na Tailândia, defendeu-se que
a educação básica deve ser proporcionada a todas as crianças, jovens e adultos.
Esse enfoque abrange o exposto nos artigos 30 e 70 da Declaração e compreende:
universalizar o acesso à educação e promover a equidade; concentrar a atenção na
aprendizagem; ampliar os meios e o raio de ação da educação básica; propiciar um
ambiente adequado à aprendizagem; fortalecer alianças.
Esse compromisso, assumido por vários países, dentre eles o Brasil, é reforçado
pelas Diretrizes Curriculares Nacionais, que afirma que promover a EJA não é somente possibilitar o acesso, mas envolve compromisso de inserção, permanência,
2. O método Paulo Freire consiste numa proposta para a alfabetização de adultos, desenvolvida pelo educador
Paulo Freire, que criticava o sistema tradicional, que utilizava a cartilha como ferramenta central da didática para o
ensino da leitura e da escrita.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
229
Especificidades
da EJA:
trajetória e
desafios para o
saber docente
continuação e qualidade do ensino oferecido, o que dará condições a esse público
de competir em níveis de “igualdade” de participação social.
Ainda na década de 1990, com a elaboração da nova lei educacional, a Lei de
Diretrizes e Bases (LDB) nº 9394/96, foi reafirmado o direito de jovens e adultos
à educação escolar, conforme a redação localizada na seção V do Capítulo II da
Educação Básica:
Art. 37. A Educação de Jovens e Adultos será destinada àqueles que não tiveram acesso ou
continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade própria.
Parágrafo 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e adultos que
não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as características do aluno, seus interesses, condições de vida e trabalho,
mediante cursos e exames.
230
Especificidades
da EJA:
trajetória e
desafios para o
saber docente
Parágrafo 2º. O poder público viabilizará e estimulará o acesso e permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e complementares entre si.
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames supletivos que compreenderão a
base nacional comum do currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter
regular.
Parágrafo 1º. Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão: no nível de conclusão
do ensino fundamental, para os maiores de quinze anos; o nível de conclusão do ensino
médio, para os maiores de dezoito anos.
Parágrafo 2º. Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos alunos por meios informais
serão aferidos e reconhecidos mediante exames.
É relevante que busquemos conhecer o que dizem os marcos legais que concernem à escolaridade, pois, a partir desse conhecimento, podemos lutar por uma
educação de qualidade. Em seguida, devemos considerar os diversos fatores, sejam
eles internos ou externos, principalmente dos últimos oito anos, acerca das políticas
educacionais, que, na maioria das vezes, são regidas por interesses de organismos
internacionais, bem como das constantes discussões geradas por educadores e
pesquisadores na tentativa de promover reflexões acerca do que compreender por
ensino e aprendizagem em se tratando de um público específico como o da EJA.
A Educação de Jovens e Adultos em nosso país foi bastante reforçada a partir
da Declaração de Hamburgo, documento assinado por diversos países, do qual o
Brasil também é signatário e que propõe a Educação de Jovens e Adultos como
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Educação em Rede
um grande desafio para o século XXI, quando visto num processo para a vida toda,
que possibilita desenvolver:
a autonomia e o senso de responsabilidade das pessoas e das comunidades, fortalecendo
a capacidade de lidar com as transformações que ocorrem na economia, na cultura e na
sociedade como um todo; promove a coexistência, a tolerância e a participação criativa e
crítica dos cidadãos em suas comunidades, permitindo assim que as pessoas controlem
seus destinos e enfrentem os desafios que se encontram à frente (Parecer CEB 11/2000,
1997. In: SOARES, 2002, p. 35).
Reforçamos a importância desses documentos e conferências acerca da Educação de Jovens e Adultos, porque que os mesmos traçam metas, discutem objetivos
e melhorias para a EJA. São nesses encontros que se promovem os incentivos, autonomia e responsabilidade para o desenvolvimento dos educandos e transformação
relativa à vida social, saúde, entendimento de direitos e deveres.
Outros movimentos que têm tido bastante relevância em âmbito nacional são
os Fóruns da EJA, iniciados, no Rio de Janeiro, em 1998, quando se realizou o primeiro encontro do que se consolidaria posteriormente como fórum de discussão
sobre o assunto. Os fóruns da EJA, que acontecem anualmente, são movimentos
organizados pela sociedade civil, resultantes da articulação de diferentes instâncias
sociais e instituições públicas e privadas que atuam nessa modalidade de ensino
para discutirem as políticas públicas.
Tais encontros são responsáveis pela constituição de espaços onde as especificidades dessa modalidade de ensino são refletidas, ganhando visibilidade e influenciando algumas modificações nas práticas educativas de muitos professores
que atuam no campo da EJA.
Contudo, sabemos que existem ainda as questões econômicas, com investimentos muito escassos nessa área, que passou por momentos sérios de crise, com
os recursos financeiros direcionados ao Ensino Fundamental, primeiro segmento,
e com o surgimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef ), quando a EJA deixou de receber
recursos, que foram direcionados exclusivamente aos anos iniciais de ensino.
A trajetória dessa área educacional, no que concerne a investimentos, garantia,
permanência e acesso, vem sofrendo oscilações, já que ora é discutida e incentivada, ora perde recursos e são fechadas salas de aula por falta de condições financeiras para manutenção das mesmas. As expectativas nesse sentido caminham para
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Especificidades
da EJA:
trajetória e
desafios para o
saber docente
que o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) venha trazer mais possibilidades de
investimento nesse segmento, criando melhores condições de atuação, integrando
mais espaços e profissionais e, assim, maior participação de seu público-alvo.
Conforme pudemos acompanhar, o Estado ainda é o principal veículo provedor
no tocante a assegurar o direito de educação a todos os indivíduos. A LDB é um instrumento que se prontifica a garantir a inserção, porém percebe-se que essa garantia
não assegura de maneira efetiva que grande parte das pessoas tenha de fato acesso
aos estudos escolares, pois existe uma gama de fatores políticos, econômicos e sociais e de interesses diversos que estão diretamente envolvidos nesse contexto.
232
Especificidades
da EJA:
trajetória e
desafios para o
saber docente
No cenário atual, apesar de a EJA ser um marco na agenda das políticas de
governo, ela ainda se restringe muito ao plano discursivo, uma vez que as ações
nesse campo acontecem muito mais como programas efêmeros do que como
políticas públicas adequadas às necessidades e desejos do público dessa modalidade. Esses procedimentos conservam em certa medida a lógica das políticas
compensatórias, visando, em nossa compreensão, somente a minimização da pobreza e a contenção social.
Atualmente, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e
Adultos se apresentam como o documento mais aberto e flexível no âmbito das políticas públicas no que concerne aos debates, respeito e compromisso com uma educação mais próxima da realidade dos alunos, tendo em vista as especificidades da EJA.
Serviço Social do Comércio
Educação em Rede
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Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
233
Especificidades
da EJA:
trajetória e
desafios para o
saber docente
A EJA e o direito à
diversidade:
por uma valorização da
escola da vida
Ariadne Colatto Viana*
RESUMO
Este artigo traz reflexões acerca da heterogeneidade presente nas classes de EJA, suas implicações na rotina pedagógica, bem como as
possibilidades de contribuição na elaboração
do currículo. A partir da ideia de valorização
da identidade e do contexto sociocultural dos
alunos, o texto discute a necessidade de articulação dos saberes da escola formal com os da
escola da vida. Trata ainda da formação dos docentes para a EJA, do papel do educador como
sujeito mediador da diversidade e do PPP como
eixo norteador e potencializador das diferenças, sendo estes reconhecidos como bônus pedagógico e não como prejuízo.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos; diversidade; currículo; prática e formação
docente.
Serviço Social do Comércio
ABSTRACT
This article presents reflections on the
heterogeneity in Youth and Adult Education
classes, its implications in the teaching
routine as well as the possibilities for
contributing to design the curriculum.
Based on the idea of identity appreciation
and the social-cultural context of the
students, the text discusses the need to align
the knowledge from formal schooling with
that from the school of life. It also discusses
the training of Youth and Adult Education
teachers, the educator’s role as a mediator of
diversity and the PPP as a guiding principle
and potentiator of differences, which are
recognized as an educational bonus rather
than as a loss.
Keywords: Youth and Adult Education;
diversity; curriculum; teacher training and
practice.
Educação em Rede
*Orientadora pedagógica do Centro Educacional SESC LER em Vilhena (RO); pós-graduada em Gestão, Orientação e Supervisão Escolar e licenciada em Letras pela Universidade Federal de Rondônia (Unir); aluna do curso de Pedagogia (Eadcon / Unitins).
Introdução
Este texto pretende tratar da valorização da identidade e da realidade sociocultural dos alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Realidades que criam uma
teia de valores, saberes, crenças, classes sociais, entre outras peculiaridades que não
podem ser desconsideradas pelos educadores.
O currículo escolar tradicional, as práticas de sala de aula e a necessidade de
gestão das classes heterogêneas serão abordados objetivando suscitar reflexões e
provocar mudanças, na medida em que instigam todos os envolvidos no processo
educativo a buscar de uma aprendizagem significativa.
Também o conceito largamente difundido de “trabalhar com a realidade” dos
educandos da EJA será discutido, demonstrando a ânsia de que as ações didático-pedagógicas não fiquem limitadas a esse paradigma.
A partir do levantamento das diferenças entre educação formal e informal,
o artigo abordará a necessidade de mudanças, não só no currículo, mas também
nas metodologias, passando brevemente pelo aspecto da avaliação, da organização e do funcionamento geral da escola e da participação, que serão contemplados
no contexto do Projeto Político-pedagógico(PPP).
O papel do professor mediador e as possibilidades de formação do docente
da EJA, seja ela inicial ou em serviço, serão abordados como pontos-chave para
a articulação de uma educação voltada para a formação humana como um todo,
diminuindo os índices de fracasso escolar dessa modalidade.
A ideia de defesa pela “escola da vida” como parceira da escola formal permeia
o artigo como um todo, assim como a busca pelo direito à diversidade e sua valorização e utilização como instrumento transformador das práticas escolares.
Por fim, algumas possibilidades de organização curricular e de classificação dos
conteúdos serão levantadas, visando à valorização dos saberes anteriores dos educandos, o desenvolvimento de habilidades e competências e a contribuição para
que se tornem sujeitos autores de sua própria história.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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A EJA e o direito
à diversidade:
por uma
valorização da
escola da vida
Iniciando as reflexões...
É impossível pensar uma classe de Educação de Jovens e Adultos homogênea.
Aliás, não há classe homogênea em etapa ou modalidade de educação alguma. Os
alunos são sempre indivíduos com histórias pessoais próprias, desejos diferenciados e saberes e habilidades diversas que os fazem ímpares.
Especificamente na EJA, é preciso que os educadores encarem a heterogeneidade não como um problema, e sim como algo precioso que potencializa a construção do conhecimento em sala de aula e possibilita/exige uma flexibilização do
currículo oficial.
236
A EJA e o direito
à diversidade:
por uma
valorização da
escola da vida
Dentre as razões que justificam a validade do resgate dos saberes e experiências
dos alunos estão a convicção de que os estudantes da EJA têm muito a contribuir
para a construção das práticas cotidianas da escola e a certeza de que isso confere
maior protagonismo a suas trajetórias escolares. Sobre a importância da valorização
dos saberes anteriores dos alunos jovens e adultos para a construção do espaço de
ensino e aprendizagem, Miguel Arroyo (2005) destaca:
Quando só os interlocutores falam de coisas diferentes, o diálogo é possível. Quando só
os mestres têm o que falar, não passa de um monólogo. Os jovens e adultos carregam
as condições de pensar sua educação como um diálogo. Se toda educação exige uma
deferência pelos interlocutores, mestres e alunos(as), quando esses interlocutores são jovens e adultos carregados de tensas vivências, essa deferência deverá ter um significado
educativo especial.
Na introdução do livro Atenção à diversidade (2002, p. 11), Artur Parcerisa Aran
diz que aceitar a existência dessa heterogeneidade é fácil, difícil é tratar educativamente as diferenças e empregá-las para o enriquecimento do processo de ensino e
de aprendizagem.
Utilizar as diferentes identidades, vivências e crenças dos alunos é uma tarefa
desafiadora, árdua até, mas altamente compensatória. Pois quando a escola parte
do cotidiano dos alunos, de seus conhecimentos e habilidades adquiridos no meio
em que vivem, além de os educandos sentirem-se respeitados e valorizados, ganham motivação e possibilidades de trabalharem suas zonas de desenvolvimento
proximal.
A esse respeito, Vygotsky (1991) afirma que as funções mentais superiores são
construídas ao longo da história social do homem e que toda aprendizagem recai
sobre a zona de desenvolvimento proximal. Esta é o espaço entre o nível de desen-
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Educação em Rede
volvimento real (aquilo que já se domina, que já foi consolidado) e o nível potencial
(aquilo que o indivíduo faz com auxílio de um mediador e que, futuramente, fará
sozinho).
Assim, as pessoas não constroem um conhecimento novo do nada, sem uma
estrutura, um fundamento prévio. O indivíduo não pode transpor um expediente
de aprendizagem sem algum conhecimento anterior que esteja cognitivamente relacionado, isso é necessário para que a nova informação possa se conectar com o
que já é sabido a fim de ser reelaborada e transformada em aprendizagem.
Em outras palavras, o conhecimento está em constante construção no processo
de interação social, nas trocas entre os indivíduos, seja dentro ou fora da escola; a
capacidade de captar informações e processá-las permite que os alunos aprendam
cotidianamente e melhorem inclusive o nível de qualidade das próprias interações.
Muito se tem falado a respeito da vivência e da realidade do educando, mas ter
uma prática pedagógica pautada no universo sociocultural real dos alunos da EJA
não significa alfabetizar os pescadores com o “A” de anzol, o “B” de barco; tampouco
ensinar aos pedreiros, em geometria, apenas a fórmula para se calcular área. É preciso partir dos saberes já adquiridos para ampliá-los.
A escola não pode esperar padronizar o currículo. O fundamento para os planos
de trabalho deve ser a experiência de vida dos alunos colocada em confronto com
os conteúdos formais. A vida deles deve ser problematizada, discutida e interligada
aos conhecimentos científicos em busca de uma construção/transformação de sua
própria história.
Partir da realidade do aluno não implica permanecer na realidade do aluno.
A educação deve ser um ato político, libertador e ampliador de horizontes. Paulo
Freire (1982) situa a educação como instrumento capaz de conduzir o homem à
mudança de sua situação pessoal e social, implicando a mudança e (r)evolução da
realidade a que ele pertence.
Ao longo da vida, as pessoas vão acumulando saberes; alguns dos tipos de saberes são chamados de saber sensível e saber cotidiano (Cadernos de EJA nº 1, 2006,
p. 6)1. O saber sensível é um saber sustentado pelos cinco sentidos, um saber que todos possuem, mas que é pouco valorizado pelas escolas, principalmente na EJA. Os
alunos jovens e adultos são ricos nesse tipo de saber e o processo educativo precisa
1. Material produzido pela Secad em 2006 e conhecido como Cadernos de EJA. Título original: Coleção Trabalhando
com a Educação de Jovens e Adultos.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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por uma
valorização da
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ter suas bases alicerçadas neste saber sensível, porque é somente através dele que o
aluno se abre a um conhecimento mais formal e reflexivo.
Já o saber cotidiano, por sua própria natureza, é um saber mais reflexivo, pois
é um saber amadurecido, vivido, nascido das experiências e valores socioculturais
formados anteriormente à escola. “É um conhecimento elaborado, mas não sistematizado (...), pouco valorizado no mundo letrado e, frequentemente, pelo próprio
aluno” (Cadernos de EJA nº 1, 2006, p. 7).
A valorização da diversidade é tema central do volume sobre pluralidade cultural dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), documento do MEC para o Ensino
Fundamental, onde se pode encontrar:
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A EJA e o direito
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escola da vida
O reconhecimento e a valorização da diversidade cultural brasileira e das formas de perceber e expressar a realidade própria dos gêneros, etnias e das muitas regiões e grupos
sociais do país não significa renunciar (...) à responsabilidade de constituir cidadania para
um mundo que se globaliza e de dar significado universal aos conteúdos da aprendizagem
(1997, p. 21).
Contraditoriamente, algumas tentativas fracassadas de adaptações curriculares para a EJA, propostas por governos e entidades particulares, foram elaboradas
ao longo dos anos, e continuam sendo feitas, mas em geral não estão abertas ao
diálogo e à aceitação do conhecimento de mundo dos educandos, de forma que
mascaram o velho currículo oficial engessado que desconsidera o percurso cultural
dos alunos.
As classes de EJA não precisam de uma prática educativa que reproduza a escola regular, que já excluiu a maioria no passado. Os alunos jovens e adultos clamam
por uma aprendizagem significativa, com aplicabilidade real no presente e no futuro. Mas uma aplicabilidade não meramente utilitária, desenvolvida para atender necessidades básicas e imediatas apenas; pelo contrário, algo que oportunize refletir,
interagir, elaborar hipóteses e tomar suas próprias decisões.
É papel da EJA, sim, preparar os alunos para o mercado de trabalho, para as
demandas de mão de obra, da tecnologia etc., mas não é só isso. A EJA precisa trabalhar com a formação humana, com o conceito de ser integral que precisa de uma
educação emancipadora significativa.
Segundo Ausubel (1982), a aprendizagem é significativa quando está relacionada ao conhecimento que o aluno já possui sobre o assunto. Se isso não acontecer,
a aprendizagem deixa de ser significativa para ser mecânica, visto que não respeita
conceitos relevantes que já existem na estrutura cognitiva do indivíduo.
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A aprendizagem significativa ocorre na interação, quando o aluno é convidado
a exercitar o que aprendeu em diversas situações do cotidiano e na sala de aula. Então, durante as atividades didáticas propostas pelo professor, o educando deve pôr
em xeque todas as informações que tem sobre o assunto e trocar informações com
seu mediador e interlocutores em busca de uma reorganização do conhecimento.
Dessa forma, percebe-se que ensinar com significado é articular a realidade do
aluno, os conteúdos aprendidos na escola da vida, com os conteúdos da escola formal. Para que isso ocorra é primordial conhecer os educandos, ter um mapeamento
da classe, promover o diálogo, valorizar o erro como ponto de partida para novas
aprendizagens e utilizar os conhecimentos trazidos pelos alunos para formar a base
da significação da aprendizagem.
Sobre as diferenças da educação formal (instituição escolar) e a não formal (escola da vida), Gohn (2006, p. 32) salienta que “a educação não formal parece estar
sempre em oposição à educação formal”. Isso porque a escola acaba se distanciando do cotidiano e aproximando-se do que chama de ciência e de saber necessário.
Para o autor, a educação não formal apresenta em seu contexto algumas dimensões
diversas da formal que devem ser consideradas e compreendidas, conforme aponta
o quadro abaixo:
EDUCAÇÃO FORMAL
EDUCAÇÃO NÃO FORMAL
É desenvolvida nas escolas.
É aprendida por meio de trocas de experiências em
espaços cotidianos.
Os conteúdos são preestabelecidos.
Não existem conteúdos e planejamentos específicos.
Quem educa são os professores.
O educador é “o outro”, aquele com quem estabelecemos
relações.
O espaço educativo é essencialmente a escola.
Ocorre fora da sala de aula, no cotidiano.
Ocorre em ambientes impregnados de normas, regras
e padrões.
Ambientes interativos, constituídos no coletivo. Há uma
intencionalidade do indivíduo em querer participar do
grupo.
O principal objetivo é o ensino-aprendizagem de conteúdos anteriormente sistematizados.
Capacita os indivíduos a se tornarem cidadãos do mundo
e no mundo. Os objetivos são construídos num processo
interativo. Educa o ser humano para a civilidade.
Aqui, requer-se tempo, espaço, pessoas devidamente
capacitadas, método, organização.
Atua sobre aspectos subjetivos do grupo, formando a
cultura política do mesmo. Colabora para a construção da
identidade coletiva, para o desenvolvimento da autoestima de seus componentes.
Há uma divisão por idades e classes de
conhecimento.
Não está organizada nem por série, nem por idade, nem
por conteúdos.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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A EJA e o direito
à diversidade:
por uma
valorização da
escola da vida
Além das diferenças citadas por Gohn, é preciso ter em mente os resultados
atingidos pela educação não formal, pois por seu intermédio os sujeitos são capazes de interagir no coletivo, descobrem-se como portadores e transmissores da
cultura do grupo, resgatam o sentimento de valorização de si próprios e se formam
para a vida, pois aprendem a ler e interpretar o mundo.
Todos esses elementos deveriam servir para que os governantes, gestores
e educadores refletissem sobre a melhor maneira da construção do currículo
escolar para os programas da EJA. Um currículo que tenha como fundamento
os conhecimentos adquiridos na escola da vida; respeite as diferenças; mais que
alfabetizar e certificar, dê ao aluno ferramentas para a leitura de mundo; trate
de disciplinas que dialoguem com o cotidiano do cidadão trabalhador, do idoso que busca instrumentalizar-se para o dia a dia e do jovem que sonha com a
universidade.
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A EJA e o direito
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por uma
valorização da
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Ainda quando se buscam na educação do contexto social elementos que subsidiem uma possibilidade de mudança na escola, há que se debruçar sobre a metodologia. Na vida, as pessoas precisam resolver problemas, planejar ações às vezes
baseadas em experiências anteriores, ou partir rumo a algo desconhecido. As ações
estão sempre embasadas em uma série de fatores: se serão individuais ou coletivas,
se o caminho a ser percorrido é este ou aquele, qual material/argumento/conhecimento será preciso usar em prol do objetivo final.
Em suma, a vida dos educandos é sempre cercada de problemas a serem resolvidos e projetos a serem executados. O que a escola precisa é estar atenta à forma
com a qual o indivíduo lida com essas questões cotidianas para empregá-las na prática educativa formal, seja para trazer maior significado às aulas, seja para motivar a
classe, ou ainda para potencializar essas ações do dia a dia, visando à emancipação
do educando.
Se, na sala de aula, o aluno da EJA tiver oportunidades de trabalhar com a
metodologia da problematização (GALLERT, 2006) e com a pedagogia de projetos (NOGUEIRA, 2003), ele vai reconhecer na escola uma aplicabilidade, pois
ganhará ferramentas para aprender os conteúdos curriculares de uma maneira
mais atraente, interessante e útil para sua vida cidadã. Porque na medida em
que ele aprende e exercita a focalização/diagnóstico de um problema, toma-o
como ponto de partida para levantamento de hipóteses, estuda e discute com
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seus pares como chegar ao objetivo, traça um caminho a ser percorrido, aplica
os procedimentos escolhidos, ou seja, atua sobre a realidade e finalmente avalia
o processo. O aluno manifesta competências cognitivas e sociais para a vida na
escola e fora dela.
Os métodos utilizados na escola devem nortear as atividades por meio do percurso da descoberta, da autonomia, da criticidade e do poder de autorregulação.
Além disso, torna-se fundamental a motivação dos envolvidos e o papel do mediador. Não importa se na escola regular, no projeto de Educação de Jovens e Adultos,
ou na educação não formal, os mediadores são peças-chave para nivelar os referenciais de aprendizagem, diagnosticar os saberes anteriores, estabelecer diálogos,
gerenciar conflitos, propor desafios, mostrar possibilidades e caminhos. Também
precisam estar abertos para aprender com os alunos, a dar oportunidades para que
haja troca entre os envolvidos.
Sobre o papel do professor mediador e aprendente, Paulo Freire (1982, p. 78
-79) afirma:
O educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em
diálogo com o educando, que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam
sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os argumentos de autoridade já não
valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de estar sendo com
as liberdades e não contra elas.
Ainda conforme Freire (1982, p. 62), “ninguém educa ninguém, tampouco se
educa sozinho, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.
É nessa perspectiva dialógica que o educador é a presença impulsionadora ou
destruidora. Muitos, por desconhecimento teórico e/ou falta do mínimo de sensibilidade, tornam-se professores excludentes e opressores. Acabam repetindo
experiências negativas que viveram na escola e, como agentes históricos que são,
aplicam mesmo que inconscientemente seus pressupostos educativos rigorosos e
tradicionalistas.
Ser educador da EJA implica estar preparado para o novo, para pesquisar e entender os processos de mudança pelos quais passam os alunos, a comunidade, o
mundo. É preciso ser sensível e fomentar o “eu” dos educandos no sentido amplo:
cognitivo, afetivo, social, psicológico.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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valorização da
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Talvez uma das possíveis causas das falhas observadas historicamente nos projetos da EJA seja, além do currículo descontextualizado, a falta de formação docente.
Até os dias de hoje poucas são as oportunidades de formação específica para essa
modalidade da educação básica. Embora algumas universidades ofereçam essa habilitação em nível de graduação ou pós-graduação, as iniciativas ainda são incipientes.
A oportunidade de exercer o magistério em classes de EJA acaba surgindo normalmente, por acaso. Felizmente, uma boa parte dos educadores descobre nesse
meio um universo apaixonante, diverso de tudo que já vivenciaram, e passa a lutar
por um currículo vivo. Mesmo sem formação específica, vários professores têm buscado inovar, respeitar a bagagem sociocultural dos alunos, e começam a perceber
a necessidade de registrar suas práticas para que elas se consolidem e ganhem credibilidade.
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A EJA e o direito
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valorização da
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A EJA também tem causado entre os educadores uma busca pela autoformação,
pela capacitação em serviço, por estudos coletivos e leituras que possam dar conta
das demandas educandos e explicitar concepções de ensino e de aprendizagem.
Nessas trocas entre os professores, as diferenças também aparecem, devido às experiências individuais – da mesma forma que ocorre com os alunos, um grupo de educadores também pode ser muito heterogêneo – e é nos momentos de trocas que as
oportunidades de novas aprendizagens aparecem também para os docentes.
O ideal seria que todos os professores pensassem o currículo levando em consideração a heterogeneidade das classes, aproveitando as diferenças inclusive para
planejar as atividades em duplas, trios ou grupos maiores. Agrupando os alunos, em
alguns momentos, pelas semelhanças nos saberes e, em outros, justamente pelas
diferenças, o grupo troca informações e avança.
Por isso, é importante valorizar os momentos de trabalho coletivo porque oportunizam aos indivíduos agir como seres capazes de opinar e refletir em conjunto
com seus pares, vencendo os desafios cooperativamente, exercitando a democracia
e a gestão de conflitos.
Ao se observar o cotidiano de alguns projetos da EJA é possível perceber através de suas práticas pedagógicas, metodologias, materiais e recursos didáticos e até
das relações entre as pessoas, o porquê de não terem obtido êxito na continuidade
dos estudos dos alunos.
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Ocorre que é preciso ter ciência de que um projeto da EJA tem em sua própria
nomenclatura algo que deveria ser fundamento: o fato de a palavra projeto ser originada do latim projectio, que significa movimento para frente, deveria possibilitar
ao aluno avanço, crescimento, qualificação.
É muito difícil promover um ensino significativo convincente de que a educação é um processo de construção do ser humano ao longo da vida sem um bom
projeto político-pedagógico, feito com a participação da comunidade em que a
classe de EJA está inserida, que aponte formas de valorizar e potencializar as diferenças entre os aluno, respeite os ritmos de aprendizagem, avalie qualitativa e não
quantitativamente, e que, além do currículo, se preocupe com o espaço físico, com
o planejamento participativo, os instrumentos de avaliação, os horários das aulas,
enfim, sem um projeto político pedagógico que realmente tenha em vista os alunos
e suas necessidades.
No livro As dimensões do Projeto Político-Pedagógico (2003), os autores Anna
Rosa Fontella Santiago e José Vieria de Sousa (2003, p. 141-173 e 215-237) refletem,
respectivamente, sobre a importância da flexibilização da organização curricular estar garantida no Projeto Político-Pedagógico e sobre a atitude ética da construção
da identidade do sujeito, perpassando a construção da identidade da escola. Indicando o quão valoroso é o PPP quando construído coletivamente em prol da união
da vida cotidiana com o conhecimento formal/escolar.
Pois, quando aquilo que os alunos veem na escola não é útil para a vida, ou
quando o que aprenderam na vida não serve para a escola, o aluno de EJA perde
seu direito à individualidade, seu direito a ser respeitado, tem a imagem de si mesmo abalada e acaba inflando os índices de desistências dessa modalidade.
Será que o fracasso escolar está na falta de interesse e competência do aluno ou
é gerado pela própria escola?
Essa é uma questão conflitante que perpassa instâncias governamentais e políticas, mas que não isenta o educador. O que se sabe é que, conforme aponta o
Cadernos de EJA nº 1, 2006, p. 17,
o fracasso escolar tece uma espécie de teia, onde o aluno se enreda e custa a sair. Na maioria dos casos, a teia torna-se tão emaranhada que não oferece saída e o desfecho dessa
situação é tão comum à realidade brasileira, é o abandono da escola. Mais tarde, quando retornam aos bancos escolares, os jovens e adultos ficam extremamente suscetíveis a
enredarem-se novamente, a vivenciarem outro fracasso escolar.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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A EJA e o direito
à diversidade:
por uma
valorização da
escola da vida
É possível diminuir as desistências e o professor tem papel fundamental nesse
processo. Ele exerce um papel tão determinante que pode ser responsável tanto
pelo sucesso como pelo fracasso escolar de qualquer um de seus alunos. É o professor que recebe o aluno em sala, que o motiva; é ele a pessoa em quem
o aluno precisa confiar, mostrando-se por inteiro, nas suas habilidades e fragilidades; é ele quem planeja as aulas, as intervenções didáticas, as avaliações; deveria ser
ele quem luta por uma escola mais democrática e que ensina o aluno a aprender a
aprender apesar das dificuldades.
Para atender à diversidade dos alunos é preciso que também as atividades sejam
diversificadas. Isso não significa ter uma novidade a cada aula e, sim, uma diversidade de caminhos, tempos, parcerias, lugares e formas de olhar, ouvir e experimentar.
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A EJA e o direito
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por uma
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Enfim, considerando todas as especificidades da Educação de Jovens e Adultos,
pensar numa organização curricular a partir de uma lista de conteúdos obrigatórios
e suas respectivas cargas horárias não é o melhor caminho a ser seguido.
Ao contrário, uma exigência da qual não se pode escapar reside na inversão de
tudo que tradicionalmente transformou o currículo da EJA numa cópia reduzida da
grade curricular da escola regular de ensino.
É claro que é preciso ter uma base nacional comum, mas a elaboração do rol
de conteúdos dos programas da EJA deveria ser subsidiada, além do Referencial
Curricular para a EJA editado pelo MEC, nas situações vivenciadas pelos alunos, por
suas experiências e anseios, que, tomados como ponto de partida, potencializam o
interesse e a aproximação entre o que é sabido e o que não é sabido.
A seleção de conteúdos para a Educação de Jovens e Adultos não pode perder
de vista que a construção de uma grade curricular precisa ser feita no sentido de
oferecer aos educadores um mapa capaz de integrar as disciplinas tradicionais, as
características culturais, sociais, políticas e científicas necessárias para cada comunidade dentro da sociedade atual.
O autor Antoni Zabala (1998) propõe uma organização curricular centrada na
tipologia dos conteúdos, deixando claro que essa classificação não pretende fragmentá-los; ao contrário, aliados às metodologias sociointeracionistas de trabalho,
os conteúdos, na prática, acontecem de forma totalmente integrada.
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A classificação proposta por ele é feita em: conteúdos conceituais ou factuais
(o que se deve saber), conteúdos atitudinais (como se deve ser) e conteúdos procedimentais (como se deve saber fazer). Essa classificação visa criar uma “construção
intelectual para compreender o pensamento e o comportamento das pessoas” (ZABALA, 1998, p. 39).
Assim, a escola poderia ampliar, ressignificar, valorizar e respeitar os saberes e
competências dos alunos, aproximando e interligando conhecimento de mundo
com conhecimento científico, possibilitando a permanência do jovem e do adulto
na escola, melhorando sua qualidade de vida, sua autonomia e autoestima.
Parafraseando Boaventura, devemos lutar pela igualdade dos alunos de EJA
sempre que as diferenças os discriminem e pela valorização das diferenças sempre
que a tentativa de igualdade os descaracterizem. Lembrando que a realidade do
aluno é anterior a qualquer ação da escola e que é a partir dessas realidades distintas que o currículo deve ser construído.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
Considerações finais
Este texto teve como propósito discutir a diversidade/heterogeneidade na EJA
e suas implicações pedagógicas, principalmente no que se refere à organização curricular. Ao longo dele procurou-se mostrar que o currículo na Educação de Jovens
e Adultos deve ser formativo, no sentido de construir a cidadania, e informativo, no
sentido de permitir o entendimento das informações e sua aplicação no cotidiano.
Agregado aos conteúdos curriculares oficiais, espera-se que o currículo da EJA
seja vivo e contemple as peculiaridades de cada grupo, que trabalhe situaçõesproblema próximas à realidade dos alunos e propicie maior interação e retenção
dos saberes.
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A EJA e o direito
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Por fim, é importante destacar a importância da práxis, ou seja, da elaboração
coletiva das práticas vividas no cotidiano para que ocorra o efetivo direito à diversidade, valorizando a bagagem histórico-cultural dos alunos em prol de uma aprendizagem significativa e emancipadora. Não esquecendo que os educadores são peças
fundamentais, pois as práticas da EJA só mudarão quando os educadores quiserem
que elas mudem, quando assumirem as responsabilidades de cunho afetivo, social,
cognitivo, ético e político que a docência de jovens e adultos implica.
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REFERÊNCIAS
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ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
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Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
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Por uma
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Currículo e prática
docente
Rosimária Rodrigues Melo Cardoso*
RESUMO
Muitos problemas relacionados à não aprendizagem dos educandos da EJA se dão pelo fato
dos professores não se disporem a investir na
retomada da sua prática pedagógica, visando
ao rompimento de paradigmas que oferecem
à educação um caráter meramente conteudista. Este estudo teve o objetivo de promover
uma reflexão sobre a prática pedagógica da
Educação de Jovens e Adultos (EJA), em uma
escola municipal de Palmas. Os dados foram
levantados através de questionários e blocos
de notas com duas professoras da sexta série,
que indicam fatores que interferem no ensino
e na aprendizagem, como falta de planejamento, tornando as aulas uma mera cópia do
livro didático, com metodologias que não correspondem ao contexto atual. Portanto, ação e
reflexão devem fazer parte de todo o processo
pedagógico.
PALAVRAS-CHAVE: Metodologia; formação continuada; planejamento; ensino-aprendizagem.
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ABSTRACT
Many problems related to Youth and Adult
Education students not learning occur
because teachers do not strive to invest in the
recovery of their teaching practice, aiming to
break the paradigms that imbue education
with a merely content-oriented nature.
This study aimed to promote reflection on
the Youth and Adult Education teaching
practice, in a city school in Palmas. The data
were gathered through questionnaires and
notebooks with two sixth-grade teachers,
who indicate factors that interfere with
teaching and learning, such as lack of
planning, making the classes a mere copy
of the textbook with methods that do not
match current context. Therefore, action
and reflection should be part of the whole
educational process.
KEYWORDS:
Methodology,
continuing
education, planning, teaching and learning.
Educação em Rede
* Assistente da Coordenação de Educação na Coordenação Geral de Educação do SESC.
Introdução
O presente trabalho traz reflexões sobre as temáticas discutidas no curso Elaborando currículos em Educação de Jovens e Adultos que despertaram interesse
em analisar e refletir sobre a prática pedagógica dos professores da Educação de
Jovens e Adultos em uma escola da rede pública de Palmas (TO). Esse estudo consistiu na realização de uma entrevista semiestruturada com duas professoras, no
horário noturno, e de observações sobre a aprendizagem dos educandos, tendo em
vista a fragmentação dos conteúdos em sala de aula, bem como as metodologias
utilizadas pelos professores. Considerando o desenvolvimento de aulas monótonas
e cansativas, torna-se fundamental a construção de um currículo em que seja enfatizada a necessidade de se pensar/elaborar uma didática para a EJA que leve em
conta os aspectos que envolvem o educando.
Uma metodologia que se preocupa com a construção do conhecimento vai
buscar sua orientação básica no resgate do próprio processo de construção de conhecimento da humanidade. Portanto, compete ao educador praticar um método
crítico de Educação de Jovens e Adultos que dê ao aluno a oportunidade de alcançar a consciência crítica instituída de si e de seu mundo — os educandos da EJA, na
sua maioria, são jovens e adultos que estão inseridos no mundo do trabalho e das
relações interpessoais, que trazem consigo experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o mundo externo, sobre si mesmos e sobre outras pessoas e
que apresentam uma maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento e sobre
seus próprios processos de aprendizagem. Diante disso, o professor precisa estar
preparado para possíveis mudanças em relação às necessidades e às diversidades
existentes no contexto escolar, propiciando aos educandos, num exercício de mediação, o encontro com a realidade, considerando o saber que possuem e procurando articulá-lo a novos saberes e práticas.
Educação em Rede
Currículos em EJA: saberes e práticas de educadores
249
Currículo e
prática docente
Tendo como principal fator de sucesso o desejo de ensinar do professor, a fala
é o seu principal instrumento de trabalho e a eficiência de uma aula está muito
ligada ao uso correto da linguagem e à organização lógica do pensamento. Mas
não basta apenas um discurso bem articulado; para ter a atenção dos alunos é preciso despertar em todos a vontade de participar do processo de ensino e aprendizagem, usando metodologias dinâmicas, estruturadas e agradáveis o suficiente
para que eles se interessem em participar apesar do cansaço, possibilitando aos
alunos a formação e o desenvolvimento de capacidades e habilidades cognitivas
e operativas (LIBÂNEO, 1991, p. 100) e, com isso, estimulá-los a posicionar-se criticamente diante do instituído, transformando-o se necessário. É nessa direção que
se propõe este estudo.
Método de pesquisa
250
Currículo e
prática docente
Para realizar este trabalho, desenvolveu-se um estudo de caso realizado em uma
escola do Ensino Fundamental da rede pública de Palmas (TO), que se baseou em
cinco observações de quatro horas em uma mesma turma de 6ª série da EJA, e na
realização de uma entrevista semiestruturada com duas professoras. Foi observada a existência de aspectos metodológicos, didáticos e de planejamento de ensino
utilizados para despertar a motivação e o interesse dos educandos no processo de
ensino e aprendizagem com professores de diferentes disciplinas. Os alunos dessa
turma encontravam-se na faixa etária de 18 a 24 anos de idade.
Os registros foram feitos através de blocos de notas, observando-se o perfil dos
educadores, suas práticas pedagógicas e as metodologias que desenvolveram.
Foi realizada também uma entrevista com duas professoras, com quatro questões abertas voltadas para as práticas pedagógicas dos docentes, em que as perguntas abordavam informações sobre as metodologias de ensino e aprendizagem
utilizadas em sala de aula, sobre formas de planejamento, a utilização da pesquisa
e o grau de formação dos docentes. Os dados coletados foram registrados em um
caderno para uma análise mais detalhada das temáticas investigadas, os quais permitiram maior aproximação dos significados das ações observadas.
A análise dos dados foi feita a partir das respostas obtidas e das observações
feitas in loco e das pesquisas bibliográficas baseadas em Antunes (2002), Dalmás
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Educação em Rede
(1994), Etto e Peres (1997), Kleiman (2001), Freire (1996), Gandin (1999), Libâneo
(1991), Pinto, (2000), Rays (1990), Vasconcelos (1989) e Viana (1986).
Análise dos dados
A análise dos resultados mostrou que as atividades desenvolvidas não refletiram uma ação planejada, com atividades contextualizadas, que chamassem a atenção dos educandos por ter uma metodologia diferenciada que motivasse o aprendizado e, na falta de recursos para serem criativos, oferecessem opções alternativas
de ensino. Os docentes acabam apelando para os recursos que lhes facilitam o dia a
dia (exibição de filme), ainda que isso lhes cause um certo desprazer, pelo fato de se
sentirem obrigados a usar esse recurso didático como forma de dinamizar as aulas
e, não, utilizá-lo de forma adequada, ou seja, com contextualização. Constatou-se,
através da falta de planejamento dos educadores, aulas fragmentadas e metodologias que não correspondem ao contexto histórico atual, a dificuldade que os professores têm de desenvolver uma metodologia permeada pela negociação entre
a formalização dos desejos e dos saberes do aluno e a necessidade de sistematizar o conhecimento que é essencial na Educação de Jovens e Adultos. Contudo,
só o planejamento não proporciona a formação educativa e significativa e garante
o processo de ensino-aprendizagem. Para que isso aconteça de fato, o educador
deve assumir a postura de mediador, proporcionando diferentes alternativas para a
construção do conhecimento.
Na adolescência, tudo começa a ser questionado. Alunos querem saber por que
devem aprender Geografia, História ou Ciências, entre outras coisas. A idade adulta
traz a independência. O indivíduo acumula experiências de vida, aprende com os
próprios erros, apercebe-se daquilo que não sabe e o quanto esse desconhecimento faz-lhe falta (Antunes, 2002). Essa evolução, infelizmente, é ignorada pelos sistemas tradicionais de ensino.
O professor chega, apresenta o seu objeto de conhecimento, que não é na realidade objeto de conhecimento dos seus alunos, e discursa sobre ele, não estando atento em ajudar
a estabelecer o vínculo, nem em possibilitar o confronto pessoal direto dos participantes
com o objeto. O professor deve levantar situações-problema que estimulem o raciocínio
em vez de sobrecarregar a memória com uma série de informações e, ao propor uma atividade, ele deve esperar o encadeamento das ações, a elaboração das hipóteses, a resposta
por parte do aluno. Esse tempo de espera é fundamental para o desenvolvimento da reflexão e a consequente construção do conhecimento (Vasconcellos, 1989).
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Os educandos se sentem motivados a aprender quando entendem as vantagens e benefícios de um aprendizado, bem como as consequências negativas de
seu desconhecimento. Métodos que permitam ao aluno perceber suas próprias
deficiências ou a diferença entre o status atual de conhecimento e o ponto ideal
de conhecimento ou habilidade que lhe será exigido sem dúvida serão úteis para
produzir essa motivação (PINTO, 2000).
Nessa perspectiva, é necessária a valorização do sujeito com aulas que superem
suas expectativas, tornando-as produtivas e dinâmicas. A formação inicial e continuada dos educadores são palavras-chave para vincular formação e mudanças
positivas nas suas práticas pedagógicas. O mais importante para a permanência
do aluno e o grau de aproveitamento em sala de aula, é o professor, com o seu envolvimento, preparação, colaboração e disponibilidade para atender aos interesses
dos alunos, mudar seu planejamento em virtude das necessidades específicas que
surgem no decorrer das aulas (KLEIMAN, 2001). 252
Currículo e
prática docente
A formação do professor dá resultados quando ela é autogerada, ou seja, parte
de uma convicção interna sobre a necessidade de mudar sua prática na busca de
soluções para os problemas existentes. Duas dimensões da atuação profissional do
educador estão presentes: a prática, que é o fazer, a intervenção profissional em si;
e a teoria, que é o pensar, a reflexão sobre a prática a partir dela própria. Portanto,
ação e reflexão devem fazer parte da práxis profissional do educador; caso contrário, corre-se o risco do ativismo, prática muito presente no cotidiano escolar em que
educadores não comprometidos com a verdadeira educação não planejam suas
aulas, fazendo delas uma mera cópia do livro didático, tornando-as enfadonhas e
desinteressantes.
Comparando com o que foi observado, a metodologia se encontra limitada,
onde o recurso mais utilizado foi o quadro. Os professores escrevem resumidamente o conteúdo das aulas e não utilizam nenhum outro material didático para enriquecer as aulas e torná-las mais atraentes para os alunos, visto que os mesmos, em
sua maioria, mostravam-se alheios às explicações da professora.
Quando questionados sobre as metodologias utilizadas por eles, o que os professores mais ressaltaram como dificuldade foi o fato de os livros didáticos não condizerem com a realidade do aluno; quando o maior recurso do professor de jovens
e adultos está no mundo a sua volta (PINTO, 2000). Os livros devem ser utilizados
como recurso para facilitar a prática pedagógica. Os professores não devem se ba-
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sear somente nesse material para conduzir seu trabalho. A solução para atender às
necessidades de cada um dos alunos foi trabalhar com atividades diferenciadas e
individuais.
Uma forma de se trabalhar com as diferenças seria desenvolver o trabalho
diversificado, em que o professor subdivide a turma em grupos que desenvolverão, ao mesmo tempo, atividades diferentes, dirigidas ou não pelo professor, procedimento este capaz de atender as diferenças individuais dos alunos, em seus
vários aspectos. Justifica-se, principalmente, pelo fato de os alunos encontraremse em pontos diferentes quanto ao nível de desenvolvimento físico e mental,
ao ritmo de aprendizagem, aos interesses, às aptidões e às experiências vividas
(ETTO e PERES, 1997). Diante disso, é preciso que o educador assuma a função de criar situações para
momentos de questionamentos, desacomodações, propondo situações-problema,
desafios a serem vencidos pelos educandos, para que possam construir conhecimento e, consequentemente, aprender a aprender. Portanto, a metodologia a ser
adotada deve possibilitar que o educando construa e reconstrua conhecimentos,
que questione, pergunte, crie, pense e realize a transposição do que aprende para a
sua vida. Viana, (1986, p. 38) afirma que “o planejamento participativo não é um trabalho impossível, mas plenamente viável, apesar de todos os empecilhos”. Segundo
Dalmás (1994), a utopia provoca um contínuo processo de planejar e replanejar a
fim de aproximar a realidade existente do ideal definido. Isso requer uma opção
clara de homem, de educação e de sociedade.
Grande parte da energia vital dos professores é perdida na discussão do “como” sem
que se tenha decidido o “para onde” [...]. Montam-se estratégias de como se vai agir,
modificam-se metodologias de ação, mas acaba-se por produzir os mesmos resultados
(GANDIN, 1999, p. 131).
A elaboração e utilização do planejamento foram feitas somente para cumprir
determinações, pois as aulas não refletiram uma ação planejada, com atividades
contextualizadas que chamassem a atenção dos alunos por ter uma metodologia
diferenciada que motivasse o aprendizado. Mesmo quando eles tentavam participar, o professor não esperava o desencadeamento das respostas, lhes dando tudo
pronto. Gandin (1999) diz que o planejamento é o processo de transformar ideias
em ação, ou seja, é o processo de intervir na realidade existente, retirando, incluindo, enfraquecendo ou reforçando ideias e, assim, transformando estruturas. Para
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qualquer intervenção na realidade ou, melhor dizendo, para qualquer mudança
do que existe, são necessários dois componentes: as ideias e o planejamento. Para
que esse momento ocorra, o educador precisa gerenciar esse processo, articulando
“os ‘como’ com as técnicas, a metodologia de trabalho, mas somente depois de ter
clareza sobre qual rumo deseja tomar, depois de ter traçado [...] o seu ‘para onde’ e
ter respondido o seu ‘por quê’”. (GANDIN, 1999, p. 130). Nesse sentido, a função do
educador é, entre outras, garantir a riqueza do processo de ensino-aprendizagem,
o que significa, conforme Moraes,
a manutenção de um diálogo permanente, de acordo com o que acontece em cada momento, propor situações-problema, desafios, desencadear reflexões, estabelecer conexões
entre o conhecimento adquirido e os novos conceitos, entre o ocorrido e o pretendido,
de tal modo que as intervenções sejam adequadas ao estilo do aluno, a suas condições
intelectuais e emocionais e à situação contextual (1997, p. 152).
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“Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática” (FREIRE, 1996, p. 43). É preciso
possibilitar que, voltando-se sobre si mesma, através da reflexão sobre a prática, a
curiosidade ingênua, percebendo-se como tal, vá se tornando crítica. Por isso, na
formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão
crítica sobre a prática pedagógica, servindo como referência para políticas públicas
em EJA.
Segundo Rays (1990), o professor é um guia, um orientador no processo educativo, trabalha junto ao aluno, a sua realidade social concreta, abre perspectivas
a partir dos conteúdos. O docente não deve apenas satisfazer necessidades e carências, deverá despertar outras necessidades, acelerar e disciplinar os métodos de
estudo, exigir o esforço do aluno, propor conteúdos e modelos compatíveis com
as experiências vividas, a fim de que o discente se mobilize para uma participação
ativa. É preciso enfatizar a responsabilidade pessoal pelo próprio aprendizado e a
necessidade e capacitação para a aprendizagem continuada ao longo da vida. Ser
disciplinado por vontade própria e não por pressão.
Diante do exposto, o educador deve proporcionar a seus alunos a passagem
do plano da satisfação individual ao plano das experiências coletivas. Para tanto,
deverá possuir competência técnica, domínio de conteúdo e de métodos que se
adequem à transformação e elaboração do conhecimento (RAYS, 1990), para que o
estudante possa ler o mundo de forma crítica e criativa. Constatou-se a necessidade
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de trabalhar os procedimentos metodológicos que possibilitam melhorias no ensino e na aprendizagem, sendo a formação continuada dos professores da EJA uma
das alternativas que atende a essa expectativa.
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Considerações finais
Observou-se que a educação voltada para um simples repassar de conteúdos
ainda permanece na prática de muitos educadores ainda insensíveis à necessidade de fazer mudanças em suas metodologias. Diante disso, o professor precisa se
transformar num tutor eficiente de atividades de grupos, devendo demonstrar a
importância prática do assunto a ser estudado; deve transmitir o entusiasmo pelo
aprendizado, a sensação de que aquele conhecimento fará diferença na vida dos
alunos; ele deve transmitir força e esperança, a sensação de que aquela atividade está mudando a vida de todos e não simplesmente preenchendo espaços em
seus cérebros.
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Assim, o docente não poderá ter uma postura autoritária, impondo, entre outras coisas, um conhecimento pronto, acabado, inquestionável, sem significado
para o aluno, e nem ser omisso, caindo em um espontaneísmo pedagógico, onde
tudo é permitido incontestavelmente. O professor assume a postura de mediador, proporcionando diferentes alternativas para a construção do conhecimento,
como, por exemplo, através de atividades diversificadas e contextualizadas, uma
vez que nelas se consideram o desenvolvimento pessoal e a realidade do estudante, respeitando-se, assim, sua natureza, levando-o a refletir e a problematizar
sobre os temas de ensino.
Nessa perspectiva, trabalhar a formação continuada dos educadores é um caminho possível para a construção de uma educação que atenda às necessidades
dos educandos inseridos neste novo século, para que sejam capazes de acompanhar a velocidade das constantes mudanças.
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REFERÊNCIAS
ANTUNES, C. Novas maneiras de ensinar, novas formas de aprender. Porto Alegre: Artmed,
2002.
DALMÁS, Â. Planejamento participativo na escola: elaboração, acompanhamento e avaliação.
3. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.
ETTO, M. C.; PERES, M. R. Trabalho diversificado. Revista do Professor, Porto Alegre, v. 13, n. 50, p.
16-20, abr./jun. 1997.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra, 1996.
GANDIN, D.; GANDIN, L. A. Temas para um projeto político-pedagógico. 4. ed. Petrópolis: Vozes,
1999.
KLEIMAN, A. B.; SIGNORINI, I. O ensino e a formação do professor. Porto Alegre: Artmed, 2001.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991.
PINTO, V. Á. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo: Cortez, 2000.
RAYS, O. A. Leituras para repensar a prática educativa. Porto Alegre: Sagra, 1990.
VASCONCELLOS, C. S. Construção do conhecimento em sala de aula. São Paulo: Libertad, 2002.
VIANA, I. O. Planejamento na escola: um desafio ao educar. São Paulo: EPU, 1986.
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Esta revista foi impressa pela MCE Gráfica em papel offset 150g no
miolo e duodesign 300g na capa, com textos em Myriad Pro.
Fevereiro de 2011.
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