Universidade regional do noroeste do estado do rio grande do sul – unijuí
vice-reitoria de graduação – vrg
coordenadoria de educação a distância – CEaD
Coleção Educação a Distância
Série Livro-Texto
Patrícia Marques Oliveski
acesso à
justiça
Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil
2013
2013, Editora Unijuí
Rua do Comércio, 1364
98700-000 - Ijuí - RS - Brasil
Fone: (0__55) 3332-0217
Fax: (0__55) 3332-0216
E-mail: [email protected]
Http://www.editoraunijui.com.br
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Designer Educacional: Jociane Dal Molin Berbaum
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
O489a
Oliveski, Patrícia Marques.
Acesso à justiça / Patrícia Marques Oliveski. – Ijuí : Ed. Unijuí,
2013. – 142 p. – (Coleção educação a distância. Série livro-texto)
ISBN 978-85-419-0061-4
1. Direito. 2. Justiça. 3. Cidadania. 4. Democracia. 5. I. Título.
CDU : 342.72/.73
Sumário
CONHECENDO A PROFESSORA.................................................................................................5
APRESENTAÇÃO............................................................................................................................7
O QUE VAMOS ESTUDAR.............................................................................................................9
UNIDADE 1 – ACESSO À JUSTIÇA E SEUS FUNDAMENTOS..............................................11
Seção 1.1 – Cidadania: A Condição Política Do Status Do Direto A Ter Direitos.......................11
Seção 1.2 – A Evolução Conceitual de Estado e Direito:
a Construção do Estado Democrático de Direito e a Cidadania.............................17
Seção 1.3 – A Importância da Constituição no Estado Democrático de Direito.........................30
Seção 1.4 – Cidadania e Acesso à Justiça no Estado Democrático de Direito............................32
UNIDADE 2 – O ACESSO À JUSTIÇA COMO ACESSO À JURISDIÇÃO...............................41
Seção 2.1 – A Jurisdição Como Elemento De Inclusão Social....................................................41
Seção 2.2 – O Acesso à Justiça como Acesso ao Poder Judiciário...............................................46
Seção 2.3 – As Formas Alternativas de Justiça.............................................................................57
2.3.1 – Da Mediação...........................................................................................................58
2.3.2 – Da Arbitragem........................................................................................................60
UNIDADE 3 – ASPECTOS HISTÓRICOS DO ACESSO À JUSTIÇA........................................65
Seção 3.1 – Aspectos Históricos do Acesso à Justiça...................................................................65
Seção 3.2 – Evolução do Acesso à Justiça no Brasil.....................................................................72
Seção 3.3 – Princípios Fundamentais que Informam o Acesso à Justiça....................................79
3.3.1 – Princípio da Acessibilidade....................................................................................79
3.3.2 – Princípio da Operosidade.......................................................................................80
3.3.3 – Princípio da Utilidade............................................................................................80
3.3.4 – Princípio da Proporcionalidade..............................................................................81
Seção 3.4 – As limitações do Acesso à Justiça..............................................................................82
UNIDADE 4 – O ACESSO À JUSTIÇA E O PROCESSO JUDICIAL.........................................89
Seção 4.1 – Acesso à Justiça e Magistratura................................................................................90
Seção 4.2 – Acesso à Justiça e o Ministério Público....................................................................95
Seção 4.3 – Acesso À Justiça e a Assistência Judiciária............................................................101
UNIDADE 5 – O ACESSO À JUSTIÇA E JUDICIÁRIO:
DA CRISE À BUSCA DE SOLUÇÕES...............................................................109
Seção 5.1 – Breve Histórico Sobre a Administração da Justiça no Brasil.................................109
Seção 5.2 – Poder Judiciário: Acesso à Justiça e a Identificação da Crise................................116
Seção 5.3 – Poder Judiciário e Acesso à Justiça: da Crise à Busca de Soluções .....................131
REFERÊNCIAS............................................................................................................................137
EaD
Conhecendo a Professora
acesso à justiça
Patricia Marques Oliveski
Advogada, a professora possui Graduação em Direito pela
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul
– Unijuí (1995). No ano de 1998 cursou especialização em Direito
Público pela mesma Instituição. Em 1999 ingressou no Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado em Direito pela Universidade de Santa Cruz – Unisc –, obtendo o título em 2001, com área de
concentração em Políticas Públicas e Direitos Sociais. Especialista em
Direito Registral e Notarial pela Unisul – SC. Desde 1998 é docente do
curso de Graduação e Pós-Graduação em Direito da Unijuí. Também
atuou por vários anos como docente nos cursos de Graduação e PósGraduação em Direito na Universidade de Passo Fundo – UPF – e na
Universidade Luterana do Brasil – Ulbra. Sua atuação na docência
atualmente abrange o campo do Direito Penal, Processual Penal e
Práticas Jurídicas, tendo igualmente ministrado aulas de Acesso à
Justiça, Metodologia da Pesquisa e Ensino Superior em diversos cursos
de Especialização. Além disso, é autora de artigos científicos publicados em revistas especializadas, voltados para a temática do acesso
à Justiça, cidadania, poder Judiciário, sistema penal e penitenciário,
dentre outras temáticas jurídicas. Atualmente cursa o Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu – Doutorado em Direito na Universidade
de Buenos Aires – UBA-AR.
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EaD
Apresentação
acesso à justiça
O componente curricular optativo Acesso à Justiça objetiva proporcionar aos acadêmicos
uma visão geral teórico-crítica acerca do direito fundamental do acesso à justiça, viabilizando
no processo de ensino-aprendizagem uma compreensão ampla sobre o tema.
Pretende-se aprofundar o estudo sobre o conceito de acesso à Justiça sob o ângulo da
função jurisdicional, desenvolvendo estudos sobre a razoabilidade como expressão do princípio
de Justiça.
Buscar-se-á problematizar, a partir de um enfoque crítico, as principais questões acerca
do acesso à Justiça, desenvolvendo estudos sobre o acesso à Justiça enquanto acesso ao poder
Judiciário e suas limitações, bem como analisar a questão da efetividade do processo, tendo como
pano de fundo a realização da cidadania.
Enfim, oportunizar ao acadêmico conhecimentos necessários à formação de um referencial
teórico que o habilite a analisar o atual modelo de poder Judiciário, os aspectos da crise e as
propostas de soluções e democratização desse poder.
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EaD
O Que Vamos Estudar
acesso à justiça
Este componente curricular vai-se dedicar ao estudo do acesso à justiça com vistas a proporcionar ao acadêmico do curso de Direito conhecimentos teórico-práticos que lhe ofereçam
uma visão crítica acerca da realização da Justiça no Estado Democrático de Direito.
Inicialmente serão analisados os fundamentos do acesso à Justiça, tendo como pano de
fundo a questão da cidadania e da construção do Estado Democrático de Direito. A seguir estudarse-á o acesso à justiça como acesso à jurisdição, partindo-se de uma concepção instrumental do
processo e da função de inclusão social da jurisdição, para então analisar as formas alternativas
de jurisdição.
A partir desses conhecimentos teóricos prévios passa-se ao estudo específico do acesso à
Justiça, sob seus aspectos históricos, princípios e limitações, para se ter ferramentas aptas à análise da atuação da magistratura, do Ministério Público, tanto em relação à realização do acesso
à Justiça quanto à viabilidade da assistência judiciária, como forma de concretizar tal direito.
Assim, o estudo culmina na análise do acesso à Justiça e do modelo de poder Judiciário
estabelecido no Estado Democrático de Direito, na identificação da chamada crise judiciária e no
levantamento das medidas que se tem adotado como solução a esta crise com vistas à efetivação
do acesso à Justiça e realização da cidadania.
UNIDADE 1
Objetiva compreender as noções introdutórias relativas aos fundamentos do acesso à Justiça. A questão da cidadania enquanto um status do direito a ter direitos e sua importância na
efetivação do acesso à Justiça. Estudar a questão do acesso à Justiça e sua realização no Estado
Democrático de Direito, observando a importância da Constituição e a realização da cidadania
e o acesso à Justiça neste modelo de Estado.
UNIDADE 2
Nesta unidade o objetivo é estudar o acesso à Justiça como acesso à jurisdição. Para tanto
faz-se imprescindível a compreensão da importância da jurisdição como instrumento e como
elemento de inclusão social. A partir dessa concepção vai-se analisar, então, o acesso à Justiça
como acesso ao poder Judiciário e às formas alternativas de jurisdição como meios de resolução
de conflitos.
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
UNIDADE 3
Compreendido o acesso à Justiça como acesso à jurisdição, neste momento passa-se ao
estudo dos aspectos históricos do acesso à Justiça para que se possa ter uma compreensão do
significado do termo e da abrangência de seus efeitos. A análise conceitual do acesso à Justiça, portanto, não poderia prescindir do estudo de seus princípios fundamentais, que norteiam
qualquer concepção teórica ou prática e dão suporte para viabilizar a compreensão dos limites
e obstáculos do acesso à Justiça.
UNIDADE 4
Numa concepção mais restrita do acesso à Justiça, nesta unidade o foco passa a ser a
questão da realização deste direito fundamental via instrumento do processo judicial, razão pela
qual se traz à baila a correlação indispensável do acesso à Justiça e a magistratura e o Ministério Público enquanto órgãos responsáveis pela concretização deste fim. E para complementar o
estudo analisa-se a questão da assistência judiciária e a atuação do juiz e do Promotor diante da
necessidade de se garantir a todos o acesso à Justiça.
UNIDADE 5
Para fechar o estudo acerca do acesso à Justiça com vistas à concretização da cidadania,
apresenta-se inicialmente um breve relato histórico acerca da administração da Justiça no Brasil,
para que se identifique o modelo de poder Judiciário vigente. A partir de então, identifica-se a
chamada crise do poder Judiciário para então culminar no levantamento das medidas que se
tem adotado como solução à crise judiciária e por consequência à efetivação do acesso à Justiça
e realização da cidadania.
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EaD
Unidade 1
acesso à justiça
ACESSO À JUSTIÇA E SEUS FUNDAMENTOS
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Compreender os fundamentos do acesso à Justiça, notadamente em relação à questão da
cidadania enquanto um status do direito a ter direitos e sua importância na efetivação do acesso
à Justiça. Estudar a questão do acesso à Justiça e sua realização no Estado de Direito e a importância da Constituição neste processo.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 1.1 – Cidadania: a Condição Política do Status do Direito a ter Direitos
Seção 1.2 – A Evolução Conceitual de Estado e Direito: a Construção do Estado Democrático de
Direito e a Cidadania
Seção 1.3 – A Importância da Constituição no Estado Democrático de Direito
Seção 1.4 – Cidadania e Acesso à Justiça no Estado Democrático de Direito
Seção 1.1
Cidadania: a Condição Política do Status do Direto a ter Direitos
A cidadania nasceu vinculada à questão do Direito, ou melhor, ao discurso jusnaturalista
formulado no bojo do contexto literário e revolucionário da época moderna (Corrêa, 1999). Para
Carvalho, no entanto, a cidadania surge no mercantilismo, ou seja,
com o sistema que se vai criar com a burguesia. Não é ainda sob o domínio da burguesia. É na construção do burguês, do comerciante ainda, que se vai colocando a questão da cidadania, quando ele
está rejeitando a própria situação do direito feudal existente e outras situações no sistema feudal (apud
Corrêa,1999, p. 210).
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
De acordo com Corrêa, a cidadania moderna surge como incompatível com o feudalismo
medieval por este não ter padrões comuns nem direitos compartilhados por todos. De outro
ângulo, analisa-se o capitalismo onde esse se caracteriza como um sistema de desigualdades,
embora não mais por “status social”.
Demonstra-se que mesmo com o surgimento da cidadania não se deixou de constituir um
princípio de igualdade, uma instituição em desenvolvimento. Corrêa enfoca o pensamento de
Marshall, que esclarece:
Começando do ponto no qual todos os homens eram livres, em teoria, capazes de gozar de direitos, a
cidadania se desenvolveu pelo enriquecimento do conjunto de direitos de que eram capazes de gozar.
Mas esses direitos não estavam em conflitos com as desigualdades da sociedade capitalista; eram, ao
contrário, necessários para a manutenção daquela determinada forma de desigualdade. A explicação
reside no fato de que o núcleo da cidadania, nesta fase, se compunha de direitos civis. E os direitos
civis eram indispensáveis a uma economia de mercado competitivo. Davam a cada homem, como
parte de seu status individual, o poder de participar, como uma unidade independente, na concorrência econômica, e tornou possível negar-lhe a proteção social com base na suposição de que o homem
estava capacitado a proteger a si mesmo (apud Corrêa, 1999, p. 213).
Corrêa continua demonstrando o pensamento de Marshall, em que este analisa o surgimento
da cidadania em três partes: civil, político e social. Primeiramente enfoca o Direito Civil, este no
século 18, compostos dos direitos necessários à liberdade individual, como exemplo: liberdade
de ir e vir, liberdade de imprensa, etc. Essa cidadania civil é enriquecida com a valorização dos
direitos políticos, no século 19, direitos esses de participar como eleitor, ou direito ao voto, ou
membro de um organismo investido de autoridade política. E no século 20, surgem então os
direitos sociais, que dizem respeito a um direito mínimo de bem-estar econômico: direito a um
sistema educacional e aos serviços sociais (Corrêa, 1999).
Assim, analisar-se-á mais detalhadamente o surgimento da cidadania no decorrer dos
séculos 18, 19 e 20, ou melhor, o desenvolver dos direitos para a conquista da cidadania, como
mencionado anteriormente.
Segundo Bagatini (2001), os direitos civis tendem a diminuir o poder do Estado e garantir
alguns direitos aos cidadãos. E entre estes, estão o direito à vida, a liberdade de expressão, a
liberdade de consciência, etc. Nota-se então que a liberdade passou a ser um elemento forte no
surgimento da cidadania dos direitos civis.
E além da liberdade ser considerada um elemento forte, é definida também como um
elemento fundamental para o desenvolvimento da economia da época. A cidadania do Direito
Civil básico se dá no setor econômico como direito de trabalhar, desaparecendo o privilégio da
ocupação laboral a ser exercida apenas por aqueles que moravam nas cidades, não possibilitando
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EaD
acesso à justiça
aos estranhos sobreviverem. A lei e os costumes da Idade Média, porém, haviam negado esses
direitos, pois determinados trabalhos eram destinados a certas classes sociais, e ainda, por regulamento, os habitantes das cidades tinham direitos de preferência sobre os demais interessados
(Bagatini, 2001).
Ocorre que somente na sociedade moderna foi possível a concretização da condição universal de liberdade, pois na sociedade caracterizada como feudal o status era a marca distintiva
de classe, e portanto, a medida da desigualdade. Já na Idade Média só havia a imposição de
deveres, e não existiam direitos, em decorrência da absoluta desigualdade.
1
De acordo com o exposto, na cidadania
dos direitos civis, séculos 18 e 19, só existia
igualdade formal, pois como foi estudado anteriormente, foi possível notar que apenas alguns
tinham acesso aos remédios jurídicos.
Mesmo assim, todavia, era pregado que o pobre tinha os mesmos direitos que os ricos à
1
propriedade, por exemplo, mas somente o rico tinha acesso a ela. O direito à igualdade estava
à disposição, mas o remédio jurídico para satisfazer essa igualdade, para a grande maioria era
inacessível.
Na visão de Bagatini (2001) a cidadania dos direitos políticos consistia não na criação de
novos direitos, mas na doação de velhos direitos a novos setores da população, por exemplo,
o voto, que já existia no século 18, era destinado apenas a uma parte da população, o qual, no
decorrer dos séculos passou a privilegiar outros grupos de pessoas que não o usufruíam e que,
portanto, eram consideradas deficientes para os padrões da cidadania democrática.
No decorrer dos séculos tudo foi se transformando, as sociedades evoluindo gradativamente,
passando de um voto, a que a minoria da população tinha acesso, para o que hoje estamos vivendo, uma democracia, em que todos, independentemente de condições financeiras, têm direito de
escolher seu representante, pelo voto secreto. E mesmo assim não conseguiram reduzir a desigualdade social, pois a classe hierarquicamente inferior não possuía um poder político efetivo.
Em se tratando de direitos sociais, esses elencados como sendo do século 20, trata Bagatini
em sua obra que têm como objetivo a redução das diferenças existentes entre pessoas. A sua
maior determinação é buscar uma transformação de toda a estrutura da sociedade.
Disponível em: <http://www.fem.org.br/cidadania/cidadania.php>. Acesso em: 6 abr. 2013.
1
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
Mais rapidamente se tentará passar uma ideia do surgimento da cidadania e de como ela
irá se desenvolver desde o seu surgimento na Idade Antiga até a Idade Contemporânea, ou seja,
do século 18 até os dias atuais.
2
Primeiramente, a ideia de cidadania surgiu na Idade
Antiga, após Roma conquistar a Grécia (século 5º d.C.),
expandindo-se para o restante da Europa. Nesta época
apenas homens e proprietários de terra (desde que esses
não fossem estrangeiros), eram considerados cidadãos,
diminuindo assim a ideia de cidadania, uma vez que
mulheres, crianças, velhos, etc., não eram considerados
cidadãos.
Já na Idade Média (século 5º ao século 15 d.C.), surgiram os feudos (mais conhecidos
como fortalezas particulares) cujos proprietários eram os dominadores da época, e os servos que
habitavam nesses feudos só trabalhavam para o seu senhor e não podiam participar de nenhuma
decisão. Com isso, demonstra-se que a ideia de cidadania se acaba, pois não havia participação
do povo, era apenas uma pequena minoria que ditava as regras. Após a Idade Média, terminaram as invasões bárbaras, extinguindo-se também os feudos, entrando-se assim em uma grande
crise. Os feudos se decompõem, formando cidades e depois países.
Na Idade Moderna (di século 15 ao 18 d.C.) a formação dos países depois do desaparecimento dos feudos ocorreu em consequência da união do rei com a burguesia. Nessa época o
rei mandava em tudo, era forte graças aos impostos que recebia. Com esse dinheiro nas mãos
formava exércitos cada vez mais fortes e, além disso, dava apoio político à burguesia.
Com o passar do tempo a burguesia, cada vez mais rica, começou a ver o rei como um
obstáculo a seu progresso. Então a burguesia resolveu tirar o rei do poder, ou melhor, acabar
com o Absolutismo (poder total nas mãos do rei), e realizou cinco grandes revoluções burguesas:
Revolução Industrial, Iluminismo, Revolução Francesa, Independência dos Estados Unidos e
Revolução Inglesa. Todas essas cinco revoluções tinham o mesmo objetivo: tirar o rei do poder.
Com o fim do Absolutismo, passa-se à Idade Contemporânea (século 18 até os dias de
hoje), surgindo nessa nova idade um novo tipo de Estado, o Estado de Direito, que é uma grande
característica do modelo atual. A principal característica do Estado de Direito é “que todos têm
direitos iguais perante a Constituição”, percebendo-se assim uma grande mudança no conceito
de cidadania. Por um lado, trata-se do mais avançado processo que a humanidade já conheceu;
por outro lado, porém, surge a exploração do trabalho e dominação do capital.
Disponível em: <http://unijuv.org.br/ecidadania/historico-da-cidadania/>. Acesso em: 6 abr. 2013.
2
14
EaD
acesso à justiça
Nessa idade surge a grande contradição: cidadania X capitalismo. Cidadania é a participação de todos em busca de benefícios sociais e igualdade. A sociedade capitalista, porém,
alimenta-se de pobreza. No capitalismo a grande maioria não pode ter dinheiro. Então, mesmo
na atualidade, ainda não temos a grande aplicação do conceito da cidadania na sua íntegra (retirado do site: <http://www. webciencia.com/18_cidadania.htm>. Acesso em: 9 maio 2012).
A questão da cidadania está hoje em nossa Constituição, tendo assim uma garantia de sua
aplicação e, a partir disso, analisaremos, segundo a visão de Bagatini (2001), as Constituições já
existentes e de que modo a cidadania era enquadrada nas Constituições antigas.
Neste sentido, afirma Bagatini (2001) que a primeira Constituição do Brasil, de 25 de março
de 1824, já nos artigos iniciais refere-se ao termo “cidadão”, identificando-o com direitos políticos.
Faz uma aproximação da cidadania com a nacionalidade, e seu artigo 6º prescreve o seguinte:
Art. 6º São cidadãos brasileiros:
I. Os que no Brasil tiveram nascido, quer sejam ingenuosos, ou libertos, ainda que o pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação.
II. Os filhos de pai Brasileiro, e os ilegítimos de mãe Brasileira, nascidos em país estrangeiro, que
vierem estabelecer domicílio no império.
III. Os filhos de pai Brasileiro, que estivesse em país estrangeiro em serviço do império, embora eles
não venham estabelecer domicílio no Brasil.
IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas possessões, que sendo já residentes no Brasil na época em
que se proclamou a Independência nas Províncias, onde habitavam, aderiram a esta expressa, ou
tacitamente pela continuação de sua residência.
V. Os estrangeiros naturalizados, qualquer que seja a sua religião. A Lei determinará as qualidades
precisas, para se obter Carta de Naturalização (Campanhole apud Bagatini, 2001, p. 54).
A segunda Constituição brasileira foi promulgada a 24 de fevereiro de 1891 e também traz
o conceito de cidadania ligado à nacionalidade, mantendo a mesma redação da Constituição
anterior. Em relação à terceira Constituição brasileira, a segunda republicana, foi promulgada
em 16 de julho de 1934, e não traz o termo cidadania, e o capítulo dos direitos políticos somente
trata de brasileiros.
Quando foi decretada a Constituição dos Estados Unidos foi reintroduzido no título da Nacionalidade e da Cidadania o termo “cidadania”. Já em 18 de setembro de 1946, foi promulgada
mais uma Constituição Republicana, e no título “Da declaração de direitos”, trata de nacionalidade
e cidadania, não aparecendo o termo “cidadania” em seu artigo 129 e sim o termo brasileiros.
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
A quarta Constituição Republicana do Brasil foi outorgada em 24 de janeiro de 1967 e no
seu texto não aparece o termo cidadania. E em relação à atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988, deixa claro que essa se diferencia das
demais no trato do tema cidadania, como o artigo 1º, II. Assim, a Constituição de 1988 destaca
os direitos e garantias fundamentais, relacionado-os com a cidadania, prevendo em seu artigo
o que segue:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e
do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:
a soberania;
a cidadania;
a dignidade da pessoa humana;
os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
o pluralismo político (Constituição Federal de 1988).
No decorrer desta seção foi realizada uma análise da contextualização histórica da cidadania, o desenvolver da cidadania no perpassar dos séculos, suas conquistas, seus avanços dentro
de nossa Constituição, considerada como um direito básico. Depois de toda essa explanação,
passa-se a analisar a cidadania como uma concepção moderna.
Na concepção moderna de cidadania, pode-se afirmar, portanto, que o conceito sofreu uma
evolução histórica e sob esses aspectos procuramos entender o cidadão como um membro completo da sociedade. Segundo Marshall, “há uma espécie de igualdade humana básica associada
com o conceito de participação integral na comunidade – ou como eu diria, de cidadania – o
qual não é inconsistente com as desigualdades que diferenciam os vários níveis econômicos da
sociedade” (apud Corrêa, 1999, p. 212).
O referido conceito vem mais ligado ao direito, ou aos direitos, conferindo-se praticamente
com os referentes direitos humanos. Como regra, cidadãos são os portadores de direitos, entre
eles os discriminados (Corrêa, 1999).
Na visão de Corrêa (1999), a cidadania significa a realização democrática de uma sociedade,
compartilhada por todos os indivíduos a ponto de garantir a todos o acesso ao espaço público e
condições de sobrevivência digna, tendo como valor fonte a plenitude da vida. Isso requer organização e articulação política da população, voltada para a superação da exclusão existente.
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EaD
acesso à justiça
Na visão de Barbalet, “a cidadania pode ser descrita como participação numa comunidade
ou como a qualidade do membro dela. Sendo que tipos diversos de comunidades políticas dão
origens a diferentes formas de cidadania” (1989, p. 55).
Cidadania também pode ser considerada um conjunto de ações que fazem um cidadão.
Pode ser a maneira de o cidadão viver o seu dia a dia, seja mulher, homem ou criança, usando
plenamente os direitos e deveres do país em que nasceu e onde mora.
Seção 1.2
A Evolução Conceitual de Estado e Direito:
a Construção do Estado Democrático de Direito e a Cidadania
Em fins do século 17, a Europa passa por profundas transformações políticas e sociais,
com especial relevância para a transmissão do poder político da antiga nobreza feudal para a
burguesia comercial e industrial, cujo ápice deu-se com a Revolução Francesa.
Cita-se, portanto, a Revolução como aquele ponto crítico em que se dá a passagem do chamado ancien régime, poder político absoluto, ao novo poder político da burguesia, que fundou
um regime de autoridade limitada, uma organização do poder con­tido em bases jurídicas. E o
Estado jurídico, emergente após a Revolução Francesa, representa para a teoria constitucional o
coroamento ideológico das posições liberais e democráticas daqueles teoristas que já conhecemos:
Locke e Montesquieu, e, em parte, Rousseau. Quando se dá a Revolução, a doutrina do Estado
liberal-democrático surge completa com a obra de Locke e Montesquieu, e a contribuição parcial
de Rousseau. Chegamos, assim, a um período das ideias políticas em que todos os princípios
democráticos haviam sido exaustivamente expostos, discutidos (Bonavides, 1995, p. 47).
A Revolução Francesa, então, concluiu uma considerável obra de trans­formação social, pois
[…] apagara as desigualdades sociais baseadas no privilégio, suprimira a velha monarquia absoluta
e com ela pu­sera termo à tese do direito divino das realezas, proclamara os direitos fundamentais do
cidadão a título de direitos naturais, sagrados, imprescritíveis e inalienáveis, e estabelecera as formas
limitadas de exercício do poder, fazendo nascer para proteção da liberdade o conceito novo dos direitos
e garantias constitucionais (Bonavides, 1995, p. 48).
O liberalismo, no entanto, se contentou com o modelo de sociedade que criara, ou seja,
uma sociedade parcialmente democrática. A partir da industrialização, surge, ao final do século
18, o mundo contemporâneo, no qual a Revolução Industrial passa a gerar consideráveis e dramáticos efeitos sobre o sistema capitalista, que são agravados em razão da conquista de novos
mercados.
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
A Inglaterra se substituía a Portugal e Espanha e, da contradição operada, todo um continente se
emancipava politicamente, à sombra protetora dos interesses comerciais e industriais do capitalismo
inglês. Deste lado do mundo a Revolução Industrial fazia, por reflexo, nações nominalmente livres, do
outro lado do Atlântico, nas ilhas britânicas, o mesmo fenômeno escravizava uma considerável parcela
da sociedade: o miserável proletariado urbano, filho das fábricas e da exploração do suor humano,
transformado em máquina de trabalho e produção, sujeito a condições de vida mais duras e penosas
que a do servo da gleba, na Idade Média. A Inglaterra da fome, das epidemias, da superpopulação
impressionava-se com os efeitos daquele quadro (Bonavides, 1995, p. 49).
As revoluções burguesas do século 18, ao final do século 19, encontravam-se ameaçadas
pelas forças conservadoras do feudalismo em iminente decomposição, representadas pela nobreza e pelo clero, que ansiavam por res­taurar o Estado absoluto e retirar a burguesia do poder
político.
As forças revolucionárias eram representadas pela burguesia e pelo crescente proletariado, ambos
descontentes com a situação socioeconômica. O embate dessas forças se fez sentir em 1830 e 1848
nos grandes movimentos liberais e nacionais que, iniciados na França, se estenderam pela Bélgica,
Polônia, Alemanha, Itália, Portugal e Espanha. A partir de 1848, o proletariado procura a expressão
de sua própria ideologia, oposta ao pensamento liberal e inspirada de início no socialismo utópico.
Começa a ficar mais clara a cisão entre as duas classes cuja contradição será explicitada pelas teorias
que criticam o liberalismo. Na Alemanha ainda não ocorrera a unificação dos diversos Estados, o que
se dará apenas em 1871, sob o comando da Prússia e seu primeiro-mi­nistro Bismarck, depois de três
guerras e muitas táticas de unificação econômica (Vicentino, 1993, p. 200).
Eis que surge, então, o marxismo numa Alemanha agitada e cheia de problemas. Na
verdade, esse movimento é fruto não só de Karl Marx (1818-1883), mas também de seu amigo
Friedrich Engels (1820-1895), que, além da colaboração teórica, tinha boa situação financeira
e pôde, por diversas vezes, ajudar Marx nos momentos mais críticos da vida deste. Escreveram
juntos O Manifesto Comunista (1848).
Marx e Engels formularam seu pensamento a partir da realidade social por eles observada:
de um lado, o aumento do poder do homem sobre a natureza, o enriquecimento e o progresso;
de outro, e contraditoriamente, a escravização crescente da classe operária, cada vez mais empobrecida. “O materialismo histórico não é mais do que a aplicação dos princípios do materialismo
dialético ao campo da história. E, como o próprio nome indica, é a explicação da história por fatores materiais (econômicos, técnicos)” (Aranha, 1986, p. 271). O referido autor afirma, ainda:
O senso comum pretende explicar a história pela ação dos “grandes homens”, das grandes idéias ou,
às vezes, até pela intervenção divina. Marx inverte esse processo: no lugar das idéias, estão, os fatos
materiais; no lugar dos heróis, a luta de classes. Não nega, com isso, que o homem tenha idéias, mas
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acesso à justiça
as explica pela estrutura material da sociedade: a idéia é algo secundário, não no sentido de menos
importante, mas no de algo derivado das condições materiais. Marx chama de infra-estrutura a estrutura material da sociedade – sua base econômica -, que consiste nas formas pelas quais os homens
pro­duzem os bens necessários à sua vida. A superestrutura corresponde à estrutura jurídico-política
(Estado, direito, etc.) e à estrutura ideológica (formas da consciência social) (1986, p. 272).
O materialismo histórico “propõe que toda sociedade é determinada, em última instância,
pelas suas condições socioeconômicas — a chamada infra-estrutura. Adaptadas a ela, as instituições, a política, a ideologia e a cultura, como um todo, compõem o que Marx chamou de
superestrutura” (Vicentino, 1993, p. 211). Esse princípio fica claro ao se considerar a passagem
do modo de produção feudal para o capitalista, quando as relações de produção, as bases econômicas, sociais e a cultura como um todo se transformaram.
A teoria marxista também contribuiu para as teses sobre a origem do Estado, e se funda, a
partir dos estudos de Marx, sobre a economia política, que analisa, segundo Corrêa,
[…] os fundamentos materiais da sociedade civil (esfera das relações econômicas), concluindo que
essa esfera particularista das relações econômicas vem marcada por uma contradição antagônica
fundamental: a divisão em classes sociais. De um lado estão os burgueses, detentores dos meios de
produção (capital) e, do outro, os proletários-trabalhadores, que possuem apenas sua capacidade de
trabalho (força-de-trabalho). [...] Desse tipo de relações de produção Marx deduz a função e a natureza
específica do Estado no sistema capitalista: ao invés de representar a encarnação formal do suposto
interesse universal (nos moldes de Hegel), ele se caracteriza como um organismo que garante a
propriedade privada, assegurando e reproduzindo a sociedade de classes pela repressão coativa dos
conflitos oriundos de tal antagonismo (1999, p. 127).
Esse contexto representa uma transformação pela qual passou o Estado Liberal e, nesse
sentido, Bonavides lembra que o Estado Social conserva a sua adesão à ordem capitalista.
[...] este (o Estado Social) representa efetivamente uma transformação superestrutural por que passou
o antigo Estado Liberal. Seus matizes são riquíssimos e diversos. Mas algo, no Ocidente, o distingue,
desde as bases, do Estado proletário, que o marxismo socialista intenta implementar: é que ele conserva
a sua adesão à ordem capitalista, princípio cardeal a que não renuncia (1996, p. 205).
As manifestações e alterações havidas na superestrutura passam a ser determinadas em
razão das alterações da infraestrutura, consequência da passagem econômica do sistema feudal
para o capitalista. Assim, para estudar a sociedade deve-se, segundo Marx, partir da forma como
os homens produzem os bens materiais necessários a sua vida. “Analisando o contato que os
homens estabelecem com a natureza para transformá-la por meio do tra­balho e as relações entre
si, é que se descobre como eles produzem sua vida e suas idéias” (Aranha, 1986, p. 274).
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As relações fundamentais de toda sociedade humana são as relações de produção, que revelam a maneira pela qual os homens, a partir das condi­ções naturais, usam as técnicas e se organizam através de
uma divisão do trabalho social. As relações de produção correspondem a um certo estágio das forças
produtivas. Estas consistem no conjunto formado pelo clima, água, solo, matérias-primas, máquinas,
mão-de-obra, instrumentos de traba­lho. Assim, por exemplo, os instrumentos de pedra são substituídos pelos de metal, o desenvolvimento da agricultura supõe a descoberta de técnicas de irrigação, de
adubagem do solo, o uso de arado e de veículos de roda. A maneira pela qual as forças produtivas se
organizam em determi­nadas relações de produção num dado momento histórico chama-se modo de
produção. No entanto, as forças produtivas só podem se desenvolver até certo ponto, pois, ao atingirem
um estágio por demais avançado, entram em contradição com as antigas relações de produção, que se
tornam inade­quadas. Surgem então as divergências e a necessidade de uma nova divisão de trabalho.
A contradição aparece como antagonismo de classes (Aranha, 1986, p. 275).
Segundo Marx, em seu prefácio à Contribuição Crítica da Economia Política,
[…] a produção econômica e a organização social que dela resulta necessariamente para cada época
da história constituem a base da história política e intelectual dessa época. Pois, na produção social
dos meios de existência, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes
de sua vontade, relações de produção que são correlativas a determinado estágio do desenvolvimento
de suas forças produtivas. Todo o conjunto dessas relações da produção forma a estrutura econômica
da sociedade. Essa estrutura econômica é a base real, fundamental, a infra-estrutura, sobre a qual se
constrói uma superestrutura jurídica, política, intelectual ou ideológica (1972, p. 12).
Numa visão marxista contemporânea, segundo Corrêa, os autores passam a trabalhar com
a concepção de que o Estado não é instrumento exclusivo de dominação burguesa, embora as
instituições político-jurídicas da atualidade estejam hegemonicamente comprometidas com as
economicamente fortes.
Nesse sentido se procura valorizar o papel da política e do direito como um lugar estratégico da luta
de classes numa sociedade desigual e excludente, sendo abordado em sua natureza de classe, mas
não como instrumento exclusivo da burguesia. Seu fundamento continua sendo colocado nas relações
de produção e na divisão social do trabalho, mas é visto como um espaço de poder onde se confronta
a relação de forças das classes em conflito: capital e trabalho (Corrêa, 1999, p. 132).
Assim sendo, o modelo liberal de Estado caracterizou-se pela instituição de uma ordem
social, econômica e política regida pela burguesia e as relações socioeconômicas passaram a
ser reguladas pela lei do mercado, da oferta e da procura. Simultaneamente, verificava-se uma
situação de miséria e exploração do trabalho, situação esta que clamava pelo estabelecimento
de um novo modelo de Estado.
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acesso à justiça
É nesse contexto que se constata a transição do Estado liberal para o Estado social, cuja
prioridade passa a ser a tutela dos direitos sociais e a garantia do comprometimento do Estado
com a dignidade da pessoa humana. Tal transição ocorreu como uma tentativa da burguesia para
evitar sua queda do poder até então instituído. É oportuno ressaltar, no entanto, que, não obstante as transformações estruturais pelas quais passou, o Estado, o novo modelo não repudiava
os preceitos e princípios capitalistas até então instituídos.
Assim sendo, é pertinente que se estabeleça, desde logo, uma concepção de Estado a nortear a análise dos temas propostos, razão pela qual se adota, por sua completude, a concepção
de Corrêa que institui no bojo conceitual a finalidade do Estado e sua preeminente preocupação
com a realização da cidadania, redefinindo o atual Estado capitalista, de modo que seu conceito
dê conta de explicar politicamente as contradições da sociedade capitalista e que propicie as
condições teóricas para uma estratégia de luta em prol da construção da cidadania. Corrêa entende o Estado capitalista como sendo
[…] a representação idealizada do espaço público que, sob forma jurídica, isto é, como dever-ser juridicamente qualificado, se materializa em aparatos repressivos, simbólicos e econômicos, os quais
expressam e legitimam institucionalmente a relação de forças dos poderes sociais (1999, p. 221).
O que Corrêa pretende avançar com essa reconceituação do Estado e do direito é a dimensão política da nacionalidade e da cidadania, pois “enquanto se contrapõem como dicotômicas a
cidadania civil (passiva) e a cidadania política (ativa), não se consegue apreender em profundidade
a dimensão da cidadania plena” (1999, p. 226). Para se alcançar tal intento é preciso desconstruir essa dicotomia que separa o sujeito jurídico do sujeito político, mediante a desconstrução/
reconstrução do público e do privado.
Segundo o autor, “se continuarmos colocando o público como a esfera do político-estatal
em oposição ao privado como a esfera das relações econômicas não conseguiremos esclarecer
suficientemente as implicações e as contradições presentes nos discursos dos direitos humanos e da cidadania” (1999, p. 226). Deve-se, portanto, entender que o público-estatal inclui o
econômico-social em sua referência, pois a produção da vida material faz com que o trabalho
seja um dos componentes da construção do espaço público, que diz respeito à sobrevivência da
humanidade como um todo.
Embora o esforço neoliberal ocorra no sentido de preservar essa dicotomia público/privado
com a separação do político e do econômico, não há como se negar essa nova dimensão do espaço público, na qual a cidadania assume um novo sentido, porque numa “sociedade capitalista
o exercício da cidadania se dá de forma conflitiva na relação capital/trabalho, caracterizando
avanços e recuos em termos de direitos sociais de acordo com a relação de forças das classes e
poderes sociais dentro dos aparelhos de Estado” (Corrêa, 1999, p. 229).
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Não é mais possível reduzir-se o Estado a um mero defensor dos interesses de um determinado grupo social, tampouco a uma função simplesmente distribuidora de “direitos” e favores
aos setores oprimidos. O Estado e o Direito assumem uma nova dimensão, como componentes
indispensáveis ao processo de materialização do espaço público, o que só é possível mediante a
igualdade fundamental, principalmente no campo econômico.
José Theodoro Corrêa, em sua dissertação Justiça e Inclusão Social – uma construção conflitiva, ressalta que o Estado capitalista, “visto como representação simbólica concreta e idealizada do espaço público, prevê em suas declarações constitucionais uma ordem social que deve
respeitar os direitos do homem” (2000, p. 126). Assim, a expressão “idealizada” é empregada no
sentido de ressaltar que tais direitos não são, necessariamente, aplicados na prática.
Dessa forma, o Estado e o Direito não podem menosprezar os valores presentes nas relações
sociais porque, segundo Darcísio Corrêa, “são construções histórico-culturais de que fazem parte
os direitos humanos e a cidadania” (1999, p. 222), defendendo, assim, a necessidade da superação
da polaridade Estado-mercado; em contrapartida, entende que um Estado forte e intervencionista
com a marca registrada de estatal não pode ser a tônica do projeto socialista.
É nesse sentido que José Theodoro Corrêa, ao citar Borón, lembra que “a renovação da
esquerda passa, entre outros fatores, pela possibilidade de repensar o espaço público como
uma esfera fundamental na qual podem ser criados instrumentos e instituições controladas socialmente, sendo o Estado apenas uma delas, e por certo a longo prazo não a mais importante”
(2000, p. 127).
Ao construir um novo conceito de Estado, Darcísio Corrêa explica, politicamente, as
contradições da sociedade capitalista e sustenta as condições teóricas necessárias para uma
estratégia de luta em prol da construção da cidadania. Verifica-se, portanto, ser equivocada e
insuficiente uma definição de Estado que não inclua a dimensão simbólico-discursiva, pois se
faz necessária para a institucionalização do poder público uma autojustificação legitimadora do
exercício desse poder.
A formulação teórica do Estado e do Direito, portanto, não pode prescindir dos valores
presentes nas relações sociais, uma vez que tanto Estado quanto o Direito são construções
histórico-culturais, de que fazem parte os direitos humanos e a cidadania. Enquanto representação idealizada do espaço público, o Estado assume forma jurídica, pois os avanços e recuos no
campo simbólico são conformados pelo Direito (Corrêa, 1999, p. 222).
O dever-ser jurídico é a forma contemporânea que expressa e constitui a relação de força dos diversos
poderes sociais em constante contradição. A institucionalização constitucional dos direitos humanos
e sua efetiva viabilização através da legislação infraconstitucional dependem desse embate de forças
de classe e das diversas forças sociais organizadas (1999, p. 223-224).
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Enquanto forma jurídica, o “dever-ser” do Estado é uma forma contemporânea que expressa e constitui a relação de forças dos diversos poderes sociais em constante contradição.
Neste caso,
[...] a forma jurídica expressa a dupla função que o discurso dos direitos humanos pode ter numa sociedade de classes: por um lado legitima ideologicamente o sistema capitalista [...]. Por outro lado, a
forma jurídica também consagra na Constituição um marco positivo, uma referência de sentido para
os trabalhadores lutarem dentro da legalidade pela efetivação de tais direitos formalmente garantidos
(1999, p. 224).
Outro aspecto a considerar na definição de Estado capitalista, apresentada pelo autor,
diz respeito aos seus diversos aparelhos, que se realizam por meio de uma estrutura material
formalmente separada dos aparelhos privados da economia. Corrêa prossegue, ainda, alertando
que tais mecanismos materiais não têm poder próprio, constituindo-se em lugares estratégicos
para o embate da luta de classes e dos poderes socialmente organizados (p. 224).
Essa representação, portanto, somente se materializa quando se tomarem decisões e medidas concretas, ou seja, políticas públicas resultantes da relação de forças dos diversos poderes
em conflito (grupos dominantes/maiorias dominadas).
Assim, somente tem sentido falar em direitos humanos e cidadania uma vez que sejam
caracterizados como produtores de sentido no embate político pela ocupação do espaço públicoestatal. Evidentemente que a universalização, tanto dos direitos humanos quanto da cidadania,
depende da superação das contradições fundamentais do sistema, ou seja, enquanto houver
sociedade de classes haverá violação de direitos, pois as desigualdades do sistema sempre condicionarão uma ocupação desigual do espaço público-estatal, seja qual for sua representação
simbólica (Corrêa, 1999, p. 231-232).
A ideia moderna de um Estado Democrático tem suas raízes no século 18, implicando a
afirmação de certos valores fundamentais da pessoa humana, bem como a exigência de organização e funcionamento do Estado, tendo em vista a proteção daqueles valores. Para a entendimento da ideia de Estado Democrático, inclusive para que se chegue a uma conclusão quanto
à viabilidade de sua realização, em primeiro lugar será necessária a fixação dos princípios que
estão implícitos na própria ideia de Estado Democrático.
Segundo Dallari, a base do conceito de Estado Democrático é, sem dúvida, a noção de
governo do povo, revelada pela própria etimologia do termo democracia, devendo-se estudar,
portanto, como se chegou à supremacia da preferência pelo governo popular. Depois disso,
numa complementação necessária, deverá ser feito o estudo do Estado que se organizou para
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ser democrático, surgindo aqui a noção de Estado Constitucional, com todas as teorias que vêm
informando as Constituições quanto às formas de Estado e de governo. Só então é que se poderá
chegar à ideia atual de Estado Democrático (2000, p. 145-146).
O termo democracia no vocabulário político é controverso e assume distintas acepções. A
palavra democracia, com procedência da língua grega, (de demos = povo, e kratos = autoridade)
significa, etimologicamente, governo do povo. É reforçada, comumente, em seu sentido, a fim
de expressar “governo do povo, pelo povo e para o povo”,3 mas, mesmo em Atenas, “no áureo
período democrático, poder do povo, ou Democracia, nunca foi, como alguns pensaram, governo exercido direta e exclusivamente pelo povo, identificação e coincidência de governantes e
governados” (Azambuja, 1971, p. 216).
Nesse sentido, democracia, segundo Menezes, é “simples e prodigiosamente o meio, a
condição, o ambiente em que se efetua um governo, republicano ou monárquico, no sentido de
atingir o Estado, qualquer que seja também a forma por que se apresente a sua alta destinação”
(1996, p. 268).
A democracia, segundo Aristóteles, é forma de governo. Esse entendimento milenar assim
se conservou entre os publicistas romanos e os teólogos da Idade Média, tendo em vista que não
discreparam também do juízo aristotélico pensadores políticos da categoria de Montesquieu e
Rousseau, presos à herança clássica. O primeiro a incluiu, por igual, na sua célebre classificação
de formas de governo. Acontece, porém, que no século 19, surgiu o marxismo. (...) O socialismo
marxista rebaixou, portanto, a democracia, desvalorizando-a como forma de governo da sociedade burguesa (Bonavides, 1995, p. 189).
Após o regime feudal, na Idade Média, depois das monarquias absolutas que se organizaram desde o século 15, surgiu em fins do século 18, nos Estados Unidos da América e, no final
do século 19, em quase toda a Europa, a chamada Democracia clássica, que se consolidava na
Inglaterra desde o século 17. Essa Democracia clássica, segundo Azambuja, foi a vitória das
ideias de liberdade política e civil contra o absolutismo, e seus traços característicos poderiam
ser assim resumidos:
Segundo Aderson de Menezes, em sua obra Teoria Geral do Estado (1996, p. 267-268), trata-se de uma definição concisa, que desde o
século 18, foi proposta e vem sendo intensificada em seu sentido popular, conforme assinala A. Powell Davies, mas foi Thomas Cooper
quem lançou, em 1795, o enunciado “Democracia é o governo do povo para o povo”. Já em 1819 o Juiz John Marshall, na Suprema
Corte, disse que o governo dos Estados Unidos, como uma democracia, era, “enfaticamente e verdadeiramente um governo do povo”,
porque na forma e na substância emanava do povo, recebia poderes do povo, que exercia sobre o povo e em seu benefício. Mais tarde,
em 1850, Theodore Parker, pretendendo melhorar e revigorar a assertiva, define democracia como sendo “um governo de todo o povo,
exercido por todo o povo, para todo o povo”, até que Abraham Lincon, em 1863, reduziu a expressão, para considerar a democracia
como o “governo do povo, pelo povo e para o povo”.
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a) o poder político pertence ao povo, é a soberania popular; b) o poder político é exercido por órgãos
diferentes, autônomos e independentes, é a teoria da divisão dos poderes; c) as prerrogativas dos governantes são limitadas explicitamente pela Constituição; d) são declarados e assegurados os direitos
individuais (1971, p. 219).
O conceito de democracia ainda está em elaboração, pois não é concebida como devendo
ser unicamente política, ademais, é reclamada a intervenção do Estado em matéria econômica, até
porque não poderia haver liberdade política sem segurança econômica. Charles A. Beard, citado
por Azambuja, entende que democracia engloba quatro princípios substanciais, quais sejam:
O 1º princípio diz que o povo é a fonte de todo o poder político e os votantes elegem diretamente os principais agentes do governo; o 2º, diz que por esses agentes, eleitos pelos votantes são feitas todas as leis; o 3º, que, em determinadas épocas, todos os principais agentes do
governo, pelo menos os que compõem os poderes Legislativo e Executivo, são obrigados ou a
se afastarem ou, se pretendem continuar exercendo suas funções, a se submeterem, bem como
seus atos, à manifestação da vontade popular nas urnas; o 4º, diz que nesses processos todos os
votantes são iguais e, nas eleições, o candidato que obtém o maior número de votos é elevando
ao cargo em disputa. Resumindo, logicamente, democracia quer dizer igualdade no direito de
votar, igualdade no direito de pleitear e obter um cargo público, e o critério da maioria ou da
pluralidade nas eleições (1971, p. 221).
Democracia, contudo, não se restringe ao aspecto político. A democracia, ao lado dos
direitos individuais, “deve também assegurar os direitos sociais, não somente deve defender o
direito do homem à vida, à liberdade, mas também à saúde, à educação, ao trabalho, e daí, nos
Estados modernos a abundante legislação social. Em resumo, a democracia não deve ser apenas
política, e sim política e social” (Azambuja, 1971, p. 220).
É preciso ainda lembrar que todas as reivindicações que visam a amparar os trabalhadores,
a infância, a velhice, que procuram evitar abuso do poder econômico e limitar a propriedade são
conquistas democráticas, estampadas nas Constituições de quase todos os Estados.
A democracia é, pois, o regime em que o povo governa a si mesmo, quer diretamente, quer
por meio de representantes eleitos por ele, para administrar os negócios públicos e fazer as leis
de acordo com a opinião geral. Baseia-se em determinadas ideias cujo reconhecimento e realização foram demorados e difíceis, em reivindicações que foram a causa, e ainda são, de lutas
prolongadas, quase sempre sangrentas, entre o povo e os indivíduos que lhe queriam impor pela
força sua autoridade e sua vontade. Baseia-se, em primeiro lugar, na ideia de que cada povo é
senhor de seu destino e tem o direito de viver de acordo com as leis que livremente adotar e de
escolher livremente as pessoas que, em nome dele e de acordo com a opinião dele, hão de tratar
dos interesses coletivos (Azambuja, 1971, p. 237).
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A democracia, pois, supõe a liberdade e a igualdade. A democracia de que tratamos é
um regime político, uma forma de vida social, um método de coexistência e cooperação entre
indivíduos membros de uma organização estatal. A liberdade que a democracia supõe, como
fundamento e finalidade, é o fruto de uma longa elaboração histórica e está expressa em documentos públicos, cuja letra e espírito formam o ideal político da nossa civilização: são os direitos
individuais, também chamados liberdades individuais, proclamadas solenemente nos Estados
Unidos em 1776 e na França em 1789, e incorporadas a todas as Constituições democráticas
(Azambuja, 1971, p. 239).
Assim, é por intermédio de três grandes movimentos político-sociais que se transpõem do
plano teórico para o prático os princípios que iriam conduzir ao Estado Democrático: o primeiro
deles foi a Revolução Inglesa, fortemente influenciada por Locke; o segundo foi a Revolução
Americana, cujos princípios foram expressos na Declaração de Independência das 13 colônias
americanas, em 1776; e o terceiro foi a Revolução Francesa, que teve sobre os demais a virtude
de dar universalidade aos seus princípios, os quais foram expressos na Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, em 1789, sendo evidente a influência direta de Rousseau, e contendo
uma definição lapidar da igualdade democrática: “A lei deve ser a mesma para todos, quer quando
protege, quer quando pune. Todos os cidadãos são iguais perante ela e são igualmente admissíveis a todas as dignidades, cargos e funções públicas, conforme a sua capacidade, e sem outras
distinções senão as de suas virtudes e talentos” (Montoro apud Azambuja, 1981, p. 201-202).
Foram esses movimentos e ideias, expressões dos ideais preponderantes na Europa no século
18, que determinaram as diretrizes na organização do Estado a partir de então. Consolidou-se a
ideia de Estado Democrático como o ideal supremo, chegando-se a um ponto em que nenhum
sistema e nenhum governante, mesmo quando patentemente totalitários, admitem que não sejam
democráticos (Dallari, 2000, p. 150). O autor prossegue, ainda, afirmando que
[...] uma síntese dos princípios que passaram a nortear os Estados, como exigências da democracia,
permite-nos indicar três pontos fundamentais: a supremacia da vontade popular, que colocou o problema da participação popular no governo, suscitando acesas controvérsias e dando margem às mais
variadas experiências, tanto no tocante à representatividade, quanto à extensão do direito de sufrágio
e aos sistemas eleitorais e partidários. A preservação da liberdade, entendida sobretudo como o poder
de fazer tudo o que não incomodasse o próximo e como o poder de dispor de sua pessoa e de seus
bens, sem qualquer interferência do Estado. A igualdade de direitos, entendida como a proibição de
distinções no gozo de direitos, sobretudo por motivos econômicos ou de discriminação entre classes
sociais (p. 151).
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Assim, as transformações do Estado seriam determinadas pela busca da realização dos
preceitos fundamentais antes mencionados, que se impunham, também, como limite a qualquer
objetivo político. Dessa forma, a preocupação foi sempre a participação do povo na organização do Estado, na formação e na atuação do governo, com vistas a resguardar a liberdade e a
igualdade.
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Nesse aspecto, a democracia pode ser con-
siderada a igualdade de oportunidade para todos,
ou seja, é aquela que garante a todos o acesso ao
exercício dos direitos civis, sociais, econômicos
e políticos, em igualdade de condições, sendo
que o produto dessa oportunidade dependerá da
capacidade de cada cidadão.
3
Menezes, analisando a democracia sob os fundamentos da igualdade, liberdade e filosofia
de vida, trazendo à colação a posição de vários juristas e sociólogos, idealiza um conceito genérico de democracia, entendendo-a como “o ambiente em que um governo de feitio constitucional garante, com base na liberdade e na igualdade, o funcionamento ativo da vontade popular,
através do domínio da maioria em favor do bem público, sob fiscalização e crítica da minoria
atuante” (1996, p. 277).
Tomando por base esses parâmetros e analisando o Estado Democrático de Direito, a
partir de um conceito operacional de Estado cujo fundamento e pressuposto é a realização da
cidadania, como fim último da sociedade política, far-se-á uma breve análise das transformações
que perpassaram o Estado de Direito, desde a vigência do Estado Liberal até o atual Estado Democrático, tendo como enfoque as finalidades instituídas em cada modelo, pois cada um deles
molda a sociedade e a cidadania com seu conteúdo próprio.
O Estado Liberal de Direito apresenta-se caracterizado pelo conteúdo liberal de sua legalidade – a submissão da soberania estatal à lei – com ênfase nas liberdades negativas, mediante a
regulação restritiva da atividade estatal e a divisão de poderes, princípios esses que incorporam
a qualidade de serem garantidores dos direitos individuais. Nestes termos afirma-se que o foco
central desse modelo concentra-se na lei, motivo pelo qual Morais sustenta que
Disponível em: <http://www.a12.com/noticias/noticia.asp?ntc=brasil_comemora_hoje_dia_da_democracia_.html>. Acesso em: 6 abr.
2013.
4
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a lei como instrumento da legalidade, caracteriza-se como uma ordem geral e abstrata, regulando a ação
social através do não-impedimento de seu livre desenvolvimento; seu instrumento básico é a coerção
através da sanção das condutas contraditórias. O ator característico é o indivíduo (1996, p. 79).
Esse favorecimento da lei decorre de algumas características fundantes desse modelo,
dentre as quais Morais aponta as seguintes:
A. Separação entre Estado e Sociedade Civil mediada pelo Direito, este visto como ideal de justiça.
B. A garantia das liberdades individuais; os direitos do homem aparecendo como mediadores das
relações entre indivíduos e o Estado.
C. A democracia surge vinculada ao ideário da soberania da nação produzido pela Revolução Francesa,
implicando a aceitação da origem consensual do Estado, o que aponta para a idéia de representação,
posteriormente matizada por mecanismos de democracia semidireta – referendum e plebiscito, etc. –
bem como para a imposição de um controle hierárquico da produção legislativa através do controle
de constitucionalidade.
D. O Estado tem um papel reduzido, apresentando-se como Estado Mínimo, assegurando, assim, a
liberdade de atuação dos indivíduos (1996, p. 70-71).
Quando as relações sociais propiciam novas demandas há a transformação do modelo de
Estado Liberal, emergindo, então, o Estado Social de Direito. Essa passagem está intimamente
relacionada com a luta dos movimentos operários pela conquista de uma regulação da questão
social.
[…] o Estado Social de Direito, da mesma forma que o anterior, tem por conteúdo jurídico o próprio
ideário liberal, agregado pela convencionalmente chamada questão social, a qual traz à baila os problemas próprios ao desenvolvimento das relações de produção e aos novos conflitos emergentes de
uma sociedade renovada radicalmente, com atores sociais diversos e conflitos próprios a um modelo
industrial-desenvolvimentista (Morais, 1996, 71).
Verifica-se, nesse contexto, que o novo modelo de Estado caracteriza-se por um conjunto de
garantias e prestações positivas, razão pela qual a lei assume uma nova função, a de instrumentalizar a ação concreta do Estado, que assume uma nova agenda de ação. Em outras palavras,
ocorre a transformação ou passagem de um Estado Mínimo, cuja função era não impedir o livre
desenvolvimento das relações socioeconômicas, para um Estado Intervencionista, que passa a
exercer tarefas que até então eram relegadas à iniciativa privada.
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Assim, o Estado social deve garantir a concretização de uma agenda assistencial, podendo
ser definido, no entendimento de Bobbio et al. como sendo o Estado que garante “tipos mínimos
de renda, saúde, habitação, educação, assegurados a todo o cidadão, não como caridade mas
como direito público” (1992, p. 416).
Na instituição do Estado Democrático de Direito verifica-se uma nova conjugação que
incorpora novas características ao modelo tradicional, até então sustentadas pelo Estado Liberal
e pelo Estado Social.
O Estado Democrático de Direito carrega consigo um caráter transgressor que implica em agregar o
feitio incerto da Democracia ao Direito, impondo um caráter reestruturador à sociedade e, revelando
uma contradição fundamental com a juridicidade liberal a partir da reconstrução de seus primados
básicos de certeza e segurança jurídicas, para adaptá-los a uma ordenação jurídica voltada para a
garantia/implementação do futuro, e não para a conservação do passado (Morais, 1996, p. 81).
Nestes termos, o Estado Democrático de Direito caracteriza-se pela incorporação efetiva
da questão da igualdade, pois ao lado do núcleo liberal agregado à questão social, “a atuação
do Estado passa a ter um conteúdo de mudança do status quo, a lei aparecendo como um instrumento de transformação por incorporar um papel simbólico prospectivo de manutenção do
espaço vital da humanidade” (Morais, 1996, p. 81).
Isso posto, para se conceber plenamente a democracia, é pertinente que se tenha presente
o núcleo do Estado Liberal e Social, ou seja, de que aqueles que detêm o poder de decisão o
façam de forma livre, mediante a garantia de que direitos de opinião, expressão das próprias
opiniões, de reunião, de associação, dentre outros, sejam assegurados. Tais direitos constituem
a base do surgimento do Estado Liberal e da construção da doutrina do Estado de Direito, pois,
no entender de Bobbio, o Estado Liberal é exatamente o pressuposto, não histórico, mas jurídico,
do Estado Democrático. Nesse sentido, afirma:
Estado liberal e Estado democrático são interdependentes em dois modos: na direção que vai do liberalismo à democracia, no sentido de que são necessárias certas liberdades para o exercício correto
do poder democrático, e na direção oposta que vai da democracia ao liberalismo, no sentido de que é
necessário o poder democrático para garantir a existência e a persistência das liberdades fundamentais (2000, p. 33).
É sob essa perspectiva que Streck vai afirmar que no Estado Democrático de Direito “o
Direito deve ser visto como instrumento de transformação social” (1999, p. 31), e essa transformação há que ocorrer, inevitavelmente, mediante a concretização dos direitos assegurados na
Constituição Federal. Essa tarefa se viabiliza mediante a atuação do poder Judiciário, enquanto
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poder do atual modelo de Estado, com vistas à concretização do princípio do acesso à Justiça e
da realização da cidadania. É por essa razão que, a seguir, vamos analisar o papel assumido pela
Constituição Federal no Estado Democrático de Direito.
Seção 1.3
A Importância da Constituição no Estado Democrático de Direito
Antes, porém, da análise da importância da Constituição no Estado Democrático de Direito
faz-se necessário o estudo de seu significado, pois todo sistema político, quando funciona normalmente, pressupõe uma ordem de valores sobre a qual repousam as instituições. Em se tratando
de um modelo democrático, essa ordem é representada pela Constituição, cujos princípios guiam
a vida pública e garantem a liberdade dos cidadãos. Nas formas democráticas a Constituição,
segundo Bonavides, é tudo, ou seja,
[…] o fundamento do Direito ergue-se perante a Sociedade e o Estado como o valor mais alto, porquanto, de sua observância deriva o exercício permanente da autoridade legítima e consentida. Num certo
sentido, a Constituição aí se equipara ao povo, cuja soberania ela institucionaliza de modo inviolável.
(...) A Constituição se converte, assim, na imagem da legitimidade nacional, valor supremo que limita
todos os poderes e faz impossível o exercício da autoridade despótica, espancando as sombras do arbítrio sempre familiar à ditadura e aos regimes sem participação popular (1995, p. 206-207).
O Estado constitucional, no sentido de Estado enquadrado num sistema normativo fundamental, é uma criação moderna, tendo surgido paralelamente ao Estado Democrático e, em
parte, sob influência dos mesmos princípios. De um modo geral pode-se assegurar que o constitucionalismo começou a nascer em 1215, quando os barões da Inglaterra obrigaram o Rei João
Sem Terra a assinar a Carta Magna, jurando obedecê-la e aceitando a limitação de seus poderes.
Finalmente, no século 18, conjugam-se vários fatores que iriam determinar o aparecimento das
Constituições e infundir-lhes as características fundamentais.
A afirmação da supremacia do indivíduo, a necessidade de limitação do poder dos governantes e a crença quase religiosa nas virtudes da razão, apoiando a busca da racionalização do
poder, são os três grandes objetivos que, conjugados, segundo Dallari, iriam resultar no constitucionalismo.
Este último objetivo, atuando como que um instrumento para criação das condições que permitissem
a consecução dos demais, foi claramente manifestado pelos autores que mais de perto influíram na
Revolução Francesa. E assim como ocorrera com a idéia de democracia, também a de Constituição teve
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acesso à justiça
mais universalidade na França, de lá se expandindo para outras partes do mundo, justamente porque
apoiada na razão, que é comum a todos os povos, mais do que em circunstâncias peculiares ao lugar
e à época. Com efeito, embora a primeira Constituição escrita tenha sido a do Estado de Virgínia, de
1776, a primeira posta em prática tenha sido a dos Estados Unidos da América, de 1787, foi a francesa,
de 1789/1791, que teve maior repercussão (Dallari, 2000, p. 198).
Por seus próprios fundamentos e objetivos o constitucionalismo teve, no geral, um caráter
revolucionário em alguns países enquanto instrumento de afirmação política de novas classes
econômicas; noutros, porém, teve um sentido quase simbólico, para gerar as monarquias constitucionais, em que o absolutismo adquire um fundamento legal.
Do ponto de vista material, a Constituição é, segundo Bonavides, “o conjunto de normas
pertinentes à organização do poder, à distribuição da competência, ao exercício da autoridade, à
forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais” (1986, p. 57),
conteúdo este que se refere à composição e ao funcionamento da ordem pública. Assim, aquelas matérias que não dizem respeito a esse conteúdo, mas que estão inseridas na Constituição,
apenas formalmente adquirem aparência constitucional, passando a gozar da garantia e do valor
supremo que o texto constitucional lhes confere.
O conceito de Constituição, portanto, resultante da conjugação de seus dois sentidos (formal e material), tem como resultado a ideia de que o titular do poder constituinte será sempre o
povo. Segundo Dallari, é no povo que
[…] se encontram os valores fundamentais que informam os comportamentos sociais, sendo, portanto,
ilegítima a Constituição que reflete os valores e as aspirações de um indivíduo ou de um grupo e não do
povo a que a Constituição se vincula. A Constituição autêntica será sempre uma conjugação de valores
individuais e valores sociais, que o próprio povo selecionou através da experiência (2000, p. 202).
A Constituição vista, então, como um conjunto principiológico material é, no entendimento
de Hesse, uma força normativa, ou seja, a Constituição não é simplesmente um conjunto de regulações do espaço público da sociedade, mas é uma norma que estabelece o norte, o programa
que o Estado (governo) deve seguir, afirmando que a Constituição Jurídica, condicionada pela
realidade histórica,
[…] não pode ser separada da realidade concreta de seu tempo. A pretensão de eficácia da Constituição
somente pode ser realizada se se levar em conta essa realidade. A Constituição jurídica não configura
apenas a expressão de uma dada realidade. Graças ao elemento normativo, ela ordena e conforma a
realidade política e social. As possibilidades, mas também os limites da força normativa da Constituição
resultam da correlação entre ser (Sein) e dever-ser (Sollen) (1991, p. 24).
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
No mesmo sentido, para caracterizar a supremacia e a devida importância da Constituição, cabe trazer à baila o ensinamento de Canotilho que, para caracterizar a Constituição como
normativa e dirigente, explicita que
[…] a fundamentação da ordem jurídica da comunidade pode limitar-se à definição dos princípios
materiais estruturantes (princípio do Estado de Direito, princípio Democrático, princípio Republicano,
princípio da Socialidade, princípio Pluralista) ou estender-se à imposição de tarefas e programas que
os poderes públicos devem concretizar. Esta constitucionalização de tarefas torna mais importante a
legitimação material, embora se considere, em geral, que o fato de a lei constitucional fornecer linhas
e programas de ação à política não pode nem deve substituir a luta política. (...) Da articulação destas
várias funções se deduzirá que o problema da Constituição não é hoje o de escolher entre uma Constituição-garantia (ou Constituição quadro) e uma Constituição dirigente (ou Constituição programática),
mas o de otimizar as funções de garantia e de programática da lei constitucional (1993, p. 74).
Essa, portanto, é a ideia da Constituição como dirigente, como explicitação do contrato
social, é a ponte para tudo, todas as normas que se contrapuserem a esta norma básica deverão
ser tidas como inconstitucionais, porque ferem este princípio da Constituição. Em razão desse
quadro é que se defende, no presente trabalho, o necessário comprometimento do Judiciário com
a Constituição, com vistas a realizar a cidadania e o princípio constitucional do acesso à Justiça,
daí decorrendo a sua suprema importância.
Seção 1.4
Cidadania e Acesso à Justiça no Estado Democrático de Direito
O princípio constitucional da cidadania, no atual Estado Democrático de Direito, está devidamente previsto na Constituição Federal de 1988, já no seu artigo 1O, inciso II, ao instituir que:
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios
e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
II – a cidadania”. Assim, a cidadania foi erigida a princípio fundamental, como valor supremo,
em posição hierarquicamente superior às demais normas constitucionais.
Sabe-se, no entanto, que o conceito de cidadania evoluiu historicamente para passar a
considerar o cidadão como integrante da sociedade; devendo, atualmente, ser entendida como
a participação deste na comunidade da qual faz parte, como titular de direitos fundamentais,
com direito de ter garantida a sua dignidade enquanto pessoa humana, entendendo-o como
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EaD
acesso à justiça
participante do “processo do poder com a igual consciência de que essa situação subjetiva envolve também deveres de respeito à dignidade do outro, de contribuir para o aperfeiçoamento
de todos” (Silva, 1999, p. 11).
A ideia essencial do conceito de cidadania consiste na sua vinculação com o princípio
democrático. Por isso pode-se afirmar que, sendo a democracia um conceito histórico que evolui
e se enriquece com o tempo, também a cidadania ganha novos contornos com a evolução democrática. É pertinente, assim, conceituar etimologicamente cidadania, que, segundo alguns,
originou-se do termo “Cidade” (Civitas – latim), porém representa muito mais do que a fatalidade de nascer em determinado lugar no tempo e no espaço, sujeitando-se às regras impostas
circunstancialmente. Como lembra Plácido e Silva:
Segundo a teoria, que se firmou entre nós, a cidadania, palavra que se deriva de cidade, não indica
somente a qualidade daquele que habita a cidade, mas, mostrando a efetividade dessa residência, o
direito político que lhe é conferido, para que possa participar da vida política do país em que reside
(1993, p. 427).
No dicionário, a definição de cidadania é descrita como “qualidade ou estado de um cidadão” que, por sua vez, é definido como, “indivíduo no gozo dos direitos civis ou políticos de
um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com este” (Schmidt, 1997, p. 74). Mais
importante, porém, que a definição da palavra em plano semântico é a tentativa de entender seu
significado ao longo do tempo para que fiquem claros os termos de sua conceituação.
O primeiro aspecto que deve ser ressaltado é o da ruptura do discurso sustentado pela burguesia que distinguia o “homem” do “cidadão”, cuja consequência foi a Declaração de Direitos
de 1789 – Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. Esse discurso sustentava os direitos
do homem como sendo aqueles direitos individuais, enquanto os direitos do cidadão referiamse aos direitos políticos de votar e ser votado. Essa ruptura ocorre a partir do momento em que
surge uma nova concepção de cidadania, decorrente da ideia de Constituição dirigente, que se
constitui em um sistema de previsão de direitos sociais, mais ou menos eficazes, em torno dos
quais é que se vem construindo a nova ideia de cidadania (Silva, 1999, p. 10).
Assim, o desenvolvimento das forças produtivas e os agentes sociais que protagonizavam
a história na passagem do regime de escravidão para a “liberdade” do sistema burguês emergente impuseram novos limites e novas contradições ao exercício da cidadania plena. A classe
burguesa, além de estabelecer novos parâmetros para definição do indivíduo e suas relações
com a sociedade e o Estado baseados na trilogia liberdade, igualdade, fraternidade, postulou
um projeto político de organização social expresso na fundamentação jurídica, em que o direito
era, de fato, substitutivo do privilégio.
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
Quanto à sua origem histórica a noção moderna de cidadania nasceu vinculada à questão do direito,
ou seja, ao discurso jusnaturalista formulado no bojo do contexto libertário e revolucionário da época
moderna. O projeto social da burguesia como nova classe emergente alicerçava-se em um novo status:
não mais o status servil caracterizador do período medieval do feudalismo, marcado pela desigualdade
institucionalizada em estamentos ou ordens, mas o status da cidadania civil (Corrêa, 1999, p. 210).
A partir deste marco histórico surgem as definições e conceitos de cidadania, traduzindo,
assim, necessidades do novo indivíduo que emergiu da expansão das condições socioeconômicas.
Pode-se, sem temor, afirmar que o conteúdo dessas novas conceituações era libertário, o que vai
caracterizar todo o movimento de emancipação daí por diante.
A participação dos indivíduos na vida do Estado e o seu reconhecimento como pessoa integrada à sociedade significa que o funcionamento do Estado está submetido à vontade popular,
e a cidadania, assim considerada, consiste na identificação do homem como titular de direitos
fundamentais e em sua integração participativa no processo do poder e da dignidade da pessoa
humana.
Percebe-se, sob um outro aspecto, que a cidadania está intimamente vinculada à ideia de
direitos humanos, aliás, o projeto da burguesia do século 18 surge sob a forma de direitos civis,
tendo como forte expoente o direito de liberdade. Para se entender precisamente o conceito de
cidadania, sem confundi-la com os direitos humanos, é preciso superar a postura estreita e reducionista presente nas análises marcadas pelo ideário positivista-liberal.
As desigualdades que surgiram diante da nova ordem instaurada pela burguesia caracterizam-se por uma lógica de mercado que privilegia o lucro e o acúmulo de capitais, desencadeando, assim, um processo sucessivo de revoluções socialistas, que visam à instauração de
uma ordem social mais equânime e justa, reivindicando a instituição de direitos sociais que se
contraporiam às bases do liberalismo. Esses movimentos, no entanto, não conseguem amenizar
as desigualdades sociais, daí que a noção de cidadania passa a ser dada pela expansão dos direitos de cada segmento social. Falar em cidadania, portanto, “é reafirmar o direito pela plena
realização do indivíduo, do cidadão, e de sua emancipação nos espaços definidos no interior da
sociedade” (Schmidt, 1997, p. 74).
O conceito de cidadão e cidadania vem adquirindo particularidades, que não se esgotam
na compreensão de ser cidadão aquele que participa dos negócios da cidade. A evolução do
conceito de cidadão como participante da sociedade, nas palavras de T. H. Marshall, deve-se a
“uma espécie de igualdade humana básica associada com o conceito de participação integral na
comunidade – ou como eu diria, de cidadania – o qual não é inconsciente com as desigualdades
que diferenciam os vários níveis econômicos da sociedade” (1967, p. 62). Consolidam-se, assim,
em certas ocasiões, os processos concretos por meio dos quais o cidadão participa do poder.
34
EaD
acesso à justiça
Já no campo do Direito, a participação no poder faz-se sentir na medida em que o poder
econômico torna-se cada vez mais determinante nas decisões políticas e, segundo Bobbio et al.,
esse processo é cada vez mais decisivo nas escolhas que condicionam a vida de cada homem,
sustentando que
[…] a exigência de participação no poder econômico, ao lado e para além do direito (já por toda parte
reconhecido, ainda que nem sempre aplicado) de participação no poder político. O campo dos direitos
sociais, finalmente, está em contínuo movimento: assim como as demandas de proteção social nasceram
com a revolução industrial, é provável que o rápido desenvolvimento técnico e econômico traga consigo
novas demandas, que hoje não somos capazes nem de prever. A Declaração Universal representa a
consciência histórica que a humanidade tem dos próprios valores fundamentais na segunda metade
do século XX. É uma síntese do passado e uma inspiração para o futuro: mas suas tábuas não foram
gravadas de uma vez para sempre (1992, p. 34).
Diante dessas considerações é que se adota o conceito de cidadania também apresentado
por Corrêa, em razão de sua amplitude e objetividade, pois define cidadania como a “realização
democrática de uma sociedade, compartilhada por todos os indivíduos ao ponto de garantir a
todos o acesso ao espaço público e condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a
plenitude da vida” (1999, p. 217).
Assegurar, portanto, que cidadania é a realização democrática de uma sociedade significa
que se trata, na verdade, de um projeto que deve ser assumido por toda e qualquer autoridade
na sociedade, como objetivo maior a ser concretizado, realizando, simultaneamente, a própria
democracia em todas as suas dimensões (social, econômica e política) e os fins do Estado Democrático de Direito.
No mesmo sentido, quando Corrêa (1999) afirma que essa cidadania deve ser compartilhada
por todos os indivíduos, afasta a ideia de que alguém possa ser excluído da sociedade. Deve-se,
assim, garantir a todos o acesso ao espaço público, ou seja, embora conflitiva, a conquista do
espaço público deve ser garantida a todos.
No desfecho do conceito o autor argumenta que a luta pela realização da cidadania deve
buscar a garantia de condições de sobrevivência digna, tendo como valor-fonte a plenitude da
vida, pois a pessoa humana é, em última análise, o fim e o objetivo da sociedade, podendo-se
afirmar que é em razão disso que o Estado deve zelar pela concretização do bem comum, criando
condições de vida a todos os cidadãos, ao afirmar que: “no que se refere à cidadania, perceber
o Estado como a materialização institucionalizada da representação do espaço público significa
dizer que a construção da esfera pública, através da qual se estende a todos os cidadãos a condição da igualdade básica, é função precípua da cidadania” (Corrêa, 1999, p. 225).
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
Tomando como referência a análise de Marshall (1967), Bagatini destaca que o conceito
de cidadania divide-se em três elementos, quais sejam, o civil, o político e o social, diante de sua
evolução histórica e temporal, identificando, assim,
[…] o surgimento da cidadania como os direitos civis no século XVIII, compostos dos direitos necessários à liberdade individual: liberdade de ir e vir, liberdade de imprensa, liberdade de pensamento e
fé, direito à propriedade, direito de concluir contratos válidos e direito à justiça. A cidadania civil foi
enriquecida com a valorização dos direitos políticos, no século XIX, direitos de participar no exercício
do poder político, como eleitor ou como membro de um organismo investido de autoridade política,
aparecendo como instituições o Parlamento ou os conselhos do governo local. No século XX surgem
os direitos sociais, que dizem respeito a um direito mínimo de bem-estar econômico e à participação
na herança social fazendo jus a um sistema educacional e aos serviços sociais (2001, p. 26).
Nesse contexto, o primeiro sentido histórico atribuído ao conceito de cidadania é sua
concepção de igualdade humana básica de participação na sociedade, concretizada por meio
da aquisição de direitos, emergindo, assim, a ideia de liberdade e de igualdade formais, para
atribuir um status de cidadania aos membros da sociedade e viabilizar o processo político. No
contrato moderno os homens são vistos como livres e iguais num status uniforme de cidadania
(civil), sobre o qual se construiu a desigualdade do sistema.
O conceito de cidadania, portanto, no Estado Social, pressupõe um conjunto de direitos
civis, políticos e sociais que foram construídos ao longo de um processo histórico, e cujo ápice
se verifica quando do desenvolvimento das instituições antes mencionadas e do direito social,
por ocasião da Declaração Universal de 1948. Nesse sentido, Bobbio sustenta que
[…] todas as declarações recentes dos direitos do homem compreendem, além dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também os chamados direitos sociais, que consistem
em poderes. Os primeiros exigem da parte dos outros (incluídos aqui os órgãos públicos) obrigações
puramente negativas, que implicam a abstenção de determinados comportamentos; os segundos só
podem ser realizados se for imposto a outros (incluídos aqui os órgãos públicos) um certo número de
obrigações positivas. São antinômicos no sentido de que o desenvolvimento deles não pode proceder
paralelamente: a realização integral de uns impede a realização integral dos outros. Quanto mais
aumentam os poderes dos indivíduos, tanto mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduos
(Bobbio, 1992, p. 21).
Em relação à Declaração Universal, no entanto, Corrêa ressalta:
Tal positivação de caráter universalista é muito relativa em termos de concretude e efetividade, pois
continua extremamente abstrata por não estabelecer meios capazes de colocá-los em prática. A Declaração Universal de 1948 preconiza, por exemplo, que todos os homens “nascem livres e iguais”,
fazendo eco ao discursso jusnaturalista do estado de natureza, quando, de fato, os homens historicamente condicionados não nascem livres e muito menos iguais (1999, p. 170).
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EaD
acesso à justiça
Marshall (1967), ao ser citado por Montenegro, lembra que o autor sustenta que a cidadania não deve ser entendida como a posse de um determinado conjunto de direitos, que podem
variar de acordo com a sociedade e suas diferenças culturais:
[…] antes, ela implica possuir os mesmos direitos na esfera civil, política e social. Significa, essencialmente, que todos devem ter igual acesso ao mínimo que a sociedade, no estágio de desenvolvimento
em que estiver, defina como tolerável. A “igualdade de acesso” é, assim, o elemento básico que permite
definir uma situação de cidadania (1997, p. 21).
A cidadania no século 20, segundo Corrêa, apresenta-se ligada aos direitos sociais, resultando na seguinte questão: “Como incorporar à cidadania as pessoas economicamente dependentes?, ou: Como incorporar a classe operária a uma democracia de origem burguesa? Trata-se
da relação conflitiva entre liberdade política e igualdade social, ou a relação entre cidadania
enquanto princípio básico de igualdade e a desigualdade material própria do sistema capitalista”
(1999, p. 216).
É, nessa linha de raciocínio que Corrêa propõe uma tomada de posição do cientista, no
nosso caso do jurista, sustentando:
É preferível pois, assumir o ponto de vista de classe, reconhecendo que o ponto de vista dos fracos e
explorados, em geral, no modo de produção capitalista é mais objetivo em termos de emancipação e
de vivência da cidadania, pois mais transparente, do que o ponto de vista das classes detentoras do
poder econômico e político, levada a dissimular ideologicamente seus privilégios e os mecanismos
de exploração do sistema. Não se trata de apregoar uma ciência proletária contra uma ideologia burguesa. Trata-se de horizontes diferenciados de análise, ambos socialmente condicionados, um mais
abrangente e mais fecundo em termos de mudança social profunda em favor da universalização da
cidadania (Corrêa, 1999, p. 124).
Incumbe ao jurista brasileiro, portanto, tomar consciência da dimensão civil, política e
social da realização da cidadania, adotando uma posição de classe do ponto de vista dos fracos
e explorados, justamente porque é a classe à qual é sonegada a realização dos direitos inerentes
à cidadania. Diante disso, a garantia constitucional à cidadania assume papel relevante e fundamental para as­segurar a integral concretização da pluralidade dos direitos que compõem a
realização da cidadania como valor fundamental e supremo instituído pela Constituição Federal
de 1988 no atual Estado Democrático de Direito.
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
Na Constituição da República Federativa do Brasil, o Título II, que elenca a pluralidade de direitos
que se desdobram (direitos fundamentais, direitos individuais e coletivos, direitos sociais, direitos
à nacionalidade, direitos políticos), abriga a expressão “garantias fundamentais”, na enumeração
dos “direitos e garantias fundamentais”, e, no art. 5o., § 2o., fala em direitos e garantias expressos na
Constituição (Baracho, 1995, p. 9-10).
No Brasil, a cidadania dos direitos sociais se caracterizou como uma cidadania regulada
de cima para baixo, ou seja, o trabalhador urbano fora incorporado à cidadania no que se refere
aos direitos sociais, mas ao preço de sua expropriação política e de um sindicalismo de cúpula.
Isso significa que eram cidadãos somente aqueles cujas ocupações fossem reconhecidas em
lei, ficando excluídos da cidadania todos aqueles segmentos sociais cujas ocupações não eram
regulamentadas.
O Estado Democrático de Direito, no entanto, deve primar pela realização de políticas públicas que visem a materializar as aspirações e expectativas de direitos de todos aqueles que são
excluídos do espaço público. Cabe ao Estado assegurar e garantir a efetivação das necessidades
básicas reconhecidas pela Constituição Brasileira.
Essa garantia constitucional tem prevalência na análise da realização da cidadania e na
garantia de acesso ao espaço público, uma vez que a cidadania não se realiza com a simples
igualdade perante a lei, pois, como lembra Cappelletti, “hoje é bem claro que tratar como iguais
a sujeitos que econômica e socialmente estão em desvantagem não é outra coisa senão uma
ulterior forma de desigualdade e de injustiça” (apud Silva, 1999, p. 15). Isso significa que é
preciso que os indivíduos tenham assegurada a sua efetiva realização no espaço público do qual
são integrantes.
A partir dessa noção de que não basta a mera previsão de igualdade de todos perante a lei
para se ter assegurados os direitos do cidadão, pode-se afirmar que a ideia de nacionalidade –
entendida como origem territorial da pessoa humana –, como elemento fundamental e essencial
na inclusão e participação do cidadão no espaço público ao qual pertence, está ultrapassada,
pois, segundo Capella, os indivíduos encontram nos direitos da cidadania uma fonte legitimadora
de acesso ao espaço público (1998, p. 148), independentemente de sua origem, pois todos são
iguais ou possuem as condições de sê-lo.
Superada, portanto, a ideia de que os direitos da cidadania somente devem ser assegurados àqueles que nasceram em determinado espaço territorial, deve prevalecer a noção de que a
cidadania é um direito universal garantido a todos os indivíduos. Deve-se ressaltar, no entanto,
que a ação integrada entre os cidadãos e o Estado, que visa a criar esse espaço público, segundo
Corrêa, não pode ser identificada fisicamente, pois,
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acesso à justiça
[…] a cidadania é fundamentalmente o processo de construção de um espaço público que propicie os
espaços necessários de vivência e de realização de cada ser humano, em efetiva igualdade de condições, mas respeitadas as diferenças próprias de cada um. Por fim, tal processo de construção do espaço
público, devido às condições do sistema capitalista, se dá de forma conflitiva (1999, p. 221).
A construção conflitiva do espaço público a que se refere o autor ocorre em diversos setores
de participação dos cidadãos, ou seja, pode-se construir o espaço público a partir de participações
mais singelas que viabilizam o envolvimento de todos e asseguram um mínimo de igualdade.
Há que se ressaltar que o espaço público a que se refere é produto de uma conquista que resulta
de um processo constante de construção. Nesse sentido, também é necessário ter presente que
a igualdade não é um fato, mas uma construção civil e política, razão pela qual Lafer, ao citar
Hannah Arendt, afirma que
[…] a cidadania é o direito a ter direitos, pois a igualdade em dignidade e direitos dos seres humanos
não é um dado. É um construído da convivência coletiva, que requer o acesso ao espaço público. É
esse acesso ao espaço público que permite a construção de um mundo comum através do processo de
asserção dos direitos humanos. [...] De fato, o processo de asserção dos direitos humanos, enquanto
invenção para a convivência coletiva, exige um espaço público, a que só se tem acesso por meio da
cidadania (1988, p. 22).
A cidadania como resultado da construção do espaço público é, também, resultado dos
conflitos que ocorreram nos séculos passados, no entanto a materialização do espaço público,
segundo Corrêa, em artigo publicado na Revista Direito em Debate, “se concretiza à exata medida da relação de forças das classes e poderes sociais organizados que perpassaram o tecido
das relações sociais” (1996, p. 11), pelo que o cidadão deixa de ser visto como mero sujeito de
direito para ser considerado um sujeito político, tendo em vista que a cidadania, enquanto elemento realizador da condição humana e meio de acesso ao espaço público, torna-se uma questão
essencialmente política. Nesse sentido Corrêa prossegue afirmando que
[…] o espaço público é a esfera da democracia e da igualdade construídas pelas convenções da comunidade humana. A postura de que o espaço público não é um dado natural mas um constructo político
reafirma nossa tese de que o cidadão é na sua essência um sujeito político (1996, p. 13).
A materialização do espaço público é representada pelo Estado, o que significa afirma que
a construção da esfera pública, pela qual se estende a todos os cidadãos a condição da igualdade
básica, é função precípua da cidadania. O espaço público somente é conquistado pela participação
do cidadão na comunidade política, com vistas a extirpar toda e qualquer forma de discriminação
e combater as desigualdades, representando o pleno e efetivo exercício da cidadania.
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Assim sendo, as evidentes contradições sociais devem ser suprimidas para que todos sejam,
efetivamente, considerados sujeitos políticos participantes do espaço público e, somente assim,
se viabilizará a construção da cidadania e se garantirá o acesso de todos aos direitos e deveres
consagrados na Constituição Brasileira.
Não se pode esperar que a realização da cidadania plena somente seja possível em uma
sociedade imaginária e perfeita. A cidadania plena, como a instituição de proteção e efetividade
das garantias mínimas a cada indivíduo, é um desafio e deve ser construída mesmo em contextos
de desigualdade social, econômica ou cultural. É, na verdade, um grande esforço na superação
das aludidas barreiras, fundada na melhoria da qualidade de vida de determinado povo.
Síntese da Unidade 1
A proposição para esta Unidade 1 foi estudarmos a origem e o reconhecimento da cidadania como condição política do status do direito a ter
direitos. No mesmo sentido também se analisou a evolução conceitual
de Estado e Direito, bem como a construção do Estado Democrático
de Direito e da cidadania neste contexto, ressaltando a importância
da Constituição no processo de realização do acesso à Justiça e da
cidadania.
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EaD
Unidade 2
acesso à justiça
O ACESSO À JUSTIÇA COMO ACESSO À JURISDIÇÃO
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Estudar a Jurisdição como instrumento de inclusão social para ressaltar a sua importância como garantia de acesso ao poder Judiciário e, via de consequência à Justiça. Pretende-se
analisar também as formas alternativas de Jurisdição.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 2.1 – A Jurisdição Como Elemento de Inclusão Social
Seção 2.2 – O Acesso à Justiça como Acesso ao Poder Judiciário
Seção 2.3 – As Formas Alternativas de Jurisdição
Seção 2.1
A Jurisdição Como Elemento de Inclusão Social
Em primeiro lugar, é de se ressaltar que o processo, como instrumento, tem o intuito de
alcançar objetivos com a sua atuação. Não obstante, o processo é meio e como todo meio só é
tal e se legitima em virtude dos fins a que se destina. Assim, necessário é fixar os escopos do
processo, seu grau de utilidade, enfim, fixar os “propósitos norteadores da sua instituição e das
condutas dos agentes estatais que o utilizam” (Dinamarco, 1996, p. 149).
Em se tratando de jurisdição, sabe-se que ela é “canalizada à realização dos fins do próprio
Estado e, em face das cambiantes diretrizes políticas que a História exige, os objetivos que a
animam consideram-se também sujeitos a essas mesmas variações, no espaço e no tempo (Dinamarco, 1996, p. 150).
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
Na verdade, se as tentativas de definição teleológica da jurisdição tomassem parâmetros
apenas jurídicos, poderia se encontrar fórmulas suficientes para explicar a função jurisdicional.
Essa tarefa, porém, torna-se inviável em razão da premissa metodológica da processualística
moderna, que consiste no enfoque instrumentalista e teleológico do processo. Na realidade, a
“instrumentalidade do sistema processual é alimentada pela visão dos resultados que dele espera
a nação” (1996, p. 151).
A visão estritamente jurídica do fenômeno político da jurisdição (visão esta criticada por
muitos) conforma-se, inicialmente, com afirmações extremamente individualistas, nas quais o
sistema processual aparecia como meio de exercício dos direitos e institucionalmente destinado
a sua satisfação. Assim, o escopo do processo era a tutela dos direitos, sendo a ação o centro do
sistema (o próprio direito subjetivo em atitude de repulsa à lesão sofrida). Atualmente reconhecese, além da autonomia da ação, a independência cientifica e conceitual do Direito Processual.
Dessa forma, “sabe-se que só se tutela o direito subjetivo material quando existente e a tutela
dos direitos não é o escopo institucionalizado da jurisdição, nem o sistema processual; constitui
grave erro de perspectiva a crença de que o sistema gravite em torno da ação ou dos direitos
subjetivos materiais” (1996, p. 152).
Em tempos modernos, “chegou-se à irredutível oposição entre duas colocações jurídicas
do problema teleológico do sistema processual, reveladoras de dois irreconciliáveis modos de
ver o ordenamento jurídico e a função do processo perante o direito” (1996, p. 152), a atuação
da vontade concreta da lei e a justa composição da lide (teorias dualistas e unitárias do ordenamento jurídico).
A justa composição da lide propõe a superação da postura exclusivamente jurídica do problema, pois revela o conflito de interesses envolvendo pessoas da vida comum em sociedade,
clamando por soluções pelas vias adequadas. Sabe-se que a jurisdição tem estrita relação com
a vida social e o reconhecimento da utilidade dessa jurisdição, pelos membros da sociedade, a
legitima no contexto das instituições políticas da nação.
Como, porém, a jurisdição é a expressão do poder estatal, existem implicações com a
estrutura política do Estado. No contexto em que está inserida, a jurisdição reflete a fórmula
das relações entre Estado e sua população, além de servir de instrumento para a imposição das
diretrizes estatais. Assim, com a jurisdição inserida no contexto do poder, entende-se que sua
institucionalização é vital e indispensável para a realização da Justiça, mediante a imposição
imperativa do Estado sobre as pessoas, o que preserva o ordenamento jurídico e regula a convivência em sociedade.
Dessa forma, acredita-se que o processualista deve estar atento à interação e a comunicabilidade existentes entre os campos social, político e jurídico. Só assim será possível que o
processo, como instrumento, atinja suas finalidades.
42
EaD
acesso à justiça
O Estado social contemporâneo repudia a ideia do juiz espectador e conformado; o que se
busca e, mais, o que se espera, é um juiz consciente de sua função e, principalmente, que desempenhe essa função perante a sociedade. Na realidade, pode-se concluir que o Estado busca
o bem comum, a prática da Justiça.
Na concepção tradicional de Justiça e de processo “no se fazer cumprir a lei exauriase a ideia de promover justiça mediante o exercício da jurisdição” (1996, p. 156). Atualmente
espera-se que o “processo se ofereça à população e se realize e se enderece a resultados jurídicosubstanciais, sempre na medida e pelos modos e mediante as escolhas que melhor convenham
à realização dos objetivos eleitos pela sociedade política” (1996, p. 156). Assim, é a Justiça o
escopo-síntese da jurisdição no plano social, devendo-se ainda ter em vista as necessidades e
aspirações do povo.
É, portanto, uma tendência universal, quanto aos escopos do processo e do exercício da
jurisdição, o abandono das fórmulas exclusivamente jurídicas. No mundo ocidental é tendência
a destinação liberal da jurisdição (elemento de equilíbrio entre poder e a liberdade) e o reconhecimento do dever que o Estado tem de, por meio do processo, interferir nas relações dos
indivíduos em nome da paz social.
A reelaboração de um novo conceito de jurisdição deve surgir de premissas que permitam a
ampliação do conhecimento da jurisdição civil, que passa a ser considerada não apenas no plano
processual, mas também no plano político-social. Para tanto, segundo Moreira de Paula (2002,
p. 38), é importante que se adote cinco premissas que irão influenciar o conhecimento crítico da
jurisdição: premissa ideológica, premissa política, premissa normativa, premissa sociológica e
premissa hermenêutica.
A premissa ideológica advém da combinação de dois elementos: democracia participativa e instrumentalidade do processo. A adesão à democracia participativa possibilitaria a sociedade criar normas de
conduta, bem como exercitar à jurisdição nos Juizados Especiais, estes compreendidos como forma de
desconcentração da atividade jurisdicional, além de atribuir a legitimidade no exercício da atividade
judicante (2002, p. 38).
No que se refere à democracia participativa esta somente se efetiva na medida em que
se permite maior participação da sociedade nas atividades jurisdicionais, como ocorre com o
conciliador nos Juizados Especiais e com o jurado no Tribunal do Júri.
Um dos temas mais delicados da democracia participativa é a questão da legitimidade,
pois os poderes Executivo e Legislativo se legitimam em seus cargos por intermédio da democracia representativa e os membros do poder Judiciário têm acesso a seus cargos via concurso
de provas e títulos.
43
EaD
Patrícia Marques Oliveski
Sendo assim, a legitimidade do exercício jurisdicional somente ocorrerá quando for interpretada e
aplicada a ordem jurídica, cuja expressão máxima é a Constituição Federal. A própria Constituição
Federal determina os fins da jurisdição, consoante o artigo 3º, que é a realização da justiça social. Por
isso a legitimidade da jurisdição ocorrerá, em última análise, quando se realizarem atos em prol da
sociedade, alinhada conforme os preceitos estipulados no artigo 3º da CF (Moreira de Paula, 2002,
p. 39).
Segundo o referido autor, outra forma de caracterizar a democracia participativa seria a
eliminação de procedimentos complexos e de rígidos requisitos que inviabilizam o acesso à Justiça. Decorre desta premissa a importância da adoção da instrumentalidade do processo como
base para o estudo crítico da jurisdição, em que se vise à reformulação do pensamento processual
cujo objetivo seja a busca de seus fins sociais.
Somente sob esta perspectiva é que se poderá entender a jurisdição como elemento de
inclusão social, ou seja, uma jurisdição que represente
[…] uma atividade que se destina à formação e composição de uma sociedade livre, justa e solidária,
onde está garantido o desenvolvimento social nacional, com a pobreza e a marginalização erradicados
e reduzidas as desigualdades sociais e regionais, com a promoção do bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (Moreira de Paula, 2002,
p. 87).
Embora esta seja a sociedade que se almeje formar, deve-se compreender que jurisdição
é mais que um meio ou instrumento de inclusão social, visto que a atividade jurisdicional está
incluída no comprometimento dos próprios fins do Estado. Trata-se, portanto, de um compromisso
e não de uma simples atividade de mero exercício, independente dos fins do Estado.
Para esclarecer o conceito de inclusão social parte-se da ideia de exclusão social, cujo conceito não deve levar em conta apenas o aspecto material (exclusão do sistema econômico), mas
também os aspectos político e cultural (ou seja, em relação aos benefícios do sistema). A exclusão
social, portanto, é um processo que, além de eliminar ou marginalizar o indivíduo dos benefícios
do sistema político-econômico, também o mantém fora dele. A contrário sensu, a inclusão social
representa um processo que visa a eliminar a exclusão social instrumentalizada mediante uma
política pública que possua este caráter (Moreira de Paula, 2002).
E por política pública deve-se entender aquela que represente o
resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das relações sociais e demais
organizações da sociedade civil. Tais relações determinam um conjunto de ações atribuídas à instituição estatal, que provoca o direcionamento (e/ou o redirecionamento) dos rumos dos investimentos
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EaD
acesso à justiça
na escala social e produtiva da sociedade. Nesse caso, o Estado se apresenta apenas como agente
repassador à sociedade civil das decisões oriundas da correlação de forças entre os agentes do poder
(Zarth, 1998, p. 21).
De acordo com Moreira de Paula, uma política social com caráter prioritariamente social
terá como instrumento de ação o Direito, pois vai gerar uma “revolução jurídica” ao invés de
uma revolução armada. A “revolução jurídica” somente irá decorrer da “efetivação dos preceitos
democráticos mediante a atividade jurisdicional, o que exigirá uma revisão epistemológica não
só do direito como da jurisprudência” (2002, p. 92).
Como se não bastasse, de acordo com Faria, também será necessário que outras medidas
sejam adotadas para se efetivar uma política pública que busque a inclusão social:
a) é preciso haver redefinição das relações do Estado com a Sociedade, onde esta aparece construída
no interior de uma representação do social e do político, por meio da qual adquire sentido enquanto
espaço de experiências originais e enquanto espaço de constituição de novos sujeitos; b) é necessário
haver as redefinições dessas relações entre o Estado e a sociedade no âmbito do capitalismo, tendo
em vista que são sempre contraditórias, na medida em que geram continuamente condições para
novas lutas por transformações alternativas das estruturas sócio-econômicas vigentes; c) e que os
novos conflitos coletivos exigem novos instrumentos jurídicos e novos procedimentos judiciais para
poderem ser canalizados, filtrados e decididos no âmbito das instituições formais do Estado. Sendo
assim, o problema das relações entre o interesse privado e o interesse público necessita ser transpostos
mediante a superação da antinomia jurídica (1993, p. 79).
Esta realidade pode gerar colisão de interesses e embates com consequências não imagináveis. É por esta razão que no âmbito político sempre se lançou mão do recurso das normas programáticas, que são geralmente aquelas que afirmam o interesse público. Com isso se acomodam
situações, contemporizam-se conflitos entre interesses divergentes e acobertam-se acordos. “Não
é difícil verificar que os dogmas e os princípios essenciais do ordenamento jurídico aparecem
como fundamentais, no texto, e como secundários, na aplicação; a pretexto de que carecem de
regulamentação por meio de leis complementares” (Faria, 1993, p. 81).
Com esta prática as normas que primam pelo bem comum, o fim social e o interesse público
revelam-se ineficazes em termos concretos, pois apenas foram incorporadas no texto constitucional como estratégia de fortalecimento do poder simbólico da ordem jurídica em vigor. Por esta
razão é de fundamental importância a atividade jurisdicional com vistas ao redirecionamento
das políticas públicas de inclusão social (Moreira de Paula, 2002).
45
EaD
Patrícia Marques Oliveski
A força normativa do direito busca a mediação entre a diversidade de interesses. Para tanto, a toda
estipulação de um direito numa relação ou situação jurídica, segue-se a estipulação de deveres e da
respectiva sanção jurídica. Essa correlação direito-dever-sanção mostra-se como método fiel para a
eficácia – forçada – de direitos subjetivos (p. 93).
Nesse viés, a realização dos direitos estabelecidos nas normas programáticas – de cunho
social, que representam o conteúdo estrutural da Constituição – está intimamente ligada à concreta realização da democracia, inclusive porque o Estado de Direito assenta sua legitimidade
na democracia, cujo instrumento regulador de suas atividades e da sociedade é o Direito democrático produzido pelo próprio Estado. Esta premissa, por si só fundamental, respalda e justifica
a atuação da atividade jurisdicional, para além de uma atividade mediadora, uma atividade
transformadora da realidade social.
Seção 2.2
O Acesso à Justiça como Acesso ao Poder Judiciário
Ressaltada a importância e o papel fundamental da atividade jurisdicional, antes de analisar
a atuação do poder Judiciário enquanto mediador dos conflitos sociais, deve-se esclarecer que o
acesso à Justiça será abordado, neste momento, sob a perspectiva de o direito de buscar proteção
judiciária, o que significa recorrer ao poder Judiciário em busca da solução de um conflito de
interesse, sempre que um direito do cidadão for ameaçado ou violado.
Nessa acepção a expressão “acesso à Justiça” tem um sentido institucional, com o devido
respaldo constitucional, no artigo 5º, inciso XXXV, quando decreta que “a lei não poderá excluir
da apreciação do poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Não se pode prescindir neste estudo, porém, de seu aspecto vinculado ao Direito Processual, pois
[…] o direito de acesso à Justiça é também direito de acesso a uma Justiça adequadamente organizada, e o acesso a ela deve ser assegurado por instrumentos processuais aptos à efetiva realizaçào do
direito (Watanabe, 1988, p. 135).
Num primeiro momento, no entanto, pretende-se investigar a evolução do conceito teórico
da Justiça sob o viés ético. O registro da concepção ética de Justiça é importante, pois inerente
a toda e qualquer sociedade jurídica e politicamente organizada. Nader afirma que a “Justiça é
uma das primeiras verdades que afloram o espírito. Não é uma ideia inata, mas se manifesta já
46
EaD
acesso à justiça
na infância, quando o ser humano passa a reconhecer o que é seu” (1995, p. 126). Sem dúvida,
é um tema importante e também um desafio aos jusfilósofos que têm a pretensão de defini-la,
esbarrando em imensas dificuldades nesse desiderato.
A definição clássica de Justiça foi fruto da cultura greco-romana. Sob o aspecto objetivo, a
Justiça é vista como a realização da ordem social justa. Já sob o aspecto subjetivo, o jurisconsulto
Ulpiano, com base em Platão e Aristóteles, enunciou: Justitia est constans et perpetua voluntas ius
suum cuique tribuere (Justiça é a constante e perpétua vontade de dar a cada um o seu direito)
(Christofari, 1998, p. 156), ou seja, a Justiça é vista como uma virtude ou hábito da pessoa.
Reale, todavia, observa que não há como separar a compreensão subjetiva da objetiva,
destacando que “a justiça deve ser, complementarmente subjetiva e objetiva, envolvendo em
sua dialeticidade o homem e a ordem justa que ele instaura, porque esta ordem não é senão
uma projeção constante da pessoa humana, valor-fonte de todos os valores através do tempo”
(2000, p. 378).
Aguiar sustenta que a “justiça é o dever-ser da ordem para os dirigentes, o dever-ser da
esperança para os oprimidos. Podendo também ser dever-ser da forma para o conhecimento
oficial, enquanto é o dever-ser da contestação para o saber crítico” (1987, p. 15). Como é possível verificar, a palavra “justiça” abarca várias significações: realidades opostas, contraditórias e
conflitivas usam da mesma palavra para exprimir seus projetos e suas justificações, e sob o mesmo nome de justiça encontramos concepções que se contradizem, que se anulam, não podendo
nunca subsistirem juntas, por representarem polos em conflito.
A justiça, em sua substância, é um ideal. Um horizonte. Uma idéia. Um valor. Deve ser medida com a
expressão do caso concreto, à luz da realidade local. Precisa ser alcançada com humildade, prudência,
sensibilidade e conhecimento. Não deve malbaratar postulados, mas é necessário verificar a evolução
e atualidade dos fenômenos sociais (Russo Júnior, 1986, p. 62).
Embora as ideias de Justiça estejam em conflito e apareçam com várias significações, chegando, inclusive, a serem opostas, não se pode olvidar de sua importância para a manutenção de
um determinado poder, além de ser também, nas palavras de Aguiar, “por oposição, uma bandeira
para os que são oprimidos, para os que estão fora do poder, para os que são explorados, em suas
lutas concretas para a transformação social e pela tomada do poder” (Aguiar, 1987, p. 17).
Assim sendo, o entender da Justiça está indelevelmente implicado com as práticas sociais,
daí podermos afirmar que a Justiça não é neutra, “mas sim comprometida, não é mediana, mas
de extremos. Não há justiça que paire acima dos conflitos, só há justiça comprometida com os
conflitos, ou no sentido de manutenção ou no sentido de transformação” (1987, p. 16).
47
EaD
Patrícia Marques Oliveski
O Direito, visa, sobretudo, à instauração de uma ordem social justa, ou seja, para alcançar
a tão almejada segurança deve instituir, no meio social, a Justiça e, por intermédio dela, o bem
comum. A finalidade do Direito é mesmo tríplice, qualquer sistema jurídico, para atingir plenamente seus fins, deve objetivar, ao mesmo tempo, a ordem e a justiça, esta, sem dúvida, razão de
ser daquela. Como lembra Paupério,
o direito visa primacialmente à segurança, mas que, no fundo, esta não se alcança senão com a
justiça. Quanto mais a lei traduzir a justiça, mais facilmente obedecerão a ela os cidadãos. A idéia
de justiça, via de regra, encontra-se em quase todas as leis, mas não se esgota em nenhuma. [...] A
concepção ética do Direito considera-o como um meio de concretizar a justiça. [...] Objetivamente, o
direito deve visar à implantação da ordem social justa, que possa garantir a cada um aquilo que lhe
é devido (1999, p. 62).
Tendo como norte a ideia de que todo e qualquer sistema jurídico que se pretenda comprometido com a obtenção do bem comum deve trazer ínsita a noção de realização da Justiça,
no sentido de “dar a cada um o que é seu” e, principalmente, de que os cidadãos possam ter
garantidos os direitos que lhes são assegurados pela ordem jurídica, é que este trabalho preocupar-se-á em analisar o direito ao acesso ao Judiciário, enquanto garantia constitucional de
realização dos direitos que lhes são sonegados, bem como levantar razões reflexivas acerca de
sua efetiva concretização.
Preliminarmente é preciso ressaltar que, diante da imprecisão do termo e dos diferentes
sentidos que lhe são atribuídos pela doutrina, para se falar em princípio constitucional do acesso
à Justiça é importante esclarecer o problema do fundamento de um direito. Segundo Aguiar, este
intento “apresenta-se diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito que
se tem ou de um direito que se gostaria de ter” (1987, p. 15). No primeiro caso cumpre investigar
o próprio ordenamento jurídico positivo, do qual fazemos parte como titulares de direitos e de
deveres, se há uma norma válida que o reconheça enquanto ordenamento e qual é essa norma;
e no segundo caso deve-se buscar razões para defender a legitimidade do Direito em questão e
para convencer o maior número possível de pessoas a reconhecê-lo.
Por isso analisar-se-á o direito do acesso à Justiça a partir da ordem constitucional instaurada
em 1988, para, então, estudar a questão do princípio do acesso à Justiça enquanto acesso ao Judiciário e sua efetivação ou, na visão de Aguiar (1987), como um direito que se gostaria de ter.
A preocupação acerca da impossibilidade de uma grande maioria de pessoas de se utilizar
plenamente da Justiça e de suas instituições deve ser assumida pelo Estado, pois a alegação de
que a Justiça somente pode ser obtida por aqueles que puderem enfrentar os seus custos, relegando-se os demais a sua própria sorte, já não se sustenta; caso contrário, obteríamos, segundo
Cappelletti, somente, um “acesso formal, mas não efetivo à justiça” (1988, p. 9).
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EaD
acesso à justiça
É pertinente ressalvar ainda que diante da incerteza da expressão acesso à Justiça, vários e diferentes sentidos lhe são atribuídos pela doutrina, dos quais se destacam dois, que são
fundamentais: o primeiro atribui ao significante Justiça o mesmo sentido e conteúdo que o de
poder Judiciário, tornando sinônimas as expressões acesso à Justiça e acesso ao Judiciário; o
segundo parte de uma visão axiológica da palavra Justiça, compreendendo o acesso à Justiça
como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos fundamentais para o ser humano.
Esse último, mais amplo, engloba no seu significado o primeiro. Embora ambos sejam conceitos
válidos, nos limitaremos por ora ao estudo do primeiro sentido, destacando acesso à Justiça como
sendo acesso ao poder Judiciário.
É notório que, à medida que as sociedades evoluíram e se tornaram complexas, passou a
haver também a necessidade de regrar a forma de exercício do poder no seu interior; foi necessário, segundo Rodrigues, institucionalizar o poder e as formas de acesso a ele. Surgiu o Estado,
e com ele as regras sociais também passaram a ser institucionalizadas, dando origem à legislação estatal. “Deixaram elas de ser apenas normas de convivência, para tornarem-se normas
de controle: controle do Estado pela sociedade e controle dos indivíduos e grupos sociais pelo
próprio Estado” (1994, p. 22).
Seja na sociedade primitiva, seja no Estado contemporâneo, seja em qualquer forma de
organização política intermediária que tenha existido no longo período histórico que os separa,
a existência de normas, quer sejam sociais ou estatais, foi insuficiente para evitar a ocorrência
de conflitos. Ou seja, nem sempre essas normas foram ou são respeitadas. Houve então a necessidade de se criar, ao lado delas, normas que definissem as formas pelas quais seriam resolvidos
os conflitos e insatisfações, quando existentes; também foi necessário definir quem os resolveria.
Tem-se aí a origem do Direito Processual e da jurisdição (Rodrigues, 1994, p. 22).
Diante da mudança do perfil do Estado, contudo, notadamente a partir do início do século
20, decorrente da transição do Estado liberal para o Estado social, verifica-se um aumento da
complexidade da atividade exercida pelos juízes.
Tal mudança ocorre devido ao contexto político internacional do período e em virtude da pressão exercida pelos movimentos sociais que reivindicam ao lado dos direitos liberais (liberdade, propriedade
e igualdade formal), os direitos sociais que garantirão as condições materiais (igualdade substancial)
para que os primeiros possam ser exercidos (Capellari, 2001, p. 14).
Neste contexto de transição, os reflexos na sociedade brasileira são evidentes, pois o Brasil
não chegou a conhecer a maturidade das instituições da modernidade, e sempre foi marcado,
“desde a época do império, por um acordo político entre as elites burocráticas e oligarquias (no
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
período imperial, rurais, hoje urbanas, estabelecidas nos grandes grupos empresariais), que
apossaram-se do Estado para instrumentalizá-lo com a finalidade de atingirem seus objetivos
econômicos” (Capellari, 2001, p. 15).
É nesse sentido que Adorno, citado por Capellari, propõe uma reflexão retrospectiva acerca das transformações havidas no Estado brasileiro, notadamente sobre o paradoxo liberalismo
retórico e patrimonialismo efetivo, que marcou de forma estrutural a formação do Estado brasileiro, afirmando que
[…] a soberania, que esteve proclamada solene e retoricamente nas leis, não esteve por certo presente
nos costumes; prevaleceu a desigualdade na liberdade; haja vista a crença, quase ardente, entre as elites
dominantes que os excessos comprometiam a tranqüilidade, a propriedade e a segurança dos indivíduos
(...). Em outras palavras, o impasse consistiu em conciliar a natureza patrimonial do Estado brasileiro
sob o regime monárquico com o modelo jurídico liberal de exercícios de poder (2001, p. 15).1
É nesse contexto que a Cons­tituição de 1988 é promulgada, após um longo período de
autoritarismo e sob uma nova fase de intensa participação popular, traçando, em linhas gerais, a
arquitetura de um Estado Democrático Constitucional de Direito, com vistas a criar as condições
jurídicas e institucionais para a efe­tivação dos direitos fundamentais e atender às promessas da
modernidade, com algumas décadas de atraso em relação aos países centrais.
Para que se garanta, então, o acesso à Justiça, a observância dos princípios constitucionais do processo é essencial. Dentre eles, a título de exemplo, pode-se ressaltar os seguintes: o
princípio do juiz natural, das garantias da independência do juiz, do direito à defesa em juízo,
do devido processo legal, do livre acesso ao processo, da motivação da sentença e o princípio da
imparcialidade, todos previstos na atual Carta Magna, com o escopo de assegurar um tratamento
isonômico entre os cidadãos e de garantir um acesso efetivo ao sistema Judiciário.
Por outro lado, é de se ressaltar que o estudo jurídico, desde longa data, manteve-se indiferente às realidades do sistema judiciário e que inviabilizavam, na prática, a realização do acesso
à justiça. Segundo Chaves, “fatores como diferenças entre os litigantes em potencial no acesso
prático ao sistema, ou a disponibilidade de recursos pra enfrentar o litígio, não eram sequer
percebidos como problemas” (1972, p. 1.041-1.048).
1
Com essas características — liberalismo retórico manipulado por elites ilustradas e patrimonialismo/autoritarismo
efetivos –, vivemos no Brasil, durante toda a fase republicana, inúmeros sobressaltos institucionais com ditaduras,
golpes de Estado, tentativas de ampliação da participação popular sufocadas, coexistindo com um Estado dirigente
e autoritário, mas, e aqui reside uma diferença fundamental em relação aos EUA e à Europa, sempre voltado aos
interesses econômicos das elites locais e estrangeiras, sem ter em nenhum momento articulado as instituições que
atenderiam às demandas por direitos: até hoje, não temos uma rede de ensino público fundamental que universalize
o acesso à escola, por exemplo – garantia das mais elementares em uma democracia.
50
EaD
acesso à justiça
O estudo era tipicamente formalista, dogmático e indiferente aos problemas reais do foro
cível. Sua preocupação era frequentemente de mera construção abstrata de sistemas e mesmo,
quando ia além dela, seu método consistia em julgar as normas de procedimento à base de sua
validade histórica e de sua operacionalidade em situações hipotéticas. As reformas eram sugeridas com base nessa teoria do procedimento, mas não na experiência da realidade. Os estudiosos
do Direito, como o próprio sistema Judiciário, encontravam-se afastados das preocupações reais
da maioria da população.
Em razão disso, segundo Cappelletti, o conceito de acesso à Justiça sofreu uma transformação importante, correspondente a uma mudança equivalente no estudo do ensino do processo civil. Nesse sentido, convém lembrar que nos Estados liberais “burgueses” dos séculos 18 e
19, os procedimentos adotados para que fosse possível a solução dos conflitos civis refletiam a
filosofia essencialmente individualista dos direitos até então vigorantes. O direito ao acesso à
proteção jurídica significava fundamentalmente o direito do indivíduo agravado de propor ou
contestar uma ação.
[…] a teoria era de que, embora o acesso à justiça pudesse ser um “direito natural”, os direitos naturais não necessitavam de uma ação do Estado para sua proteção. Esses direitos eram considerados
anteriores ao Estado; sua preservação exigia apenas que o Estado não permitisse que eles fossem
infringidos por outros. O Estado, portanto, permanecia passivo com relação a problemas tais como a
aptidão de uma pessoa para reconhecer seus direitos e defendê-los adequadamente na prática (Cappelletti; Garth, 1988, p. 9).
Como não há possibilidade, ao menos no âmbito da política, de estabelecer um mecanismo que sempre produza resultados jus­tos, torna-se necessário utilizar os princípios da Justiça,
antes mencionados, não apenas para que se desenhe um procedimento o mais justo possível,
mas também utilizá-los para corrigir resultados eventualmente não substantivamente justos,
decorrentes do procedimento adotado.
Assim, a partir da aplicação dos princípios da Justiça estabelecidos na Constituição, segundo
Rawls, obter-se-ia procedimentos mais justos para a tomada de decisão e elementos substantivos
para o controle de eventuais resultados injustos decorrentes de seus procedimentos. “Idealmente
uma Constituição justa seria um arranjo procedimental justo que garantiria um resultado justo.
O procedimento seria o processo político governado pela Constituição (...), enquanto os princípios iriam definir um critério independente tanto para o procedimento quanto para a legislação”
(Rawls apud Vieira, 1997, p. 65).
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
Cabe, portanto, aos processualistas modernos a tarefa básica de expor o impacto substantivo
dos vários mecanismos de processamento dos litígios e, consequentemente, ampliar sua pesquisa
para mais além dos tribunais, utilizando-se dos métodos de análise da Sociologia, da política, da
Psicologia e da Economia para aprender mediante outras culturas que
[…] o “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é,
também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística. Seu estudo pressupõe um
alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica (Cappelletti;
Garth, 1988, p. 13).
Prosseguem os autores afirmando que o acesso à Justiça pode e deve ser encarado como
requisito básico e fundamental dos direitos humanos, em qualquer sistema jurídico que se pretenda moderno, igualitário, democrático e garantidor dos direitos, ou seja, que tal sistema jurídico
não se preocupe somente em proclamar os direitos de todos.
Assim sendo, a efetividade do processo deve ser entendida como a capacidade do sistema
em eliminar concretamente e com justiça as insatisfações e os conflitos, fazendo cumprir o Direito,
mantendo sua aptidão para alcançar os escopos sociais e políticos da jurisdição. Faz-se necessário,
todavia, aparelhar o Direito Processual para o cumprimento dessa dupla e complexa missão.
Nesse sentido, Rodrigues argumenta que se torna obrigatória a identificação dos pontos
sobre os quais se faz necessária uma análise mais acurada e as tomadas de decisão e estabelecimento de medidas mais urgentes. Corroborando com a ideia de Rodrigues, Dinamarco (1996)
indica quatro aspectos fundamentais de análise, partindo de um conceito mais amplo de Justiça,
quais sejam, “(a) o acesso à Justiça (admissão ao processo, ingresso em juízo); (b) o modo de
ser do processo; (c) a justiça das decisões; e (d) a sua utilidade” (1996, p. 390), o que justifica
o estudo das especificidades do Direito ao efetivo acesso à Justiça que se fará a seguir, pois, “a
busca de compreensão da problemática do acesso ao Judiciário, vinculada, portanto, ao Direito
Processual, vista dentro de um contexto mais amplo, qual seja, o da própria justiça social, dá-lhe
um sentido diferenciado e possivelmente mais crítico” (Rodrigues, 1987, p. 28).
No que diz respeito ao aspecto do acesso à Justiça, enquanto admissão ao processo, uma
série de pressupostos devem ser levados em consideração, no entanto apenas alguns deles dizem
respeito ao Direito Processual especificamente, sistematizados por Rodrigues, quando afirma
necessária a existência
[…] (a) de um direito material legítimo e voltado à realização da justiça social; (b) de uma administração estatal preocupada com a solução dos problemas sociais e com a plena realização do Direito; (c)
de instrumentos processuais que permitam a efetividade do direito material, o pleno exercício da ação
52
EaD
acesso à justiça
e da defesa e a plenitude da concretização da atividade jurisdicional; e (d) de um poder Judiciário
axiologicamente em sintonia com a sociedade na qual está inserido e adequadamente estruturado
para atender às demandas que se lhe apresentam (Rodrigues, 1987, p. 15).
Diante desse quadro, torna-se primordial a concretização do acesso à Justiça para a garantia
da efetividade dos direitos humanos, pois o cidadão tem necessidade de mecanismos próprios
e adequados para que possa efetivar seus direitos, no entanto as diferenças entre as partes que
se encontram em litígio, em relação ao sistema judicial e à disponibilidade ou não de recursos,
não podem ser deixadas de lado pela processualística.
Esse acesso efetivo à Justiça como instrumento garantidor da plenitude da soberania, é um
direito social básico. Baracho ressalta que Cappelletti, ao tratar do significado de um direito ao
acesso efetivo à Justiça e dos obstáculos a serem transpostos, elenca alguns problemas, como:
“As custas judiciais e a dispendiosa solução formal dos litígios; honorários advocatícios; pequenas causas; tempo; possibilidades das partes e recursos financeiros; aptidão para reconhecer um
direito e propor uma ação ou sua defesa; litigantes ‘eventuais’ e litigantes ‘habituais’; problemas
especiais dos interesses difusos; as barreiras ao acesso” (Baracho, 1995, p. 25), que serão objeto
de estudo posteriormente.
Segundo Rodrigues, por não se poder reduzir a questão do acesso à Justiça somente à
criação de instrumentos processuais adequados à plena efetivação dos direitos, também não se
pode afastar a ideia de acesso à Justiça como sinônimo de acesso ao Judiciário, haja vista que
os outros direitos dependem desse acesso sempre que não forem respeitados (1987, p. 29). Sem
a garantia do acesso ao Judiciário, a própria cidadania torna-se inoperante.
É de se observar que existem litígios que podem e devem ser solucionados por intermédio
de instrumentos paraestatais ou privados, mas “é fundamental perceber-se que o Estado, sem a
jurisdição, seria uma instituição política desprovida de um instrumento legítimo, através do qual
possa exercitar seu poder, em última instância, na busca da pacificação da sociedade. Ademais,
sempre que um direito não for respeitado espontaneamente, já não há mais como fazê-lo legitimamente senão através do processo” (Rodrigues, 1987, p. 29).
Mesmo que se vincule a questão do acesso à Justiça como acesso ao Judiciário, tal perspectiva não se exaure por si só, pois como já se mencionou, este é um conceito bem mais amplo,
“a problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos
órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa” (Watanabe, 1988, p. 128).
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
Assim sendo, procurar-se-á analisar o acesso à Justiça como acesso ao Judiciário, tendo
como pano de fundo o acesso à ordem jurídica justa, como forma de realização plena da cidadania.
Isso porque o Judiciário torna-se; com o tempo, o prestador de serviços para uma determinada
classe social ou um grupo social, antes que para outros, o que significa que parte da população
não tem acesso aos serviços da Justiça.
A conseqüência pode ser, e freqüentemente é, que a solução dos conflitos vai se deslocando para uma
forma de justiça privada, de submissão pura e simples dos mais fracos, menos espertos ou menos
ricos. Exemplo característico é o das relações de consumo: aparentemente tratando-se de relações
entre um fornecedor e um consumidor, de fato é uma relação de um fornecedor com um mercado consumidor, uma pluralidade de consumidores, cujos meios de ação podem ser coletivos (suspensão de
propaganda, venda ou fabricação de um produto, constituição de fundos de indenização de vítimas de
acidentes de consumo, etc.). Estamos aqui na fronteira entre justiça retributiva/comutativa (reparação
individual de danos) e justiça distributiva (medidas coletivas de prevenção e distribuição de riscos e
danos) (Lopes, 1994, p. 28).
Dessa ideia, segundo Aguiar, emerge um aspecto interessante a ser levantado, qual seja, a
concepção de Justiça dos dominados em uma determinada ordem social é injusta para aqueles
que os dominam. Os dominados, por exemplo, acham justo que a posse da terra seja respeitada,
em contrapartida, os dominadores, por terem uma ideia de Justiça que privilegia como justo o
direito de propriedade, acham justo retirar a propriedade das terras de todos aqueles que alterem
a ordem correta que está fundada no divino preceito do respeito à propriedade privada. “O lucro
é justo para o dominador, injusto para o dominado. Os bens são naturalmente divididos conforme a justiça dos dominadores, enquanto são concentrados e injustamente distribuídos para os
dominados” (Aguiar, 1987, p. 55).
É nesse sentido, também, que Lopes se posiciona em relação ao acesso à Justiça, lembrando
que os conflitos gerados pelos “serviços públicos exigem meios: receita para seu custeio, pessoal
e material para sua execução, poder ou com­petência para sua efetividade (desapropriação, policiamento, fiscalização, regulação administrativa, remoções, etc.)” (1994, p. 24). Esses conflitos
de interesses encontram no Judiciário um canal para sua visibilidade, criando-se situações que
obriguem às negociações, evitando-se, assim, que de­mandas básicas levassem a revoltas populares frequentes e contínuas.
Não se está afirmando, entretanto, que o poder Judiciário não possui alguns problemas
estruturais e históricos que interferem diretamente na questão do acesso à Justiça. Tais problemas efetivamente existem, no entanto é pertinente lembrar, pelo menos, dois aspectos de suma
importância nessa discussão a respeito do poder Judiciário:
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EaD
acesso à justiça
[…] primeiro, o fato de o Judiciário converter-se numa arena de discussão em que as partes podem
racionalizar seus interesses e sua concepção ético-jurídica; segundo, o fato de que os bloqueios institucionais eventualmente criados por demandas judiciais terem a capacidade de explicar conflitos sociais
básicos da sociedade brasileira. O valor do Judiciário é garantir que os arranjos e disputas se façam
sob a legalidade para dar visibilidade às diferentes reivindicações. Num sentido limitado, permite que
o diálogo se estabeleça formalmente entre litigantes (Lopes, 1994, p. 33).
Sem dúvida o poder Judiciário é um dos poderes estruturais do Estado moderno a quem
cabe, dirimindo as controvérsias, dizer com especificidade o Direito. A função do Judiciário em
princípio é a de dirimir conflitos de interesses, mas também de distribuir justiça, pois o Estado
Democrático de Direito, segundo Clève, é mais do que um Estado de Direito,
É um Estado de Justiça. A Constituição Federal de 1988 procurou fazer do Brasil um Estado de Justiça.
Por isso inscreve na Ordem Constitucional uma série de valores que, agregados em regras e princípios
(os princípios fundamentais), são suficientes para informar o conteúdo mínimo do direito brasileiro.
Esse conteúdo mínimo corresponde aos standards de justiça, é a justiça deduzida de um Texto Constitucional que procura privilegiar a dignidade de pessoa humana. No sistema consititucional brasileiro
atual é perfeitamente possível se advogar a inconstitucionalidade da lei injusta. Qualquer lei injusta,
ofensiva dos standards definidos pelo Constituite, será uma lei inconstitucional cuja aplicação pode
ser perfeitametne negada pelo Juiz. O juiz deve, no atual momento histórico, ter um compromisso com
a justiça normativamente inscrita na Constituição Federal (1993, p. 301).
Ao se mencionar o acesso à Justiça, portanto, primeiro é preciso distingui-lo em seus diferentes aspectos (acesso ao serviço, acesso à decisão, controle e publicidade da administração do
aparelho); segundo, é necessário “compreender o acesso à justiça como acesso ao (re)conhecimento dos direitos e, por outro lado, como direito do cidadão a ver respeitados e implementados
o conjunto de conteúdos normativos que compõem a ordem jurídica” (Morais, 2000, p. 213) para,
então, adaptar o Judiciário ao Estado democrático para que a Justiça distribuitiva seja também
realizável.
Tais objetivos hão de se concretizar mediante o aperfeiçoamento e a transparência da máquina judiciária. Com isso poder-se-á garantir a liberdade democrática, único caminho para a redefinição do mínimo ético, que servirá de base à legalidade e à realização plena da cidadania.
O movimento fez-se no sentido de reconhecer os direitos e deveres sociais dos governos, comunidades,
associações e indivíduos. Esses novos direitos humanos, exemplificados pelo preâmbulo da Constituição
Francesa de 1946, são, antes de tudo, os necessários para tornar efetivos, quer dizer, realmente acessíveis a todos, os direitos antes proclamados. Entre esses direitos garantidos nas modernas constituições
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
estão os direitos ao trabalho, à saúde, à segurança material e à educação. Tornou-se lugar-comum
observar que a atuação positiva do Estado é necessária para assegurar o gozo de todos esses direitos
sociais básicos (Cappelletti; Garth, 1988, p. 10-11).
Nesse sentido Azevedo entende que a magnitude do papel que deve desempenhar o juiz
é de extrema importância e não pode ser menosprezada, pois sua atividade
envolve todos os seus conhecimentos – direito objetivo e das regras que norteiam sua interpretação
e aplicação, e da vida, sob seus múltiplos aspectos: psicológicos, sociológicos, históricos, políticos,
geográficos, filosóficos, importando estes últimos não somente em uma concepção da existência e do
mundo como do próprio Direito, de sua função, fins e significado humano. (…) Para bem desempenhar
suas funções, é preciso que nelas ponha toda sua experiência vivencial, que lhe permite por-se na
situação do outro, ao mesmo tempo que dela se destaca, através de aguçada percepção dos problemas
individuais e sociais de seu tempo. Para que a sentença seja justa, haverá de mobilizar toda a pessoa do
juiz, particularmente sua consciência crítica, em face dos fatos que lhe são submetidos e da legislação
cuja aplicação as partes argüem (1998, p. 61).
Além dessas questões, que serão objeto de análise em momento apropriado, pode-se mencionar um problema que é consequência desse quadro, qual seja, a impunidade, que provoca
uma divisão essencial entre os membros de um determinado grupo social (formado por aqueles
que cumprem e os que não cumprem as normas). A impunidade indica que um número determinado, ou crescente, de cidadãos podem delinquir sem, ou com um risco mínimo de ser punido.
Nesse sentido Lopes argumenta:
A iniciativa de uns de não pagarem impostos, provocando o Judiciário, pode significar o malefício de
outros, não identificados, que deixarão de receber serviços públicos. A falta de meios, de conhecimento
e de acesso à justiça (pela pobreza, por exemplo) pode significar que alguns provocarão no Judiciário
uma jurisprudência construída a partir de pontos de vista determinados e limitados a grupos sociais
que tiveram acesso à máquina judicial (1994, p. 32).
Não se pode ignorar, contudo, que o poder Judiciário é sede da cidadania ativa. Segundo
Rocha, “não é apenas no voto em representante seu no poder Executivo ou em membro do poder
Legislativo que a cidadania se completa. Este voto é uma manifestação temporalmente delimitada, legalmente definida e circunstancialmente objetivada para o exercício do que teria sobrado
como poder do povo” (1998, p. 24). E prossegue a autor afirmando que
[…] a jurisdição, diversamente, é uma via de agitação permanente da cidadania. É por ela que o Direito faz-se vivo e insuperável pela atuação de quantos pretendam transgredi-lo. É pela provocação
da jurisdição que o cidadão faz com que o Direito seja universalmente acatado e igualmente imposto
a todos. (...) Não há democracia garantida sem jurisdição assegurada aos cidadãos (...). A jurisdição
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EaD
acesso à justiça
compromete-se democraticamente, pelo desempenho de três etapas de um percurso estatal que vai
do acesso assegurado ao cidadão ao órgão judicial competente, passa pela eficiência da prestação e
aperfeiçoa-se na eficácia da decisão proferida no caso apresentado (1998, p. 24).
Assim sendo, diante de tantos problemas aqui suscitados e da visão da imprescindibilidade
da garantia a todos do acesso ao Judiciário para a concretização efetiva da cidadania, é que se
questiona se o Judiciário está preparado para assumir a sua função de viabilizar o efetivo acesso e
a realização da Justiça em seu sentido mais amplo. Por certo não é possível uma resposta absoluta
para essa questão, sem levar em consideração cada Estado em particular, mas a democratização
do acesso à Justiça, como garantia fundamental, “é instrumento de aperfeiçoamento social, que
aliada à reestruturação do poder Judiciário, não mais pode ser postergada sob pena de tornar
irreversível o colapso do Estado Democrático de Direito frente às expectativas da nação” (Lobão
Rocha, 1995, p. 128).
2
Mesmo sendo o poder Judiciário, como se viu, um instru-
mento de acesso à Justiça e uma atividade imprescindível para a
realização da cidadania e da democracia, mesmo sendo um agente
transformador da realidade, não se pode deixar de mencionar que
igualmente existem outras formas alternativas à jurisdição que
igualmente visam à solução de conflitos, como se verá a seguir.
Seção 2.3
As Formas Alternativas de Justiça
Paralelamente às formas jurisdicionais tradicionais, existem possibilidades não jurisdicionais
de tratamento de conflitos, nas quais se atribui legalidade à voz do conciliador ou mediador, que
auxilia os conflitantes a compor o litígio. Estas formas alternativas de Justiça não representam
uma negação à importância do poder Judiciário, mas tão somente se pretende apresentar outras
vias de resolução dos conflitos, nas quais se busca uma nova racionalidade, qual seja, aquela
convencionada entre as partes. Aliás, como se verá ao longo dos estudos, tais formas, inclusive,
passaram a ser acolhidas pelo poder Judiciário.
Disponível em: <http://entrandonarede.varzeapaulista.sp.gov.br/?page_id=28>. Acesso em: 6 abr. 2013.
2
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
Pode-se afirmar que são basicamente duas as formas alternativas de Justiça, a saber: a
mediação e a arbitragem. Analisemos um pouco cada uma delas.
2.3.1 – Da Mediação
A mediação é uma forma consensual de resolução de litígios e segundo Morais e Spengler
pode ser definida como:
[…] a forma ecológica de resolução dos conflitos sociais e jurídicos na qual o intuito de satisfação do
desejo substitui a aplicação coercitiva e terceirizada de uma sanção legal. Trata-se de um processo
no qual uma terceira pessoa – o mediador – auxilia os participantes na resolução de uma disputa. O
acordo final trata o problema com uma proposta mutuamente aceitável e será estruturado de modo a
manter a continuidade das relações das pessoas envolvidas no conflito (2012, p. 131).
Pela mediação busca-se solucionar o conflito por meio da atuação de um terceiro desinteressado, cuja autoridade lhe é conferida pelas partes envolvidas, que exerce o papel de mediador e tem a função de estabelecer a comunicação entre os conflitantes. Em sua atuação lhe
é autorizado aconselhar e sugerir soluções, no entanto não pode induzir a qualquer resolução,
pois cabe às partes a construção de suas soluções.
Dentre as principais características da mediação, Morais e Spengler (2012) apresentam
as seguintes: a) a privacidade – o processo é desenvolvido em ambiente secreto e somente será
divulgado se esta for a vontade das partes; b) economia financeira e de tempo – em comparação
aos procedimentos judiciais em regra lentos e custosos, os conflitos levados à mediação tendem a
ser resolvidos em tempo inferior e com menor custo; c) oralidade – trata-se de um procedimento
informal no qual as partes têm a oportunidade de debater os problemas que os envolvem buscando a melhor solução para a situação; d) reaproximação das partes – o processo da mediação
visa a aproximar as partes, pois pelo debate e pelo consenso objetiva a restauração das relações
entre os envolvidos; e) autonomia – as decisões tomadas não necessitam de homologação judicial, pois a solução foi construída pelas partes, desde que evitado excessos e abuso de direitos
por parte do mediador para que tal decisão não se configure como imoral ou injusta; f) equilíbrio
das relações entre as partes – o mediador deve buscar o equilíbrio entre as partes para que haja
êxito na mediação. Ambas as partes deverão ter igualdade de oportunidade de se manifestar e
ter garantida a compreensão das ações que estão sendo desenvolvidas.
Para realizar a mediação há duas formas possíveis: a mandatória e a voluntária. “A voluntária é aquela que tem início por vontade das partes que acordam em desenvolver tal processo.
É iniciada pelo consentimento de todos os envolvidos e, é claro, sem que qualquer destes possa
impô-la aos demais.” (Morais; Spengler, 2012, p. 137). Já a mediação mandatória é aquela que
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EaD
acesso à justiça
“tem início por iniciativa do Juiz, cumprindo determinação legal ou, ainda, a mediação que é
provocada por determinada cláusula contratual que previa tal procedimento em caso de litígios
que porventura viessem a ocorrer” (Morais; Spengler, 2012, p. 138).
É importante frisar que, independentemente da forma como se inicie a mediação, não
existe uma regulamentação definida de como deve se seguir o procedimento. Este é variável,
levando-se em conta alguns critérios, tais como a matéria a ser mediada, as habilidades do mediador, sua escola e formação técnica, a maneira como se comportam as partes, dentre outros.
Existem vários modelos sugeridos nos quais se divide o procedimento em diversos estágios, cuja
duração é variável e indefinida.
Morais e Spengler (2012), ao citarem Kovach apresentam o modelo de mediação utilizado
nos Estados Unidos da América, que é composto por nove estágios básicos e quatro opcionais –
que estão arrolados a seguir entre parênteses. Vejamos:
1. Arranjos preliminares: a sessão de mediação, propriamente dita, é preparada. É nessa ocasião
que devem ser feitos os acertos gerais. É o instante em que as partes darão o aceite final ao
procedimento de mediação. Neste momento também se deve combinar os honorários do mediador e a forma pela qual as partes dividirão o custeio das despesas que porventura ocorram
e traçar o cronograma de atividades.
2. Introdução do mediador: o mediador deve se apresentar e oferecer tempo para que as partes
também o façam. Após deve descrever o procedimento.
3. Depoimentos iniciais pelas partes: cabe às partes e aos seus representantes fazerem uma
apresentação ininterrupta acerca dos motivos que as trouxeram a esta situação, com motivos
e argumentos a favor de seu ponto de vista sobre o conflito.
4. (Arejamento): momento para as partes repensarem e expressarem seus sentimentos.
5. Obtenção de informações: se os depoimentos iniciais forem insuficientes, o mediador pode
buscar informações adicionais necessárias, questionando as partes envolvidas.
6. Identificação da causa: o mediador deverá identificar o ponto exato da discussão.
7. (Acerto do cronograma): podem as partes ou o mediador concluir pela re-elaboração do cronograma.
8. (Reuniões): além das reuniões conjuntas, o mediador pode reunir-se privativamente com cada
uma das partes.
9. Criação de opções: estágio de formação de ideias, opções e alternativas para solucionar o
conflito.
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Patrícia Marques Oliveski
10. (Teste da realidade): pode-se simular e imaginar a utilização das opções propostas a fim de
verificar seu êxito.
11. Barganha e negociação: inicia-se início com as negociações, nas quais, compete às partes
chegar a uma solução final para o problema.
12. Acordo: o mediador deve auxiliar nas conversações e negociações no curso deste processo
e quando do sucesso do mesmo, firma-se um acordo que deve assumir forma de contrato e
ser assinado por todos.
13. Fechamento: estágio final no qual se deve encerrar o processo formalmente a fim de simbolizar o término do problema vivenciado pelas partes.
Após todo este procedimento, em que as partes construíram a solução do conflito, pode-se
afirmar que o papel do mediador é de suma importância para estabelecer uma comunicação mediada diante de uma situação na qual elas necessitam, sobretudo, de comunicação, viabilizando
uma solução aceitável e a continuidade das relações.
A solução consensual estabelecida entre as partes e aquela proferida pelo poder Judiciário
possuem significativa distinção, pois nesta a resolução do conflito é imposta por um terceiro e
naquela a solução é construída por ambas, o que garante uma efetiva solução do problema e,
por consequência, um maior comprometimento com o cumprimento do acordado.
Não obstante, ainda existe um longo caminho a ser trilhado para se vencer as críticas
sobre a falta de segurança e certeza jurídica, que se justificam porque a mediação caracteriza
um procedimento relativamente novo de tratamento de conflitos; porque não é uma técnica
disciplinada em muitos países; e, fundamentalmente, porque a perspectiva de uma verdade
consensual que se opõe à verdade processual, de uma responsabilidade que não desemboca
em uma sanção, mas na possibilidade de escolha das partes, na ausência da figura do juiz, na
presença do mediador, soa na mente de muitos juristas como um resquício de Justiça privada
(Morais; Spengler, 2012, p. 149).
A título de informação apenas, em que pesem as críticas, no Brasil tramita o Projeto de Lei
nº. 166/2010, que pretende a elaboração de um novo Código de Processo Civil, o qual disciplina
a mediação e a conciliação judiciais.
2.3.2 – Da Arbitragem
Para se entender a arbitragem enquanto forma alternativa de Justiça, importante compreender que esta é uma das formas mais antigas de resolução de conflitos.
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acesso à justiça
Percorrendo o histórico da arbitragem, percebe-se que a mesma se evidenciou desde a Antiguidade e
daí em diante passou a assumir papel importante no tratamento de conflitos. Encontra-se provas de
arbitragem entre os povos gregos, tanto entre particulares como entre cidades-estados, este último
podendo ser exemplificado pelo Tratado de Paz traçado entre Esparta e Atenas, em 445 a.C. Tradicional também é entre os romanos, que a empregavam largamente nas relações particulares (Morais;
Spengler, 2012, p. 213).
No Brasil a arbitragem é conhecida desde a colonização portuguesa e atualmente encontra
guarida em diversas câmaras arbitrais e projetos de lei e de forma específica a Lei nº 9.307/96,
que a regula. A inspiração do advento da lei decorre de alguns vícios da via judiciária (notadamente o excesso de litígios e demora processual), da crescente complexidade dos litígios, como
consequência das próprias relações sociais a exigir cada vez mais a atuação de peritos árbitros
em casos de disputa.
A lei, no seu texto, cuidou não apenas de substituir o ineficiente modelo de “juízo arbitral”, até então
previsto em nossa legislação revestindo-o de um caráter atual, como disciplinou notadamente a convenção de arbitragem, prestigiou a manifestação da vontade, e sempre a par do resguardo dos bons
costumes e da ordem pública (art. 2º, parágrafo 1º.), ocupou-se de adaptar o novo diploma aos textos
legais conexos (arts. 41 e 42), de explicitar o acesso ao Judiciário aos eventualmente prejudicados
(art. 33), da eficácia dos tratados internacionais na matéria (art. 34) e até mesmo da postura ética dos
árbitros, que para efeitos de deslizes de comportamento foram equiparados aos funcionários públicos
(Morais; Spengler, 2012, p. 218).
Assim as vantagens da arbitragem parecem evidentes, eis que se trata de um procedimento
diverso do judicial e, teoricamente, não sofreria suas inconveniências, podendo ser mais rápido, neutro, especializado, flexível e de baixo custo, visto que é facultado às partes acordarem a
respeito do Direito aplicável ao conflito e, somente não havendo acordo é que se terá a decisão
arbitral. E com as convenções internacionais a respeito da arbitragem a execução das sentenças
ou laudos arbitrais passa a ser facilitada.
De acordo com Alvin arbitragem é, portanto, o meio pelo qual o Estado “em vez de interferir
diretamente nos conflitos de interesses, solucionando-os com a força da autoridade, permite que
uma terceira pessoa o faça, segundo determinado procedimento e observado um mínimo de regras
legais, mediante uma decisão com autoridade idêntica à da sentença judicial” (2002, p. 24).
Para Morais e Spengler (2012, p. 223) a arbitragem é uma
[…] outra estratégia de tratamento de controvérsias tomando-se como referência o processo estatal –
meio heterocompositivo por certo mais empregado para dirimir conflitos. Por fim, é possível afirmar
que trata-se de um mecanismo extrajudicial de tratamento de conflitos de tal sorte que a intervenção
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
do Judiciário ou não existirá, ou será invocada quando houver necessidade de utilizar a força diante de
resistência de uma das partes ou de terceiros (condução de testemunhas, implementação de medidas
cautelares, execução de provimentos antecipatórios ou execução de sentença arbitral).
A arbitragem possui quatro características principais, quais sejam: a) ampla liberdade de
contratação: ou seja, é estabelecida mediante um acordo entre as partes, que definem o objeto
do conflito, podendo, inclusive, definir quais as regras de Direito material e processual que serão
aplicáveis ao caso, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública; b) pode ser
usada em qualquer espécie de conflito de Direito patrimonial disponível: aplicável a quaisquer
controvérsias que envolvam os contratos em geral, tanto na área civil quanto na comercial; c)
permite ao árbitro disciplinar o procedimento não convencionado pelas partes: se as partes não
convencionaram qual seria o procedimento a ser adotado, o árbitro o disciplina; esta característica evita celeumas desnecessárias e agiliza o processo; d) a sentença arbitral é título executivo
judicial: tal característica permite que, nas decisões arbitrais de natureza condenatória, o laudo
possua status de título executivo ou quando se tratar de uma decisão de natureza declaratória
ou constitutiva, somente surtirão seus efeitos a partir da comunicação de seu teor às partes e
seus representantes.
Segundo Morais e Spengler (2012, p. 227), é fundamental que se faça a diferença entre
arbitragem equitativa e arbitragem de direito, pois,
no primeiro caso os árbitros ficam livres para decidir os litígios a eles submetidos segundo o seu sentido
comum sem ter de restringir-se à aplicação do direito em sentido estrito. Nestes termos, a arbitragem
equitativa abandona a regra “geral e abstrata, consagrada na norma”, e “busca formular e aplicar uma
regra particular e própria para aquele determinado caso [...]”. Já a arbitragem de direito prevê que os
árbitros decidirão segundo os princípios estritamente jurídicos, julgando em consonância com o direito
positivo. Nestes termos, estariam obrigados a analisar os fatos de acordo com as normas aplicáveis.
Embora muitas leis vedem sua versão equitativa, a regra geral é realmente que as partes tenham a
possibilidade de dispor o momento de se submeterem à arbitragem a maneira como os árbitros devem
decidir as controvérsias, estipulando que poderão decidir como amigáveis compositores ou segundo
o direito.
No Direito brasileiro o procedimento de arbitragem está regulamentado na lei nº. 9.307/96,
e estabelece que para haver juízo arbitral é necessário que as partes tenham convencionado
mediante o estabelecimento de cláusula compromissória ou por meio de compromisso arbitral.
O procedimento arbitral é estabelecido e organizado pelo árbitro de acordo com regras previamente estabelecidas pelas partes ou na ausência destas, tal incumbência fica a cargo do próprio
árbitro.
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acesso à justiça
Independentemente do procedimento que se adote Morais e Spengler (2012, p. 235), observam que alguns princípios devem ser observados, tais como:
1. Princípio do contraditório: segundo o qual, para cada ato do procedimento praticado por uma
das partes, deve ser dado ciência à outra, para que tome conhecimento e, se o desejar, apresente sua manifestação.
2. Princípio da ampla defesa: o procedimento da arbitragem visa a aproximar ao máximo a verdade processual da verdade real, facultando às partes prova de suas alegações, por todos os
meios de prova em direito admitidos.
3. Princípio da igualdade de tratamento: no procedimento arbitral as partes e seus procuradores
devem ter as mesmas oportunidades de apresentar as suas pretensões, provas e alegações.
4. Princípio da imparcialidade e independência: o árbitro deve estar equidistante das partes e
de seus interesses e não possuir com elas qualquer vínculo de dependência. É uma forma de
garantir um julgamento sem favoritismo para qualquer das partes.
5. Princípio da disponibilidade: significa que as partes estão autorizadas a desistir do procedimento arbitral instaurado, desde que o façam de comum acordo, a qualquer tempo antes da
sentença arbitral.
6. Princípio do livre convencimento do julgador: implica a liberdade atribuída ao árbitro para
proceder à valoração da prova, de acordo com o seu critério racional e pessoal, na formação
de seu convencimento.
Observados tais princípios, a arbitragem caracteriza-se como uma forma alternativa de
Justiça que tem ganho espaço e representação. Um número cada vez maior de entidades tem
se dedicado à arbitragem comercial. No Brasil Morais e Spengler (2012, p. 226) mencionam o
Tribunal Arbitral da Câmara de Comércio Brasil-Canadá e a Câmara de Mediação e Arbitragem
de São Paulo. No âmbito do Mercosul, visando a agilizar o tratamento dos conflitos individuais,
está sendo criado o Tribunal de Mediação e Arbitragem do Coadem – Colégio e Ordem dos Advogados do Mercado Comum do Sul.
Síntese da Unidade 2
Nesta Unidade estudamos a jurisdição como instrumento de inclusão
social, ressaltando a sua importância como garantia de acesso ao poder Judiciário e, via de conseqüência, à Justiça. Analisamos, também,
as formas alternativas de jurisdição, especificamente a mediação e a
Arbitragem como meios de resolução de conflitos.
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EaD
Unidade 3
acesso à justiça
ASPECTOS HISTÓRICOS DO ACESSO À JUSTIÇA
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Compreendido o acesso à Justiça como acesso à jurisdição, nesta Unidade passa-se ao
estudo dos aspectos históricos do acesso à Justiça para que se possa ter uma compreensão do
significado do termo e da abrangência de seus efeitos. A análise conceitual do acesso à Justiça, portanto, não poderia prescindir do estudo de seus princípios fundamentais que norteiam
qualquer concepção teórica ou prática e dão suporte para viabilizar a compreensão dos limites
e obstáculos do acesso à Justiça.
SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 3.1 – Aspectos Históricos do Acesso à Justiça
Seção 3.2 – A Evolução do Acesso à Justiça no Brasil
Seção 3.3 – Princípios Fundamentais que Informam o Acesso à Justiça
Seção 3.4 – As Limitações do Acesso à Justiça
Seção 3.1
Aspectos Históricos do Acesso à Justiça
Na época dos Estados Liberais (burguês), o direito ao acesso à proteção judicial significava
apenas o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. Esse acesso era
analisado como um “direito natural”, e esses direitos não necessitavam de uma ação do Estado
para sua proteção.
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
O Estado nessa época não tinha a preocupação com a questão social, com a questão da
pobreza no sentido legal, ou melhor, em afastar a incapacidade que muitas pessoas tinham de
utilizar a Justiça e suas instituições. Só poderiam utilizar a Justiça aqueles que tivessem condições financeiras de enfrentar seus custos e caso não tivessem condições eram responsáveis
pela sua sorte.
O estudo jurídico era tipicamente formalista, dogmático e indiferente aos problemas reais
do foro cível. A sua preocupação era de mera exegese ou construção abstrata de sistemas e mesmo quando ia além dela, seu método consistia em julgar as normas de procedimento à base de
sua realidade histórica e de sua operacionalidade em situações hipotéticas (Cappelletti; Garth,
1988).
A ideia dos estudiosos do Direito, nos tempos mais antigos, era como o próprio sistema
Judiciário, pois se encontravam afastados das preocupações reais da maioria da população. No
momento em que as ações e os relacionamentos assumiram caráter mais coletivo que individualista, característica dessa época, as sociedades modernas deixaram para trás a visão individualista
dos direitos, refletida na “declaração dos direitos” dos séculos 18 e 19.
Nesta mesma época, o conceito de direitos humanos começou a sofrer uma considerável
transformação. Os novos direitos humanos são exemplificados pela Constituição Francesa de
1946, e entre esses direitos garantidos estão o direito ao trabalho, saúde, educação, etc. Para
compreender esse enredo faz-se uma recapitulação da história do Acesso à Justiça desde a Antiguidade até os tempos atuais. Assim, para cumprir com este intento, vai-se buscar este resgate
histórico na obra de Carneiro.
No período antigo a ideia e o significado da expressão acesso à Justiça variaram no tempo,
em virtude de uma série de elementos, de influências de natureza política, religiosa, sociológica
e filosófica. No Código de Hamurabi, estavam estabelecidas importantes garantias que impediam
a opressão do fraco pelo forte, pois asseguravam proteção às viúvas e aos órfãos e, ainda, incentivavam o homem oprimido a procurar a instância judicial, no caso o soberano, para que este
resolvesse a sua questão por uma inspiração divina. Por esta razão, também, o acesso à Justiça
dependia do acesso à religião (Carneiro, 2000)
Foi somente na Grécia Antiga que começou a tomar forma a expressão hoje conhecida
como isonomia, e cuja concepção teria grande influência no futuro, no que concerne à questão
dos direitos humanos. A Justiça era representada pela figura geométrica do quadrado, em razão
da absoluta igualdade dos seus lados. Foi Aristóteles o formulador do que hoje entendemos por
teoria da Justiça, influenciado pelas medidas de igualdade e proporcionalidade. Também foi
Aristóteles quem primeiro mencionou a possibilidade de o juiz adaptar a lei à situação concreta
(Carneiro, 2000).
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EaD
acesso à justiça
Em razão do modelo democrático em algumas Cidades-Estados gregas, o poder-dever de
julgar competia à totalidade dos cidadãos, reunidos em assembleia, cabendo aos magistrados,
basicamente, a execução das decisões nela tomadas. Por outro lado, qualquer cidadão poderia
acionar a Justiça. O acesso era amplo e quase irrestrito aos cidadãos.
Atenas foi o berço da assistência judiciária aos pobres. Naquela época, anualmente, eram
nomeados dez advogados para prestar assistência jurídica àquelas pessoas consideradas à época
como carentes. A influência do pensamento grego na cultura romana levou a várias noções importantíssimas, especialmente no que diz respeito ao Direito e à Justiça, como a noção do patrocínio
em juízo, a necessidade da presença de advogado para o equilíbrio das partes em litígio.
Foi com o Direito Romano que se desenvolveram as noções de institutos jurídicos, razão
pela qual se percebe claramente uma linha de evolução da jurisdição:
Num primeiro momento, vigia a auto-tutela (complementada pela possibilidade de transação),
caracterizando-se principalmente por ser uma justiça privada. Como a solução era insatisfatória,
desenvolveu-se um modelo de resolução dos conflitos através da escolha de árbitros – normalmente
escolhidos pelas partes em razão de convicções religiosas, os quais, além de imparciais, traduziriam
a vontade dos deuses. A religião desenvolve-se, e com ela o Estado, que passa a assumir a função
de resolver conflitos intersubjetivos. Primeiro era neces­sário que o cidadão comparecesse diante do
magistrado – pretor (já aqui diferente do sacerdote) – e aceitasse a decisão. O pretor elaborava a regra
a ser aplicada (não é o momento de discutir a função criadora do pretor romano) e indicava um árbitro, o qual decidiria a questão. Com o tempo, o pretor não apenas elabora a regra a ser aplicada, mas
assume também a função de julgar, de aplicar o direito, e vai além, submete o cidadão ao seu poder,
o poder estatal. É a justiça pública. Falamos de jurisdição (Carneiro, 2000, p. 7).
As discussões sobre Justiça, moral e a ética conduzem a uma preocupação com a prática
judiciária e a importância dada à assistência de advogado, representando um marco na busca
pela igualdade material.
No período medieval a evolução dessa ideia de acesso à Justiça prossegue durante a Idade Média bizantina e europeia, séculos 4º e 5º até o começo do pensamento moderno, com o
Renascimento, séculos 15 e 16. A predominância, nesse período, do Cristianismo, trouxe forte
concepção religiosa ao Direito, fazendo com que o homem justo fosse medido pela sua fé. No
século 12, o Decreto de Graciano sistematiza o Direito Canônico anterior, e, ao lado dos textos
romanos recebidos, estabeleceram as bases para o desenvolvimento da ciência jurídica ocidental
(Carneiro, 2000).
Santo Tomás de Aquino, que foi considerado o pensador mais célebre da Europa unificada pelo Cristianismo e que sofreu fortíssima influência de Aristóteles, achava importante haver uma separação
entre os campos da razão e da filosofia, no que se refere às realidades da experiência ou ao campo
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
das demonstrações — um aceno à realidade sociológica. Santo Isidoro de Sevilha tinha uma opinião
fundamental em relação ao que seria a meta ideal de uma lei, dizia: “A lei há de ser honesta, justa,
possível, adequada à natureza e aos costumes, conveniente no tempo, necessária, proveitosa e clara,
sem obscuridade que provoque dúvida e estatuída para utilidade comum dos cidadãos e não para o
beneficio particular” (Carneiro, 2000, p. 10).
Como é possível perceber, é marcante a influência da religião sobre a Filosofia e o Direito,
no entanto a verdade é que as elaboradas discussões acerca da Justiça e do justo não tiveram
correspondência na prática judiciária institucional. “Basta relembrar que os ordálios ou juízos
de Deus (provas de água, de fogo, duelos) constituíam a fonte primária de julgamento. Em assim
sendo, era praticamente desnecessária a representação em juízo. As próprias partes em juízo
participavam do ordálio” (Carneiro, 2000).
Evidentemente que tal situação não representa o acesso à Justiça, ao menos nos moldes
em que hoje o compreendemos, mas certamente significava acesso a um julgamento, tido como
justo pelo grupo social.
Nessa época, o panorama nas Ilhas Britânicas, o qual, a exemplo de países continentais, experimentava estrutura tipicamente feudal, registrava conflitos entre o poder central do rei e os senhores das
terras. A força desses senhores feudais, dos barões, inclusive com bases militares, compeliu João Sem
Terra a assinar a Magna Carta da liberdade, em 1215. Este episódio marcou fortemente o que viria a
ser a consagração dos direitos do homem. Vale transcrever os parágrafos 39 e 40 desse documento:
“Nenhum homem livre será ou aprisionado, ou despido de seus direitos ou posses, ou posto fora da
lei, ou exilado ou privado de sua posição por qualquer outro meio. Nem procederemos à força contra
ele ou enviaremos outros para fazê-lo, senão pelo legítimo julgamento de seus iguais ou pela lei da
terra. A ninguém venderemos nem negaremos ou retardaremos o direito ou a justiça” (Carneiro,
2000, p. 13).
Em um determinado momento as explicações medievais passam a não mais satisfazer; daí
a volta, um reestudo, uma revisão do pensamento greco-romano, surgindo, assim, o movimento
conhecido como Renasci­mento (volta ao passado – renascer).
No período moderno a Escola Clássica do Direito Natural passava a reconhecer que a
natureza humana é que seria a fonte do Direito Natural. Esta visão huma­nista e racionalista do
Direito evidentemente não ficava afastada da origem divina do poder dos reis, mas já se esboçavam limitações a esse poder. Começava a se difundir a ideia de que o poder teria por objetivo
a felicidade do povo.
E esta noção vai se insinuando, lentamente, nas classes sociais da época, discutidas nas academias
e nas cortes. Esses movimentos, a partir do século XVII, passaram a exercer fortíssima influência. A
busca de determinados direitos em face do poder exercido pelos reis; o conflito da chamada classe
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acesso à justiça
burguesa contra a realeza e os privilégios da aristocracia, não só em razão da concentração dos poderes
exercidos com arbítrio inigualável, mas também e especialmente contra os tributos abusivos que estes
impunham àquela (Carneiro, 2000, p. 13).
A Inglaterra consolida seu processo revolucionário incorporando de forma precursora
algumas ideias básicas da aludida Escola Clássica do Direito Natural, notadamente a da limitação do poder real. Já no século 18, conhecido como o Século das Luzes, tem-se a insurreição
das colônias norte-americanas contra a Coroa britânica, em 1776. A Declaração dos Direitos da
Virgínia, que sucedeu à Independência Americana e a própria Declaração de Independência,
ambas daquele ano, já anunciavam a consagração dos direitos fundamentais do homem. Pouco
depois ocorreu a Revolução Francesa, fortemente influenciada pelo movimento conhecido como
a Enciclopédia, com Voltaire, Rousseau e Montesquieu (Carneiro, 2000).
A revolução burguesa, com absoluta necessidade de limitar os poderes do Estado, traz a
teoria da separação dos poderes e o princípio da legalidade, este com uma visão absolutamente
individualista, em especial da proteção à propriedade e autonomia privadas. Enfim, o mercado
é livre. O Estado não deve intervir. A igualdade das pessoas é absoluta. A outra face desses movimentos revolucionários é a estabilização dos Estados nacionais.
As idéias de nação, Estado e poder popular, dentre outras, criam um novo conceito de Estado Nacional, cuja identidade será resultado da Constituição, um documento que, em última análise, expressa
o sentimento e a homogeneidade de um grupo, que passava, ao menos em tese, a prescindir do poder
de coerção de uma pessoa para constituir-se. Tratamos de uma fase liberal-individualista, fruto de
revoluções burguesas. O movimento que as revoluções produzem conduz, nessa fase, a uma reação
contra o “Poder Judiciário”, pois, na fase anterior, os juízes eram o braço forte da opressão estatal. Com
as revoluções, a reação é no sentido de retirar o poder desses juízes, reduzindo a sua função a declarar
o conteúdo da lei. Este desprezo pelo judiciário revela que o Estado liberal não tem preocupação com a
idéia ou a prática do acesso à Justiça (Carneiro, 2000, p. 17, grifos nossos).
Então um paradoxo se estabelece, pois ao mesmo
1
tempo em que a Constituição do Estado assegura, em
tese, a igualdade entre os indivíduos, o que deveria,
também em tese, assegurar igual acesso à justiça, não
é o que se verifica na realidade.
Disponível em: <http://liberdadeazulsp.blogspot.com.br/2013/01/igualdade-perante-lei-isencao-de.html#!/2013/01/igualdade-perantelei-isencao-de.html>. Acesso em: 6 abr. 2013.
1
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
A minimização do Judiciário conduz a uma ausência de preocupação com a questão do
acesso. De grande importância, portanto, as correntes do pensamento filosófico-jurídico da época: positivista e jusnaturalista:
O positivismo, especialmente aquele de orientação legalista, que predomina, entende que o aplicador
da lei deve utilizá-la tal como escrita, sem qualquer indagação da experiência, da Sociologia, da ética
ou da ideologia. O juiz não poderia emitir juízo de valor, porque estaria vinculado ao texto escrito. É
importante que se diga que positivismo não renega a importância da Sociologia, da ética, da metafísica. Ele afasta essas especulações todas no momento da interpretação. Neste momento, o que vale
é o texto estrito da lei (doutrina da prevalência da lei como fonte do direito). Em contrapartida a essa
corrente, o jusnaturalismo, não aceita, ou melhor, retira a validade da lei que contraria o princípio de
direito natural. Aqui podemos observar a dicotomia enfática entre a noção de segurança do positivismo
e a do justo, do jusnaturalismo (Carneiro, 2000, p. 19).
Essa dicotomia e a disputa entre as duas correntes, na análise acerca da existência de lei
injusta, com a possibilidade de superação da injustiça por meio de uma nova interpretação a
partir dos princípios que informam aquele sistema, assumem relevância.
No período contemporâneo, a partir da segunda metade do século 19, e já no século 20,
principalmente com a influência da Filosofia marxista, em razão das mazelas do capitalismo e
da concentração da riqueza, ocorre a disputa da burguesia e do proletariado.
As reivindicações do movimento marxista, especialmente no campo trabalhista, serviram de marco
histórico em muitos países para a discussão do significado de acesso à justiça, enquanto proteção ao
trabalhador. O Direito do Trabalho foi o ponto de partida do verdadeiro acesso à Justiça – o seu significado, no que se refere aos direitos individuais, pela facilidade do acesso, pela prevalência da mediação
e da conciliação, pela índole protetiva, em especial no que diz respeito ao ônus da prova, do trabalhador,
e mais do que isso, a visão da defesa coletiva da massa trabalhadora (Carneiro, 2000, p. 20).
A necessidade dessa intervenção do Estado no decorrer do período liberal, para assegurar
direitos no campo social caracteriza uma nova fase. O Estado Social intervém visando a assegurar
não mais aquela igualdade puramente formal, mas a igualdade material, permitindo que os mais
desfavorecidos tivessem acesso à escola, à cultura, à saúde, dentre outros direitos.
Modernamente, apesar do conservadorismo de alguns tribunais, profundamente influenciados por um positivismo de feição normativista, não se pode mais vetar a participação criadora
do juiz no momento da aplicação da norma ao fato. Este deve perquirir os fins sociais que informam a aplicação da norma ao caso concreto, amoldando-a às exigências do bem comum, o que
representa uma das faces da noção de acesso à Justiça dos dias de hoje.
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EaD
acesso à justiça
A modernização da sociedade, os novos meios de comunicação, a industrialização, a migração do
campo para a cidade, o avanço tecnológico, as conquistas trabalhistas, tudo isto levou a uma reorganização da sociedade, a partir da experiência dos movimentos sociais. Modernamente temos os novos
movimentos sociais, através das ONGs, dos movimentos sociais, da Igreja, e outros, com novas reivindicações diversas daquelas que deram sustentação às Revoluções Inglesa, Americana e Francesa.
O movimento agora é no sentido de que a liberdade e a igualdade saiam do plano teórico, passem do
papel para a vida. O importante é que os direitos que promanam da liberdade e igualdade, como a
cidadania, a saúde, a educação, a informação, possam, na prática, ser alcançados, e exigidos de quem
está obrigado a fornecê-los (Carneiro, 2000, p. 25).
O Poder Judiciário, portanto, volta a ocupar lugar de destaque na busca pela realização
dos direitos e, quando os chamados direitos sociais são objeto de conflito, necessitam de uma
esfera estatal de conciliação e julgamento. Ao Judiciário compete assegurar o exercício pleno
da liberdade e também as condições materiais para esse exercício. Em curto espaço de tempo o
Judiciário converte-se, realmente, em instância de solução de conflitos de toda espécie e passa
a haver uma demanda muito grande por justiça.
Neste momento, portanto, cresce de importância a concepção do real significado de acesso
à Justiça. É preciso que ela sirva, e bem, a todos, desde os mais carentes aos mais privilegiados,
desde o indivíduo isoladamente considerado até o grupo, a coletividade, globalmente considerada. Surge assim, primeiramente nos países desenvolvidos, a partir das reivindicações sociais,
a demanda por formas céleres e efetivas de Justiça para a população em geral, razão pela qual
aparecem os chamados Juizados de Pequenas Causas, conhecidos nos EUA.
A partir da década de 70, nos Estados Unidos da América, os programas de apoio aos cidadãos para a defesa de direitos difusos tomaram corpo, especialmente na área ambiental e do
consumidor, com o desenvolvimento de escritórios de advocacia. Nessa mesma época, os Estados
Unidos procuraram desenvolver e incentivar meios alternativos para a resolução dos confli­tos
sem as formalidades exigidas pelos tribunais.
Na última década está havendo uma contrarreação ao chamado Estado social, corporificamse as reivindicações em prol dos direitos fundamentais e da possibilidade de exercitá-las, a exigir
do Judiciário e, em consequência, do Estado, meios e modos de resolver esses problemas, sejam
os de cunho individual gerados por este novo mundo, esta nova forma de vida, como também
aqueles que se põem no plano da coletividade.
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
Seção 3.2
Evolução do Acesso à Justiça no Brasil
A evolução do acesso à Justiça no Brasil foi muito lenta. Da época do descobrimento até os
séculos 17 e 18, período em que fervilhava nos países centrais o culto à liberdade de consciência
e religiosa, a ideia de democracia, que culminou nas Revoluções Inglesa, Americana e Francesa,
no Brasil praticamente nada de relevante neste campo acontecia, salvo o movimento conhecido
como a Inconfidência Mineira, que ocorreu no final do Século das Luzes, 18.
Os conhecimentos trazidos por estudantes brasileiros que frequentaram as universidades européias
– especialmente as de Coimbra, Paris e Londres – tiveram, de acordo com respeitáveis historiadores,
considerável influência na luta travada a partir de Vila Rica. Nessa época, ainda no Brasil Colônia,
destacamos possivelmente como um de nossos primeiros filósofos Tomaz Antonio Gonzaga, que, apesar
da sua nacionalidade portuguesa, radicou-se no Brasil e teria sido juntamente com Cláudio Manuel
da Costa, Inácio José de Alvarenga, o Cônego Luis Vieira da Silva, um dos pensadores do movimento
da Inconfidência de Minas Gerais. Tomaz Antonio Gonzaga publicou, ainda, um tratado de direito
natural no qual expunha, como requisitos da lei adequada, ser ela honesta e não ofender a utilidade
pública (Carneiro, 2000, p. 34).
Do ponto de vista legislativo, até o final do século 18, pouquís­simas eram as referências a
um direito próprio e exigível de acesso à Justiça. Ordenações Filipinas, que passaram a vigorar
no Brasil, como a de 11 de janeiro de 1603, continham algumas disposições relativas a um suposto direito de as pessoas pobres e miseráveis terem o patrocínio de um advogado. Mesmo após
a proclamação da Independência do Brasil, em 1822, na primeira metade do século 19, no que
diz respeito ao acesso à Justiça e à própria noção de liberdade, pouco se modificara (Carneiro,
2000).
A Constituição de 1824, fortemente centralista, concedia ao Impe­rador poderes que o colocavam na vanguarda de um governo de cunho absolutista, apesar dos avanços teóricos contidos
no título VIII, influenciado pelo modelo francês de 1791, que tratava das Garantias dos Direitos
Civis e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, no que se refere a direitos fundamentais, como a liberdade de imprensa (artigo 179, nº 4), a liberdade religiosa (nº 5) a inviolabilidade do domicílio (nº
7) e alguns acenos de cunho social, como a garantia dos socorros públicos (nº 31) e a instrução
primária gratuita (nº 32) (Carneiro, 2000).
72
EaD
acesso à justiça
Passados mais de três séculos do “descobrimento” do Brasil, a legislação infraconstitucional ainda era basicamente formada pelas Ordenações Filipinas, regimentos, cartas régias que
continham resoluções do rei especificamente para autoridades públicas brasileiras, como a que
dispôs sobre a abertura dos portos brasileiros; cartas de lei de caráter geral e alvarás com normas
específicas, como a que criou o Banco do Brasil (Carneiro, 2000).
O Código Civil previsto na Constituição de 1824 somente entrou em vigor em 1916, ao passo
que o Código Criminal passou a vigorar em 1830, surgindo em seguida o Código de Processo
Criminal de 1832. Do ponto de vista histórico, o primeiro Código de Processo Civil no Brasil foi
o Regulamento 737, de 1850, destinado a determinar ordem do juízo no processo comercial com
inovações especialmente no que se refere à simplicidade dos feitos; seguiu-se a ele o Regulamento que dispunha sobre os Tribunais de Comércio e o processo das falências. Posteriormente
foi elaborada e editada uma Consolidação das Leis de Processo Civil, que tomou força de lei em
28 de dezembro de 1876.
O acesso à Justiça, portanto, como o entendemos hoje, mesmo próximo dele, simplesmente inexistiu no Império brasileiro, porque é fruto de um processo histórico e político ainda não
consolidado àquela altura da evolução do país.
A noção de acesso à Justiça como atividade caritativa, como favor prestado aos mais pobres única
e exclusivamente no campo da litigância, do processo, e em especial na área penal, foi a tônica dominante durante grande parte do século atual, que, nos países em desenvolvimento como o Brasil,
retrata o ideário do Estado liberal (a igualdade meramente formal), tendo praticamente como ressalva
única de monta a criação da Justiça do Trabalho, a qual será abordada adiante com maiores detalhes
(Carneiro, 2000, p. 37).
A Constituição de 1934, fortemente influenciada pela Constituição de Weimar, de 1919, traz
como grande novidade o título IV – Da Ordem Econômica e Social – especialmente no que se
refere a direitos trabalhis­tas, como o salário mínimo e o sindicalismo (artigo 121, letra b, e artigo
120, respectivamente), instituindo uma justiça própria do trabalho, a qual previa participação de
representantes dos empregados e empregadores (artigo 122 e parágrafo único).
No capítulo II – Dos Direitos e das Garantias Individuais –, a Constituição de 1934 cria a
ação popular e a assistência judiciária para necessitados, com a isenção de emolumentos, custas,
taxas e selos, prevendo também a obrigação dos Estados e da União quanto à criação de órgãos
especiais a tal fim.
73
EaD
Patrícia Marques Oliveski
Os Estados federais somente se interessaram pela criação de órgãos de assistência judiciária
a partir da Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950, até hoje em vigor – com modificações –, que
traz uma série de normas sobre a concessão de assistência judiciária para os pobres. O Estado
de São Paulo (Lei nº 2.188, de 21 de julho de 1954) e, depois, o Estado do Rio de Janeiro (Lei nº
5.111, de 8 de dezembro de 1962) criaram cargos de defensores públicos.
A Carta Política de 1937, que inaugura o Estado Novo, e representa um dos mais marcantes retrocessos,
pois descreve um Estado autoritário, enfeixando nas mãos do presidente poderes quase absolutos:
expedir decretos-leis sobre todas as matérias de competência da União (art. 180), para avaliar se uma
decisão do poder Judiciário sobre inconstitucionalidade de uma lei poderia ou não ser revista e tornada sem efeito pelo parlamento (parágrafo único do art. 96) e ainda para suas conquistas relatadas no
parágrafo anterior no que diz respeito à criação da ação popular e da assistência judiciária (Carneiro,
2000, p.38).
Com a redemocratização do país, a Constituição de 1946, além de preservar as inovações
da Carta de 1934, ampliou fortemente o campo dos direitos sociais (título 5º), tratando, em título
próprio (6º), da família, da educação e da cultura. As normas da Carta de 1946 e todo o seu sistema de divisão de poderes foram profundamente afetados por força de atos institucionais que
se sucederam a partir de 9 de abril de 1964, com o estabelecimento da ditadura militar no Brasil,
que perdurou por cerca de 20 anos, com novos retrocessos.
A nova Carta de 1967, apesar de semelhante, do ponto de vista da distribuição formal das matérias,
à de 1946, concentra novamente, como foi o caso da Carta de 1937, poderes fortíssimos na figura do
presidente, com o fortalecimento do poder Executivo, inaugurando oficialmente o Estado de segurança.
Durante esse período novos alargamentos dos poderes do presidente foram praticados, atingindo grau
praticamente absoluto a partir do Ato Institucional n.º 5, de 13 de dezembro de 1968, que paralisou o
funcionamento da Constituição então vigente. A Carta de 1969, com exceção do período do governo
Médici, a ditadura foi recuando progressivamente, até a edição da Emenda Constitucional nº 11, de
13 de outubro de 1978, que veio a revogar os chamados atos de exceção — atos institucionais e complementares —, seguindo-se a ela Lei da Anistia (Lei n0 6.683, de 28 de agosto de 1979), o movimento
“Diretas Já”, até a convocação da Assembléia Nacional que elaborou a Carta de 1988, ora vigente
(Carneiro, 2000, p. 39).
Quanto à legislação ordinária, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), editada em 1º
de maio de 1943, merece especial destaque por ser o primeiro diploma legal que se preocupou
com o sentimento de coletividade, opondo-se ao individualismo dominante. Os demais ramos do
Direito Processual, e em especial o Direito Civil, durante esse mesmo período permaneceu na
prática de nossos tribunais, individualista, tecnicista, elitizado e conservador.
74
EaD
acesso à justiça
Individualista porque organizado básica e prioritariamente pelo princípio da igualdade formal, para
dirimir, com a maior segurança possível, os embates entre credores e devedores, proprietários e não
proprietários, sem qualquer compromisso maior com o efetivo acesso das camadas mais pobres e das
coletividades.
Tecnicista porque eivado de uma visão eminentemente interna, sem maior preocupação com as finalidades sociais e políticas que deveriam informar a sua atuação como instrumento ético para realizar
justiça – visão externa que prioriza os fins a que ele se destina e, portanto, o próprio bem-estar de
todos a quem ele deve servir eqüanimemente.
Elitizado porque caro, distante, misterioso e desconhecido, verdadeira arena na qual os mais ricos,
preparados e com melhores advogados obtêm os resultados mais positivos.
Conservador porque afastado da realidade das ruas, da sociedade, das transformações sociais, e assim utilizado com enfoque conceitual técnico-científico, estagnado no tempo, longe da efetividade
adequada (Carneiro, 2000, p. 41).
A crítica destina-se à manutenção desse método exclusivamente técnico-científico de
pensar, de ver o processo, de utilizá-lo, afastado das realidades sociais, sem levar em consideração as transformações que ocorreram no mundo. No lugar de um processo acessível a poucos,
exigia-se como inevitável um outro tipo de processo que funcionasse para todos, da forma mais
rápida possível, igualitário e equânime e que resultasse em uma sentença eticamente justa, com
a utilização dos instrumentos técnicos que seriam direcionados para essas finalidades.
No Brasil, ainda no período da ditadura, a partir da década de 70, começaram a se intensificar os movimentos sociais destinados a lutar pela igualdade social, a cidadania plena, enfim,
discutir os problemas do dia a dia das pessoas.
A Igreja Católica foi o grande veículo dessa organização popular, inicialmente com o desenvolvimento
das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), no início dos anos 70, e depois a Comissão Pastoral da
Terra (CPT), em 1975, a Pastoral Operária (PO), em 1976, que passou a ser denominada Comissão
Pastoral Operária, e outros que influenciaram novas formas de associações, como as de moradores e o
Movimento do Custo de Vida, que surgiu em 1973 e atingiu o seu ápice em 1978. O refluxo do papel
político da Igreja, nos últimos anos é, sobretudo, sinal de que a sociedade civil, após a democratização,
passou a se organizar e se expressar pelos canais institucionais de participação política, e não mais por
caminhos que eram alternativos à forte intolerância do regime militar (Carneiro, 2000, p. 43).
No que se refere às transformações legislativas a partir da década de 80, pode-se afirmar
que, praticamente já consolidada a reabertura política com a Lei de Anistia, a Nova Lei Orgânica
dos Partidos, que ensejou inclusive a criação do Partido dos Trabalhadores (PT), começaram a
tomar corpo movimentos sociais diversos, seja das classes dominadas, seja de outros matizes.
75
EaD
Patrícia Marques Oliveski
Foi nesse contexto que surgiram a Central Única dos Trabalhadores, o Movimento Trabalhadores Rurais
sem Terra, Movimentos Ecológicos e ONGs diversas, exigindo a efetivação de direitos fundamentais e
sociais, enfim, uma vida digna e livre e, portanto, justiça, na sua acepção mais ampla e nobre. Inúmeras
publicações científicas de sociólogos, filósofos, psicanalistas, cientistas políticos, a partir de uma visão
interdisciplinar, abordavam temas ligados aos direitos fundamentais e sociais e, em especial, relativo
ao acesso à Justiça de forma igualitária e eficiente, na busca de consolidação de um sistema jurídico
mais atuante, moderno e participativo (Carneiro, 2000, p. 44).
Os primeiros resultados visíveis decorrentes de todos esses movi­mentos tendentes à democratização do acesso à Justiça, como veículo de efetiva e justa concretização de direitos individuais,
sociais e coletivos, começaram a surgir no campo Legislativo a partir da década de 80.
No plano da defesa dos direitos individuais cumpre destacar, de início, a Lei nº 7.019, de 31 de agosto
de 1982, que criava o procedimento de arrolamento de bens em caso de partilha amigável, evitando
o inventário tradicional. Em seguida, precedida pela experiência dos Conselhos de Conciliação, instalados a partir de 1982 pela Associação dos Magistrados do Rio Grande do Sul, em parceria com o
poder Judiciário, veio a lume, sob o patrocínio do Ministério da Desburocratização, a Lei nº 7.244, de
7 de novembro de 1984, que criava o Juizado de Pequenas Causas (Carneiro, 2000, p. 46).
Essa lei procurava atender a uma série de finalidades resultantes dos movimentos anteriormente estudados, cabendo observar, em breve resumo, dentre outras:
a) descentralizar a Justiça para que ficasse mais próxima, menos misteriosa e desconhecida da população em geral, favorecendo, especialmente, o acesso das classes menos favorecidas;
b) privilegiar a conciliação extrajudicial como meio de pacificação e de resolução de conflitos;
c) ser o palco para a resolução de causas de pequena monta, que praticamente não eram levadas à
Justiça tradicional, de sorte a garantir em todos os níveis o exercício pleno da cidadania e, ainda, evitar
a criação de justiças paralelas e não oficiais;
d) incentivar a participação popular na administração da Justiça, através da contribuição de pessoas
do próprio bairro, nas resoluções dos conflitos;
e) servir de referência de pólo, onde as pessoas do povo pudessem ter informações sobre os seus direitos em geral, e como fazer para tomá-los efetivos;
f) ser gratuita e rápida, desburocratizada, informal, eqüânime e efetiva;
g) desafogar a Justiça tradicional (Carneiro, 2000, p. 47).
76
EaD
acesso à justiça
Na mesma época, no plano da defesa coletiva, tivemos inicialmente a Lei nº 6.938, de 31
de agosto de 1981, que regulava a Política Nacional de Meio Ambiente, legitimando o Ministério Público para promover, no juízo cível, ação de responsabilidade civil por danos causados ao
meio ambiente, sem cogitar ainda a tutela preventiva e a figura de uma ação civil pública, nos
moldes em que ela hoje é conhecida.
Nesse período aumentavam as discussões no plano doutrinário sobre o problema da legitimação para a defesa de interesses difusos e coletivos, bem como sobre os instrumentos processuais mais adequados, e para tal mister foram tomando corpo, dia a dia, os movimentos que
há muito vinham lutando pela edição de uma lei que regulasse tal matéria, a garantir, dentre
outras metas:
a) uma legitimação que se revelasse a mais adequada possível, de sorte a permitir a efetiva defesa
dos direitos coletivos em jogo;
b) mecanismos para garantir, na prática, uma tutela preventiva desses direitos coletivos, de modo a
assegurar a sua existência e efetivi­dade no tempo, até o resultado final, sob pena, as mais das vezes,
tendo em vista a própria natureza dos interesses em jogo, da total inutilidade do processo;
c) instrumentos adequados para a apuração e investigação de fatos relacionados com a violação de
tais direitos e, ainda, para a composição dos conflitos no campo extrajudicial;
d) adequação dos institutos processuais existentes, em especial, o da coisa julgada, em decorrência
da natureza dos direitos em jogo;
e) previsão de um processo de execução eficiente, para garantir, na prática, o bem da vida, coletivamente considerado (Carneiro, 2000, p. 48).
Finalmente, no ano de 1985, foi promulgada a Lei nº 7.347, disciplinando a ação civil pública para proteger, num primeiro momento, o meio ambiente, o consumidor e bens e direitos de
valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Na ordem cronológica, veio a lume, em 1988, a nova Constituição Brasileira, amplamente
influenciada em diversas de suas partes pelos movimentos sociais e com as metas que se desenhavam na legislação ordinária antes referidos, consagrando e ampliando o âmbito dos direitos
fundamentais, individuais e sociais, prevendo a criação de mecanismos adequados para garantilos, especialmente no que se refere ao acesso à Justiça, cabendo destacar, dentre outros:
a) consagração do princípio da igualdade material como objetivo fundamental da República, tendo
como meta a construção de “uma sociedade livre, justa e solidária, com a redução das desigualdades
sociais” (ad. 30);
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Patrícia Marques Oliveski
b) o alargamento do direito à assistência judiciária aos necessitados, que passa a ser integral (ad. 50,
LXXIV), compreendendo: informação, consultas, assistência judicial e extrajudicial;
c) previsão para a criação de Juizados Especiais destinados ao julgamento e à execução de causas
cíveis de menor complexidade e penais de menor poder ofensivo, com ênfase na informalidade do
proce­dimento e a participação popular através do incentivo à conciliação, e a participação de juízes
leigos (ad. 98, 1), trazendo, portanto, novidades de monta no que diz respeito à sistemática implantada
pela Lei n0 7.244, de 7 de novembro de 1984, que organizava os Juizados de Pequenas Causas;
d) previsão para a criação de uma justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos, com mandato de quatro anos, com com­petência para o processo de habilitação e a celebração de casamentos,
para atividades conciliatórias e outras previstas em lei (ad. 98, II);
e) tratamento constitucional da ação civil pública (art. 129, III), como instrumento hábil para a defesa de todo e qualquer direito difuso e coletivo, com a modificação da Lei nº 7.3471/85, que limitava
a defesa de tais interesses ao meio ambiente, consumidor e outros bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico;
f) criação de novos instrumentos destinados à defesa coletiva de direitos: mandado de segurança
coletivo (art. 50, LXX), e o mandado de injunção (ad. 50 LXXI), bem como a outorga de legitimidade
para os sindicatos (ad. 80, III) e para as entidades associativas (ad. 50, XXI) defenderem os direitos
coletivos e individuais homogêneos de seus filiados;
g) reestruturação e fortalecimento do Ministério Público, como órgão essencial à função jurisdicional
do Estado, conferindo-lhe: atribu­ições para a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos
interesses coletivos e sociais (arts. 127, caput, e 129); total independência funcional e administrativa
(art.127, § 2º e 3º), prevendo inclusive a eleição com mandato dos procuradores-gerais dos Estados,
Distrito Federal e territórios (art. 128, §3º); garantias de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios (art. 128,1, letras a, b e c, respectivamente);
h) elevação da Defensoria Pública como instituição essencial na função jurisdicional do Estado, com
incumbência à orientação jurídica à defesa dos necessitados, devendo ser organizada em todos os
territórios e no Distrito Federal, no âmbito da própria União (art. 134 e parágrafo único) (Carneiro,
2000, p. 49).
A seguir, na linha preconizada pela Carta de 1988 e ordem cronológica, surgiram inúmeros
diplomas legais. No âmbito da defesa coletiva, as Leis: 7.853, de 24 de outubro 1989, que disciplina a tutela jurisdicional de interesses “coletivos difusos” das pessoas portadoras de deficiências;
7.913, de 7 de dezembro 1989, que dispõe sobre a ação civil pública de responsabilidade por
danos causados aos investidores no mercado de valores como sendo o primeiro diploma legal a
prever a defesa coletiva de direitos individuais homogêneos; 8.069, de 13 de julho de 1990, que
trata Estatuto da Criança e do Adolescente; 8.078, de 11 de setembro de 1990 que instituiu o
Código de Defesa do Consumidor, trazendo notáveis modificações à Lei nº 7.347/85, que regula
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acesso à justiça
a ação civil pública. Para a tutela de situações predominantemente individuais foram criados: os
Juizados Especiais Cíveis e Criminais – Lei n0 9.099, de setembro de 1995, e a Lei de Arbitragem,
nº 9.307, de 23 de setembro de 1996.
Por outro lado, visando sempre à efetividade do processo, inúmeras modificações foram
introduzidas no Código de Processo Civil. Cabe destacar, dentre outras, as Leis: 8.710, de 24 de
setembro de 1993, que amplia os casos de citação postal e trata da intimação postal; 8.898, de
29 de junho de 1994, que extinguiu a modalidade de liquidação por cálculos do contador, contribuindo para a desburocratização da Lei 8.952, de 13 de dezembro de 1994, que, dentre outras
alterações, trata da tutela antecipada e da conciliação; 8.953, de 13 de dezembro de 1994, que
trouxe importantes modificações no processo de execução, criando novos títulos extrajudiciais
e conferindo poderes ao juiz para fixar multas de oficio (para garantir o sucesso do processo e
a correção das partes); 9.079, de 14 de julho de 1995, que criou a ação monitória; 9.139, de 30
de novembro de 1995, que modifica o procedimento do agravo, prevendo a possibilidade da
concessão de efeito suspensivo ao mesmo.
As instituições consideradas essenciais para o funcionamento da Justiça foram devidamente
reguladas: o Ministério Público, por meio de sua Lei Orgânica Nacional nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, Lei Complementar nº 75, de 1993; do Ministério Público da União, e a Defensoria
Pública, através da Lei Complementar n0 80, de 12 de janeiro de 1994.
Seção 3.3
Princípios Fundamentais que Informam o Acesso à Justiça
Importante ao estudar o acesso à Justiça é se ter clareza quanto aos princípios informadores
do real significado de sua expressão, para que se possa direcionar o estudo à reflexão acerca de
um processo que se proponha como instrumento ético, acessível a todos, operacional, proporcional e útil do ponto de vista prático, e, principalmente, a serviço do justo.
3.3.1 – Princípio da Acessibilidade
O princípio da acessibilidade pressupõe a existência de pessoas capazes de estar em juízo, sem óbices de natureza financeira, de sorte a possibilitar na prática a efetivação dos direitos
individuais e coletivos.
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Patrícia Marques Oliveski
O direito à informação se constitui no primeiro componente a tornar algo acessível, é o
conhecimento dos direitos que temos e de como utilizá-los. É o ponto de partida e ao mesmo
tempo ponto de chegada para que o acesso à Justiça alcance a todos. Ponto de partida porque
uma série de direitos, no campo individual, não seriam reclamados e ponto de chegada porque,
no campo coletivo, eventuais direitos reclamados e obtidos eram realidade para poucos.
O segundo elemento para se garantir a acessibilidade está relacionado com a escolha ou
com a indicação das pessoas mais adequadas para a efetiva defesa de direitos porventura existentes.
Dessa premissa podemos extrair duas conclusões: uma positiva, ou seja, a legitimação da pessoa ou
das pessoas mais adequadas para a defesa de um direito, tenha a natureza que tiver, possibilitará que
ele possa efetivamente ser reclamado, da melhor forma e com o melhor desempenho; outra, negativa,
no sentido de que a legitimação inadequada poderá impedir que a verificação de uma possível lesão
de direito fique excluída do exame do poder Judiciário, ou que este exame não seja valioso pela falta
do desempenho apropriado (Carneiro, 2000, p. 58).
Os custos financeiros de um processo também são um elemento importante para garantir a
acessibilidade, pois estes não podem inibir ou dificultar o acesso à Justiça de quem quer que seja,
especialmente naquelas causas de reduzido valor econômico e nas ações de natureza coletiva.
3.3.2 – Princípio da Operosidade
O princípio da operosidade retrata o comprometimento das partes com os procedimentos
e instrumentos processuais na busca correta de meios adequados para se alcançar os objetivos.
Para tanto, faz-se necessária uma atuação ética de todos que participam da atividade judicial
ou extrajudicial e a utilização de meios e dos institutos processuais de forma a obter a melhor
produtividade possível.
A atuação ética deve ser inicialmente do juiz, que é o sujeito mais importante e se confunde com a ideia de Justiça. Espera-se, contudo, uma atuação ética das partes também, inclusive
em relação aos atos processuais. No mesmo sentido, o advogado deve atuar eticamente, pois,
enquanto o juiz deve tratar as partes com urbanidade, os advogados devem prestar explicações
e as informações necessárias às partes que devem ter conhecimento acerca dos procedimentos
adotados pelos advogados, para evitar certos transtornos, como a litigância de má-fé.
3.3.3 – Princípio da Utilidade
O processo vem com este intuito, ou seja, de conferir ao vencedor tudo aquilo a que tem
direito, com menor onerosidade da parte vencida. Para que a jurisdição ideal exista deveria
ocorrer a concessão do direito material ao titular, concomitantemente a sua violação. O que é
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acesso à justiça
impossível, eis que as partes precisam de tempo para cumprir todas as formalidades propostas
pelo Direito Processual, e o juiz também necessita de tempo para conhecer e analisar todos os
atos e fatos.
É neste momento que se levanta a questão da segurança do Direito versus celeridade
processual, pois no passado houve a priorização da segurança em detrimento da celeridade.
Pensava-se que, quanto mais longo e aprimorado fosse o procedimento, as chances de produzir
justiça ao final seriam maiores.
Atualmente a celeridade é priorizada, pois devido ao modo de vida adotado pelas pessoas,
estas precisam de formas de decisões que as acompanhem, mas fatores como o imenso número de
litígios, poucos magistrados para julgá-los, estrutura antiquada e material deficiente dificultam
a concretização deste objetivo.
É possível afirmar-se que o processo passa, necessariamente, por um enfoque que tem como linhas
principiais a instrumentalidade do processo e a sua efetividade, trazendo como conseqüências necessárias a rapidez, a garantia do bem da vida, a execução específica, a abrangência da decisão do ponto
de vista subjetivo e objetivo e, finalmente, o tratamento adequado do ato processual com uma nova
sistematização das nulidades (Carneiro, 2000, p. 93).
No que se refere ao poder Judiciário, alguns fatores prejudicam a rapidez de suas atividades
diante de um vertiginoso aumento de litígios em contraste com o reduzido número de magistrados
para julgá-los. É preciso, todavia, que os instrumentos processuais que asseguram o bem da vida
(dentre os quais podem-se mencionar a tutela antecipada, a execução específica, a fungibilidade
da execução, a coisa julgada, as nulidades) sejam adequada e efetivamente utilizados tanto pelos
operadores da Justiça quanto pelos juízes, para se viabilizar a rapidez.
3.3.4 – Princípio da Proporcionalidade
Não raras vezes e a todo o momento o juiz tem de resolver questões relevantes sobre os mais
diversos assuntos. Evidentemente que, em algumas situações, ele sente dificuldade de decidir a
questão controvertida, ocasionando um dilema na escolha do caminho mais adequado.
Em determinadas situações o magistrado deve escolher entre uma ou outra interpretação, em outras
situações a opção não se coloca mais no campo da simples interpretação, mas alcança a disputa entre
duas normas, entre dois princípios que se encontram em conflito. Para sair deste dilema, o julgador
projeta e examina os possíveis resultados, as possíveis soluções, faz a comparação entre os interesses
em jogo e, finalmente, a opção, a escolha daquele interesse mais valioso, o que se harmoniza com os
princípios e os fins que informam este ou aquele ramo do Direito. Esta atividade retrata o princípio da
proporcionalidade (Carneiro, 2000, p. 95).
81
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Patrícia Marques Oliveski
Na verdade, o princípio da proporcionalidade está intimamente ligado a todos os demais
princípios informadores do acesso à Justiça, bem como se encontra presente em inúmeros institutos processuais, como na questão da legitimidade, nas liminares e tutelas antecipadas, no
ônus da prova, na questão da prova ilícita, na coisa julgada.
Não obstante, o fundamental em relação ao princípio da proporcionalidade é o entendimento
acerca da urgente necessidade de se delinear seus contornos com a maior precisão possível, apesar do evidente elemento subjetivo que carrega, harmonizando-o com a teoria geral do processo,
pela importantíssima influência que exerce na atividade jurisdicional (Carneiro, 2000, p. 101).
Seção 3.4
As Limitações do Acesso à Justiça
Depois de realizada uma análise mais detalhada do significado do acesso à Justiça, resta
estudar neste item quais são os obstáculos para tanto. Inúmeras são as considerações existentes
na literatura jurídica acerca das limitações ao acesso à Justiça que efetivamente se complementam, razão pelas quais apresentaremos algumas delas.
Cichocki Neto (2001, p. 99) identifica e classifica as limitações do acesso à Justiça em
exoprocessuais, ou seja, fatores externos ao processo que obstaculizam o acesso, haja vista que
o próprio processo presta-se a perseguir seus escopos político-sociais; e endoprocessuais, isto é,
aquelas que se referem à natureza jurídico-processual capazes de impedir a realização integral
dos direitos prometidos pelo sistema.
As limitações exoprocessuais de acesso à Justiça localizam-se, principalmente, nas áreas
política, social e econômico-financeira.
No campo político, emergem dos influxos do poder estatal em face dos limites das liberdades, individuais e sociais, concedidas, bem como das opções elegidas pelo ordenamento na disposição do
equilibrio desses fatores; em sede social, das condições, características, potencialidades e oportunidades concedidas aos indivíduos e aos grupos sociais para maior abertura do acesso; e, finalmente
no plano financeiro-econômico, das condições materiais em que se encontram o próprio Judiciário e
os usuários do sistema, em face dos custos decorrentes de sua utilização. Quanto menores forem as
dificuldades nessas áreas, sensivelmente maiores serão as oportunidades de acesso à Justiça (Cichocki
Neto, 2001, p. 99).
82
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acesso à justiça
O aspecto político da questão do acesso, portanto, situa-se no campo do exercício do poder
jurisdicional, como garantia das liberdades, tendo-se nesta dimensão a autolimitação do Estado
quando seu poder confronta com as liberdades. As disfunções sociais que interferem negativamente no acesso à Justiça decorrem das causas oriundas da ideologia conservadora do Judiciário,
da maior proteção legislativa dos interesses da minoria dominante e do desconhecimento pela
população dos direitos protegidos pela ordem jurídica. E, no que diz respeito à questão da autonomia financeira do Judiciário, importante registrar que os recursos destinados ao Judiciário
impedem a criação de maior quantidade de órgãos de jurisdição, circunstância que implica a
sobrecarga de serviços daqueles existentes e na consequente redução de sua qualidade (Cichocki Neto, 2001).
As limitações endoprocessuais se subdividem em: a) elementos axiológicos do processo
(processo justo); b) rigidez extremada ao princípio da imparcialidade do juiz; c) limitações oriundas
da técnica do processo; d) restrições internas ao processo (duração prolongada e injustificável,
a prevalência do custo sobre os benefícios que dele se possam auferir e a eficácia das decisões)
(Cichocki Neto, 2001).
Morais, ao citar Cappelletti, relembra que o tema do acesso à Justiça está ligado ao binômio
“possibilidade-viabilidade de acessar o sistema jurídico em igualdade de condições, conquistada
pelos cidadãos como o mais básico dos direitos humanos” (2000, p. 184), e que, portanto, a efetiva
concretização desse direito há que transpor inúmeras barreiras ou limitações que, na lição de
Dinamarco, podem ser classificadas como sendo as seguintes:
As limitações tradicionais ao ingresso na Justiça, jurídicas ou de fato (econômicas, sociais), refletem-se
em decepções para a potencial clientela do poder Judiciário, na impossibilidade de a sociedade empregar práticas pacificadoras, além de desgastarem o Estado na sua própria legitimidade, na dos seus
institutos e no seu ordenamento jurídico, percebido como instrumento racionalizador de determinadas
condutas. As limitações fáticas se referem ao custo do processo e à miserabilidade das pessoas, o que
assola a universalidade da tutela jurisdicional, expressa de forma solene pela Constituição, no seu
art. 5º, LXXIV. As limitações jurídicas também configuram estreitamentos da via de acesso à Justiça.
Refere-se aqui, à legitimatio ad causam ativa que, essencialmente individualista, restringe-se a dar a
cada um o que é seu, sem manter uma visão solidarista, supraindividual, que se caracteriza por tratar
o indivíduo como membro integrante de um grupo social e procurar tecer soluções condizentes com
os interesses dos envolvidos (apud Morais, 2000, p. 185-186).
O acesso efetivo à Justiça, como instrumento garantidor da plenitude da soberania, é um
direito social básico, portanto Cappelletti e Garth (1988), ao tratar do significado deste e dos
obstáculos a serem transpostos, elenca alguns problemas, como:
a) as custas judiciais e a dispendiosa solução formal dos litígios;
83
EaD
Patrícia Marques Oliveski
b) honorários advocatícios; pequenas causas;
c) tempo;
d) possibilidades das partes e recursos financeiros;
e) aptidão para reconhecer um direito e propor uma ação ou sua defesa;
f) litigantes “eventuais” e litigantes “habituais”;
Dinamarco entende que o acesso à Justiça é “mais do que ingresso no processo e aos meios
que ele oferece, é modo de buscar a efetividade, na medida dos direitos que se têm, situações e
bens da vida que por outro caminho não se poderiam obter” (1996, p. 283). Assim, vencidas as
limitações tradicionais, deve-se buscar efetivar o acesso do cidadão a uma ordem jurídica justa,
cuja realização depende, sobremaneira, da observância das garantias constitucionais, principalmente do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.
Nessa linha de raciocínio, Clève argumenta que o Estado Democrático de Direito é mais
do que um Estado de Direito, considerando-o, fundamentalmente, um Estado de Justiça, cujo
objetivo foi incorporado pela Constituição Federal de 1988. O autor justifica sua posição afirmando que a atual ordem Constitucional apresenta uma série de valores que, agregados em regras
e princípios (os princípios fundamentais), são suficientes para informar o conteúdo mínimo do
Direito brasileiro.
Esse conteúdo mínimo corresponde aos standards de Justiça aceitos pela formação social brasileira.
A justiça da decisão judicial é a justiça deduzida de um Texto Constitucional que procura privilegiar a
dignidade da pessoa humana. No sistema constitucional brasileiro atual é perfeitamente possível se
advogar a inconstitucionalidade da lei injusta. Qualquer lei injusta, ofensiva dos standards definidos
pelo Constituinte, será uma lei inconstitucional cuja aplicação pode ser perfeitamente negada pelo
juiz (1993, p. 301).
E prossegue ainda, destacando que o juiz deve, no atual momento histórico, “ter um compromisso com a justiça normativamente inscrita na Constituição Federal. E isso é perfeitamente
possível no Brasil, já que aqui, ao contrário de outros países, todos os juízes exercem jurisdição
constitucional (todos os órgãos do Judiciário são órgãos da Justiça Constitucional)” (1993, p.
301).
Faria e Lima (1989, p. 46), a partir de uma análise sociológica, sustenta que os obstáculos
à Justiça podem ser classificados em três espécies: econômicos, sociais e culturais. Para ele, o
conjunto desses estudos revela que a discriminação social no acesso à Justiça é um fenômeno
muito mais complexo do que à primeira vista pode parecer. Quanto ao obstáculo econômico, o
autor conclui que nas sociedades capitalistas, de um modo geral, os custos da litigação são muito
84
EaD
acesso à justiça
elevados e que a relação entre o valor da causa e o custo da sua litigação aumentava à medida
que baixava o valor da causa. Segundo o autor, os obstáculos sociais e culturais revelam que a
distância dos cidadãos em relação à administração da Justiça é
tanto maior quanto mais baixo é o estado social a que pertencem e que essa distância tem como causas
próximas não apenas fatores econômicos, mas também fatores sociais e culturais, ainda que uns e
outros possam estar mais ou menos remotamente relacionados com as desigualdades econômicas. Em
primeiro lugar, os cidadãos de menores recursos tendem a conhecer pior os seus direitos e, portanto,
a ter mais dificuldades em reconhecer um problema que os afeta como sendo um problema jurídico.
Podem ignorar os direitos em jogo ou ignorar as possibilidades de reparação jurídica. [...] Em segundo
lugar, mesmo reconhecendo o problema como jurídico, como violação de um direito, é necessário que a
pessoa se disponha a interpor a ação. Os dados mostram que os indivíduos das classes baixas hesitam
muito mais que os outros em recorrer aos tribunais mesmo quando reconhecem estar presente um
problema legal (Faria; Lima, 1989, p. 48).
Uma das causas que se pode citar é a desigualdade socioeconômica, que nada mais é do que
a carência de recursos financeiros por grande parte da população, uma vez que muitos acabam
por se sentir incapacitados de ingressar judicialmente com uma ação (Rodrigues, 1994).
Toda essa desigualdade é causada pela miséria absoluta em que a população brasileira
se encontra, posto que para uma pessoa discutir judicialmente um conflito de seu interesse ela
precisa obrigatoriamente arcar com as custas processuais e os honorários advocatícios e, além
disso, quando necessário incluem gastos com perícia, etc. Depois desta análise, imagina-se se
uma pessoa que muitas vezes não tem condições de manter seu próprio sustento vai um dia ter
condições de ingressar em juízo para discutir uma demanda? Isso acaba por demonstrar que
essa causa é considerada um dos grandes entraves para a não efetivação do acesso à Justiça
(Rodrigues, 1994).
Em relação ao que foi mencionado anteriormente sobre os honorários advocatícios, estes
são considerados uma das mais onerosas despesas do processo e ainda podem ser citados alguns
exemplos como nos EUA e Canadá, onde o custo do advogado é calculado por hora e cada hora
varia de 25 a 300 dólares, mas a cada serviço o preço pode exceder a tabela. Em outros países,
porém, os honorários podem ser calculados conforme outros critérios para que possam se tornar
mais acessíveis, mas as pesquisas realizadas demonstram que os advogados são considerados a
esmagadora proporção dos altos custos do litígio (Cappelletti; Garth, 1988).
Além dos honorários, pode-se também referir as pequenas causas, aquelas consideradas
de valores relativamente pequenos, sendo então muito prejudicadas em relação aos custos do
processo para a propositura da referida ação. Caso a demanda tenha de ser resolvida por processos judiciários formais, os custos desse poderá, muitas vezes, exceder o valor da própria contro85
EaD
Patrícia Marques Oliveski
vérsia, revelando com isso que muitas vezes acaba por não ter valor a propositura da ação, pois
o objetivo, que era de ser restituído, por exemplo de um certo valor, este poderá ter de ser pago
para o processo (Cappelletti; Garth, 1988).
Ainda pode-se referir ao tempo que um processo fica tramitando nos fóruns, pois em muitos países para as partes verem seu litígio solucionado precisam esperar um, dois, três anos e às
vezes até mais. Toda essa demora é muito prejudicial para as partes, pois as custas aumentam
e sempre as partes menos favorecidas, que precisam ver seu litígio solucionado, desistem da
causa ou então são praticamente obrigadas a fazer acordos com valores muito inferiores ao que
poderiam receber se sua causa fosse julgada no tempo normal ou com mais agilidade (Cappelletti; Garth, 1988).
Nota-se, no decorrer do estudo, que o direito à informação também pode ser considerado
um dos obstáculos para a não efetivação do acesso à Justiça, pois atualmente existe muita desinformação em relação à legislação vigente, pois muitas pessoas não têm conhecimento nem
de seus direitos básicos e então o que restaria dizer sobre os instrumentos processuais existentes
para garantir esses mesmos direitos? (Rodrigues,1994).
Outra questão que também pode ser considerada é a técnica processual, que muitas vezes é prejudicial para o andamento do processo, pois se torna muito burocrático, levando uma
causa simples a tramitar por muitos anos no Judiciário. Essa técnica excessiva é estudada pela
doutrina, que cita como exemplo a existência de muitas espécies de recursos que são usados
para o adiamento de decisões. Outra questão é a forma adotada do procedimento sumaríssimo,
que na prática não atinge a finalidade; necessidade de simplificação do processo de execução
e outras causas diversas que são ligadas ao excessivo formalismo, como a forma de produção
de provas e o modo da efetivação da citação e intimação, e todas essas técnicas citadas anteriormente são usadas com um único objetivo, ou seja, apenas transferir a decisão final do juiz
(Rodrigues, 1994).
O pensamento de Sálvio (apud Rodrigues, 1994, p. 46) acaba por explicar que somente os
procedimentos rápidos e eficazes têm o objetivo de realizar o verdadeiro escopo do processo. Daí
a necessidade de um novo processo: ágil, seguro e moderno, sem a instrumentalidade excessiva
do passado e do presente, ficando apto a servir de instrumento à realização da Justiça, à defesa
da cidadania, a viabilizar a convivência humana e a própria arte de viver.
Cintra, Grinover e Dinamarco (1998) observam que dentro de um processo o que é pretendido pelas partes é a satisfação, ou melhor, que seja dada uma resolução que faça justiça para
ambos os litigantes. E é dessa maneira que o processo deve ser manipulado, de modo a propiciar
as partes o acesso à Justiça (1998).
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acesso à justiça
Esse acesso à Justiça não quer dizer apenas a admissão ao processo ou a possibilidade
de ingresso em juízo, mas para que se realize o efetivo acesso é preciso que o maior número de
pessoas possível sejam admitidas a demandar em juízo e a se defender adequadamente. Essas
pessoas são aquelas que não podem ter acesso por falta de condições de custear o processo, então, para tanto, precisam de condições justas e dignas, ou melhor, advogados pagos pela Justiça
(Defensoria Pública).
Em relação a esses princípios e garantias constitucionais pode-se, a partir daí, assegurar
que é oferecida ampla admissão de pessoas (motivo pelo qual é preciso eliminar as dificuldades
econômicas que impeçam as pessoas de litigar ou dificultem o oferecimento de sua defesa), causas
ao processo (universalidade de jurisdição) e ainda garante-se o devido processo legal, para que
possam participar intensamente do convencimento do juiz que irá julgar a causa (princípio do
contraditório), podendo até exigir uma efetividade de participação em diálogo, tudo isso com vistas
a preparar uma solução que seja justa e capaz de eliminar todas as formas de insatisfação.
Vale lembrar que para Rodrigues a expressão “acesso à Justiça” tem dois significados
doutrinários: primeiramente acesso à Justiça e acesso ao poder Judiciário são considerados
sinônimos e outro, que o acesso à Justiça é entendido como acesso à determinada ordem de
valores e direitos fundamentais para o ser humano (1994). Rodrigues dá ênfase às palavras de
Kazuo Watanabe, o qual explica o seguinte: “A problemática do acesso à Justiça não pode ser
estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas
de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim viabilizar o acesso à ordem
jurídica justa” (1988, p. 29).
Se de um lado, porém, não se pode reduzir a questão do acesso à Justiça somente com a
questão da criação de instrumentos processuais adequados para a efetivação plena dos direitos,
de outro é evidente que não se pode afastar a ideia do acesso como acesso ao poder Judiciário.
Cappelletti e Garth explicam que atualmente o “acesso efetivo à Justiça” está sendo considerado pelas sociedades modernas como um direito social básico. Quando se trata da efetividade
do acesso, isso somente significa que ambas as partes envolvidas no litígio precisam ter uma
“igualdade de armas”, ou melhor, as partes têm obrigatoriamente de ser bem-assessoradas, independentemente de sua condição financeira. A decisão precisa depender apenas do mérito jurídico
discutido em relação à causa e, consequentemente, não pode intervir algo alheio ao Direito para
dentro da decisão do litígio para não ser prejudicada a discussão do mérito da causa (1988).
Dias, em seu artigo escrito para a revista da Ajuris, enfoca o pensamento de Watanabe, no
qual este trabalha com a expressão “acesso à ordem jurídica justa”, em que demonstra que este
direito significa acesso a um processo justo, ao devido processo legal, o que caracteriza uma
garantia à Justiça imparcial, igual, contraditória, dialética, cooperatória, que ponha à disposição
das partes todos os instrumentos e os meios necessários que lhes possibilitem, concretamente,
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sustentarem suas razões, produzirem suas provas, influírem sobre a formação do convencimento do juiz. E além de tudo o que foi exposto, deve significar também acesso à informação e à
orientação jurídica e a todos os meios alternativos de composição de conflitos (Watanabe apud
Cintra Jr., 1995, p. 219).
Pode-se concluir que essa referida igualdade é considerada apenas utópica, pois as diferenças entre as partes nunca serão completamente erradicadas, então o que resta é saber como
avançar em direção a essa utopia.
Síntese da Unidade 3
Nesta Unidade estudamos os aspectos históricos do acesso à Justiça,
o significado da expressão e a abrangência de seus efeitos. Analisouse conceitualmente o acesso à Justiça, bem como seus princípios
fundamentais que norteiam qualquer concepção teórica ou prática e
que nos deram suporte para viabilizar a compreensão dos limites e
obstáculos do acesso à Justiça.
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Unidade 4
acesso à justiça
O ACESSO À JUSTIÇA E O PROCESSO JUDICIAL
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Numa concepção mais restrita do acesso à Justiça, nesta Unidade o foco passa a ser a
questão da realização deste direito fundamental via instrumento do processo judicial, razão pela
qual se traz à tona a correlação indispensável do acesso à Justiça e a magistratura e o Ministério Público, enquanto órgãos responsáveis pela concretização deste. E, para complementar o
estudo analisa-se a questão da assistência judiciária e a atuação do juiz e do promotor diante da
necessidade de se garantir a todos o acesso à Justiça.
SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 4.1 – Acesso à Justiça e Magistratura
Seção 4.2 – Acesso à Justiça e o Ministério Público
Seção 4.3 – Acesso à Justiça e a Assistência Judiciária
Na Unidade anterior analisou-se o acesso à Justiça enquanto movimento do pensamento, pois este tema deixou de ser apenas teórico para encontrar reflexo no texto constitucional e
para representar um contínuo esforço de todo o operador jurídico no sentido de alargar a porta
da Justiça a todos, cujo desafio consiste na superação dos obstáculos que limitam esse efetivo
acesso à Justiça.
Considerando que o acesso à Justiça também é um fenômeno cultural, tal superação depende de inúmeros fatores, como movimento de reforma normativa, institucional e processual, o
que demanda tempo e boa vontade política. Não obstante, os agentes jurídicos (juiz, Ministério
Público e operadores jurídicos) podem e devem imbuir-se da responsabilidade de realizar o justo
e adotar posturas adequadas à consecução desse objetivo.
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Seção 4.1
Acesso à Justiça e Magistratura
O juiz investido de senso de eficácia de sua atuação deve, segundo Nalini (2000, p. 82),
adotar adequadas posturas mental, funcional e processual, direcionadas à consecução do exaurimento pleno da função para a qual foi preordenado.
Assim sendo, o juiz deve assumir uma postura mental que se proponha a ampliar o ingresso das pessoas à proteção da Justiça, o que depende individualmente do esforço de cada
julgador.
É o íntimo de suas convicções, a cena de batalha em que contrapõem argumentos propendentes à
visão clássica do julgador passivo e neutro e a assunção de um compromisso real com a concretização
da Justiça. Um exame de consciência pode contribuir para dilatar as fronteiras com as quais o juiz
trabalha, além de servir como calibração para a atitude prática direcionada a favorecer o acesso de
todos à Justiça. A questão hoje ultrapassou a escala da mera convivência ou já não se coloca apenas
como recomendação. É tema de sobrevivência institucional. Ou o Judiciário acorda para os reclamos de
uma comunidade heterogênea, mas desperta, ou será substituído por alternativas menos dispendiosas,
mais rápidas e eficientes de resolução dos conflitos (Nalini, 2000, p. 83).
Em relação a sua postura funcional, pode-se destacar que o juiz integra uma carreira e
exerce uma função indeclinável, com deveres contidos em normatividade constitucional e infraconstitucional. Dentre seus deveres funcionais, alguns concernem diretamente à garantia do
acesso à Justiça, visto que este deve assegurar a todos o ingresso à ordem jurisdicional justa.
Neste sentido, destaca-se:
1. a pronta outorga – não excedendo injustificadamente os prazos. Observando os prazos,
o juiz torna efetivo o preceito da amplitude e confere racional utilização de equipamento
estatal de sobrecarga evidente e propiciará otimização dos recursos disponíveis;
2. o atendimento a qualquer hora – além de tratar com urbanidade as partes e demais
partícipes da cena judiciária, deve o juiz atender aos que o procuram, a qualquer momento, quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência
(Nalini, 2000, p. 108), reduzindo assim a distância entre o poder Judiciário e o destinatário de sua atuação;
3. o dever de fundamentar – a importância jurídico-política do dever estatal de motivar
suas decisões judiciais constitui inquestionável garantia inerente à própria noção de
Estado Democrático de Direito e um fator condicionante da própria validade dos atos
decisórios;
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acesso à justiça
4. dedicação plena à magistratura – a Constituição Federal veda ao juiz no seu artigo 95,
I, exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério, objetivando impedir que o juiz, envolvendo-se em outras atividades, relegue o
exercício jurisdicional a um plano secundário.
No tocante à postura processual, passa-se a analisar mais detidamente, pois o juiz é o agente
apto a realizar a justiça com plenitude e propiciar a harmonização dos conjuntos e suscetível de
acolher todos os pleitos endereçados ao Judiciário, tanto aqueles formulados por entidades ou
pessoas com suficiência econômica, mas também os de interesse da vasta legião de excluídos,
hoje privados de acesso à Justiça.
Trabalhar com as normas processuais postas, extraindo delas tudo o que puderem assegurar em termos de concretização do justo, é tarefa que só depende da postura interior de cada
magistrado. O juiz como condutor do processo deve fazê-lo tramitar de forma regular, célere e
não temerária, o que lhe exige um exame atento da petição inicial.
O juiz, segundo a lei, pratica pessoalmente os atos que lhe competem. E dentre eles, de
relevo, o exame atento da petição inicial. Não se concebe receber automaticamente todas as
petições que darão nascedouro a lides, envolvendo consequências drásticas para as partes, notadamente para aquela situada no polo passivo da relação.
A análise detalhada desse pedido, assim que ingressa em juízo, impedirá a sobrevivência
de feitos manifestamente inviáveis, até fases adiantadas do curso processual. O indeferimento
da petição inicial faz com que não sejam temerárias, reveste o efeito preventivo de conferir maior
responsabilidade ao trabalho do advogado e liberar o juízo para conhecer outros processos, reduzindo o descrédito na Justiça por permitir que aventuras judiciárias se prolonguem.
Também se mostra interessante que o juiz, ao determinar a emenda inicial, nos termos
do artigo 287 do CPC, indique de imediato à parte qual dos requisitos do artigo 282 do CPC se
mostra desatendido por omissão, defeito ou irregularidade, posto que, se o advogado não atentou
para a circunstância quando da elaboração da peça, poderá novamente encontrar dificuldades
na emenda, ensejando aplicação inevitável do parágrafo único do primeiro dispositivo.
Todo o processo guarda uma carga de emoções e de angústia que apenas os seus partícipes
conseguem avaliar. Um processo não é um caderno burocrático, senão repositório de sofrimentos. Uma disfunção do mecanismo judiciário tem resultado em críticas generalizadas por parte
dos que se veem obrigados a recorrer ao equipamento da Justiça para a restauração ou defesa
de seus direitos.
Incluem-se entre tais questões a regularidade da citação, a reapresentação das partes, a
retificação dos valores da causa, de oficio ou mediante impugnação, a integração do contraditório, a nomeação de curador especial, a necessidade de participação do MP, a concessão ou
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
negação do beneficio da gratuidade, a concorrência das condições da ação, a existência dos
pressupostos processuais, a necessidade de citação ou admissão de outros interessados no destino do processo.
Igualmente deve haver uma pronta solução para a matéria preliminar, observância dos
prazos e das formalidades essenciais, fiscalização de encargos dos auxiliares, dentre outros
fatores.
O não enfrentamento na discussão dos temas prévios sugere que o juiz não está cuidando
pessoalmente para a solução da causa ou que não tem conhecimentos adequados, de qualquer
forma desprestigiando a instituição judiciária e desestimulando os lesados quando a ela recorrerem, forma perversa de negociação de Justiça, antípoda de um movimento favorecedor da
ampliação de acesso. Não existe senão ênfase maior quando a matéria preliminar ou sujeita a
exame de oficio pelo juiz envolve o processo criminal. A demanda obriga carga autônoma de
afeição, além daquela que lhe deu origem: é a perduração no tempo, fazendo prolongar a angústia realimentada pela incerteza quanto ao seu destino. (Nalini, 2000).
Cumpre ao juiz interessado na consecução do bem da vida não permitir que tal situação se prolongue no tempo, além da inevitabilidade natural dos prazos processuais. Há de se
compreender também que os talentos variam no universo de juízes. Nem todos são igualmente
interessados na reciclagem dos funcionários, tarefa que exorbita a invencível carga de trabalho
que lhe está afeta (Nalini, 2000).
Presume-se que o juiz acompanhe diretamente o andamento de todas as etapas do procedimento. Deve, nessa tarefa de presidir o trâmite processual, zelar para que formalidades nucleares não deixem de ser observadas, tudo para a consecução pronta da lei e, em decorrência
do próprio Direito.
Assim, por exemplo, a cada documento juntado por uma parte, deverá o juiz abrir vista
á outra para sobre ele se manifestar, conforme determina o artigo 39 do CPC. A inobservância
desse preceito implicará nulidade da sentença quando relevante o documento, pois o juiz é o
responsável pela rigidez desse curso.
O juiz não está sozinho na gestão material da tarefa, mas dispõe de um corpo de auxiliares
cujas atribuições estão afetas ao seu comando e fiscalização. Assim, aos encargos conferidos
ao escrivão, ao oficial de Justiça, perito, depositário, administrador e intérprete, rol dos auxiliares da Justiça do artigo 139 do CPC, deverá o juiz então atentar para poder exigir racional
e eficiente observância. Muitas vezes minúcias impedem que a Justiça venha a ser realizada
com presteza.
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acesso à justiça
Uma das questões mais controvertidas na atuação do Judiciário diz respeito ao uso de
iniciativas instrutórias, consagradas no artigo 130 do CPC, que prevê que a ele caberá, de ofício
ou por requerimento das partes, determinar as provas necessárias à instrução do processo.
A constatação de que o desequilíbrio evidente entre as partes compromete a realização da justiça fez
com que o legislador processual e os doutrinadores se empenhassem no reforço da atividade instrutória
do juiz. Pois, o mais valioso instrumento corretivo, para o juiz, consiste sem dúvida na possibilidade
de adotar ex officio iniciativas relacionadas com a instrução do feito. Os poderes instrutórios, a bem
dizer, devem reputar-se inerentes à função do órgão judicial, que, ao exercê-los, não se substitui às
partes, como leva a supor uma visão distorcida do fenômeno. Mas é inquestionável que o uso hábil
e diligente de tais poderes, na medida em que logre iluminar aspectos da situação fática, até então
deixados na sombra por deficiência da atuação deste ou daquele litigante, contribui, do ponto de vista
prático, para suprir inferioridades ligadas à carência de recursos e de informações, ou a dificuldade
de obter patrocínio de advogados capazes e experientes. Ressalta com isso, a importância social do
ponto (Nalini, 2000, p. 127).
O juiz é o Estado administrando a Justiça, não é um registro passivo e mecânico dos fatos,
em relação aos quais não anima nenhum interesse de natureza vital. Não lhe pode ser indiferente
o interesse da Justiça. Este é o interesse da comunidade, do povo, do Estado, e é no juiz que tal
interesse se representa e personifica.
Além de assegurar a igualdade das partes, a ampliação dos poderes de instrução do juiz
corresponde ao enfoque do processo, considerado instrumento público e oficial de realização
da Justiça.
Ao determinar, o juiz, a realização de uma prova que entende necessária à formação de seu
comportamento, não está a favor de qualquer das partes. Está procurando melhor se convencer,
tornando-se apto a bem julgar, atribuindo razão a quem realmente a tenha. É em benefício da
Justiça que o juiz atua e não a quem quer que seja.
Juiz imparcial é aquele que aplica a norma de Direito material a fatos efetivamente verificados, sem se deixar influenciar por outros fatores que não os seus conhecimentos jurídicos.
Para manter sua imparcialidade, basta que o magistrado se limite ao exame objetivo dos fatos e
das provas.
Nalini (2000) ainda defende, em relação à postura processual do juiz, que este deve utilizar-se do instituto da inspeção judicial posto a sua disposição para melhor convencimento, sem
necessidade de provocação do interessado e em qualquer fase do processo. No mesmo sentido
deve empenhar-se para obter o acerto voluntário entre as partes, mediante a conciliação entre
ambas.
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Patrícia Marques Oliveski
1
Os juízes que por talento são bons concilia-
dores, sabem mostrar às partes a relatividade dos
interesses patrimoniais e, muitas vezes, até mesmo de preconceito na área da família e o valor da
consciência pacífica. Outros não são dotados de
dons que favorecem o perfil do bom conciliador,
para estes, importante ter presente a obtenção
dessas qualidades, mediante vontade e empenho
pessoal.
A conciliação é sempre eticamente superior à decisão. Esta é heterônoma, ditada por um
órgão estatal que não raramente consegue desagradar simultaneamente a ambas as partes. Já a
conciliação, da qual participam os envolvidos na lide, tem uma dimensão ética inquebrantável.
Para atingir o consenso as partes discutem, reiteram seus argumentos, cada qual ouve o adverso
e, com a conta de chegada das recíprocas concessões, chega ao ideal do justo.
Certo é que todas estas questões poderiam se resumir em uma única questão, qual seja,
que o juiz contemple o processo como instrumento de realização do justo e não como finalidade
em si, pois como lembra Dinamarco (1996, p. 11), acesso à Justiça “constitui a síntese generosa
de todo o pensamento instrumentalista e dos grandes princípios e garantias constitucionais do
processo. Todos eles coordenam-se no sentido de tornar o sistema processual acessível, bem
administrado, justo e afinal dotado da maior produtividade possível.”
Independentemente de reforma processual, o Código vigente oferece ao julgador uma
série de providências para a persecução dos objetivos visados pelo processo; resposta ao pleito
de quem provocou a jurisdição e, sempre que possível, para uma decisão concretizadora da mais
adequada justiça humana.
O juiz existe para fazer justiça, servindo-se de ordenamento, mas valendo-se do processo
em sua visão do moderno pensamento instrumentalista, pois “a tendência do Direito Processual
moderno” é também no sentido de conferir maior utilidade aos provimentos jurisdicionais.
A supremacia constitucional é dogma imperativo para a atuação jurisdicional. O juiz
não pode ser acometido “da perda do sentimento constitucional, da vontade da constituição,
na terminologia de Konrad Hesse, com a concomitante queda de sua força normativa, a porta
do arbítrio, o que aponta para o possível esmagamento das liberdades e o desejo pelos direitos
sociais (Nalini, 2000).
Disponível em: <http://www.leieordem.com.br/conciliacao-e-arbitragem-cultura-do-consenso-ou-culto-ao-acordo.html>. Acesso em:
6 abr. 2013.
1
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acesso à justiça
O juiz integra o Estado brasileiro e este deve assumir “o gravíssimo dever de sempre conferir
prevalência aos direitos humanos”. Os direitos fundamentais talvez “permaneçam para sempre na
dimensão da utopia. Ainda que permaneçam, a continuidade dos esforços para sua observância
é imprescindível. Sem algum tipo de utopia a História não levaria a qualquer aprimoramento da
condição humana. Poderá constituir tão somente uma longa viagem circular, tendo como ponto
de partida e de chegada a lei da selva, de uma selva possivelmente desertificada em futuro não
distante”. Utopia ou não, os direitos fundamentais já percorreram longa trajetória nas Constituições e são tema recorrente de toda a preocupação das pessoas de bem (Nalini, 2000).
Um juiz eticamente desafiado a ampliar o acesso da população à Justiça, notadamente
daquela mais pobre, desassistida, não emergirá dos atuais métodos de recrutamento, que privilegiam a memorização dos textos legislativos, sem se preocupar com a sua vocação, criatividade
e capacidade de trabalho e atributos humanísticos. A necessidade de um juiz rebelde (leia-se
ético) consiste em repensar os paradigmas, para que este juiz esteja preparado para enfrentar
questões difíceis, para que seja um ser humano que priorize a ética como valor pessoal insubstituível, para garantir ao usuário a mais intelegível, rápida e adequada Justiça.
Seção 4.2
Acesso à Justiça e o Ministério Público
Como já se mencionou em outra oportunidade, compete ao Estado regular a convivência
dos indivíduos por meio do Direito Objetivo, sendo este a manifestação da vontade estatal. De
um lado o Estado edita o Direito Objetivo, que decorre da soberania que lhe é inerente. De outro, o Estado sabe que é preciso assegurar a eficácia da norma perante a sociedade e para isso
fiscaliza e garante o cumprimento das leis que editou (Nazzilli, 2001).
A inobservância do Direito Objetivo acarreta aplicação de sanções impostas mediante a
coercibilidade, que são concretizadas pela força estatal. A atividade estatal de fiscalizar e assegurar o cumprimento da lei se faz administrativamente e jurisdicionalmente (Nazzilli, 2001).
Quando surge um conflito que ameaça a paz social o Estado chama para si a tarefa de
compor esse conflito, valendo-se dos seus próprios agentes a fim de tornar concreta a aplicação
da norma jurídica e, quando necessário, empregar a força. Jurisdição, portanto, é o poder do
Estado de aplicar a lei de forma contenciosa, administrando a Justiça por meio de seus órgãos
jurisdicionais, funcionando como complemento e instrumento da legalidade (Nazzilli, 2001).
De acordo com Nazzilli (2001), há que se fazer distinção entre os interesses quanto à disponibilidade e titularidade:
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
1) Quanto à disponibilidade:
a) interesses disponíveis em relação ao interesse de ação das partes são aqueles meramente
patrimoniais;
b) interesses indisponíveis são aqueles que não estão na disponibilidade das partes, como
o direito à vida.
c) Interesses relativamente indisponíveis são aqueles que possuem a disponibilidade restrita à autorização judicial.
2) Quanto à titularidade:
a) interesses apenas individuais (um único lesado);
b) interesses individuais homogêneos (grupo de pessoas que compartilham prejuízos individualmente divisíveis decorridos de um fato único);
c) interesses coletivos (grupo de pessoas que compartilham prejuízos indivisíveis oriundos
de uma mesma relação jurídica);
d) interesses difusos (grupo de pessoas indetermináveis que suportam danos divisíveis,
reunidas em circunstâncias que lhes sejam comuns);
e) interesse público em sentido estrito (o titular do interesse é o Estado em contraposição
com o interesse privado);
f) interesse público em sentido lato.
O Estado reage de maneira diferente à violação de suas normas, e depende da natureza
do próprio comando e da titularidade do interesse atingido. Em alguns casos, o próprio Estadoadministração provoca o Estado-juiz; em outros, é o particular que deve buscar a defesa de seus
interesses em juízo. Nas duas hipóteses a ação, que é um direito autônomo, por sua vez, é usada
para provocar a intervenção do Estado-juiz para se efetivar o exercício da jurisdição.
O acesso à Justiça ao alcance de todos está entre os valores fundamentais da democracia.
Na realidade, o acesso à Justiça não é igual para todos, isso decorre das desigualdades sociais,
econômicas, culturais, regionais, etárias, mentais, entre outras.
A instituição estatal do Ministério Público é dotada de autonomia e independência, seu
papel está em assegurar um adequado equilíbrio na fase pré-processual e na própria relação
processual, colaborando para que a prestação jurisdicional do Estado seja eficiente. A atividade
do Ministério Público realiza-se também na esfera extrajudicial, como na atividade cautelar, ora
com o fim de preparar a propositura de ações de sua iniciativa, ora para compor interesses “inter
volentes” e possibilitar o acesso à jurisdição (Nazzilli, 2001, p. 29).
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EaD
acesso à justiça
Na fase extrapenal o Ministério Público concorre para assegurar a adequada distribuição
de oportunidades de acesso à Justiça. Na esfera judicial, o Ministério Público atua tomando a
iniciativa de provocar a prestação jurisdicional e participando da relação processual já instaurada
sob a provocação de terceiros. Também na esfera civil a iniciativa ou intervenção do Ministério Público visa a manter a presença do juiz equidistante, livre do ônus da iniciativa (Nazzilli, 2001).
A natureza principal do Ministério Público é administrativa, a Constituição Federal de
1988 institui que é “essencial à função jurisdicional do Estado” e a função é tomada como sendo
“essencial à função jurisdicional do Estado”, embora não oficie nas causas cíveis com interesses
privados disponíveis, se na relação não se vislumbrar qualquer interesse público. Quando, no
entanto, ocorrem questões que digam respeito a interesses sociais ou individuais indisponíveis,
a interesses difusos, coletivos ou individuais que afetem a sociedade, o Ministério Público comparece defendendo os valores democráticos e possibilitando o acesso à Justiça (Nazzilli, 2001).
O ofício do Ministério Público é bastante diversificado, pois toda sua atuação é finalística:
sempre age em defesa da pessoa ou de grupos de pessoas, visando à defesa de interesses individuais, coletivos e difusos, tendo sua atuação balizada pela finalidade interventiva. Constitui a
tríade do objeto de atenção do Ministério Público:
a) zelar pelos direitos que a lei considere indisponíveis;
b) nos casos da indisponibilidade ser apenas relativa, zelar para que a disposição daquele interesse seja feita conforme a exigência da lei;
c) zelar pela prevalência do bem comum sobre o interesse particular.
Assim, a atuação processual do Ministério Público dependerá da natureza do objeto jurídico
da demanda e da qualidade de uma das partes (porque a uma, de seus interesses não possam as
partes dispor de forma absoluta ou limitada; a duas, os titulares dos interesses em litígio sofram
de alguma forma acentuada de deficiência que justifique e provoque a intervenção protetiva
ministerial) (Nazzilli, 2001).
Por conseguinte, havendo alguma característica de indisponibilidade, parcial ou absoluta
de qualquer interesse, disponível ou não, que venha atingir a coletividade como um todo, será
exigível a iniciativa ou intervenção do Ministério Público junto ao poder Judiciário.
A Constituição Federal de 1988 conferiu ao Ministério Público um dos mais importantes
canais para o acesso à Justiça, ao lhe encarregá-lo de zelar pelo efetivo respeito dos poderes
públicos e pelos serviços de relevância pública aos direitos assegurados constitucionalmente,
facultando-lhe promover medidas necessárias a sua garantia (Nazzilli, 2001).
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Patrícia Marques Oliveski
Na área penal, o Estado se investe na função de Juiz, e ao mesmo tempo traz para si a iniciativa da maior parte das ações. O Estado, contudo, utiliza-se de órgãos autônomos para exercitar
os dois papéis, pois quem aciona a jurisdição não é quem julga. Nesta proporção, quem presta
a jurisdição são os juízes e a promoção da ação dar-se-á pelo Ministério Público. O Ministério
Público deve ser independente, de forma real, principalmente diante do poder de incriminar o
Estado e os seus governantes. A Ação Penal Pública é a única função constitucional privativa do
Ministério Público. A exceção advém da Ação Privada Subsidiária da Pública, que em caso de
inércia do Ministério Público a parte pode intentá-la no prazo legal (Nazzilli, 2001).
A Constituição Federal de 1988 também expressa que a função institucional do Ministério
Público é a de “promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos coletivos”. O Ministério Público ao cumprir sua função constitucional deve defender o patrimônio da sociedade como um
todo. Do mesmo modo o Ministério Público recebeu a incumbência constitucional de promover
a ação de responsabilidade civil decorrente de infrações apuradas por comissões parlamentares
de inquérito. A Constituição também atribuiu ao Ministério Público a promoção da ação civil
pública para defender o patrimônio cultural, o meio ambiente e o consumidor, direito esse que o
Ministério Público já havia conquistado por meio da Lei 7347/85 (Nazzilli, 2001).
O Ministério Público possui ainda a incumbência de defender pessoas ou grupos de pessoas necessitadas ou que estejam inferiorizadas socialmente na relação processual. Dentre elas:
crianças e adolescentes, incapazes, consumidores, titulares de interesses difusos e coletivos,
vítimas pobres, pessoas portadoras de necessidades especiais, idosos, entre outros.
A norma constitucionalmente exigiu a criação dos Juizados Civis e Criminais, que são
órgãos jurisdicionais especiais, em que juízes togados ou togados e leigos são competentes
para conciliação, julgamento e execução das causas cíveis de menor complexidade e infrações
penais de menor potencial ofensivo, bem como, nas hipóteses em que a lei permite, a transação
penal e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. Causas cíveis de menor
complexidade a lei indica pelo objeto, por exemplo, alguns pedidos condenatórios em ações
patrimoniais.
O Ministério Público possui uma acanhada participação nos Juizados, adotando como
base comparativa a composição de conflitos de grande relevo social realizada pelo Ministério
Público. O artigo 98, inciso I, da Constituição Federal de 1988, instituiu a criação e competência dos Juizados Especiais, porém a lei vem sendo aplicada timidamente, em razão de que a
Lei 9.099/95 não alcançou todo o potencial da transação penal, no sentido de que apenas criou
remendos e não a efetiva transação penal com consequências penais. Desse modo, seria preciso
editar nova lei que admitisse verdadeiras transações penais, mesmo além daquelas de menor
potencial ofensivo (Nazzilli, 2001).
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EaD
acesso à justiça
Em relação à atuação do Ministério Público e a efetividade do acesso à Justiça, importante
lembrar que segundo Cappelletti e Garth (1988) tal efetividade depende das seguintes ondas:
a) garantia de representação legal aos pobres;
b) tutela dos interesses difusos e coletivos;
c) simplificação dos procedimentos.
Assim, sem negar esse pensamento, a efetividade da Justiça é questão de compreensão,
pois há que se evidenciar o fato de que a Justiça brasileira, como serviço público, é cara, lenta e
formalista, em que se discute mais a competência, ritos, conhecimento de ações ou de recursos,
prazos, legitimidade, do que o mérito de quem tem razão e a garantia de eficácia imediata do
reconhecimento do direito à parte é relegada a segundo plano (Nazzilli, 2001).
É fato que as prisões brasileiras são compostas por pessoas desassistidas. Nesse sentido, há
verdadeira barreira para concretizar a punição aos poderosos, pois seus crimes são executados
com assessoria técnica, com maiores cuidados, a apuração é realizada com a corrupção das autoridades, provas forjadas, uso abusivo dos mecanismos processuais; e o mais grave, não é raro
que esses criminosos poderosos estejam no círculo de amizade dos julgadores, gozando de sua
simpatia, pois são pessoas que têm a mesma escolaridade dos magistrados, moram, falam, têm
os mesmos amigos que estes. E, para quem conteste, a prova está aí para quem quiser averiguar:
nas prisões há mais ladrões de bicicleta do que industriais criminosos (Nazzilli, 2001).
De acordo com Nazzilli (2001), falta ao poder Judiciário brasileiro a simplificação do
processo. Por exemplo, poder-se-ia realizar audiências imediatas, em que a parte que não se
conformasse com a decisão judicial liminar, baseada no Direito e equidade, arcaria com o ônus
de dar prosseguimento à ação. Nesse sentido, é normal que as partes conflitantes, quando são
intermediadas por autoridade imparcial, se conforme com a decisão; isso eliminaria a morosidade
processual decorrente do adiamento de decisões. Na realidade, o grande problema da Justiça
brasileira diz respeito à cultura do país, quanto mais o povo for informado, mais sapiente será a
respeito de seus direitos e sobre os meios legais de obtê-los.
Os membros do Ministério Público exercem a função de prevenção junto ao poder Judiciário para obter a pacificação social e composição extrajudicial de conflitos. Num país democrático o Ministério Público é forte e sua fortaleza é oriunda da independência. Mesmo em países
democráticos, na falta da independência ministerial, o Ministério Público é fraco. Também nos
Estados totalitários o Ministério Público pode ser forte e dependente, sendo usado como poder
estatal opressor.
Nesse sentido, não se pode esquecer que o Ministério Público brasileiro, como instituição,
só nasceu na República, pois na época do Brasil-Império e Brasil-Colônia os procuradores do rei
eram apenas representantes dos interesses da Coroa. O artigo 127, caput, da Constituição Federal
99
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Patrícia Marques Oliveski
atribui ao Ministério Público, dentre outros fins, a defesa do regime democrático do Estado. “A
Constituição de 1988 é fruto da ruptura com a ditadura militar e, assim sendo, destinou ao Ministério Público a defesa de seu bem mais caro, que é a democracia, conferindo-lhe as mesmas
garantias da magistratura” (Nazzilli, 2001, p. 55).
Daí não se pode concluir, todavia, que o Ministério Público inexista num país onde não
haja democracia; ao contrário, existe, e é da mesma forma, fraco ou forte, embora num regime totalitário não seja independente. O Ministério Público somente será verdadeiramente
independente num regime essencialmente democrático, uma vez que não é interesse de um
governo totalitário a existência de uma instituição, ainda que própria do Estado que, com independência, possa tomar decisões que afetem o próprio governo ou mesmo grupos poderosos
(Nazzilli, 2001).
No início do ano de 1986, com base numa pesquisa nacional realizada entre promotores e
procuradores de Justiça e, diante das teses provocadas pelo VI Congresso Nacional do Ministério
Público, uma comissão escolhida pela Confederação Nacional do Ministério Público (Conamp)
preparou o primeiro anteprojeto de texto para a entidade na Constituinte e ignorou qualquer
indução entre o papel desta e a defesa da legalidade democrática (Nazzilli, 2001).
Ao mesmo tempo em que a Conamp realizava seus estudos, o governo federal instituía
uma comissão de estudos constitucionais sob o nome de Afonso Arinos a qual, por intermédio do
Procurador-Geral da República, José Paulo Sepúlveda Pertence, propunha ao Ministério Público,
por meio da Proposta Pertence, defender o regime democrático. O Anteprojeto Afonso Arinos, da
Conamp, foi conciliado com a Proposta Pertence, sendo apresentado um novo anteprojeto denominado Carta de Curitiba. A Carta de Curitiba e o Anteprojeto Afonso Arinos serviram como base
de sustentação para o artigo 127, caput, da Constituição Brasileira de 1988, e essa norma elevada
se apresenta como um desafio a ser vivido pelo Ministério Público (Nazzilli, 2001).
O Ministério Público moderno está encarregado de assegurar o acesso à Justiça, bem como
defender todos os direitos sociais, e também os individuais, se indisponíveis. Para tanto, dispõem
como instrumentos de atuação a ação penal pública, o inquérito civil, a ação civil pública, de
ombudsman (ou seja, ouvir as reclamações, investigar, fazer audiências públicas e tomar providências para que os serviços públicos de relevância pública observem os direitos assegurados
na Constituição).
Sua tarefa, portanto, de defesa do regime democrático, compreende o combate à criminalidade em geral, à improbridade administrativa, a defesa de pessoas em geral (meio ambiente,
consumidor, contribuintes, minorias, pessoas portadoras de deficiências, idosos, crianças, adolescentes, etc.) e garantir o acesso à Justiça, mediante ações em defesa de interesses difusos,
coletivos e individuais homogêneos que tenham expressão social.
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EaD
acesso à justiça
Seção 4.3
Acesso à Justiça e a Assistência Judiciária
Ao poder Judiciário e ao Ministério Público cabe, portanto, o papel de promover o acesso
à Justiça, por meio de seus inúmeros organismos estruturados para este fim. Na prática, porém,
esse acesso está cada vez mais restrito, diante das exigências modernas a imporem pesados ônus
processuais, compostos basicamente por custas e honorários advocatícios, além da morosidade
advinda da excessiva burocracia.
Positivamente, acesso à Justiça significa adentrar ao mecanismo estatal com a finalidade
de satisfazer o interesse da parte. Juridicamente a expressão é muito mais finalista e exige não
apenas a entrada com o pedido em juízo, mas a efetiva satisfação desse pedido, ou seja, exige
eficácia, para o que converge tanto o Judiciário quanto o Ministério Público.
Na Antiguidade, como já referido, a Justiça era privada e restrita àqueles que pudessem
pagar as taxas e ônus impostos.
2
Com a estatização da função jurisdicional, o Estado avocou
para si o poder e o dever de analisar e julgar os conflitos de interesses, mantendo a exigência do pagamento de custas, taxas
e emolumentos, o que culminou na elitização da Justiça e no
distanciamento das classes mais pobres.
Tal situação perdurou por muito tempo, até que as Constituições Federais passaram a prever a isenção de custas e taxas para os necessitados, como se constata na Constituição de 1934.
Em seguida, cuidou-se de criar uma legislação ordinária regulando a assistência judiciária aos
necessitados (Lei n. 1.060, de 5 de fevereiro de 1950).
Sem a barreira financeira das custas e taxas, restava ao Estado providenciar a perfeita assistência aos necessitados por profissional, para tanto habilitado. Assim, num primeiro momento,
o Estado legou ao órgão do Ministério Público o dever de assistir aos necessitados quando do
ingresso em juízo. Com o advento da Constituição da República de 1988, tal mister foi transferido
às Defensorias Públicas (artigo 134), as quais foram organizadas e instituídas oficialmente pela
Lei Complementar n. 80, de 12 de janeiro de 1994.
Disponível em: <http://celiaprotasio-advogados.blogspot.com.br/2011/04/novo-regulamento-das-custas-processuais.html>. Acesso em:
6 abr. 2013.
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Certo é, portanto, que Constituição Federal da República assegura a todos o acesso à Justiça,
o direito de petição e o dever de o Estado prestar a tutela jurisdicional a todos (artigo 5º, incisos
XXXIV e XXXV, da Constituição Federal de 1988). Com isso, surge um enorme leque de direitos que estariam a serviço da democratização do Direito. Para a efetivação do acesso à Justiça,
entretanto, encontra-se a questão da gratuidade desse acesso, uma vez que parte da doutrina
entende que a cobrança de taxas, emolumentos e custas judiciais têm dificultado esse acesso.
Para evitar esse problema e garantir o acesso ao Judiciário, independentemente da classe
social do beneficiário, eis que a Justiça é serviço público essencial, segundo alguns autores,
esta deveria ser prestada, indistintamente a todos os cidadãos e em todas as esferas do poder,
de forma absolutamente gratuita, tal como sustentam Cappelletti e Garth (1988), em sua obra
Acesso à Justiça, os quais observam que, em diversos países do mundo, já se adota uma Justiça
integral e gratuita.
Na França, por exemplo, desde 1o de janeiro de 1978, todas as custas foram eliminadas,
restando apenas as despesas com advogados. Na Bulgária, nos litígios que envolvam pequenas
causas, a máquina judiciária é isenta de custas e nas demais causas, o seu valor é relativamente
baixo, o que não impede ninguém de adentrar ao meio Judiciário. Em outros países há isenção
de custas e taxas para os reconhecidamente necessitados, no entanto subsistem as despesas
advocatícias. Por isso, diversos países reformularam suas leis e criaram um sistema misto de
assistência judiciária, em que o Estado permite o acesso gratuito e os advogados particulares
fazem o acompanhamento e atendimento gratuito, mediante o subsídio estatal (Cappelletti;
Garth, 1988).
Assim, entre 1919 e 1923 a Alemanha instituiu um sistema de remuneração pelo Estado
para advogados que fornecessem assistência judiciária, a qual era extensiva a todos que a pleiteassem; e, em 1972, houve um aperfeiçoamento desse sistema, aumentando a remuneração paga
aos advogados particulares por serviços prestados aos pobres. Em 1949 foi a vez de a Inglaterra
apresentar uma reforma e criar o Legal Aid and Advice Scheme, que foi confiado à Law Society,
associação nacional de advogados, os quais passaram a receber do Estado pelos “aconselhamentos
jurídicos” e assistência a processos. Em julho de 1972, a Lei de Aconselhamento e Assistência
Judiciária da Inglaterra aumentou o alcance do sistema instituído em 1949, mormente na área
de aconselhamento jurídico (Cappelletti; Garth, 1988).
No mesmo ano, a província canadense de Quebec estabeleceu seu primeiro programa de
assistência judiciária financiado pelo governo e em 1965 os Estados Unidos criaram o Office of
Economic Opportunity (OEO), que autorizava a destinação de recursos federais para programas
aprovados de “ação comunitária” (Cappelletti; Garth, 1988).
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EaD
acesso à justiça
No Brasil já existe previsão de isenção de custas em alguns feitos. A Constituição Federal
prevê em alguns de seus incisos a gratuidade absoluta de determinados atos, independentemente
da situação financeira da parte. É o caso do direito de petição (artigo 5o, XXXIV, “a”, da CF),
da obtenção de certidões (artigo 5o, XXXIV, “b”, da CF), da Ação Popular (artigo 5o, LXXIII, da
CF), do habeas data e do habeas corpus (artigo 5o, LXVIII e LXXII da CF) e, desde a criação da
Justiça especializada trabalhista, permite-se o ingresso àquela Justiça independentemente do
pagamento de taxas.
Na legislação civil existem outros casos em que se defere a gratuidade, como ocorre nas
ações de alimentos e nas afeitas às Varas de Infância e Juventude. Nestes casos dá-se o efetivo acesso à Justiça, sem distinções de qualquer natureza. Desde 1995 funcionam no Brasil os
chamados Juizados Especiais Cíveis, instituídos pela Lei n. 9.099/95. Tais Juizados prestam-se
ao julgamento de causas cíveis de menor complexidade, cujo valor não exceda a 40 (quarenta)
salários mínimos, que se refiram às hipóteses do artigo 275, II do Código de Processo Civil, às
ações possessórias ou à ação de despejo para uso próprio.
Em vigor também o Decreto n. 3.474, de 19 de maio de 2000, que modificando a Lei dos
Juizados Especiais, aumentou a sua competência para julgar as causas em que figurem como
autor a pessoa jurídica, definida como pequena ou microempresa. Por fim, a Lei n. 10.259, de
12 de julho de 2001, instituiu os chamados Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da
Justiça Federal, com competência para processar e julgar as causas de competência da Justiça
Federal relativas às infrações de menor potencial ofensivo, cuja pena máxima não ultrapasse
dois anos, bem como as causas de competência da Justiça Federal de valor até 60 (sessenta)
salários mínimos.
Importante observar que tanto nos Juizados Especiais Estaduais como nos Federais a lei
permite o acesso a todo e qualquer cidadão cuja causa se enquadre nas hipóteses de competência daqueles órgãos, sem perquirir de sua situação econômica ou exigir-lhe o pagamento de
qualquer taxa, emolumentos ou custas processuais.
Assim, pode-se afirmar que a Assistência Judiciária Gratuita tem se transformado numa
tendência moderna e está se instalando em todos os ramos do Direito, pois inicialmente esta se
restringia apenas e tão somente aos necessitados, na forma da lei. Com a evolução do pensamento
moderno, a doutrina e o clamor social fizeram com que o legislador fosse estendendo o alcance
da norma para garantir a todos os cidadãos o acesso gratuito e integral à Justiça, independentemente da situação financeira do interessado.
A Constituição Federal foi pioneira nesse quesito, ao relacionar alguns remédios constitucionais a serem usados por todos os cidadãos, independentemente do pagamento de taxas, e,
em algumas ocasiões, até mesmo sem acompanhamento advocatício, como ocorre no caso do
habeas corpus. A Constituição também prevê a gratuidade do direito de petição, do fornecimento
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
de certidões, independentemente da qualidade ou condição financeira da parte requerente. A
legislação trabalhista também mostrou-se precursora na efetivação do acesso à Justiça, uma vez
que, desde sua criação, prevê a isenção de custas para o reclamante.
No mesmo sentido tem-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, § § 1º e 2º do artigo
141, da Lei n. 8.069/90, ao estabelecer que: “A assistência judiciária gratuita será prestada aos
que dela necessitarem, através de defensor público ou advogado nomeado e as ações judiciais
da competência da Justiça da Infância e Juventude são isentas de custas e emolumentos, ressalvadas as hipóteses de litigância de má-fé”.
Também a Lei n. 9.265/96 regulamentou o inciso LXXVII, do artigo 5º, da Constituição e
dispôs sobre a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania, independentemente
da qualidade do requerente. A Lei n. 9.465/97, por sua vez, determina o fornecimento gratuito
de registro extemporâneo de nascimento, quando destinados à obtenção da Carteira de Trabalho
e Previdência Social.
A Lei n. 1.060/50 prevê que a Assistência Judiciária Gratuita será concedida com base na
simples afirmação, no corpo da própria petição inicial, de que a parte não está em condições de
pagar as custas do processo e os honorários advocatícios sem prejuízo próprio e de sua família.
Não há mais necessidade de juntar atestado de pobreza ou de hipossuficiência econômica, como
era exigido anteriormente. Em se constatando a inveracidade de tal informação, a parte sujeitarse-á ao pagamento de até o décuplo das custas judiciais, o que é apurado mediante a instauração
de procedimento incidental de impugnação, o qual corre em autos apartados, na forma do § 2º,
do artigo 4º, da Lei n. 1.060/50.
A Assistência Judiciária Gratuita e absoluta parece estar se tornando, aos poucos, a regra
no país e encontrado guarida ante a nova postura do poder Judiciário, que tem se mostrado mais
aberto à sociedade e aos problemas que lhe são comuns, firmando convênios com vários órgãos
e instituído operações para resolução de processos judiciais.
Assim sendo, pode-se destacar que diante do disposto no artigo 5o, XXXV, da Constituição
Federal, o Estado obrigou-se a apreciar todas as lesões e ameaças a direito ocorridas contra seus
jurisdicionados, devendo ser garantido o acesso ao Judiciário para que não se volte ao tempo
da Justiça Privada.
O acesso efetivo à Justiça, no entanto, se dá mediante a assistência por advogado ou
defensor, o pagamento de custas, taxas judiciárias e, se for o caso, o pagamento de perícias e
diligências, quando exigidas. Tudo isso demanda valores que nem sempre a parte pode arcar
sem prejuízo próprio, razão pela qual a própria Constituição Federal de 1988 previu a assistên104
EaD
acesso à justiça
cia judiciária integral para os reconhecidamente pobres na forma da lei. A essa classe é dada
isenção de custas, taxas e demais despesas, com assistência por meio das Defensorias Públicas
instituídas em cada Estado pela União.
Essa garantia, porém, é específica para os “reconhecidamente pobres na forma da lei”,
o que necessariamente promove a quebra do princípio da igualdade, pois o legislador previu
soluções diversas para situações iguais. Assim, o cidadão comum que possui as suas limitações,
mas não se enquadra na situação de pobreza exigida pela lei, vê-se impossibilitado de adentrar
ao Judiciário, sem que para tanto arque com as despesas necessárias. Ainda que não possua
recursos e a lei lhe garanta a apreciação de sua causa pelo Judiciário, ficará sem fazê-lo, ante o
teor da norma reguladora.
Embora a Lei n. 1.060/50 estabeleça a concessão de assistência judiciária aos “reconhecidamente pobres, na forma da lei”, conceituando-os como “todo aquele cuja situação econômica não
lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento
próprio ou da família”, por certo que este “prejuízo do sustento próprio ou da família” dependerá
do padrão de vida levado pela pessoa no caso concreto.
O juiz verdadeiramente consciente de seu papel social deve permitir e impulsionar o
acesso à Justiça de forma efetiva sem distingui-los por sua condição econômica, pois os critérios definidos em lei para classificar aqueles que podem dos que não podem arcar com os ônus
processuais são muito relativos.
Defendendo a gratuidade absoluta do acesso ao Judiciário, independentemente da classe
social do beneficiário, Rosas conclui que o pagamento das custas deve ser repensado, excluindo-o para que o obstáculo financeiro não sirva de impedimento ao ingresso em juízo. Segundo
este autor, “a Justiça é dever do Estado, e aqueles que discutem a dimensão do Estado, e suas
funções, incluem a Justiça como digna do enquadramento neo-liberal na exclusividade estatal”
(1999, p. 34). No mesmo sentido Arruda Jr. (1993), ao analisar a questão da crise que assola
o poder Judiciário, sugere uma série de mudanças, as quais considera “óbvias”, dentre elas a
gratuidade do acesso à Justiça.
Em verdade, a gratuidade absoluta do acesso à Justiça se impõe como uma necessidade
urgente, pois além de a exigência do pagamento de custas e emolumentos dificultar o exercício
dos direitos individuais e coletivos, ainda gera o descumprimento de preceitos constitucionais.
Não obstante, é evidente a divergência entre o texto constitucional e a legislação ordinária diante
do que estabelecem o princípio da função jurisdicional e o princípio do acesso à Justiça.
O princípio da função jurisdicional, expresso no artigo 5o, XXXV, da Constituição da República, exige que todos os feitos sejam submetidos ao poder Judiciário, independentemente das
condições das partes ou da lide; em contrapartida, o princípio do acesso à Justiça, expresso na
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legislação processual civil (Lei n. 1.060/50) e na própria Constituição (artigo 5o, LXXIV), impõe
o dever de permitir o acesso integral e gratuito apenas àqueles que se adaptem ao texto legal.
Dessa forma, quando a lei processual determina o acesso à Justiça aos “reconhecidamente pobres” está na verdade restringindo uma garantia constitucional que prevê que todas as lesões a
direito serão necessariamente submetidas ao poder Judiciário.
Evidentemente, para resolver este conflito deve-se recorrer ao princípio da proporcionalidade, segundo o qual deve prevalecer o dever de o acesso à Justiça ser estendido a todos, sem
distinções e discriminações. Ademais, se todos os feitos devem ser submetidos à apreciação do
poder Judiciário, se a parte tem o dever de levar a sua causa ao poder público, este tem, igualmente, o dever de promover meios para garantir que todos efetivamente ingressem em juízo para
solucionar seus conflitos de forma legal.
A questão da inclusão ou não dos serviços advocatícios no direito à Assistência Judiciária
Integral a todos é questão controvertida. A maior parte da doutrina entende que quem litiga ao
abrigo da assistência judiciária não tem a obrigação de arcar com os honorários advocatícios que
são, inclusive, excluídos pela própria lei 1.060 de 1950.
Outros, no entanto, entendem que os serviços advocatícios, por se constituírem serviço
autônomo, prestado por profissional devidamente habilitado, faz jus ao recebimento de seus
honorários, na forma contratada, nem que para isso o Estado precise ressarcir o profissional, tal
como ocorre na Alemanha e na Inglaterra.
Ademais, deve-se considerar que, embora o advogado preste serviço público indispensável
à administração da Justiça, seu ministério é amparado por estatuto próprio e a sua contratação
depende sempre da vontade da parte, constituindo verdadeiro contrato bilateral e sinalagmático,
do qual decorre naturalmente a obrigação de remuneração. Aos hipossuficientes sempre seria
garantida a representação por meio da Defensoria Pública, de modo que contrataria advogado
particular aquele que pudesse arcar com os honorários.
Para o sistema ser considerado eficiente, porém, é necessário que haja um grande número
de advogados disponíveis. E em segundo lugar, além de ter o número de advogados necessários,
é preciso que eles se tornem disponíveis para auxiliar aqueles que não podem pagar por seu
serviço. E para que isso se realize é necessária grande dotação orçamentária, ou melhor, para
que o cliente seja atendido por profissional competente o seu custo é muito elevado, onerando
muito o Estado.
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acesso à justiça
Caso o Estado não puder arcar com as custas, a remuneração do advogado será baixa,
implicando um serviço profissional de qualidade inferior e prejuízo à parte. E em terceiro lugar,
a assistência judiciária não pode ser usada para solucionar o problema das pequenas causas
individuais, mas sim tem de, obrigatoriamente, envolver muito mais do que uma simples briga
de vizinhos.
3
Assim sendo, a questão da Assistência Judiciária Gratuita é
um dos maiores anseios da sociedade indefesa e desprovida de
recursos para adentrar aos foros judiciais, pois cobrança de taxas, emolumentos e custas judiciais representam um verdadeiro
entrave à defesa de direitos, uma vez que a parte hipossuficiente
prefere abdicar de seu direito para não ter de adiantar despesas
que sabe não possuir.
Importante observar, ainda, que o artigo 22, inciso XIII, da LC nº 40/81, determina aos
membros do Ministério Público o dever de prestar assistência judiciária aos necessitados onde
não houver órgãos próprios; tal dispositivo teve sua edição antes da criação das Defensorias
Públicas. Dessa forma, há que se entender que a prestação do Ministério Público deve ser ativa,
embora excepcional, nos locais onde não haja Defensoria Pública ou nos locais onde não haja
efetivamente o acesso à Justiça.
É sabido que as Defensorias Públicas ainda não foram instituídas em todos os Estados, e
boa parte da população continua desassistida. Assim, principalmente nas Comarcas do interior,
a competência de assistência à população pobre continua a ser exercida pelo Ministério Público
que, por sua vez, é carente de força humana. O Estado precisa cumprir efetivamente seu dever
constitucional de propiciar assistência jurídica e judiciária integral aos necessitados, criando Defensorias Públicas e as abastecendo de material humano, ao menos suficiente (Nazzilli, 2001).
Com a evolução do pensamento garantista, que prega que os direitos fundamentais são a
base do Estado de Direito, a sociedade tem clamado por efetividade nas normas e na aplicação
do Direito, culminando com a criação de programas e operações voltados para a abertura do
sistema e do poder Judiciário, bem como a isenção de despesas forenses. Assim, considerando
essa mudança social e jurídica, a sociedade e, em especial, os profissionais do Direito, devem
manter-se alertas e conscientes, de modo a se adaptarem às novas exigências e aos novos rumos
do Direito.
Disponível em: <http://pedroluso.blogspot.com.br/2007/06/o-valor-da-causa.html>. Acesso em: 6 abr. 2013.
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Síntese da Unidade 4
Nesta Unidade estudamos a concepção mais restrita do acesso à
Justiça, momento em que o foco passou a ser a questão da realização
deste direito fundamental via instrumento do processo judicial. Por
esta razão se analisou a correlação indispensável do acesso à Justiça,
magistratura e Ministério Público, enquanto órgãos responsáveis
pela concretização deste. E para complementar o estudo analisou-se
a questão da assistência judiciária e a atuação do juiz e do promotor
diante da necessidade de se garantir a todos o acesso à Justiça.
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Unidade 5
acesso à justiça
O ACESSO À JUSTIÇA E JUDICIÁRIO:
Da Crise à Busca de Soluções
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
Para fechar o estudo acerca do acesso à Justiça com vistas à concretização da cidadania,
apresenta-se inicialmente um sucinto relato histórico da administração da Justiça no Brasil, para
que se identifique o modelo de poder Judiciário previsto vigente. A partir de então identifica-se
a chamada crise do poder Judiciário para culminar no levantamento das medidas que se tem
adotado como solução à crise judiciária e via de consequência à efetivação do acesso à Justiça
e realização da cidadania.
SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 5.1 – Breve Histórico Sobre a Administração da Justiça no Brasil
Seção 5.2 – Poder Judiciário: Acesso à Justiça e a Identificação da Crise
Seção 5.3 – Poder Judiciário e Acesso à Justiça: da Crise à Busca de Soluções
Seção 5.1
Breve Histórico Sobre a Administração da Justiça no Brasil
Para que se possa analisar a realização da cidadania mediante a concretização do princípio
constitucional do acesso à Justiça, passa-se a verificar o modelo de poder Judiciário, tal como
previsto na Constituição Federal de 1988, no Estado Democrático de Direito brasileiro.
Nas Capitanias Hereditárias, na primeira fase do período colonial, a administração da
Justiça foi estabelecida com caracte­rísticas feudais, pois era realizada por intermédio de funcionários nomeados pelo donatário. Somente na segunda fase do período colonial, a dos governadores-gerais, é que a organização judiciária brasileira passou a ser regulada pelas Ordenações
Filipinas.
109
EaD
Patrícia Marques Oliveski
O Brasil mantinha uma forte ligação com a legislação portuguesa, e esse vínculo estenderse-ia para além da fase de separação e independência da Colônia – mesmo após 1822, o Brasil
ainda conservaria, por muito tempo, o ordenamento lusitano. Somente em 1808, com a mudança
da Corte portuguesa para o Brasil, o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro passou a se chamar
Supremo Tribunal de Justiça.
Essa situação permaneceu até a Independência, quando, sob o impulso da Consti­tuição Federal norteamericana de 1787 (que elevou, “pela primeira vez no mundo, o Poder Judiciário à alta categoria de
institui­ção constitucional, a que chamou Judicial Power4), também a nossa Constituição de 25 de março
1824, adotou a terminologia – “Poder Judicial” (Título VI). Declarou-o independente e composto de
juízes e jurados, cabendo a estes pronunciar-se sobre o fato e àqueles aplicar a lei (art. 151 e 152).
Aos juízes de Direito, de todas as instâncias, era assegurada a vitaliciedade, porque “perpétuos”, mas
removíveis (art. 153). Podiam perder o seu cargo em virtude de sentença, cabendo aos tribunais processálos e julgá-los (art. 101,7, c/c art. 154), muito embora pudessem ser suspensos dos seus cargos pelo
Imperador em virtude de queixas contra eles apresentadas (art. 154 e 155). A organização judiciária
era composta pelo Supremo Tribunal de Justiça, na capital do Império, composto de juízes togados e
letrados, bem como das Relações, nas capitais das Províncias (art. 158 e 163). Havia ainda juízes de
paz eleitos pelo povo, com atribuições não contenciosas (art. 162) (Sifuentes, 1999, p. 326).
A Constituição de 1824, no entanto, consagraria uma novidade na esfera dos poderes
estatais, pois instituiu o Poder Moderador, deferido ao monarca e considerado a chave de toda
a organização política, de modo que o poder Judiciário convivia numa atípica re­partição dos
poderes. Já a Constituição Republicana de 1891, inspirada pelas ideias liberais da América do
Norte, instituiu o regime federativo, bipartindo a Justiça em federal e estadual, num sistema de
dualidade que permanece até hoje.
O Judiciário passou a ser um poder soberano da República, ao lado do Executivo e do Legislativo. O
Judiciário da União tinha como órgãos o Supremo Tribunal Federal, com sede na capital da República,
e juízes e Tribunais Federais (art. 55). A Constituição assegurava aos Estados-membros a competência
para organizar a sua Justiça e, portanto, o seu Tribunal de Apelação (Sifuentes, 1999, p. 327).
Não obstante a forte influência liberal na Constituição escrita, a prática ainda denotava
uma relação de não rompimento com as estruturas anteriores à República. A Constituição de
1934 inseriu no Judiciário a Justiça Militar e a Justiça Eleitoral como Justiças especializa­das e
instituiu a Justiça do Trabalho como órgão administrativo.
A Constituição de 1937 autoritariamente extinguiu a Justiça Federal e a Eleitoral, caracterizando um período da História brasileira marcado por forte ingerência política do Executivo
no Judiciário. Com a restauração democrática, veicu­lada pela Constituição de 1946, o poder
Judiciário foi estruturado com os seguintes órgãos: “Supremo Tribunal Fede­ral, Tribunal Federal
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acesso à justiça
de Recursos, Juízes e Tribunais Militares, Juízes e Tribunais Eleitorais, Juízes e Tribunais do Trabalho. Conquanto tenha previsto o TFR, não dispôs a respeito da Justiça Federal de 1ª. Instância
(que somente viria a ser restaurada pelo Ato Institucional n.º 2, de 27-10-65)” (Sifuentes, 1999, p.
328). A novidade ficou por conta da elevação da Justiça Trabalhista ao patamar constitucional.
A Constituição de 1967, a não ser em relação ao ressurgimento da Justiça Federal, man­
teve, quanto ao mais, inalterada a organi­zação judiciária anterior. O Ato Institucional nº. 5, de
13-12-68, causou profundas alterações no poder Judiciário, retirando-lhe várias prerroga­tivas e
diminuindo o seu poder: “foram suspensas as garantias constitucionais de vitaliciedade e inamovibilidade dos magistrados, podendo o presidente da República, por decreto, demitir, remover,
aposentar ou colocar os juízes em disponibilidade. Excluiu da apreciação judicial qualquer medida praticada com base em seus dispositivos, além de suspender a garantia do habeas corpus”
(Sifuentes, 1999, 329).
Ainda que de forma autoritária, contudo, a Emenda Constitucional n.º 7, de 13-4-77, alterou
o artigo 112 da Constituição, criando o Conselho Nacional da Magistratura como órgão integrante
do poder Judiciário, competindo-lhe conhecer reclamações contra membros de tribunais e podendo, inclusive, avocar processos disciplinares contra juízes de primeiro grau. Esse Conselho
desapareceu com a atual Constituição. Nessa época foi editada a Lei Orgânica da Magistratura
Nacional – Loman (Lei Complementar n.º 35, de 14-3-79), que regulamentou o Conselho, trazendo normas relativas à organização, funcionamento, disciplina, vantagens, direitos e deveres
da magistratura, respeitadas as garantias e proibições previstas na Constituição.
Recuperada a democracia, promulgou-se a Constituição de 5-10-1988, a qual estruturou o
poder Judiciário no título da “Organização dos Poderes” (Título IV), elencando os órgãos integrantes desse poder. A Constituição Brasileira de 1988 foi quase exaustiva em estabelecer normas
gerais quanto à estrutura e organização do poder Judiciário, dando enfoque especial ao próprio
“Estatuto” dos juízes. Importante conquista do Judiciário foi assegurar a autonomia financeira e
administrativa, ou seja, os tribunais poderão elaborar as suas propostas orça­mentárias, em conjunto com os outros poderes, encaminhando-as para aprovação na lei de diretrizes orçamentárias.
Analisemos, então, o atual modelo e estrutura do Judiciário brasileiro.
A Constituição Federal de 1988 fortaleceu consideravelmente o Judiciário brasileiro como
poder, quer ao lhe outorgar autonomia administrativo-financeira e contemplá-lo com um estatuto no qual são recepcionados os princípios geradores dos direitos, deveres e responsabilidades
dos magistrados, quer ao instrumentalizar melhor o cidadão ampliando-lhe as vias de acesso à
tutela jurisdicional. Assim, pretende-se, nesse momento, radiografar o perfil atual do Judiciário
brasileiro, verificando o modelo e a estrutura previstos na Carta Magna.
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Com a República de 1889 estabeleceu-se um marco fundamental na história do poder
Judiciário brasileiro. Embora a Constituição do Império, no artigo 151, estipulasse que o “poder
judicial é independente”, ele se limitava a dirimir as controvérsias de Direito privado, escapando,
por inteiro, ao seu controle, os atos da administração pública.
O Estado liberal foi inaugurado com o surgimento da ideia de Constituição, na segunda
metade do século 17, instaurando as características do regime democrático, quais sejam: direitos
individuais, separação dos poderes e a garantia do respeito à liberdade, autonomia e governo,
adquirido com o consentimento da maioria popular, diante da adoção da doutrina de Montesquieu.
Esse contexto contribuiu para elevar a organização judiciária ao nível de um poder próprio ou
independente dos outros poderes do Estado, situação que se viu mantida, com razão maior, no
constitucionalismo social do século 20 (Velloso, 1997, p. 29).
Segundo Velloso, nos Estados democráticos devem ser conferidos ao poder Judiciário certas
garantias de independência, que não deixam de ser, em última análise, do próprio povo, o que,
compreensivelmente, não acontece nos regimes totalitários ou de ditaduras tradicionais, em que
a Justiça subordina-se, nas palavras de Sampaio, citado por Velloso, “aos objetivos políticos dos
governantes” (1997, p. 29).
Na verdade, a função jurisdicional coincide com a própria organização estatal, pois foi
absorvendo a tarefa de dirimir controvérsias que surgiam quando da aplicação das leis. A Constituição de 1988 dedica o Capítulo III de seu Título IV (Da Organização dos Poderes) ao poder
Judiciário (artigos 92 a 126) e o faz de maneira acentuadamente analítica.
Para uma melhor compreensão, serão expostas e analisadas as regras básicas de organização
e funcionamento do Judiciário brasileiro, reconhecendo o importante papel da magistratura no
mundo contemporâneo para a instituição e preservação de sistemas democráticos e o cumprimento pleno de suas funções constitucionais no Brasil (Dallari, 1996, p. 7).
O artigo 92 da CF/1988 apresenta os órgãos do poder Judiciário do Brasil como sendo os
seguintes:
I – o Supremo Tribunal Federal;
II – o Superior Tribunal de Justiça;
III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV – os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V – os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI – os Tribunais e Juízes Militares;
VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.
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acesso à justiça
A estrutura da Justiça brasileira deve ser estudada, então, levando-se em conta dois aspectos: de um lado, em decorrência da forma federal de Estado, pois a Justiça se divide em federal
e estadual; de outro, em razão da competência outorgada pela Constituição, motivo pelo qual
temos a Justiça comum e a Justiça especializada. “Tanto a justiça federal quanto a estadual se
bipartem em comum e especializada. A esta incumbe a prestação jurisdicional relativa às matérias: militar, eleitoral e trabalhista. A justiça comum é toda aquela remanescente da justiça
especializada. Não sendo especializada, é comum” (Bastos, 1998, p. 378).
Assim sendo, entendemos pertinente apresentar, ainda que resumidamente, a estrutura
do poder Judiciário brasileiro, para que se tenha claro o modelo da Justiça brasileira, prevista
na Constituição de 1988, que passou a considerar como Tribunais nacionais o Supremo Tribunal
Federal e o Superior Tribunal de Justiça, por examinarem questões relativas às duas ordens
jurisdicionais.
O Supremo Tribunal Federal foi erigido a órgão de cúpula como Corte Constitucional, e
como inovação a Constituição atual instituiu o Superior Tribunal de Justiça, que absorveu parte
da competência do Supremo Tribunal Federal (guarda da legislação federal infraconstitucional),
bem como os Juizados Especiais de Pequenas Causas e Justiça de Paz remunerada, no âmbito
das Justiças dos Estados, Territórios e Distrito Federal.
A Justiça Federal comum é exercida em primeiro grau de jurisdição pelos juízes federais.
Cada Estado, assim como o Distrito Federal, constituirá uma seção judiciária federal que terá
por sede a respectiva capital (CF, artigo 110). A competência da Justiça Federal comum vem
discriminada no artigo 109 da Constituição Federal. Em segundo grau de jurisdição, a Justiça
Federal comum é exercida pelos Tribunais Regionais Federais, cuja composição e competência
estão previstas nos artigos 107 e 108 da Constituição Federal.
A Justiça Federal especializada militar é exercida pelo Superior Tribunal Militar e pelos
Tribunais e Juízes Militares instituídos por lei (CF, artigo 122), competindo-lhe processar e julgar
os crimes militares definidos em lei (CF, artigo 124).
A Justiça Eleitoral é composta pelo Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais (CF, artigo 118). Na capital de cada Estado, bem
como no Distrito Federal, haverá um Tribunal Regional Federal. A sua organização e competência
ficou a cargo de lei complementar (CF, artigo 121). A Justiça do Trabalho é composta pelo Tribunal
Superior do Trabalho, pelos Tribunais Regionais do Trabalho e pelas Varas do Trabalho. Aqui,
também, cada Estado e o Distrito Federal terá pelo menos um Tribunal Regional do Trabalho.
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EaD
Patrícia Marques Oliveski
No que diz respeito à Justiça estadual comum, pode-se afirmar que esta é exercida em
primeiro grau de jurisdição pelos juízes estaduais, inclusive pelos Juizados Especiais e juízes
de paz, e no segundo grau pelo Tribunal de Justiça ou de Alçada. A competência dos Tribunais
será definida na Constituição de cada Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa
de cada Tribunal de Justiça (artigo 125, § 1º).
Aos juízes e tribunais estaduais, no exercício da Justiça comum, compete a aplicação da
lei tanto estadual quanto federal. A Justiça estadual especializada fica a cargo da Justiça Militar
Estadual (CF, artigo 125, § 3º), que será exercida em primeiro grau pelo Conselho de Justiça e,
em segundo grau, pelo Tribunal de Justiça ou por Tribunal de Justiça Militar (nos Estados em que
o efetivo da Polícia Militar for superior a 20 mil integrantes). Compete à Justiça Militar estadual
processar e julgar os policiais e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei.
As normas gerais acerca do Judiciário estão contidas nos artigos 93 a 100 da Constituição
Federal de 1988. Vamos então destacar as principais, pois o artigo 93 estabelece que lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura,
que deverá observar os seguintes princípios básicos previstos nos incisos I a VI:
a) o ingresso na carreira da magistratura, cujo cargo inicial é obrigatoriamente o de juiz substituto, farse-á por concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil;
b) a promoção de entrância em entrância se faz, alternadamente, por antiguidade e por merecimento,
atendidos os seguintes preceitos:
– é obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista
de merecimento elaborada por seus respectivos tribunais;
– para ser promovido, o juiz precisa ter dois anos de interstício na respectiva entrância;
– a avaliação do merecimento se faz pelos critérios da presteza e segurança na prestação jurisdicional
e pela freqüência e aproveitamento em cursos de aperfeiçoamento;
Destaca-se, ainda, que o acesso aos Tribunais de 2º grau também se faz por antiguidade e
por merecimento, apurados na última entrância; há previsão de cursos oficiais de preparação e
aperfeiçoamento de magistrados, como requisito de ingresso e promoção na carreira; a aposentadoria compulsória (por invalidez ou aos 70 anos de idade) e facultativa (aos 30 anos de serviço,
após 5 anos de exercício efetivo na judicatura).
Fiuza, ao analisar a estrutura do poder Judiciário no Brasil, realça que o artigo 94 da CF/88
determina a existência do conhecido “quinto constitucional” nos tribunais de 2º grau da Justiça
Comum, federais e estaduais, isto é, “em cada um desses tribunais um quinto dos lugares é preenchido por membros do Ministério Público e por advogados (com mais de dez anos de atividade
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acesso à justiça
profissional), indicados em lista sêxtupla pelos seus órgãos de representação” (1995, p. 22). A
nomeação do quinto constitucional será feita pelo chefe do poder Executivo, ao qual o Tribunal
encarregado enviará lista tríplice da mencionada lista sêxtupla.
Já o artigo 95 da Carta Constitucional prescreve que os juízes gozam das seguintes garantias:
a) vitaliciedade, que no 1º grau só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda
do cargo, nesse período, de deliberação (administrativa) do tribunal competente e, após dois anos, de
decisão judicial transitada em julgado;
b) inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público (com votação de dois terços do respectivo
tribunal);
c) irredutibilidade de vencimentos, ficando os juízes, no entanto, sujeitos aos impostos gerais, inclusive o de renda;
E o parágrafo único do artigo 95 proíbe ao juiz exercer, ainda que em disponibilidade, outro
cargo ou função, salvo o de magistério; receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo, ou exercer atividade político-partidária. Essas são as chamadas garantias
de imparcialidade dos órgãos judiciários.
Além desses princípios, a Constituição consagra outros, que denotam a importância atribuída ao Judiciário, pois os tribunais gozam, na atual Constituição, de uma boa dose de independência: podem eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos; organizar
suas secretarias e juízos, bem como zelar pela atividade correicional das mesmas; prover, por
concurso público, os cargos necessários à administração da Justiça e, inclusive, como novidade,
prover os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição.
Para Velloso, dentre as garantias que são conferidas ao poder Judiciário na Carta Magna,
algumas se caracterizam como sendo garantias da própria instituição e outras dizem respeito ao
juiz. Classificam-se entre as primeiras, por exemplo, a garantia de autoadministração e de autogoverno, ou seja, são aquelas que dão caráter de autonomia aos Tribunais. A segunda categoria
de garantias diz respeito à magistratura propriamente dita, ou seja, vitaliciedade, inamovibilidade
e irredutibilidade de vencimentos. Nesse sentido, Veloso menciona que a “tendência, moderna,
é no sentido da ampliação das garantias de independência do poder Judiciário” (1997, p. 30).
O artigo 96 da Constituição Federal, com vários incisos e alíneas, cuida da competência
privativa dos tribunais, destacando-se as seguintes atribuições administrativas: eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos; organizar suas secretarias e juízos; zelar pela
atividade correicional; prover, por concurso público, os cargos necessários à administração da
Justiça em sua respectiva jurisdição e prover os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdi115
EaD
Patrícia Marques Oliveski
ção, assegurando, assim, a autonomia administrativa ao Judiciário. O artigo 99 da Carta Magna
afirma que “ao poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira” e o § 1º
explica que os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados
conjuntamente com os demais poderes na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
Descrita, brevemente, a estrutura jurisdicional, compete-nos verificar a estrutura administrativa e qual o método de composição de seus órgãos de governo. Convém lembrar que
cada uma das justiças que constitui o Judiciário brasileiro é autônoma do ponto de vista de sua
administração, razão pela qual Rocha menciona que
quanto à identificação dos órgãos de administração de cada uma das justiças, a própria natureza piramidal de sua estrutura jurisdicional já indica que o governo de cada qual cabe aos órgãos situados
no vértice da pirâmide, ou seja, aos membros dos tribunais do último grau que são, simultaneamente,
órgãos superiores nos planos jurisdicional e administrativo. Dessa forma, quando se trata de justiça de
dois graus a administração compete ao tribunal que é o órgão do segundo grau (1995, p. 42).
Assim, examinando-se o Judiciário brasileiro, verifica-se que sua forma de estruturação
corresponde aos traços essenciais da organização burocrática, enquanto formas de organizar o
exercício do poder tal como idealizada por Max Weber, principalmente quanto à verticalização
das funções (Rocha, 1995, p. 44).
A estrutura interna do Judiciário compõe-se de órgãos inferiores e superiores, competindo
a estes a tarefa de governar o aparelho desempenhando sua função administrativa e, simultaneamente, de revisar as decisões judiciais dos órgãos inferiores. Enquanto órgãos de governo, os
tribunais têm competência para decidir sobre o estatuto dos magistrados, enquanto servidores
públicos; em contrapartida, na qualidade de órgãos jurisdicionais, têm poder para rever as decisões dos juízes de 1º grau, podendo reformá-las ou confirmá-las.
Seção 5.2
Poder Judiciário: Acesso à Justiça e a Identificação da Crise
Definida nas unidades anteriores a concepção de acesso à Justiça que norteia o presente
trabalho, reconhecido que a cidadania foi construída sob o influxo do progressivo enriquecimento
dos direitos humanos e ressaltado que, tal como está expressa na Constituição Federal de 1988,
incorporou uma nova dimensão, qual seja, a de representar um sentido mais amplo do que o de
titular de direitos políticos, resta-nos analisar o problema da concretização do acesso à Justiça e
da cidadania, cuja realização se dá pela via judiciária.
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EaD
acesso à justiça
Vale lembrar que a cidadania, ao ser qualificada no artigo 1º, inciso II, da Constituição
Federal de 1988, como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, qualificou os
participantes da vida do Estado e reconheceu aos indivíduos o status de pessoa integrada na
sociedade estatal, o que significa que o funcionamento do Estado estará sempre submetido e
condicionado à vontade popular. Como já se mencionou, a partir de então,
o termo vincula-se com o conceito de soberania popular (parágrafo único do art. 1O.), com os direitos
políticos (art. 14) e com o conceito de dignidade da pessoa humana (art. 1O., III), com os objetivos da
educação (art. 205), como base e meta essenciais do regime democrático. A cidadania, assim considerada, consiste na consciência de pertinência à sociedade estatal como titular dos direitos fundamentais,
da dignidade como pessoa humana, da integração participativa no processo do poder com a igual
consciência de que essa situação subjetiva envolve também deveres de respeito à dignidade do outro,
de contribuir para o aperfeiçoamento de todos (Silva, 1999, p. 11).
Essa cidadania, no entanto, como fundamento do Estado democrático, exige providências
estatais que visem à satisfação de todos os direitos fundamentais, e quando violados, têm de se
fazer valer, mediante a viabilização do acesso à Justiça, em igualdade de condições. Ademais,
por força do artigo 5º, § 2º, da CF/1988, direito fundamental da pessoa humana, de que todos
têm direito à jurisdição, previsto no artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
é recepcionado pela Constituição Federal de 1988. O referido artigo menciona que:
[…] toda pessoa tem direito, em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um
tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ela (Silva, 1999, p. 11).
Assim, essa previsão legal se concretiza mediante o efetivo acesso ao órgão constitucionalmente responsável pela realização desse direito fundamental da pessoa humana. O acesso à
Justiça constitui-se, assim, em garantia constitucional devidamente consubstanciada no inciso
XXXV, do artigo 5º, de nossa Carta Magna, que declara: “a lei não excluirá do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito”. É de bom alvitre, porém, lembrar que
[…] o acesso à Justiça não se resume na mera faculdade de recorrer ao poder Judiciário, desse mesmo
dispositivo emana o princípio da proteção judiciário, mais rico de conteúdo valorativo, porque constitui a principal garantia dos direitos subjetivos. Mas ele, por seu turno, fundamenta-se no princípio
da separação de poderes, reconhecido pela doutrina como garantia das garantias constitucionais,
enquanto poder que detém o monopólio da jurisdição. Aí se junta uma constelação de garantias: as
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Patrícia Marques Oliveski
da independência e imparcialidade do juiz, a do juiz natural ou constitucional, a do direito de ação e
de defesa, manifestação do direito fundamental à jurisdição, tudo ínsito nas regras do art. 5O., XXXV,
LIV e LV (Silva, 1999, p. 12).
A primeira garantia revelada pelo texto do artigo 5º, inciso XXXV, CF/88, portanto, é de que
cabe ao poder Judiciário o monopólio da jurisdição; a segunda garantia consiste no direito público
subjetivo de invocar a atividade jurisdicional sempre que se tenha como lesado ou simplesmente
ameaçado um direito. O direito fundamental do acesso à Justiça está resolvido do ponto de vista
jurídico-constitucional; no entanto, sua realização não depende somente da questão formal, mas
é sobretudo uma questão socioeconômica, pois ter acesso ao Judiciário sem a garantia de um
tratamento igualitário não é participar de um processo justo. Como lembra Clève, “não basta
haver Judiciário; é preciso haver Judiciário que decida. Não basta haver decisão judicial; é necessário decisão judicial justa. Não basta haver decisão judicial justa; é necessário que o povo
tenha acesso à decisão judicial justa” (1993, p. 305).
Efetivamente, o acesso à decisão judicial consitui-se em uma importante questão política,
não podendo haver Estado Democrático de Direito quando o cidadão não consegue, por inúmeras
razões, provocar a tutela jurisdicional. Nesse sentido, convém ressaltar que é
íntima a vinculação entre o Judiciário e a democracia. O constituinte adotou a expressão Estado Democrático de Direito e ela denota a confluência de Estado de Direito e democracia. Se, historicamente,
surgiram sob influências e em momentos diversos, hoje uma democracia representativa e pluralista
(de tipo ocidental) não pode deixar de ser um Estado de Direito — por imperativo de racionalidade
ou funcionalidade jurídica e de respeito dos direitos das pessoas. O povo detém o poder político, mas
este se subordina à Constituição. E a verdadeira razão de ser da democracia está em que, nesta forma
de regime político, o afrontamento entre a autonomia, a liberdade de indivíduo, e a heteronomia, quer
dizer que, a coerção externa do poder político, do Direito, do Estado, é reduzido ao mínimo (Nalini,
1996, p. 137).
Sob outro aspecto, e sem adentrar na análise aprofundada da questão da globalização, é
pertinente ressaltar que Faria atribui aos efeitos da globalização e às transformações geradas
por esse fenômeno ao Estado constitucional moderno as causas dessa realidade, quando afirma
que a globalização,
por desconhecer limites de tempo e espaço, reduzir as fronteiras jurídicas e burocráticas entre as nações, tomar os capitais financeiros imunes a fiscalizações governamentais, fragmentar as atividades
produtivas em distintos países, regiões e continentes e reduzir a sociedade a um conjunto de grupos e
mercados unidos em rede, a globalização levou a política a ser substituída pelo mercado como instância
máxima de regulação social, esvaziou os instrumentos de controle dos atores nacionais e tornou sua
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acesso à justiça
autonomia decisória vulnerável a opções feitas em outros lugares, sobre as quais tem escasso poder
de influência e pressão. Acima de tudo, ao gerar formas de poder e influência novas e autônomas ela
também pôs em xeque a centralidade e a exclusividade das estruturas jurídicas do Estado moderno,
baseadas nos princípios da soberania e da territorialidade, no equilíbrio dos poderes, na distinção entre
o público e o privado e na concepção do direito como um sistema lógico-formal de normas abstratas,
genéricas, claras e precisas (Faria, 1997, p. 7).
Faria, então, conclui que “como uma das instituições básicas do Estado constitucional
moderno, em cujo âmbito tem a função de aplicar uma ordem jurídica previamente estabelecida
por outro poder igualmente independente, o Judiciário não ficou imune a todas essas transformações” (1997, p. 7).
Em sua trajetória denota-se que fora instituído com a missão de conferir eficácia aos direitos individuais, assegurar os direitos fundamentais, garantir as liberdades públicas e afirmar
o império da lei, protegendo os cidadãos contra os abusos de poder do Estado. Posteriormente o
Judiciário também passou a instituir direitos sociais, condicionando a formulação e a execução
de políticas públicas com propósitos compensatórios e distributivistas.
Perante essa realidade, segundo Faria, o Judiciário está diante de um novo cenário, no qual
o Estado vai perdendo a sua autonomia decisória e o ordenamento jurídico vê comprometida a sua
unidade, a sua originalidade e o seu poder de “programar” comportamentos, escolhas e decisões.
“Por causa das pressões centrífugas da desterritorialização da produção e da transnacionalização
dos mercados, o Judiciário, ao menos sob a forma de uma estrutura fortemente hierarquizada,
operativamente fechada, orientada por uma lógica legal-racional e obrigada a uma rígida e linear
submissão à lei, tornou-se um poder com os dias contados” (Faria, 1997, p. 8).
Assim sendo, um dos problemas fundamentais no campo da efetiva realização do Direito
parece ser, justamente, o do acesso à Justiça. Dessa forma, o ponto de partida dessa investigação
contém a ideia de que a magistratura brasileira enfrenta uma crise que dá origem a uma ampla
discussão em torno das possíveis vias de mudança da atuação do juiz. Segundo Apostolova,
[…] nas últimas duas décadas o sistema Judiciário tem sido alvo de inúmeras críticas dirigidas ao seu
funcionamento tanto pela sociedade civil e pelos poderes Executivo e Legislativo, como pelo próprio
corpo dos juízes, atingido por um certo descontentamento e frustração no que toca ao exercício das
suas funções e a repercussão extrajudicial destas. O conteúdo das críticas varia em função da diversidade de lugares que as produzem e reflete as várias facetas da assim chamada “crise do Judiciário”.
Em conseqüência disso, não é possível identificar uma visão unitária e consensual em relação ao seu
significado, sendo que para sua configuração concorre uma variedade de fatores atrás dos quais se
encontram concepções de organização e funcionamento do sistema Judiciário que espelham projetos
políticos divergentes (1998, p. 19).
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Patrícia Marques Oliveski
São inegáveis as transformações sentidas, como uma realidade efetiva, pela sociedade
moderna. O poder Judiciário como instituição encarregada de dirimir conflitos e aplicar a Justiça tem sofrido inúmeras críticas, que se tornam cada vez mais freqüentes, embora não haja
uma linha clara de questionamentos, mas um conjunto de insatisfações, dentre os quais Roesler
aponta as seguintes:
A ineficiência do Judiciário no tratamento dos conflitos, em particular a sua atuação morosa, a politização desta atuação quando de sua relação com os outros poderes e quando da defesa dos direitos
humanos, uma intromissão disfuncional na atividade econômica do país, prejudicial à certeza e segurança dos investimentos, o formalismo e conservadorismo na aplicação da legislação, principalmente
no que tange à Constituição, são questões presentes nos noticiários (1997).
Tal disfuncionalidade no estudo da crise e as diversas linhas de questionamento são apresentadas de várias formas. Serejo Souza salienta que as reclamações contra a Justiça são, na
verdade, bem conhecidas e se voltam sempre para os mesmos problemas, quais sejam, morosidade, alto custo, retardamen­to dos feitos, burocracia, etc. O autor ressalta que
uma visão pelas manchetes dos jornais fornece, com realismo, essa idéia da crise.Temos, na verdade,
dois momentos dessa situação: a) o aspecto externo, que são esses fatos notoriamente conhecidos, decorrentes das condições materiais das comarcas e varas, estrutura, etc., e que são verificados na relação
da Justiça com o povo, Justiça e advogados, enfim, na sua função essencial de entrega da prestação
jurisdicional; b) o aspecto interno, que se detecta na pessoa do juiz, do escrivão e dos serventuários,
na capacidade de cada um e pelos serviços que oferecem ao público (1998, p. 107).
Serejo Souza cita o trabalho de Nalini, sob o título de O Juiz e o Acesso à Justiça (2000),
lembrando que logo na introdução do trabalho, questiona:
Todo o juiz consciente, aquele que dedica o melhor de sua inteligência e de seu trabalho à missão de
solucionar conflitos, deve se indagar, a cada dia, se sua opção vem produzindo os frutos pelos quais
anseia. Está a justiça humana cumprindo em plenitude o que se justifica o seu preordenamento? Ou,
em outras palavras, a comunidade está tranqüila em relação ao seu Judiciário, instituição eficiente
e ágil para responder – a tempo e a hora – aos reclamos pela restauração da harmonia social? (1998,
p. 34).
Tais questionamentos impulsionam movimentos populares e têm até aberto espaço para o
surgimento de outros canais para a solução de conflitos. Ressurge hoje, segundo Ruiz, o interesse
pelas vias alternativas ao processo, capazes de evitá-lo, conquanto não o excluam necessariamente. É nesse sentido que afirma:
120
EaD
acesso à justiça
[…] não há dúvidas de que o renascer da conciliação é devido, em grande parte, à crise da Justiça, à
sobrecarga dos tribunais, à morosidade dos processos, seu custo, à deficiência do patrocínio gratuito,
tudo levando à insuperável obstrução das vias de acesso à justiça e ao distanciamento cada vez maior
entre o Judiciário e seus usuários. O que não acarreta apenas o descrédito na magistratura e nos demais operadores do direito, mas tem como preocupante conseqüência a de incentivar a litigiosidade
latente, que freqüentemente explode em conflitos sociais (1996, p. 17).
Não se pode esquecer que o poder Judiciário é uma instituição muito mais coesa e homogênea que as demais. Seus membros tendem a manifestar comportamentos menos sensíveis à
pressão pública e, consequentemente, são mais fechados ao debate, o que se apresenta como
obstáculo às pesquisas nesse campo. Assim posicionam-se Sadek e Arantes sustentando que
[…] o relativo consenso da população no que se refere ao Judiciário tem ecoado, ou pelo menos tem
sido usado como justificativa para constantes transformações na estrutura do perfil do aparelho judicial
brasileiro. Um exame dos vários textos legais e constitucionais mostra que em diferentes momentos
da história brasileira procurou-se intervir na instituição, modificando sua estrutura e alterando o seu
papel. A Constituição de 1988 não fugiu à regra. Também ela buscou alterar o seu perfil, em busca de
uma Justiça mais rápida e eficiente (1994, p. 36).
Com a conscientização crescente da função judicante como proteção efetiva dos direitos
do homem, individual e coletivamente considerados, e a consequente realização substancial, e
não apenas formal, dos valores, direitos e liberdades do Estado Democrático de Direito, percebese, sem o menor esforço, que o poder Judiciário está em “crise”, e que há necessidade de uma
reforma nesse poder do Estado.
A preocupação das cúpulas judiciais com a “certeza jurídica” leva o poder Judiciário a voltar
as costas para as angustiantes carências de Justiça de uma considerável parcela da sociedade,
fazendo com que se perpetue a ideia de que
a Lei só vale para o favorecimento de um segmento social e de que ao Judiciário não cabe universalizar
a aplicação dos mais elementares direitos humanos, função que muito convenientemente, considera
ser exclusiva do poder Executivo (Pressburger, 1996, p. 9).
Refutando-se essa ideia é que se faz pertinente o estudo da “crise” do poder Judiciário,
tendo em vista que as críticas apontadas são sinais do deficiente funcionamento da Justiça e
que não têm todos as mesmas causas, nem provocam as mesmas consequências, e pretende-se
analisar a seguir os três aspectos dessa crise, que são: o institucional, o estrutural e o relativo
aos procedimentos.
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O aspecto institucional da crise diz respeito à posição do Judiciário na organização tripartite
de poderes, isto é, a seu formato constitucional como poder independente e a sua relação com
os outros dois poderes, o Executivo e o Legislativo. Cabe ressaltar que a Constituição Federal de
1988 “representou um passo importante no sentido de garantir a independência e a autonomia do
poder Judiciário – qualidades indispensáveis para a salvaguarda do Estado de Direito” (Sadek;
Arantes, 1994, p. 37).. Nesse sentido Sadek e Arantes expressam
A Constituição de 1988 acabou por complicar ainda mais os problemas institucionais ao criar um modelo
singular de separação de poderes e ao consagrar o presidencialismo. Ao mesmo tempo que fortaleceu
o Legislativo – com a ampliação de seus poderes de controle e fiscalização, facultou ao Executivo a
possibilidade de legislar por meio de medidas provisórias, aumentando com isso a responsabilidade
do Judiciário na mediação entre eles e no controle constitucional dos atos legislativos e de governo
(1994, p. 37).
Em virtude da explosão de litigiosidade, decorrente da crescente complexidade socioeconômica, implode o modelo liberal-individualista de organização e conhecimento jurídico. Assim,
dois dos princípios ideológicos mais importantes da cultura jurídica nacional, quais sejam, o da
neutralidade e o da imparcialidade do Judiciário, começam a ser postos em questão, passando
a se sustentar a ideia de que
[…] os juízes, naturalmente, devem estar imersos na realidade do país, pois só assim se terá, partindo
deles, uma Justiça eficiente e coerente, na dimensão de um Estado que se autoproclama, logo no
artigo primeiro de sua Lei Fundamental, como democrático de direito. Mas, não só do magistrado
que depende a realização da boa justiça. Impõem-se reformas nos procedimentos e na organização
judiciária (Serejo Souza,1998, p. 34).
Para que o poder Judiciário garanta os direitos e realize a justiça é necessário que ele seja
materialmente bem aparelhado, mas só isso não é suficiente, sendo extremamente relevante que
os juízes tenham preparo adequado e sejam conscientes de suas responsabilidades.
Não obstante, há que se observar, como requisito prévio, essencial e indispensável, que seja
assegurada a independência da magistratura (Dallari, 1996, p. 44). A discussão sobre a independência da magistratura aparece com frequência ligada às questões da liberdade, da justiça social
e da democracia. Isso faz pressupor a existência de um papel político da magistratura e torna
importante uma reflexão sobre sua independência, as razões pelas quais se deseja tal intento,
para que objetivos ela deve utilizar a independência que lhe foi assegurada.
Essa independência é necessária para garantir a possibilidade de novas conquistas sociais
e para a eliminação das injustiças existentes, consolidando os avanços no sentido da justiça. Por
sua própria natureza, a magistratura não pode assumir o papel de uma vanguarda revolucioná122
EaD
acesso à justiça
ria, mas, sem dúvida, pelo significado social de suas funções e pelo alcance que podem ter suas
decisões, a magistratura pode e deve assumir a condição de participante ativa do processo de
mudança social.
Com a crescente dificuldade de acesso à Justiça, e com a crítica incontestável de que o poder Judiciário
em geral não tem atendido às demandas sociais; bem como com a constatação, baseada em dados e
números oficiais, de que os cidadãos se negam a procurar o aparelho judiciário para solucionar suas
controvérsias, pelas dificuldades materiais já mencionadas e (o que é pior) pela descrença na justi­ça
que deveria emanar das sentenças; com isso tudo, a questão do órgão de controle externo foi agora
colocada na ordem do dia (Baeta, 1996, p. 13).
Assim, a discussão acerca do controle externo no Judiciário ganha contornos revolucionários para a resolução deste impasse, até porque o princípio da separação dos poderes não pode
ser utilizado para consolidar a fragmentação do próprio Estado e justificar a impossibilidade de
controle social sobre uma atividade que é pública e da mais alta relevância social.
Não há Estado Democrático de Direito sem uma atividade jurisdicional autônoma e independente,
assim como não há Estado Democrático de Direito sem que a sociedade civil não possa controlar as
suas instituições políticas, legislativas e judiciais (Ceneviva, 1995, p. 64-65).
A problemática do poder Judiciário é questionada por Cintra Jr. a partir da análise da
formação dos juízes, sustentando que “o saber tradicionalmente transmitido pelas faculdades –
que na verdade não produzem conhecimento, mas reproduzem a dogmática consagrada –, tem
origem no mito da neutralidade da lei e da completude do ordenamento jurídico” (1995, p. 24),
alegando que essa postura apenas reproduz uma concepção jurídica já superada, formando juízes
despreocupados com a realidade social, tendo em vista que sustenta o mito do culto à lei.
O culto à lei, que se seguiu à codificação napoleônica e que exprime uma concepção idealista, foi
defendido pela Escola da Exegese. Esta acreditava que a lei, expressão do justo por convenção humana, da vontade coletiva, bastava-se a si própria. Havia uma regra para cada caso; o ordenamento
jurídico era um todo harmônico e lógico produzido pelo Estado para a solução de todos os problemas
(1995, p. 24).
Segundo essa postura, uma das principais funções do poder Judiciário é a aplicação da
norma jurídica, no entanto o entendimento dessa aplicação é que ela consiste apenas numa
operação formal, isto é, busca-se simplesmente um enquadramento dos casos nas normas. Na
hipótese de que não haja previsão legal para determinado caso, significa que o ordenamento
jurídico (e consequentemente o poder Judiciário) não deve ocupar-se do assunto, pelo menos
até que seja normatizado.
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Esta postura é a mais comum e revela uma leitura fundada no formalismo e no positivismo
jurídicos. Nesta altura, é oportuno recordar que o sistema teórico que mais contribuiu para a
sistematização do Direito tal como dispomos hoje no Brasil foi o de Hans Kelsen. Ele afirmava
que a discussão sobre a justiça (como valor) não caberia nas reflexões jurídicas, porquanto estas,
para serem científicas, deveriam ser “puras”. Em outras palavras, deveriam abster-se de princípios axiológicos. Assim, ele elaborou um sistema jurídico fechado, no qual a forma prevalece.
Isto significa dizer, por exemplo, que uma lei será justa quando obedecer a todos os trâmites
burocráticos para a sua feitura. A norma é basicamente justa quando respeita as regras de formulação (apud Almeida,1996, p. 5-6)
No Brasil de hoje a análise do modo de ser juiz, enquanto cidadão, não pode prescindir
de referências ao formalismo normativo-positivista, forte em nossa tradição jurídica, e à dose de
autoritarismo que os órgãos superiores têm revelado no tratamento da questão. “Não se pode
esquecer também as seqüelas deixadas pelo regime burocrático-militar pós-64 que, além de desrespeitar a ordem jurídica, relegou o poder Judiciário – já desde sempre sem presença política e
acomodado – ao papel de reprodutor das injustiças do sistema” (Cintra Jr., 1995, p. 20). Cumpre
recordar, ainda, que o alto preço que pagamos pela falta de eficiência e pela ausência de visão
crítica dos conflitos é decorrente de nossa própria formação tecnicista e dogmática.
É alto o preço pago por nosso isolamento, gerado por aqueles problemas e também pela dificuldade
de acesso das camadas mais pobres à prestação jurisdicional, pelo excessivo formalismo do sistema
processual e pela dificuldade da população em entender o funcionamento da máquina judicial. Estamos
conscientes de que não haverá democracia no país sem um Judiciário forte. Esse fortalecimento, por
outro lado, será inevitavelmente proporcional à confiança que a sociedade deposita em seu funcionamento (Presburger, 1996, p. 11).
A história da magistratura revela diferentes concepções de seu papel social e político e,
segundo Dallari, a evolução das sociedades humanas, a complexidade crescente das organizações sociais, a experiência com diversas formas de governo têm influído sobre o papel atribuído
à magistratura (1996, p. 8).
Mediante a análise dos critérios adotados ao longo dos anos para a escolha dos juízes,
pode-se conhecer, ainda que implicitamente, o seu papel na sociedade. Dallari vai mais longe,
e ressalta que
há uma particularidade importante, que não tem sido suficientemente destacada e que, no entanto,
acarreta graves conseqüências de ordem prática: é relativamente recente, e ainda longe da aceitação
universal, a idéia da atividade do juiz como profissão. O que tem prevalecido é a concepção do juiz
124
EaD
acesso à justiça
como representante do povo ou de um segmento da sociedade ou, então, como auxiliar do governo
para tarefas específicas, consideradas de grande relevância. Cada uma dessas concepções implica uma
noção de legitimidade e inspira um modo diferente de seleção dos juízes (1996, p. 9).
Dos três poderes da República, o Judiciário é o único que é composto por agentes cuja
investidura independe da vontade popular. Segundo Clève, “o pacto fundamental (i) pretende
instaurar um Estado Democrático de Direito, cujo primeiro fundamento é a (ii) soberania (inclusive a popular) e, ademais, onde (iii) o poder sempre emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou direitamente” (1993, p. 298). O autor, porém, ao fazer essas observações,
assegura que a eleição de um juiz não garante sua independência:
A legitimidade, então, do Legislativo e do Executivo, reconduz-se, pelo menos num primeiro
momento, ao problema da soberania popular. Tal não ocorre com o Judiciário. Não se quer advogar
que a investidura dos membros do Judiciário dependa, também, de eleições. A experiência de
alguns Estados norte-americanos é suficiente para comprovar que o juiz eleito não será um juiz
necessariamente independente. Aliás, em nome da independência do Judiciário a Constituição
impede que os seus membros exerçam atividade político-partidária (Clève, 1993, p. 298).
Conforme registra Aristóteles, na Cidade-Estado grega o magistrado poderia ser escolhido
por eleição ou por sorteio e qualquer cidadão poderia ser escolhido, desde que exercesse algum
tipo de poder de comando, civil ou militar, eliminando-se a hipótese de exigência de conhecimentos especializados para se ter acesso à magistratura (apud Dallari, 1996, p. 11). O professor
M. Antonio de Dominicis, também citado por Dallari, escreveu sobre a magistratura romana,
afirmando que
[…] embora não haja certeza absoluta, ao que parece a palavra magistratus derivou de magister,
significando “chefe”, tendo sido utilizada inicialmente para designar a pessoa física que recebia um
mandato do povo e agia como seu representante, ocupando uma posição de relevo na organização
política. Posteriormente surgiram magistraturas coletivas, bem como uma diversificação quanto às
atribuições de diferentes magistraturas, mas a idéia de representação foi mantida até o período imperial (1996, p. 11).
Como se pode constatar, esses antecedentes acham-se na base de uma das grandes vertentes
modernas relativas à situação da magistratura, daquela que não reconhece a existência de um
poder Judiciário. Segundo Dallari (1996, p. 15), uma informação interessante e esclarecedora
sobre a situação da magistratura no século 18 pode ser obtida por meio da biografia da obra de
Montesquieu em seu Livro XI, capítulo VI, na qual menciona:
125
EaD
Patrícia Marques Oliveski
No ano de 1716 o notável pensador político herdou de um tio o cargo de membro do Parlament de
Bordeaux, que era um órgão judiciário coletivo. Embora fosse interessado em filosofia e teoria política
e não em leis e litígios judiciais, Montesquieu assumiu o cargo e nele permaneceu até 1726, quando
finalmente o vendeu, por necessitar de dinheiro, mas também porque não sentia interesse por aquele
tipo de atividade. Em sua obra mais conhecida, Do espírito das leis, publicada em 1748, Montesquieu
diz que “o poder de julgar não deve ser dado a um senado permanente, mas deve ser exercido por
pessoas tiradas do corpo do povo, por um certo período do ano, da maneira prescrita em lei, para formar
um tribunal que não dure mais do que a necessidade exija”. Observa em seguida que “desse modo, o
poder de julgar, tão terrível entre os homens, não estando ligado a um determinado estado, nem a um
certa profissão (o grifo é meu), torna-se, por assim dizer, invisível e nulo. Não se tem continuamente
os Juizes diante dos olhos; e se teme a magistratura, não os magistrados (1996, p. 16).
A evolução da humanidade, porém, foi no sentido de uma complexidade maior da vida social,
tornando-se mais difícil a captação da ideia predominante de Justiça. A par disso, os conflitos
de direito passaram a ter o caráter de disputas sobre regras escritas que são, em grande número,
sujeitas a obscuridades e contradições, com o que se desenvolveram técnicas de interpretação,
sem prejuízo da atenção aos valores sociais.
Isso, sem embargo, exige que a escolha dos juízes ocorra, cada vez mais, mediante a aferição
dos conhecimentos jurídicos dos candidatos. Esse critério tornou-se muito importante, embora
não seja o único, devendo prevalecer, também, como pressupostos dessa escolha, a honestidade
dos candidatos e, principalmente, sua disposição de priorizar a busca da Justiça.
Ao citar Zaffaroni e sua obra “Dimensión de un Poder Judicial Democrático” Dallari lembra
que o referido autor reconhece as vantagens do concurso ao afirmar que “é o único procedimento democrático conhecido para selecionar os candidatos tecnicamente mais qualificados para
qualquer função que requeira alto grau de profissionalismo” (1996, p. 25).
A prática brasileira confirma as vantagens da seleção mediante concurso público e posterior integração numa carreira. A aferição do preparo intelectual dos candidatos a juiz é um
ponto de extrema relevância, que se liga diretamente às concepções relativas ao papel social do
juiz, não bastando verificar se o candidato tem bons conhecimentos técnico-jurídicos, pois o juiz
que oferecer apenas isso, ainda que em alto grau, não conseguirá ser mais do que um eficiente
burocrata.
É indispensável que sejam selecionadas pessoas que, a par dos conhecimentos técnicos
e jurídicos, demonstrem ter consciência de que os casos submetidos a sua decisão implicam
interesses de seres humanos, avaliando com independência, equilíbrio, objetividade e atenção
os aspectos humanos e sociais em questão.
126
EaD
acesso à justiça
É comum ouvir juiz falar: “Eu sou escravo da Lei”. Isso é exagero, porque juiz não pode ser escravo
de nada nem de ninguém. Mas, se quiser dizer que está subordinado à Lei, o juiz deve se lembrar
que a primeira lei é a Constituição. Muitos juízes ignoram os princípios constitucionais. Fazem uma
aplicação formalista do Código Civil e da legislação ordenada, ignorando a Constituição. Grande
parte de nossa legislação está claramente em conflito com a realidade. Nosso Código Civil é de 1917.
Exemplo disso é o direito de propriedade. Segundo a visão do Código Civil, a propriedade é um direito absoluto. A Constituição diz que um dos princípios da ordem econômica é a função social da
propriedade. Fica mantido o direito da propriedade; fica mantida a propriedade privada, mas com
responsabilidade social. Isso significa, conforme alertou o papa Paulo VI, que sobre a propriedade pesa
urna hipoteca social, que é a responsabilidade social. Em princípio, a terra é um bem de propriedade
comum, mas que pode ser parcialmente apropriada por determinadas pessoas, com a responsabilidade
de dar-lhe utilidade social. O reconhecimento da condição de proprietário não é nenhum benefício
pessoal, individual e egoísta. Temos muitos conflitos que poderiam ser resolvidos pelo Judiciário se
fosse aplicada a Constituição. Isso tudo já demonstra a necessidade de pensarmos mais na figura do
juiz. E preciso chamar a atenção para a figura do juiz, seu preparo, papel social e responsabilidade
(Fonte: Trechos extraídos da entrevista de Dalmo Dallari ao jornalista José Maria Mayrink, ao Jornal
do Brasil, 22109/96) (Pressburger, 1996, p. 8).
A tomada de consciência do julgador sobre o conflito social, bem como a possibilidade de
deixarem de agir como mantenedores do status quo, depende, inclusive, de sua autovisão. Sem
antes conhecer a si mesmo, saber sua real função na sociedade, entender o caráter ideológico
de seu trabalho, torna-se impossível, ao magistrado, converter-se em um operador jurídico orgânico, transformador.
Quanto ao aspecto estrutural da crise, pode-se assegurar que este se refere à pesada estrutura e à falta de agilidade. Apesar das mudanças estruturais realizadas pela Constituição Federal
de 1988 representarem um avanço em relação à anterior, estamos ainda muito distantes de uma
situação capaz de dar respostas à volumosa demanda por Justiça. Essas alterações são sentidas
e a reforma do poder Judiciário se faz evidente, pois
o próprio cidadão também capta a indispensabili­dade dessa reforma, uma vez que ele é a vítima direta do difícil acesso, da lentidão e do custo operacional elevado, impostos pela máquina burocrática
judicial, que, na maioria das vezes, o priva de receber a prestação jurisdicional, (…) gerando em sua
mente um sentimento de desilusão e descrença na Justiça (Baeta, 1996, p. 270).
O poder Judiciário, a partir de sua estrutura organizacional, é extremamente fechado em
si mesmo, quer na escolha dos juízes, quer nas promoções dentro da carreira, quer nos prêmios
e punições, ou mesmo exclusões, quem fala sempre é o próprio poder Judiciário, autonomamente. Uma equivocada compreensão da independência do poder Judiciário tem alimentado uma
concepção que isola a magistratura e fecha os canais de comunicação entre a Justiça e o povo.
127
EaD
Patrícia Marques Oliveski
O poder Judiciário, internamente, é o corpo estatal menos democrático. Apesar de aparentarem, os
juízes não são iguais entre si. Diversas “categorias” subordinam uns aos outros e constituem verdadeiros centros de poder que, como autênticos gestores da função judicial, rejeitam toda vinculação
com a soberania ou a crítica popular. Detêm o monopólio dos mais importantes postos dirigentes e são
o únicos e exclusivos centros de elaboração da deontologia da magistratura, modelando seu comportamento social e político, criando e ferrenhamente mantendo um corporativismo que, até o presente,
tem se mostrado imune mesmo diante de eventuais esforços de abertura e arejamento por parte de
juízes mais progressistas (Pressburger, 1996, p. 9).
Assim sendo, as atividades do Judiciário tornam-se quase secretas, desconhecidas da
população, colocando em risco sua confiabilidade. Ademais, é básico que o povo somente terá
respeito e credibilidade em sua Justiça se a conhecer bem.
Este Judiciário, profundamente aferrado a uma cultura arcaica; que o capacita a lidar apenas com
questões triviais e repetitivas, de nenhum ou muito pouco impacto social; que o impossibilita de reconhecer conflitos outros que não os meramente inter-pessoais como aqueles entre fazendeiros do século
XIX; que o faz vincular conceitos de cidadania a um sistema de posturas burocráticas; que o torna
hesitante e impotente diante de situações que lhe são desconhecidas; é mais uma vitória das classes
dominantes transmudando o que deveria ser uma função social, em mais um mecanismo – verdade
que sutil e dissimulado – de graves e sistemáticas violações, de discriminação e de exclusão social
(Pressburger, 1996, p. 9-10).
1
Também é importante a visão do povo em relação
aos juízes. Enquanto não houver o entendimento de que
eles são agentes ideológicos e/ou repressivos do poder
dominante, sua libertação toma-se complicada, pois uma
postura fetichizada resta alienante.
O culto à figura da autoridade, sem se perquirir sobre sua atuação e legitimidade, assim
como a função social da prestação jurisdicional, impede qualquer esperança de transformação. A
entrevista do jurista Dallari novamente é lembrada por Pressburger para reafirmar essa questão,
pois Dallari, na ocasião, afirmou que
[…] o Judiciário, na prática, não vem cumprindo seu papel social e constitu­cional devido a distanciamentos que são muito graves. Um é entre o poder e o povo. Já tive experiência de falar para favelados
sobre o Direito, as garan­tias, as proteções. Uma favelada me interrompeu para dizer que tudo aquilo
era muito bonito, mas não era para eles. Infelizmente, é a verdade. Ocorre ainda outro distanciamento
entre a cúpula do Judiciário e as bases, ou seja, juizes de primeira instância (1996, p. 11).
Disponível em: <http://misturandotudodeumavez.wordpress.com/2009/04/07/quem-fiscaliza-o-poder-judiciario/>. Acesso em: 6 abr. 2013.
1
128
EaD
acesso à justiça
Além de a Justiça ser inacessível ao pobre, diante da atual estrutura de progressiva concentração de renda, o Judiciário se vê, enquanto poder do Estado, cada vez mais excluído do
processo político, “rendendo-se aos fatos impostos enquanto seus membros, especialmente os
que ocupam as cúpulas, se preocupam com segurança e vantagens pessoais, escondidos sob os
mitos da independência e da imparcialidade. Deriva daí o isolamento social do juiz” (Cintra Jr.,
1995, p. 20).
No Brasil, o poder Judiciário não está aparelhado para solucionar litígios de direito comercial de alta
complexidade, ou internacional, porque decididamente ele não possui estrutura multidisciplinar para
tanto.Em outros países a arbitragem é vista como solução corriqueira no mundo mercantil para dirimir impasses, mas no Brasil há uma certa prevenção quanto ao uso de mecanismos outros que não o
procedimento judicial. A arbitragem, que se situa entre a transação e a decisão judiciária, constitui
meio pacífico de resolução de controvérsias (Fuga, 1996, p. 60).
Outra característica do sistema brasileiro é o ritualismo e o formalismo do processo, o que
causa pelo menos dois desastrosos efeitos que Pressburger relaciona:
O primeiro efeito é o de criar verdadeira casta, daqueles que dominam a linguagem e os códigos
protocolares, diferenciada do povo; e aqui povo é tomado em sentido amplamente abrangente, já que
os empulhados nesse cerimonial podem ser pessoas até superiormente educadas. O segundo efeito é
o de possibilitar aos julgadores não entrarem no mérito das questões que lhes são trazidas e decidem
apenas levando em conta os aspectos formais. Esses resquícios medievais não sofrem nenhum ataque
eficaz por parte do poder Judiciário que, à primeira vista, deveria ser o primeiro interessado em deles
se libertar (Pressburger, 1996, p.9-10).
Tais aspectos retratam a crise relativa aos procedimentos, pois se referem à esfera administrativa propriamente dita e aos ritos processuais. Nesse sentido Sadek e Arantes sustentam
que esse aspecto da crise do Judiciário
[…] engloba toda uma gama de preocupações que vão desde a estabilidade da ordem jurídica até as
formalidades procedimentais. Considera-se que a morosidade da Justiça não serve apenas às questões
de natureza estrutural, como as descritas acima, mas também tem a ver com as normas processuais, ou
seja, com os efeitos e dificuldades que podem decorrer das próprias etapas e garantias especificadas
em lei. A discussão dessas normas tem como horizonte a possível simplificação do processo, com a
implementação de procedimentos mais rápidos, simples e econômicos (1994, p. 40).
A Justiça no Brasil ainda é lenta, complexa e pouco acessível aos seus destinatários, todavia,
a situação brasileira reclama tratamento adequado e urgente. Nalini sustenta que “enquanto a
sociedade civil dispõe de um sofisticado modelo nas comunicações, acessando-a à tecnologia de
129
EaD
Patrícia Marques Oliveski
ponta e aos mais recentes avanços da ciência, o aparelhamento da Justiça se mostra retrógrado”
(1996, p. 134). Incapaz, portanto, de responder à demanda por soluções eficientes às questões
emergentes. Além do mais, segundo o autor,
[…] existe a realidade da multiplicação da miséria. (…) O Estado prometeu pacificar os conflitos. E
seu equipamento oficial não consegue produzir justiça no ritmo das insatisfações. Estas, quando não
resolvidas, representam potencial nefasto de intranqüilidade. Urge, pois, restaurar a crença na justiça.
Habilitando-a a desempenho compatível com a realidade brasileira (Nalini, 1996, p. 134).
É de se ressaltatar que, em termos organizacionais o Judiciário foi estruturado para “administrar” os processos civil, penal e trabalhista, cujos prazos e ritos são incompa­tíveis com a
multiplicidade de lógicas, ritmos e horizontes temporais presentes na economia globalizada.
Segundo Faria,
[…] o tempo do processo judicial é o tempo diferido. O tempo da economia globalizada é real, isto é,
o tempo da simultaneidade. Além disso, o Judiciário também não costuma dispor de meios materiais
nem de condições técnicas para tomar possível a compreensão, em termos de racionalidade substantiva, dos litígios inerentes a um contexto econômico cada vez mais complexo e transnacionalizado
(1993, p. 8)
Percebe-se que faz parte da ideologia judiciária nacional acreditar e afirmar que a sociedade brasileira vive em paz e busca o bem comum. Quando eventualmente explodem conflitos
intersubjetivos, entra em cena o poder Judiciário, im­parcial e implacável, ainda que mo­roso,
aplicando a norma jurídica e fazendo com que a situação volte ao seu estado anterior.
Neste caso, poderíamos afirmar que o poder Judiciário cumpriu sua função de fazer retornar o status
quo – a ordem foi reestabelecida. Estamos tentando demonstrar que há uma enorme defasagem entre o
modelo social que serviu de base para o sistema jurídico fechado e axiologicamente neutro e a sociedade
contemporânea, que reclama intervenções mais efetivas do poder Judiciário (Almeida, 1996, p. 7).
É por essa razão que a comunidade está a exigir o controle do Judiciário, reconheceu
o Presidente do Supremo Tribunal Federal, partilhando com Nalini suas preocupações com o
destino da Instituição:
Qualquer que seja a fórmula de órgão central de administração e controle do Judiciário que se venha
a adotar – e estou certo de que uma delas será adotada –, é preciso que, ao lado de um colegiado que
poderá funcionar como órgão normativo, como órgão de formulação política, haja um órgão executivo
forte, com uma estrutura executiva forte, porque este pode funcionar como um controle (apud Nalini,
1996, p. 149).
130
EaD
acesso à justiça
A crise que ora se radiografou vem de longa data, no entanto não é mais possível sustentar
essa situação diante da complexidade econômica, social e cultural que se instaurou no Brasil,
mas fundamentalmente em razão da necessidade de os cidadãos, enquanto seres humanos que
merecem viver dignamente, acreditarem na realização de sua cidadania e na garantia de que
seus direitos e deveres serão assegurados pelo poder Judiciário. Em razão dessas preocupações
é que se passará a analisar se existem e quais são as propostas de soluções para a questão da
crise do poder Judiciário brasileiro.
Seção 5.3
Poder Judiciário e Acesso à Justiça: da Crise à Busca de Soluções
A partir da compreensão da “crise do Judiciário”, em que consistem as críticas e quais as
possibilidades para resolver o dilema de não conseguir responder ao que a sociedade espera desse
poder, busca-se, ainda que resumidamente, neste item, investigar quais são suas perspectivas e
propostas de mudança, com vistas à efetivação do acesso à Justiça e à realização da cidadania.
Umas das soluções abordadas por Cappelletti e Garth (1988), para que ocorra a efetividade
do acesso à Justiça é a assistência judiciária aos pobres, que significa basicamente de o menos
favorecido ter condições de acesso a um advogado qualificado para defende-lo em seu direito.
Estudos demonstram que o auxilio de advogado, hoje, em nossa sociedade moderna, é considerado indispensável para decifrar leis cada vez mais complexas e procedimentos misteriosos
para o ajuizamento de uma causa.
Rodrigues (1994) também trata sobre a assistência e dá maior enfoque para a Constituição
Federal de 1988, mais especificadamente em seu artigo 5º, inciso LXXIV, que determina: “o Estado
prestará assistência judiciária integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
De acordo com este dispositivo, o menos favorecido tem o direito de ter acesso à Justiça por meio
de um recurso cedido pelo Estado e garantido constitucionalmente, pelo que este estará isento
do pagamento das custas do processo, bem como dos honorários do advogado.
Além desse privilégio, há também outros direitos garantidos pela Constituição de 1988, ou
seja, disposições que preveem o acesso gratuito nas ações de habeas corpus e habeas data, bem
como todos os demais atos necessários ao exercício da cidadania.
Rodrigues (1994), por sua vez, baseia-se em outros dispositivos para tentar expor algumas
prováveis soluções para a efetivação do acesso à Justiça, quando, por exemplo, trata dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, estes instituídos no Rio Grande do Sul pela Lei 7.244, de 7
de novembro de 1984.
131
EaD
Patrícia Marques Oliveski
Estes Juizados têm como principal objetivo orientar-se pela oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Neles, é facilitado o acesso para os menos favorecidos, pois independe de pagamento de custas, taxas e despesas processuais e, além disso,
é um processo rápido, e a sua instrumentalidade é mais flexível. E existe um limite em relação
ao valor para que seja considerado de pequenas causas, não podendo ultrapassar o limite de 20
vezes o salário mínimo vigente no país.
Outra boa solução é a que vem disciplinada no Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei
nº 8.069/90, a qual tem total referência à questão do acesso à Justiça, pois o ECA extinguiu os
Juizados de Menores, criando em seu lugar a Justiça da Infância e da Juventude, ampliando o
poder do juiz, que anteriormente estava limitado a determinar medidas exclusivamente no que
se referia ao menor.
Com o advento dessa nova lei, o juiz pode julgar a eficácia e legitimidade das políticas
públicas e determinar medidas de apoio, auxílio e orientação à família. As crianças e os adolescentes passaram a ser vistos como sujeitos de direito e não mais como sujeitos passivos da tutela
dos responsáveis ou do Estado. Além disso, foi garantido a eles acesso à Defensoria Pública,
Ministério Público e ao poder Judiciário e assistência judiciária gratuita aos que dela necessitarem (Rodrigues,1994).
Tem-se também outra boa solução prevista no Código de Defesa do Consumidor, no qual
há várias inovações em relação ao acesso à Justiça. A Lei nº 8.078/90 dispõe sobre a proteção do
consumidor e declara que a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas pode
ser exercida em juízo, de forma individual ou coletiva, e no seu desenrolar trata de várias questões
importantes para que o acesso à Justiça seja efetivado com sucesso (Rodrigues, 1994).
Outra questão tida como importante para a realização do acesso é a criação das Defensorias
Públicas, instituída por exigência do artigo 134 da Constituição Federal de 1988, que expõe: “A
Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a
orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV”,
mas somente em 12 de janeiro de 1994, por meio da Lei Complementar nº 80, foi organizada
a Defensoria Pública. A Defensoria tem como função essencial prestar assistência jurídica aos
necessitados e, além disso, possui como princípios institucionais a unidade, a indivisibilidade e
a independência funcional (Rodrigues, 1994).
Evidentemente que alguns outros avanços e propostas de mudanças do próprio poder
Judiciário também visam à concretização do acesso à Justiça e da cidadania, haja vista que
constitui consenso a necessidade de se adequar aos novos tempos essa função encarregada de
solucionar as controvérsias e cuja atuação, em tempos de edificação da cidadania, vem sendo
crescentemente invocada e questionada (Nalini, 1996, p. 115).
132
EaD
acesso à justiça
Muito se fala na democratização do poder Judiciário, na sua reforma e no controle externo. Tais pretensões (a reforma e a democratização) visam a tornar o Judiciário mais racional,
eficiente, lógico e dirigido para suas funções institucionais, com objetivo exclusivo de cumprir o
seu papel jurisdicional, a que todo cidadão tem direito.
É notório a todos que a maioria da população tem difi-
2
culdade de acesso ao poder Judiciário, principalmente
quando se trata de reivindicar algo que vai de encontro
aos interesses das autoridades constituídas.
Torna-se difícil, portanto, a existência da democracia, tanto interna como externa deste
poder, hoje com grande desgaste perante a sociedade em geral.
Embora esses dois requisitos, eficiência e independência, sejam igualmente im­portantes,
para se ter um sistema judiciário brasileiro que possa agir efetivamente na proteção judicial dos
direitos, parece que estes não têm sido levados em consideração no Brasil para respaldar todas
as reformas processuais que ocorreram nos últimos anos, pois as discussões que visam à melhoria do Judiciário parecem partir do pressuposto de que a independência já está suficientemente
assegurada, restringindo-se, assim, à busca de eficiência.
O clamor da sociedade civil é por uma Justiça ágil, célere, eficiente e efetiva, descomplicada e a todos acessível, e como tal deve ser a tônica de qualquer proposta de reforma para tornar
a Justiça mais próxima ao povo; no entanto, ainda que se tenha adotado medidas importantes,
como a criação dos Juizados Especiais, é fato que a Justiça brasileira vive um momento de crise,
eis que está imersa em um número imenso de processos, que não pára de crescer, o que pode
ser facilmente averiguando no Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário.
O Judiciário brasileiro está sendo conclamado a resolver questões típicas das sociedades de
massa, motivo pelo qual a outorga da prestação jurisdicional não pode ser aquela característica
de uma era superada, nos padrões rurais distanciados da instantaneidade das comunicações.
Assim sendo,
[…] impõe-se otimização na produtividade de toda a Justiça, pois a lentidão na outorga abriga a potencialidade de injustiça ou de negação do justo concreto. Ao lado da multiplicação da capacidade
produtiva, não deixou o estudo de se preocupar com a qualidade dos serviços judiciais. Também se
introduziu como critério de aferição do merecimento, a freqüência e aproveitamento do juiz a cursos
de reciclagem. Não se admite que possa o juiz deixar de se manter atualizado, distanciando-se do
2
Disponível em: <http://blogdoimperador.blogspot.com.br/2011/06/decadencia-do-poder-judiciario.html>. Acesso em:
6 abr. 2013.
133
EaD
Patrícia Marques Oliveski
estudo e de seu crescimento intelectual. A reciclagem pode servir à correção de falhas detectadas pelos
órgãos correcionais com isso evitando-se a invocação ao sistema punitivo e mesmo a disponibilidade
do magistrado (Nalini, 1996, p. 139).
A luta para resolver os problemas externos da Justiça é contínua e vem sendo constantemente travada pelos tribunais, juízes e órgãos representantes da classe. Enquanto essas reivindicações não são atendidas, continuamos a enfrentar novos desafios. O que se torna preocupante
é que, atualmente, o grande desafio do Judiciário é a qualidade, que se dirige especificamente
à solução dos aspectos internos da crise.
Resta, portanto, em aberto a questão da efetiva Justiça, pois o dilema se estabelece quando
a busca pela qualidade total (eficiência, no sentido de redução do número de processos, mutirões
de sentença zero, etc.) prevalece sobre uma cognição mais acurada e a realização do fim principal
do Direito e do próprio Judiciário, ou seja, a justiça das decisões.
Dentre as propostas de mudanças mais significativas ao texto constitucional na última
década destacam-se: extinção da Justiça Federal de primeiro grau; extinção da Justiça Militar
da União e dos Estados; extinção das Juntas de Conciliação e Julgamento e da representação
classista na Justiça do Trabalho; modificações na organização judiciária dos Estados; alteração
dos dispositivos relativos à promoção dos magistrados; introdução da participação do Ministério
Público no concurso de provas e títulos para ingresso na carreira da Magistratura; modificação de
dispositivo referente à vitaliciedade do magistrado e o estabelecimento de investidura temporária
para os ministros do STF e do STJ e o controle externo ao poder Judiciário.
Sabe-se que o Judiciário e os magistrados já estão sujeitos, hoje, a controle externo via
Conselho Nacional de Justiça – CNJ –, além do interno; no entanto, a indagação que merece
ser feita é se os meios instituídos pela Constituição Federal e pela Lei Orgânica da Magistratura
Nacional (Loman – LC 35/79 e alterações) têm conseguido efetivamente aclarar para a sociedade o
controle que cabe ser exercido sobre os magistrados e também sobre o Judiciário como poder.
Algumas propostas foram efetivadas, outra não. A última reforma judiciária, em âmbito
constitucional, veio a lume a partir das propostas contidas na PEC 96-C/92, na qual se verifica
que a grande alteração que promoveu em relação ao poder Judiciário foi a criação do Conselho
Nacional de Justiça, a par de admitir, para o Supremo Tribunal Federal, a súmula vinculante e a
arguição de relevância, e limitar, para a Justiça do Trabalho, seu poder normativo.
Se o Judiciário tivesse de colocar todas as suas esperanças de modernização nessa reforma,
o resultado se constituiria em uma grande frustração. Segundo Martins Filho, é possível realizar
tópica e eficazmente uma reforma profunda no poder Judiciário mediante pequenas e substanciais
mudanças de ordem infraconstitucional: algumas leis vigentes em nosso ordenamento nos servem de exemplos disso. São elas: “9.756/98 (simplificação dos recursos nos tribunais superiores),
134
EaD
acesso à justiça
9.868/99 (processamento da ação direta de inconstitucionalidade e da declaratória de constitucionalidade), 9.882/99 (arguição de descumprimento de preceito constitucional), 9.957/00 (rito
sumaríssimo no processo do trabalho) e 9.958/00 (comissões de conciliação prévia em matéria
trabalhista), que já estão produzindo os resultados esperados” (Disponível em: <www.anajur.
org.br/reforma>. Acesso em: 10 mar. 2013).
Por outro lado, a sociedade brasileira depara-se com um novo enfoque do acesso à Justiça,
preocupando-se com o emprego de técnicas processuais diferenciadas, para tornar a Justiça mais
acessível, tais como a simplificação dos procedimentos e a criação de vias alternativas de solução
de controvérsias. Fala-se, portanto, segundo Morais, em tendências contemporâneas, dentre as
quais o autor menciona as seguintes:
– Reforma dos procedimentos judiciais em geral; a criação de novas alternativas para a solução de
conflitos não implica a eliminação das formas tradicionais.
– Causa de particular importância social e especialização das instituições e procedimentos; tratando
da criação de tribunais especializados, como os de pequenas causas, tribunais de vizinhança, de
consumidores, etc.
– Mudanças nos métodos utilizados para a prestação de serviços jurídicos são maneiras de se reduzir
o custo da representação por advogado, tornando-a acessível para todos, sem perder a qualidade
necessária.
– Simplificar o Direito, de forma a não necessitar de grandes debates, grandes perícias, que encareçam
e prolonguem demasiadamente os processos.
– Métodos alternativos para decidir causas; cada vez mais se utilizam outros instrumentos/mecanismos
para a solução dos litígios fora dos tribunais (2000, p. 191-192).
É importante ter-se em mente a observação de Carnelutti, citado por Serejo Souza (1998,
p. 34), no sentido de que “a tendência do Direito é para o conservadorismo e, assim, é até quase que natural, na escala do Direito aplicado, certa resistência à mudanças (e, evidentemente,
esse registro, nem de leve implica restrição às críticas e debates – aliás, saudáveis – que tem
gerado a nova lei)”. Assim, se essas mudanças tópicas têm resultados positivos e mais eficazes,
no sentido de viabilizar a concretização do acesso à Justiça e a realização da cidadania, é uma
questão difícil de responder.
Talvez, no entanto, o segredo do sucesso para uma efetiva mudança ou reforma do Judiciário seja o estabelecimento de reformas mais pontuais que possibilitem uma real simplificação
do processo, objetivo maior de qualquer reforma, pois, do contrário, estar-se-á perdendo a oportunidade de tornar a Justiça mais célere, eficaz e segura.
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A questão do acesso à Justiça é um problema que poderá ser solucionado mediante uma
reforma na legislação processual. Tais alterações poderiam contribuir para um maior fortalecimento e estabilidade do Judiciário, porque uma instituição forte e independente pode oferecer à
sociedade a garantia da cidadania e a certeza do cumprimento dos dispositivos constitucionais.
Assim sendo, nunca é demais lembrar aos operadores do Direito um mandamento basilar desta
atividade: “Teu dever é lutar pelo Direito. Mas no dia em que encontrares o Direito em conflito
com a Justiça, luta pela Justiça” (Eduardo Juan Couture).
Síntese da Unidade 5
Nesta Unidade estudamos a questão do acesso à Justiça com vistas à
concretização da cidadania, motivo pelo qual analisamos inicialmente
um breve histórico da administração da Justiça no Brasil. A partir da
identificação do modelo de poder Judiciário previsto e vigente, identificamos a chamada crise do Judiciário para culminar no levantamento
das medidas que se adotou como solução para a crise e, via de consequência, à efetivação do acesso à Justiça e realização da cidadania.
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