PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 MIDIATIZAÇÃO DO PODER:
Relações modalizantes do consumo na periferia1
Adriano Miranda 2
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - SP
Resumo
O Estado está construindo novas estratégias para a atuação no território midiático em busca de um processo
de governabilidade eficiente e controle dos cidadãos. A midiatização do poder do Estado depende de ordenar
a natureza das visualidade de sua atuação, criando uma imagem do Estado a partir da percepção social dos
seus serviços. Atuando por vetores modalizantes que possibilitam alterar e modelar a forma de pensar dos
cidadãos forma-se uma estratégia midiática do poder. O presente trabalho pretende compreender as
articulações do poder no território midiático utilizando a lógica do consumo como manifestação que atua
coletivamente pelas mídias de massa.
Palavras-chave: midiatização; poder; periferia; televisão; política.
Estado e mídia vêem nos problemas sociais brasileiros uma oportunidade de construir uma
nova imagem do poder, para isso uma simetria de interesses foi estabelecida para atingir o objetivo.
A produção televisiva nos últimos dez anos (2002 a 2012) expõe essa relação e atua como um dos
vetores da midiatização do poder. O Estado, por sua vez, visa ordenar a natureza das visualidades
de sua atuação, criando produtos e modalizando consumidores.
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho COMUNICAÇÃO, CONSUMO, PODER E DISCURSOS
ORGANIZACIONAIS do 2º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 15 e 16 de outubro de 2012.
2
Graduado em Comunicação Social (Rádio e TV) e Bacharel em Direito, doutorando da PUC-SP, bolsista da Capes e
2
Graduado em
Social
(Rádio Visualidade/Comunicação-Cultura),
e TV) e Bacharel em Direito, doutorando
da PUC-SP,
bolsistaProfessor
da Capesdee
pesquisador
do Comunicação
grupo ESPACC
(Espaçocertificado
pelo CNPq.
Comunicação Social na Universidade Anhembi Morumbi (UAM-SP). [email protected]
PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 O presente artigo se apoia no desenvolvimento da pesquisa em andamento denominada "As
estratégias de poder nas imagens - a construção midiática dos territórios do medo", apoiado pela
bolsa Capes/Prosup, inserido no programa de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo e desenvolvida junto ao Grupo de Pesquisa Espacc (EspaçoVisualidade/Comunicação-Cultura) certificado pelo CNPq.
A mídia televisiva exerce nas favelas das metrópoles brasileiras um grande impacto
informacional e tem se tornado o elemento central das estratégias da governabilidade. Não
pretendemos tratar no presente artigo os produtos televisivos sob o foco interpretativo, nem como
signos de outra coisa, mas utilizaremos a produção midiática como práticas e estratégias concretas
de visibilidade dos serviços estatais. Estas produções definem práticas discursivas que vão além da
peça em sí. Não procuramos estabelecer o que se pensou, o que quiz dizer ou o que desejou com
essas produções mas o seu impacto ambiental na comunicação a partir da veiculação.
A produção televisiva da Rede Globo de Televisão na primeira década dos anos 2000 possui
características distintas de outros períodos oferecendo tanto na dramaturgia quanto no jornalismo
uma proposta de prestação de serviço público, procurando se afirmar como componente necessário
do poder. Na periferia as ações estatais que se estabilizaram e os enunciados que se repetem
regularmente caracterizam o fenômeno da midiatização na esfera política. São rupturas e
transformações que afetam o regime geral das produções televisivas brasileiras, atuando como
forças modalizantes de pensamento do cidadão que reside em áreas degradadas e favelas.
Midiatização
No início do século XIX, período de relevantes transformações sociais urbanas, o Estado
agia no controle dos espaços públicos expulsando grande parte da pobreza e consequentemente suas
manifestações culturais. Configurando assim as regiões periféricas como o lugar habitado pelos
2 PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 indivíduos excluídos das atividades tradicionais e festivas da sociedade (MARINS, 2006, p.143).
Atualmente os espaços públicos tornaram-se midiáticos e as trocas sociais são mediadas pelas
imagens. O desafio do Estado está em atuar no território midiático, para tal deve criar formas
eficientes de governabilidade e controle destes indivíduos neste ambiente. As estratégias de poder
no âmbito midiático parte da compreensão das exigências sociais da Cultura Dirigente3 que são
expressas nos meios de comunicação de massa.
Nas manifestações midiáticas do poder emergem vetores que apontam para distintas
finalidades e distintos grupos sociais, todos com potencialidade de ser utilizados pelo interesse
estatal. Entendendo esses vetores como uma orientação aos indivíduos eles emergem nas produções
midiáticas oras em estratégias dissuasivas oras em formatos ostensivos, conforme o grau de
aderência da audiência.
A última década do século XX foi marcada pela conflituosa expansão demográfica da
periferia das metrópoles brasileiras tornando-a local privilegiado da midiatização do poder. Em São
Paulo a população que reside em favelas no senso do IBGE de 1973 não atingia 1% da população
urbana, esse número salta para 8% no início dos anos 90 chegando a cerca de 1,16 milhões de
pessoas. O mesmo ocorre no Rio de Janeiro onde nos últimos 20 anos o senso do Plano de
Aceleração do Crescimento (PAC) comprovou que as favelas cresceram em 47% a partir da década
de 90.
Enquanto a experiência cotidiana urbana das metrópoles brasileiras incorporava elementos
midiáticos em seu ambiente, a Cultura Dirigente direcionava seus discursos aos interesses
estratégicos de governabilidade do Estado. Visando alterar e modelar a forma de pensar pelo
convívio com os meios midiáticos estes se apresentam como manifestações delegadas dos
indivíduos, e em vários momentos expõe o medo coletivo como recurso narrativo para denunciar
vários aspectos da sociedade.
3
Termo originário da obra de Jean Delumeau caracterizando a cultura coerente com os interesses do Estado. 3 PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 O Medo como recurso de midiatização
Através do medo se apresenta à sociedade o avanço da violência, as novas técnicas de
vigilância e inteligência do Estado, o saneamento dos problemas sociais, os alertas contra ameaças a
fim de gerar ações educativas e cognitivas para os cidadãos. O medo se manifesta prioritariamente
como uma defesa natural contra ameaças e perigos porém, neste caso, pode ser analisado como
mecanismo de modelagem de nosso modo de pensar.
O papel do medo nas sociedades sempre marcou aspectos importantes para a compreensão
de ideologias, heroísmos, vergonhas e principalmente o poder do Estado e a Cultura Dirigente.
Segundo o historiador Lucien Febvre (1932) não podemos reconstruir a história a partir do
exclusivo sentimento do medo, porém toda a civilização é produto de longa batalha contra o medo.
O medo, tema recorrente das produções midiáticas, é uma importante peça para a
compreensão da midiatização do poder. O medo humano gerado pela nossa capacidade imaginativa
é múltiplo e constantemente mutável conforme os estímulos que percebemos. A produção midiática
contribui para a forma coletiva do medo, deformando a percepção da realidade e conduzindo a
comportamentos extremistas de urgência.
O meio comunicativo recupera o medo particular e, expandindo-o midiaticamente, cria um
ambiente do medo. A psiquiatria estabelece a distinção entre o medo e a angústia. O temor, o
espanto, o pavor e o terror referem-se ao medo, a inquietação, a ansiedade, a melancolia, à angústia.
Desta forma o medo se refere ao conhecido e a angústia ao desconhecido. A imaginação tem um
papel chave na geração da angústia, pois é derivada das imagens mentais do indivíduo, o medo por
sua vez tem uma relação do ambiente que cerca o indivíduo referente as ameaças reais. Esse
imaginário atua na coletividade proliferando e desencadeando mecanismos do medo pela sensação
individual de insegurança. Em nossa evolução histórica a sequência desse trauma coletivo
4 PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 conseguiu superar a angústia “nomeando” os medos, ou até mesmo “fabricando” medos
particulares.
Modalizando a Imagem do Estado
As modernas concepções de administração pública colocam em pauta a importância da
percepção social sobre a eficiência do Estado nas diversas áreas de atuação. Assim, a política atual
tem como estratégia definir projetos de leis e ações de governabilidade, considerando a imagem
construída pelos indivíduos, usuários de seus serviços. Imagens que expressam a forma de pensar
do indivíduo vista de forma coletiva.
Desta forma, compreender a percepção social de uma atuação do Estado é recuperar a
imagem criada mentalmente pela complexa relação entre os indivíduos, seus espaços de habitação e
convivência e os meios tecnológicos de comunicação. Para isso deve-se compreender o indivíduo
como ser midiático, para quem as estratégias do poder se articulam, considerando sua atmosfera
cultural e seu acesso aos dispositivos midiáticos.
A ubiquidade de telas e superfícies nas habitações, nos celulares, nas ruas e locais públicos
formam sistema contínuo de contato midiático, incide e marca a maneira de pensar destes
indivíduos. Os moradores de espaços de exclusão social como periferias e favelas tem suas crenças
e valores contaminados prioritariamente pelos meios comunicativos. “Vivemos com imagens e
entendemos o mundo por imagens” (BELTING, p.14, 2009). De um lado, a imagem do medo é um
dos elementos relevantes difundidos pelo Estado, de outro lado, o medo constitui sua própria
imagem.
5 PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 Em relação à imagem do Estado, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
elaborou uma série de estudos e pesquisas a fim de subsidiar a elaboração de planos, políticas e
programas governamentais criando o Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS). Segundo
sua definição: “esta pesquisa configura um sistema de indicadores sociais para a verificação de
como a população avalia os serviços de utilidade pública e o grau de importância deles para a
sociedade”. Atuando em temas como Justiça, Cultura, Segurança Pública, Bancos, Saúde, Educação
e Trabalho a pesquisa apresenta análises de estatísticas e dados quantitativos.
Em Março de 2011 o Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS), lançou a pesquisa
sobre Segurança Pública no Brasil. Com dados da pesquisa iniciada em 2010 com o seguinte tema:
Como os cidadãos de diferentes regiões brasileiras enxergam como o poder público atua em
relação ao problema da criminalidade e da violência4.
Neste cenário de periferia a integração do Estado com os indivíduos se qualifica
midiaticamente, transformando os meios em território estratégico de poder, quando pretende
divulgar sua atuação através de manifestações visuais. Soma-se a esses fatores uma lógica de
consumo criando produtos e serviços públicos dirigidos a essa população, oferecidos como forma
de inclusão na cidade formal.
Fatores que favoreceram a atuação midiatizada do Estado
A produção televisiva nacional de ficção e não ficção desde o início dos anos 2000 tem
estabelecido sua função de prestador de serviços sociais em prol da cidadania como um de seus
principais vetores de atuação. A emissora de maior expressão nacional, a Rede Globo de Televisão
4
Disponível em:www.ipea.gov.br/.../SIPS/110330_sips_seguranapublica_apresentacao.pdf. 6 PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 publica anualmente um documento chamado Balanço Social da Rede Globo descrevendo suas
ações. A empresa divide sua atuação três frentes: programas (Globo Ciência, Ação, Criança
Esperança, Globo Cidadania, entre outros) projetos sociais e ações educativas (Ação Global e
Amigos da Escola) e a inclusão de temas de responsabilidade social na dramaturgia.
As ações socioeducativas nos programas de entretenimento televisivo, o chamado
merchandising social emerge como um vetor que se propõe educar, sendo uma manifestação
modalizante do poder. Uma estratégia dissuasiva (BAUDRILLARD) de uma cultura dominante
para gerar uma dessubjetivização dos cidadãos. O medo é um fator decisivo na conduta dos
consumidores, influenciam seus pensamentos e geram necessidades materiais e imateriais. O medo
tornou-se um sentimento que parece informar hegemonicamente as relações sociais entre os
cidadãos da sociedade contemporânea e um importante discurso da governabilidade (MARTIN
BARBERO).
A produção televisiva nacional, especificamente as séries da Rede Globo, produziu a partir
do lançamento e sucesso do filme “Cidade de Deus”(2002) um linha de teledramaturgia como
“Cidade dos Homens” (2003 - 2005) “Carandiru, outras histórias” (2005), “Antônia” (2006), Força
Tarefa (2009-2011) e Na forma da lei (2010). Essa estética ao mostrar as favelas e áreas degradadas
de forma visualmente regular foi pouco a pouco sendo absorvida nas telenovelas, exemplo é a
novela Duas Caras (2007). Nestes produtos televisivos da primeira década dos anos 2000, o medo e
a relação espaço-social são formadores de uma visualidade que o poder estatal pretende organizar.
Segundo o relatório produzido anualmente pela emissora chamado Balanço Social da Rede Globo,
em 2008 foram cerca de 600 cenas, em 2009 foram 858 cenas, em 2010 foram 837 cenas e em 2011
foram 452 cenas com o chamado merchandising social. Os temas mais utilizados são violência
urbana, violência doméstica, inclusão, diversidade, cidadania e combate ao crime.
O telejornalismo deste período tiveram alguns marcos de mobilização pública que podem
ser visto como estratégias de divulgação da ação do Estado: Sequestro do ônibus 174 (2000), Caso
7 PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 Tim Lopes e Rebelião de Bangu I liderado por Beira Mar (2002), Ataque terroristas do PCC (2003),
Rebelião de presos no Rio de Janeiro (2004), Proibição da venda de armas de fogo no Brasil e
Chacina na Baixada Fluminense (2005), Atentados do PCC que pararam São Paulo (2006), Caso
Eloá Pimentel (2008), Disputa de Traficantes Morro dos Macacos e Ocupação Militar do Complexo
do Alemão (2010), Morro da Magueira, Vidigal e Rocinha (2011).
Justifica essas produções televisivas a crise gerada pela expansão demográfica das
metrópoles brasileiras e os consequentes conflitos sociais. A periferia se transforma em ponto
estratégico de governabilidade e planos políticos. Neste período a periferia incorporou elementos
midiáticos em seu cotidiano, consomem incessantemente imagens televisivas e buscam participar da
cidade que os excluía por meio das mídias de massa. Essa transformação possibilitou ao Estado o
uso midiático ao seu favor apresentando uma operação de midiatização do poder de um território
ocupado pelo tráfico de drogas e a violência derivada da relação de poder de sua comercialização.
As produções televisivas foram alinhadas com os interesses do Estado tendo como discurso a
reparação de um problema histórico nas regiões periféricas do Rio de Janeiro e São Paulo. Convêm
ressaltar que anteriormente o próprio Estado e mídia homologaram a “Guerra ao tráfico” como
medo coletivo valorizando sua atuação social de combate, porém perceberam que tal situação
apenas enfraqueceu sua imagem percebida dos serviços de controle e vigilância.
No intercâmbio entre as imagens televisivas do medo previamente homologado e instituído
pelo Estado e a campanha midiática de saneamento das operações militares e policiais percebemos
como estas visualidades operam como dispositivo de controle e consumo daqueles territórios e
expande sua relevância como mecanismo político contemporâneo. As questões de controle e
vigilância do Estado e suas ações nos territórios de exclusão podem ser observadas sobre a matriz
de Michael Foucault, especificamente as questões referentes ao vigiar e punir atualizados por
Giorgio Agamben (2009) Para isso se faz necessário a perspectiva de análise da governabilidade,
que trata das instituições e o modo como conduzem indivíduos e grupos, ligados por diferentes
relações de poder.
8 PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 As trocas contínuas entre os meios comunicativos e os territórios ocupados pelo medo, a
estratégia das imagens se fixam como dispositivos nas relações sociais. Conforme a leitura de
Giorgio Agamben para o conceito de dispositivo criado por Michel Foucault, o poder de vigilância
do Estado opera as imagens como dispositivo de controle daqueles territórios, ampliado-o como
mecanismo político contemporâneo. Dispositivo passa a ser “qualquer coisa que tenha de algum
modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os
gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes”(2009, p.40).
Os acontecimentos midiáticos que evidenciam, em sua singularidade, a estratégia do Estado
para interferir nessas regiões periféricas podem ser observados sob a ótica do conceito de
espetáculo de Guy Debord. Assim, a recuperação midiática das manifestações do medo são imagens
que possuem a função de unir a sociedade ao mesmo tempo em que a compõe e se transformam na
própria sociedade.
O meio comunicativo e suas trocas atuam na divulgação dos serviços de Segurança Pública
tornaram-se dispositivo espetacular de controle pelo qual o Estado articula em seu favor como uma
real estrutura de poder. Ressaltando o dispositivo como “um conjunto de práticas e mecanismos (ao
mesmo tempo linguísticos e não-linguísticos, jurídicos, técnicos e militares) que têm o objetivo de
fazer frente a uma urgência e de obter um efeito mais ou menos imediato” (AGAMBEN, 2009,
p.35). E espetacular pelo seu aspecto de unificação da sociedade em prol de um alerta de defesa, se
tornando assim parte da sociedade e a própria sociedade simultâneamente.
Conclusão
Na periferia das grandes cidades, eclodem novos desenhos do habitar e são o laboratório de
experiências urbanas e perceptivas do Estado. Considerado como o mercado emergente do consumo
9 PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 e da comunicação de massa os habitantes das favelas e periferias adquirem aparatos tecnológicos
que modelam o seu cotidiano. Compram televisores e cercam de telas seus lares e comércios,
buscam serviços clandestinos de canais a cabo e adquirem celulares com conexão de internet.
Imprimem novos usos, distorcem e alteram os meios de massa. Procuram participar da cidade que
os exclui espacialmente nas brechas das possibilidades patrocinadas pelo meio digital. Os
fenômenos das redes sociais com seus perfis e avatares possibilitaram criar outras formas de
relacionar com os habitantes da cidade formal. Essa transformação impulsionou o Estado a incluir
em suas estratégias o componente midiático ao seu favor nas operações nas regiões de favela e
periferia.
Antes o serviço de urbanização se dedicava fornecer elementos do habitar, sua atuação
comprendia em edificações coletivas, obras viárias, conjuntos residencias e comerciais. Se
considerarmos que a divulgação da imagem desses territórios compõe a atual estratégia de
governabilidade, tal lógica influenciou os planos urbanistas. Não se trata de apenas atender uma
necessidade primordia do cidadão ma configurar seu uso na cidade e imprimir uma lógica de
consumo na relação com os serviços estatais.
Atualmente na região de periferia são realizadas várias ações urbanísticas como: a abertura e
ordenação da malha viária; revitalização das habitações, pacificação da uma comunidade,
formalização empresas, implantação de sistemas de comunicação, bem como a limpeza e
iluminação das ruas. A consequência da reforma urbana nestes territórios é que essas
transformações tem um preço e onera o custo de vida destes habitantes. Em muitos casos ocorre a
real expulsão dos indivíduos pela lógica da especulação imobiliária e comercial de algumas áreas de
periferia.
Um exemplo desta forma de atuação ocorreu na ação denominada "Retomada do Complexo
do Alemão" em 2010. O início do projeto ocorre em 2007, com o apelo dos Jogos Panamericanos,
um grupos de empresários interessados na consolidação da cidade para eventos de grande porte, nos
10 PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 moldes think tanks, apresentam ao Governador do Estado um projeto que analisava os erros
anteriores e explorava a midiatização da operação até a saturação em prol de investimentos políticos
e sociais. As ações de implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) iniciadas em 2009
e foram amplamente apoiados e secundados pela mídia em geral. O elemento mais icônico desta
ação foi o projeto de Intervenção Urbanística do Complexo do Alemão (IUCA) cujo ponto alto foi a
construção de um icônico teleférico que alteraria traçados, trajetos e fluxos nas favelas do Rio de
Janeiro. Para tal seria necessário um profundo e efetivo saneamento midiático da imagem estatal,
uma ação à altura do monumento físico a ser construído, uma estratégia ostensiva do poder estatal
cuja lógica perceptiva torna coerente os investimentos na área.
Tal ação de midiatização se por um lado seduz a audiência com seu espetáculo visual, por
outro lado oculta alguns problemas a longo prazo. De tão exuberante e tão alta definição, a
espetacularização desta imagem (DEBORD, 1997) se sobrepõe a qualquer questionamento crítico
da recepção. Essa imagem vem com um discurso fechado como um dispositivo, porém com uma
ambivalência que serve para os dois lados. Pressupõe-se que há um interesse maior das duas partes
que supera as leis e a legitimidade, a ética e a lógica política. Com esse interesse confrontado há
uma padronização nas ações dos polos sobrepostos e aparentemente opostos. Assim o domínio
mediatizado do território vitimado e fragilizado ordenaria as estruturas criando alças governáveis
onde todas as culturas dirigentes do local se beneficiariam desta imagem, não só pela
governabilidade, mas pela alteração da forma de pensar, que teria efeitos a longo prazo.
Referências
AGAMBEN, Giorgio. O que é Contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009.
ALVARENGA, Galeno. O poder das emoções. São Paulo: G.P.M.A., 2007
11 PPGCOM ESPM – ESCOLA SUPERIOR DE PROPAGANDA E MARKETING – SÃO PAULO – 15 E 16 OUTUBRO DE 2012 ALVES, José C. S. Violência no Rio: a farsa e a geopolítica do crime. Revista Carta Capital, 29 nov.
2010. Coluna do Leitor.
BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
CANCLINI, N. García. Imaginarios urbanos. Buenos Aires: Eudeba, 1997.
MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos Meios às Mediações. Comunicação, Cultura e Hegemonia. Rio de
Janeiro: Uerj, quarta edição, 2006.
__________________, Jesús. "La ciudad: entre medios y miedos". En: ROTKER, S (Org.). Ciudadanías
del miedo. Caracas: Nueva Sociedad, 2000.
DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997.
FLUSSER, Vilém. O Universo das Imagens Técnicas. São Paulo: Annablume, 2008.
FLUSTY, Steven. De-Coca-colonization: making the globe from the inside out. Londres: Routledge, 2004.
VERGARA FIGUEROA, A. Imaginarios: horizontes plurales. México: CONACULTA, 1992.
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