PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Cartografia das Redes da Revolta: Fluxos Políticos Reacionários no Facebook1 Marcelo Alves dos Santos Junior2 Universidade Federal Fluminense Resumo Este artigo se dedica à investigação das redes que disseminam o ódio e a hostilidade no Facebook a partir da cartografia das redes complexas gerada por métodos combinados de mineração de dados. Analisa-se a formação e a articulação de uma esfera de páginas não oficiais como um movimento reacionário e opositor do governo. As fan-pages consomem e ressignificam as mensagens de acordo com convicções particulares e enraizadas de cinismo e de descrédito direcionados às instituições oficiais. Argumenta-se que a ascensão destes canais seja reflexo do ressentimento de camadas sociais que não se consideram representadas e revoltam-se contra o Estado nestas comunidades. Por fim, assinala-se que os fluxos de ódio apontam para um processo de surgimento de um grupo de oposição conservadora organizado nas mídias sociais, com participação majoritária de jovens, concentrado no estado de São Paulo e que emprega estratégia retórica de ansiedade e de medo contra o governo. Palavras-chave: Comunicação política; Redes sociais, Ódio, Visibilidade, Fluxos. Introdução O texto pretende propor um diálogo entre pontos de duas disciplinas: (a) na Comunicação Política, a política da visibilidade, do cotidiano e das ações performáticas; e (b) na Cibercultura, o conteúdo gerado por usuário e os fluxos nas redes. É fundamental, por isso, aprofundar o estudo acerca das novas tecnologias da comunicação e da política, de um lado, como instâncias que reconfiguram os modos de consumo da mensagem, não obstante, de outro, estejam sujeitas à criação de 1 Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 05 COMUNICAÇÃO, CONSUMO E NOVOS FLUXOS POLÍTICOS: ativismos, cosmopolitismos, práticas contra-hegemônicas do 4º Encontro de GTs - Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014. 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Fluminense, email: [email protected]. O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) ambientes de hostilidade, de preconceito e de ódio, de acordo com as reapropriações e ressignificações promovidas pelos grupos que a utilizam. Os fluxos políticos midiáticos representam as relações de poder assimétricas em espaços de disputas simbólicas e de tensão entre grupos antagônicos (COULDRY, 1991). Os espaços públicos, forças políticas e clivagens sociais se referenciam às práticas micropolíticas do cotidiano, expressões subjetivas e mobilizações espontâneas de reação ao panorama político-eleitoral nacional. Nesse sentido, volta-se a análise às dinâmicas e condições de significação pelas quais as comunidades interagem entre si e geram identificações coletivas (DAHLGREEN, SPARKS, 1991). Assim, este artigo investiga a formação e articulação de fluxos de comunicação e da interação entre usuários em páginas do Facebook que se destinam a espalhar a revolta e a criar um clima de cinismo contra as instituições e as personalidades políticas; sem, contudo, assumir ou projetar afiliação partidária. Desse modo, estudam-se as políticas de visibilidade e as estratégias discursivas de comunidades digitais não oficiais e fortemente orientadas contra o governo, que combinam a ação coletiva com subjetividades pessoais, sobrepondo o debate público com questões privadas e de estilo de vida (FENTON, 2012). Para isso, percorre-se a literatura sobre a constituição e as características da extrema-direita populista na Europa, a fim de suscitar problematizações para se pensar a disseminação do discurso do ódio no Brasil. Explora-se, em seguida, os textos sobre a nova direita paulista e a mobilização do medo e da ansiedade entre seu eleitorado. No que concerne aos procedimentos metodológicos, empregam-se a análise de redes sociais e ferramentas de extração, processamento e visualização de dados para gerar a cartografia das fan-pages de oposição no Facebook. Encontrou-se um ambiente midiático formado por atores emergentes, com ideologias diversas, e retórica anti-PT, mobilizando temas como moralismo, corrupção e socialismo. Os fluxos do ódio político PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Fluxos e mensagens que circulam nas redes do ódio fazem parte da cultura política de parte do eleitorado não partidário, remetendo a práticas e a discursos cotidianos. Por isso, pertencentes a um âmbito não institucionalizado em ciber ghettos que fomentam a intolerância e a hostilidade (DAHLGREEN, 2005). Fenton argumenta que o uso da Internet para propósitos de oposição radical busca conscientizar o público, dar voz e poder aos que não possuem e permitir com que pessoas se organizem em torno de causas, formar alianças, com a finalidade de promover mudança social. Outro fator que contribui com o radicalismo, de acordo coma autora, é o domínio dos jovens das ferramentas digitais, os quais são desinteressados em filiações partidárias e procuram formas alternativas de ativismo, fragmentárias e individualizadas. “Essas características também se relacionam à natureza da política online, que é frequentemente associada com protesto, do que com a definição de projetos em longo prazo” (FENTON, 2012, p. 151). Em suma, as políticas de oposição radical operam por meio de redes informais, descentralizadas e não hierárquicas, aproximando os membros por sistemas de valores ou compreensões políticas abstratas (ATTON, 2006). Além disso, deve-se situar a formação de grupos num contexto amplo de relações de poder assimétricas na sociedade, para compreender-se seu funcionamento em aspecto amplo. O ressurgimento da extrema-direita populista na Europa Compreende-se emergência da esfera de páginas do ódio no Brasil como um fenômeno que, a princípio, representa o descontentamento de parte da população com a política tradicional, resultando em revolta e em hostilidade nos discursos que circulam nas redes. Argumenta-se que esse processo comunicacional de oposição seja reflexo, em parte, do cinismo e do pessimismo midiático. Contudo, defende-se que esse movimento discursivo também simboliza mudanças estruturais em parte da opinião pública brasileira, a partir do surgimento de grupos conservadores de oposição nas mídias sociais. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Embora a literatura nacional seja escassa, uma grande quantidade de trabalhos acadêmicos foi publicada para compreender o ressurgimento da extrema-direita ou da direita populista na Europa e nos Estados Unidos. O presente artigo não se propõe a realizar extensa revisão desta bibliografia, que é marcada por definições contraditórias e desencontros (MUDDE, 2002, 2007). Ao contrário, percorreram-se pontos que podem levar adiante a discussão em âmbito brasileiro. Define-se direita como um conjunto de grupos que vai além da afiliação partidária e que possui atitudes políticas similares. Volta-se, então, para culturas políticas e sensibilidades que se aproximam do espetro da direita em quatro aspetos: (1) ideológicos: defendem a ordem perene; (2) psicológicos: com traços violentos ou autoritários; (3) conformistas: prezam pela estabilidade de seu status; e (4) popular: marcado pelo paternalismo, clientelismo, religião e superstição (ROMERO, 1970; BOISARD, 2014). Considera-se a reconfiguração da direita como uma onda de resposta ao processo de virada à esquerda na América Latina (CAMERON, 2009). A corrente teórica aponta o processo histórico de crescimento de partidos à direita no espectro ideológico a partir do sucesso de movimentos de centro-esquerda que chegaram ao poder. Assim, grupos ódio se unem em reação à ascensão de partidos rivais às esferas do governo, desafiando partidos tradicionais e revoltando-se contra a corrupção (FORMISANO, 2005). Os líderes mobilizam sentimentos de ansiedade, medo e desencantamento com a política, apelando para parcelas da população excluídas e ressentidas com as instituições tradicionais. Eles atraem um eleitorado de múltiplos segmentos e classes sociais, desde trabalhadores não qualificados a classe-média, com o discurso populista de rejeição à elite política e agenda neoliberal de redução do custo do estado e dos impostos (BETZ, 1993). Questões ideológicas e programáticas, todavia, são essencialmente amorfas em grupos de extrema-direita europeus. São pessoas de formação heterogênea, reunidas em função da identificação coletiva movida por emoções, hostilidade, raiva e PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) experiências políticas cotidianas frustrantes (BLEE, 2007). Além disso, assumem estratégia discursiva de tons carregados, manifestando protesto contra as ações do governo. A política do ressentimento é relacionada às expressões negativas contra o status quo e indica descontentamento com as personalidades políticas de situação (NORRIS, 2005). Contudo, há que se enfatizar os limites de aplicação da bibliografia europeia ao caso nacional. Apesar das semelhanças relativas ao uso das emoções e da ideologia dispersa, os contextos sociopolíticos – que reúnem as condições para a manifestação dos grupos de oposição no Brasil e da extrema-direita populista partidária na Europa – são diferentes. A conjuntura europeia ocidental se orienta para as politicas pósmateriais, com dimensão principal identitária e sociocultural de exclusão dos estrangeiros, enquanto que os governos latino-americanos ainda possuem grande nível de desigualdade econômica a enfrentar em questões materiais (MUDDE, KALTWASSER, 2012). As direitas no Brasil e o ressentimento paulista Em seguida, realiza-se um breve resumo da história das direitas na América Latina e no Brasil, a fim de suscitar eixos de debate que alimentem a reflexão acerca da esfera de páginas conservadoras do Facebook. A literatura aponta que a formação das direitas na América Latina no século XX está intrinsicamente relacionada ao clientelismo, ao catolicismo e ao anticomunismo, sendo representadas de forma complexa em cada país (BOISARD, 2014). Em geral, há traços remanescentes do pensamento nacionalista, integralista e conservador enraizado desde o colonialismo (ROMERO, 1970). Destaca-se o período de ascensão de grupos fascistas com considerável base social e influência nos quadros políticos nacionais em México, Chile, Bolívia e, de modo mais contundente, Argentina – como a Liga Patriótica Argentina, a Legião Cívica Argentina e a Aliança Anticomunista Argentina – (ALMEIDA, 2008) e Brasil PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) – Ação Integralista Brasileira e Partido de Representação Popular – (BARBOSA, 2008). No Brasil, há um esforço de partidos de direita em desvincular sua imagem do regime ditatorial, fenômeno conhecido como a direita envergonhada (MADEIRA, TAROUCO, 2011). Nesse sentido, é de se notar que o rótulo de direita remete ao passado, à injustiça, egoísmo, desigualdade e ditadura, o que resulta em pouquíssimos movimentos autodenominados de direita “Está envergonhada de si, esta má consciência da direita só faz dificultar os trabalhos de decifração e deslizar a informação” (PIERUCCI, 1987, p. 38). Na década de 1990, a dimensão direita/esquerda girou em torno de temas clássicos da política e da economia, como privatização e desregulamentação. A eleição de 1989 marcou o crescimento de Fernando Collor, com uma retórica de centro-direita populista, antipartido, antipolítico e antiestado e base eleitoral de baixa renda e baixa escolaridade, com considerável incidência de votos de protesto (SINGER, 1999). Em São Paulo, a direita é marcada pelo sentimento de ameaça, desorientação, medo e agressividade direcionada ao outro (PIERUCCI, 1987). É uma base eleitoral, segundo o autor, ativista, que defende greves trabalhadoras, segurança policial e recrudescimento da justiça. São religiosos, mas anticlericais, censores morais, críticos da banalidade televisiva e pregadores dos bons costumes e da preservação da família. Estão presentes, entre as classes médias paulistanas, sentimentos declarados contra imigrantes pobres das regiões Norte e Nordeste. Além disso, Pierucci também destaca o que chama de grande constelação, camadas médias urbanas que buscam o resgate dos valores e da família contra a permissividade e a homossexualidade. Essa extrema-direita, aponta, é despolitizada, acionando o moralismo para atacar movimentos e propostas que alteram a ordem instaurada ou para diagnosticar a crise dos valores e das maneiras. Na década de 90, as tendências foram da direitização e da volatização do voto. “Hoje, estão juntas, PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) coligadas, uma direita tradicional, que permanece, e uma que flutua” (PIERUCCI, LIMA, 1991, p. 26). Deve-se considerar, também, o eleitorado evangélico e suas afinidades com o espectro ideológico de direita, de setores desprivilegiados socioeconomicamente, mas que nem sempre seu tradicionalismo resulta em conservadorismo político (BOHN, 2004). A direita evangélica prega a existência de aguda crise moral e cultural e atua no campo da política desde o período de redemocratização (COWAN, 2014). No entanto, é de se ressaltar que, em nível nacional, nenhum partido conseguiu mobilizar os sentimentos de exclusão, medo e ressentimento tão notadamente identificados nessa parcela do público. Mesmo assim, fazem parte da mentalidade e da cultura política de parte específica do eleitorado ideias preconceituosas e de caráter moralizantes. Cabe enfatizar que condições que insuflaram o crescimento de partidos de extrema-direita europeus estão presentes no Brasil, como crise de representação, profunda transformação social, políticos carismáticos e insatisfação com instituições políticas tradicionais. “Pode ser, também, que as ideias da direita radical estejam tão impregnadas no nosso senso comum que não haja a necessidade de um partido político para defendê-las publicamente” (COMPARATO, 2014, p. 25). Metodologia Desenvolveu-se a métrica das redes complexas, a fim de recriar a cartografia de relação entre as fan-pages que disseminam o ódio e a revolta no Facebook (WAICHERT, 2009; BENEVENUTO, 2012). O processo metodológico apreende quatro etapas: extração, processamento, visualização, apresentação e arquivamento. Cada uma delas envolve conhecimentos técnicos e ferramentas específicas. Realizou-se a mineração sistemática de dados coletados de páginas, utilizando ferramentas chamadas de crawlers. Estes mecanismos obtêm informações públicas automaticamente, reconstruindo as conexões em grafos, relação gráfica entre os vértices e arestas dos elos “para permitir diferentes análises incluindo identificação PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) de padrões de comportamento de usuários em diferentes sistemas, identificação de tópicos de interesse dos usuários” (BENEVENUTO et al, 2012, p. 88). Nesse sentido, há diversos mecanismos online para realizar esta tarefa. Escolheu-se o Netvizz por ser um software aberto para uso não comercial que extrai dados de perfis, grupos e páginas do Facebook para propósitos de pesquisa (RIEDER, 2013). Com ele, foi possível reconstruir os nós de ligação entre as fan-pages. Por fim, utilizou-se o Gephi, uma plataforma de exploração de dados, para gerar a rede dinâmica e hierárquica de nós, com o que se podem aplicar diversos algoritmos para calcular quais são os centros mais importantes e mais influentes na rede (BASTIAN, HEYMANN, JACOMY, 2009). Resultados e análise O mapeamento foi desenvolvido a partir de levantamento anterior das 40 páginas com maior público no Facebook que dedicam grande parte de suas postagens ao ataque do governo federal (DOS SANTOS, 2014). Com a lista pronta, o crawler extraiu as informações de todas as ligações manifestas pelas páginas, gerando a cartografia de páginas de oposição. Os dados foram coletados durante o mês de julho de 2014. O resultado, contudo, ainda teve de ser filtrado para excluir todas as entradas que não se relacionavam com o tema do PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) artigo. Devido à natureza dinâmica e orgânica das mídias sociais, o panorama pode ser alterado com o passar do tempo ou com a inserção de novos temas na agenda nacional. A informação foi processada utilizando os seguintes algoritmos do Gephi: (1) modularidade: identifica grupos de nós que compartilham conexões entre suas arestas e os reúnem em comunidades; (2) autoridade: mede fatores que determinam a relevância de nós no ambiente (3) hubs: grupos de nós que possuem autoridade; e (4) grau de entrada: quantidade total de menções que um nó recebeu, isto é, quantas páginas se ligam a ele (VALDEZ et al., 2012). PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Com isso, utilizou-se o layout Force Atlas 2 para produzir a visualização do grafo, organizado de acordo com os algoritmos escolhidos, e possibilitar a interpretação. O Force Atlas 2 é um modelo de espacialização baseado nas leis da gravidade: os nós produzem força de repulsão entre si, enquanto que as arestas os aproximam. A gravidade atrai os nós para o centro e espalha os hubs pela periferia (JACOMY et al., 2011) Com isso, pode-se identificar quais páginas são mais influentes, como estão interconectadas e quais são as principais comunidades. A cartografia das redes complexas é a etapa do procedimento metodológico que dá sentido à grande quantidade de dados extraídos, recriando as relações entre os nós e tornado possível a interpretação, de acordo com o escopo teórico proposto no recorte do artigo. De início, destaca-se a predominância do público paulista em comum com a maioria das páginas, concentrando a análise nesse estado. No topo, de laranja, está o hub que possui duas páginas ao centro: Comando de Caça aos Corruptos e Organização de Combate à Corrupção. Ao redor, há diversos canais que se ligam a setores militares (Intervenção Militar Já; Orgulho de Servir, Eu sou Caveira) e ao judiciário (Brasil contra a Impunidade; Brasil contra a Corrupção). A comunidade defende o moralismo político, acusando o governo federal e sua base de aliança de corrupção. Pode-se afirmar que seja um grupo orientado à direita por usar da retórica do ódio para denegrir a imagem do bloco de situação, sem problematizar a ideia de corrupção e manifestando-se a favor do aumento da força policial e militar. A parte em vermelho possui fan-pages oficiais de meios de comunicação, Veja, Estadão, Exame, O Globo e Folha de São Paulo; do PSDB e políticos como Geraldo Alckmin, Fernando Henrique Cardoso, Ronaldo Caiado e Aécio Neves; bem como os colunistas Reinaldo Azevedo e Ricardo Noblat. Já que nenhuma delas foi utilizada como grau de saída, conclui-se que estejam ilustradas no grafo a partir de arestas de saída dos demais nós, representando fonte de informação ou referência ideológica. PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) Em azul, outro hub orientado contra a corrupção, encabeçado pelo Movimento Contra a Corrupção e suas secções estatais. As arestas apontam para nós como: Juventude Contra a Corrupção, Povo Brasileiro, Chega de Corruptos, Isso é Brasil, Dia do Basta, Mensaleiros na Cadeia e Anonymous Brasil, Transparência Brasil e o Partido Novo. Mais ao centro, TV Revolta e Política na Rede. Em roxo na parte sul, está um grupo declarado liberal e anticomunista. Entre as principais fan-pages, ressaltam-se, Resistência anti-socialismo (nazismo, comunismo e outras doutrinas vermelhas), Libertarianismo, Libertários, Foco Liberal, Marx da Depressão, PT da Depressão, Porco Capitalista, Mulheres Contra o Feminismo, Manifestação Contra o Foro de São Paulo, Comunista de Rolex e Esquerda Caviar. A grande comunidade verde se divide entre canais reacionários de direita, apoiadores do deputado federal, Jair Messias Bolsonaro (PP-RJ), e humoristas. Notam-se Canal da Direita, Direita Já, Direita Política, Bolsonaro Zuero 3.0, Jovens de Direita, Super Reaça, a Direita Vive, Fora PT, Anti neo-ateísmo, Resistência Nacionalista, Esquadrão Conservador e Politicamente Irado. Ademais três páginas oficiais estão localizadas mais ao centro do hub, Olavo de Carvalho, Paulo Eduardo Martins e Rachel Sheherazarde. Pelo acentuado número de arestas, são canais de considerável influência entre os nós próximos, até com fã clubes destinados a repercutir suas mensagens, como Admiradores de Rachel Sheherazarde e Musas Olavettes. A cartografia indica que as redes do ódio político se organizam de forma orgânica, descentralizada, fragmentária e sem proposta de ação em longo prazo. Em comum, os canais reivindicam um espaço discursivo de oposição com a finalidade de tirar os agentes do PT e de sua base aliada do governo federal. A retórica do grupo assume tons agressivos, ora apelando para o sentimento de revolta, ora atacando a corrupção, indicando uma política de visibilidade sustentada pelos sentimentos de frustração e cinismo. As mensagens, então, adotam estratégia populista de caracterizar as lideranças dos partidos da base governista como inimigos que devem ser PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) derrotados a qualquer custo. Os temas abordados são muito variados, como moralismo, corrupção, militarismo e justiça. Há a presença do que pode ser considerada como a velha extrema-direita, fazendo referências ao integralismo, ao nacionalismo e ao exército, e características emergentes configuradas no ecossistema particular das redes digitais. O grupo se opõe claramente às ações que considera neonazistas e neofacistas, por considerar resquícios do comunismo e do socialismo. Nos fluxos performáticos de oposição nas mídias digitais, encontra-se a preocupação em se desvencilhar da conotação histórica negativa da direita brasileira, sendo que são raros os canais que apoiam abertamente a volta do governo militar. A esfera de páginas de oposição no Facebook não se preocupa em definir filiação partidária. Algumas comunidades se destinam ao apoio candidatos como Bolsonaro, mas, em geral, dispensam estruturas partidárias e não fazem campanha aberta a nenhum candidato à presidência do Brasil. É o discurso do ódio e da revolta contra a situação que as une. Levando em consideração os apontamentos de Comparato (2014), nenhum partido atualmente esses sentimentos de ódio, até porque a legislação eleitoral brasileira dificulta a ascensão de novos agentes ao poder. Contudo, enfatiza-se, seguindo Norris (2005), que as alterações na opinião pública pressionam as bases oposicionistas a modificar suas propostas. Essa configuração dinâmica do mercado eleitoral carrega potencial de tornar os programas mais conservadores. Isso pode ser explicado pelo grande público paulista e jovem que é apoiador destas fan-pages. Seguindo a análise de Pierucci, pode-se constatar que a cartografia representa os sentimentos de apreensão e de ansiedade de parte do estado de São Paulo com as políticas dos novos agentes que ascenderam à presidência do país desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002. Não são frequentes, porém, manifestações explícitas de xenofobia, preconceito e homofobia. A sociedade contemporânea condena o preconceito, em parte pelo desenvolvimento das políticas autorreflexivas de emancipação, o que não impede que ações discriminatórias existam PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8 a 10 de outubro 2014) de modo oblíquo e dissimulado, como nas postagens que circularam na rede: “13 milhões de famílias recebem Bolsa Família: o maior programa de compra de votos do mundo” e “Nordestino, você é maior que o Bolsa Esmola. Não venda o seu voto para o PT, o Brasil precisa de você”. Os conteúdos são ilustrativos de um movimento paulista que ocupa espaço de fala e tenta definir o que é ser nordestino ou como o nordestino deveria votar. Conclusão Enfim, buscou-se desenvolver o mapeamento cartográfico das redes do ódio político de oposição no Facebook. Define-se essa esfera de páginas como um grupo que se une em torno do sentimento de desaprovação e de medo direcionado aos novos agentes que foram eleitos em 2002. Os fluxos discursivos fazem uso da oposição nós/eles para abordar a base governista como um inimigo que devem ser derrotados a qualquer custo e acionam retórica moralista contra a corrupção e as medidas permissivas do governo. Embora não se possa afirmar que somente as políticas de visibilidade investigadas neste texto sejam representativas de mudanças estruturais na sociedade e na demanda eleitoral brasileira, enfatiza-se que o objeto é profícuo para suscitar apontamentos e possibilidades de pesquisa sobre como a retórica do ódio político é reconfigurada nas mídias sociais. Esse processo comunicacional está ligado a questões sociopolíticas importantes que situam um local de fala em parte do estado de São Paulo, mas que se pulverizam por diversas classes sociais. Por isso, estudos futuros devem ser aprofundados a fim de responder questões emergentes sobre as características dessa rede e quais suas limitações para pensar a sociedade como um todo. Referências ALMEIDA, F. 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