A FUNÇÃO EDUCATIVA DO FARMACÊUTICO NO SISTEMA ÚNICO
DE SAÚDE
SPADA*, Kadija– CBES
[email protected]
Resumo
Este trabalho se propõe refletir sobre a potencial função educativa que o farmacêutico pode
realizar no Sistema Único de Saúde. A metodologia utilizada foi uma pesquisa bibliográfica
de textos considerados básicos para as reflexões referentes ao tema. A consolidação do SUS e,
conseqüentemente, a integralidade e a resolutividade das ações de saúde tornam-se um desafio
para a formação dos profissionais da saúde. O perfil do profissional farmacêutico após a
implantação das Diretrizes Currriculares em 2002 sofreu uma grande ampliação. No modelo
generalista, o farmacêutico deve estar habilitado a atuar nas mais diversas áreas e também
estar capacitado a atuar em equipes multiprofissionais, para atender aos pressupostos do SUS.
Este trabalho destaca a educação em saúde na promoção do uso racional de medicamentos e
aponta a atenção farmacêutica como prática educativa e como possível tendência para uma
maior aproximação com o paciente, com vistas à adesão ao tratamento e à melhoria da sua
qualidade de vida. A prática educativa pode ser feita durante a entrevista com o paciente,
considerada um dos atos mais importantes dentro da atenção farmacêutica. Por meio dela,
pode-se avaliar o grau de compreensão do paciente em relação ao seu tratamento, bem como
desenvolver sua autonomia e responsabilidade no cuidado com sua saúde. Como todo
profissional de saúde, o farmacêutico é um educador em potencial e que deve ter o paciente
como centro da atenção. Com isso procura-se estabelecer um processo educativo que torne
possível ao paciente tomar a decisão de aderir ao tratamento, utilizando o medicamento de
maneira correta, consciente e responsável.
Palavras-chave: Educação em Saúde; Farmacêutico; Uso Racional de Medicamentos.
Introdução
A profissão farmacêutica, ao longo do século XX, sofreu diversas transições e
experimentou, inclusive, a perda de sua identidade. O papel tradicional de boticário, com
preparações de fórmulas e orientações exclusivas aos seus usuários, foi substituído, aos
poucos, pela produção de medicamentos em escala pela indústria farmacêutica, o que deu às
atividades farmacêuticas um enfoque mercantilista. A farmácia, assim como um
estabelecimento comercial qualquer, voltou-se para o lucro por meio da “empurroterapia”, e o
farmacêutico foi perdendo autonomia no desempenho de suas atividades, distanciando-se do
seu papel de agente de saúde.
*
Farmacêutica-Bioquímica da Unidade Básica de Saúde de Passos Maia/SC. Especialista em Docência em
Saúde pelo Colégio Brasileiro de Estudos Sistêmicos - CBES/Porto Alegre/RS.
1260
Entretanto, o farmacêutico formado no Brasil pouco contribuiu para mudar essa
realidade, pois, para atender às necessidades do mercado pós-industrializado, os cursos de
farmácia tiveram de se reposicionar, incorporando disciplinas na matriz curricular que o
capacitassem para atuar em áreas próximas ao medicamento, dando enfoque tecnicista a sua
formação.
Dentro de suas atribuições, o farmacêutico é o profissional capacitado para orientar,
instruir e educar o usuário sobre todos os aspectos relacionados ao medicamento, inclusive
sobre o uso racional de medicamentos, possuindo, assim, uma importante atuação no Sistema
Único de Saúde, onde a atenção primária à saúde é enfatizada (MOTA et al, 2000).
Não é possível pensar em saúde sem, simultaneamente, pensar em educação e nas
relações que existem entre ambas, pois educação em saúde é, acima de tudo, educação, o que
supõe um contato, uma transmissão, um desenvolvimento de conhecimentos, competências,
hábitos e valores (GAZZINELLI, 2006). É nesse contexto que se insere a importância do
farmacêutico como educador em saúde pública, capaz de atuar em defesa da saúde do usuário
através da promoção do uso racional de medicamentos, bem como na participação do
processo educativo dos pacientes no que diz respeito aos riscos da automedicação, da
interrupção, da troca dos medicamentos prescritos e a importância da receita médica para a
aquisição dos mesmos.
A realização deste trabalho é justificada pela progressiva tomada de consciência sobre
a importância da função educativa do farmacêutico no Sistema Único de Saúde, tendo não
mais apenas o medicamento, mas a educação em saúde e a qualidade de vida do paciente,
como foco de suas ações.
Este trabalho tem por objetivos demonstrar a importância da atuação do farmacêutico
no SUS, bem como refletir sobre sua função educativa. A metodologia utilizada foi uma
pesquisa bibliográfica de textos básicos e recentes, considerados importantes como referencial
teórico para as análises e reflexões pertinentes ao tema.
O Sistema Único de Saúde (SUS)
Considerado uma conquista da mobilização da sociedade, o SUS nasceu com a
finalidade de eliminar as desigualdades assistenciais. A Constituição Federal de 1988 deu
relevância pública à saúde com o artigo 196, que prega “a saúde como direito de todos e dever
do Estado”, e abriu caminho para a criação do SUS por meio da regulamentação da Lei
Orgânica da Saúde n° 8080 e pela lei 8.142 em 1990 (BRASIL, 1990).
1261
O SUS é um novo sistema de assistência à saúde, regionalizado e hierarquizado, que
integra o conjunto das ações de saúde da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, onde
cada um cumpre funções específicas, porém articuladas entre si (BRASIL, 2003).
A partir de então, todos os cidadãos passam a ter direito a consultas, exames,
internações e tratamentos nas unidades de saúde vinculadas ao SUS, sejam públicas (da esfera
municipal, estadual ou federal) ou privadas (contratadas pelo gestor público de saúde), sendo
proibida cobrança em dinheiro sob qualquer pretexto (BRASIL, 2003).
Do ponto de vista filosófico, o SUS é um dos sistemas mais avançados do mundo e
tem como tripé de sustentação as diretrizes da descentralização, integralidade do atendimento
e participação da comunidade (BRASIL,1990).
Com a descentralização pretende-se tratar os usuários no local em que vivem, ou seja,
nos seus municípios, com o intuito evitar grandes deslocamentos, isso, levando em
consideração que o poder de decisão no setor de saúde, quando exercido por gestores que se
encontram perto da realidade local, pode contribuir para uma assistência mais efetiva.
Plano municipal de assistência farmacêutica
A assistência farmacêutica é parte integrante dos serviços e programas de saúde e
representa um conjunto de atividades inter-relacionadas, ou seja, representa um processo que
abrange adquirir, ministrar, conservar e controlar a qualidade, segurança e eficácia dos
medicamentos; a obtenção e divulgação de informações e a educação permanente da equipe
de saúde e dos pacientes, assegurando o uso racional dos medicamentos (BERMUDEZ, 1999;
MARIN, 2003).
Durante o processo de municipalização da assistência farmacêutica, os Municípios
assumiram o compromisso de estruturar esta área para desenvolver as atividades que lhe são
pertinentes. Trata-se de uma atividade multidisciplinar, porém sua coordenação deve estar sob
responsabilidade do profissional que tem a formação acadêmica compatível e a atribuição
legal para exercê-la: o profissional farmacêutico.
A formação do farmacêutico
A consolidação do Sistema Único de Saúde e, conseqüentemente, a integralidade e a
resolutividade das ações de saúde, tornam-se desafios importantes para a formação de
recursos humanos em saúde. O farmacêutico, com essa formação tecnicista, renuncia aos
múltiplos saberes, muitas vezes imaginando a saúde dividida em medicamentos, exames
laboratoriais e alimentos (IVAMA, 2005). Decorrente desse processo, corre-se o risco de
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formar profissionais isolados no contexto do SUS, sem o conhecimento mínimo de
funcionamento do sistema.
Para Zubioli,
A deformação do ensino farmacêutico não constitui fato isolado dos acontecimentos
na história da farmácia e do desenvolvimento científico e tecnológico da indústria de
medicamentos em nosso meio, mas representa um dos aspectos mais nefastos
conhecidos no mundo contemporâneo de subserviência total aos interesses do poder
econômico [...] O ensino farmacêutico nunca preocupou seriamente a alta
administração do país. O abandono por parte dos farmacêuticos das funções que lhe
são inerentes no âmbito da farmácia de dispensação não pode ser atribuído
exclusivamente ao ensino universitário, mas guarda estreita relação com as políticas
governamentais imprimidas à legislação sanitária desde o início deste século [...]
(ZUBIOLI, 1992. p. 89-90).
A reorientação do ensino farmacêutico no país vem se delineando desde a década de
1980 em virtude da mobilização dos estudantes para ser aprovado um novo perfil para o
profissional farmacêutico, com destaque para seu papel social. Para isso, os estudantes
reivindicaram a reforma do currículo mínimo implantado ainda em 1970, que privilegiava o
aspecto técnico da educação superior e ignorava a dimensão humanista e social dessa
educação (CARRILLO, 1999).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996, propôs a substituição dos currículos
pelas Diretrizes Curriculares dos Cursos, o que levou as instituições de ensino superior (IES)
a repensarem princípios e diretrizes que orientassem seus cursos. Em agosto de 2001, durante
o Fórum Nacional de Avaliação da Diretrizes Curriculares para os cursos de Farmácia, os
representantes das IES, dos estudantes e das entidades farmacêuticas aprovaram a proposta de
formação do “farmacêutico generalista” (SANTOS, 1999).
A resolução CNE/CES 2, de 2002, instituiu as diretrizes curriculares nacionais do
curso de farmácia, as quais definem um perfil multiprofissional e multidisciplinar, conforme
os preceitos do SUS. Espera-se que o profissional receba “formação generalista, humanista,
crítica e reflexiva”, tendo como atribuições principais a prevenção de doenças, a promoção, a
proteção e a recuperação da saúde humana (BRASIL, 2002).
A formação generalista representa uma mudança no que diz respeito ao conceito,
estrutura e filosofia da profissão farmacêutica, que enfatiza temas relacionados às questões
sociais e sanitárias, incluindo a prática da atenção farmacêutica, formando um profissional
com múltiplas habilidades. Porém, para exercer a profissão plenamente com base na nova
formação generalista, o farmacêutico terá de enfrentar o atual sistema, que inclui a delegação
de atividades burocráticas e de gerenciamento em detrimento de sua atuação junto ao
paciente.
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O papel educativo do farmacêutico
A educação é uma prática sujeita à organização de uma dada sociedade e deve ter
condições de criar um espaço de intervenção nessa realidade com o objetivo de modificá-la,
de transformá-la. Como um processo de diálogo, indagação, reflexão e ação partilhada, a
educação propõe tornar as pessoas capazes de pensar e de encontrar formas alternativas de
resolver seus problemas, entre os quais o de saúde-doença (GAZZINELLI, 2006).
A Unidade Básica de Saúde, mais precisamente, a farmácia ambulatorial, é um espaço
limitado, porém importante para o desenvolvimento de ações educativas. Por meio dela, o
farmacêutico, assim como outros profissionais de saúde, tem o compromisso de compartilhar
seu conhecimento técnico com a população, sem deixar de reconhecer a importância dos
conhecimentos populares.
O farmacêutico, na maioria das vezes, é o último profissional de saúde a ter contato
direto com o paciente depois da decisão do médico pela terapia medicamentosa. Dessa
maneira, torna-se co-responsável pela sua qualidade de vida (FERRAES, 2003).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cabe ao profissional farmacêutico
atuar em defesa da saúde do paciente, promover o uso racional dos produtos farmacêuticos,
bem como participar da promoção e educação sanitária, o que envolve, entre outros aspectos,
o processo educativo dos pacientes acerca dos riscos da automedicação, da interrupção e da
troca da medicação prescrita, da necessidade da receita médica, no que diz respeito à
dispensação de medicamentos tarjados, e a automedicação responsável.
Dessa forma, os serviços farmacêuticos de atenção primária na farmácia ambulatorial
podem contribuir para a diminuição do número de internações, a assistência aos pacientes
com doenças crônicas e a prática de educação em saúde (MARIN, 2003).
Dentro dessa lógica, o farmacêutico precisa assumir um papel educativo, comunicativo
e complementar ao serviço médico. O paciente que sai do consultório com uma receita terá
maior resolução de seus problemas se tiver acesso aos medicamentos prescritos e se essa
prescrição atender à racionalidade terapêutica. Também é necessário avaliar os fatores que
podem interferir em seu tratamento, como histórico de reações alérgicas, tabagismo, uso de
outros medicamentos, hábitos alimentares, entre outros. Esta avaliação, com a possibilidade
de intervenção visando à efetividade terapêutica, pode ser obtida com a implantação da
“atenção farmacêutica” (VIEIRA, 2007).
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A atenção farmacêutica como prática educativa
O conceito clássico de atenção farmacêutica como “a provisão responsável da
farmacoterapia com o objetivo de alcançar resultados definidos que melhorem a qualidade de
vida dos pacientes” foi publicado por Hepler e Strand em 1990 (HEPLER, 1990).
Posteriormente, outros conceitos de atenção farmacêutica surgiram no cenário mundial.
Entretanto, o conceito brasileiro destaca-se ao considerar a promoção da saúde,
incluindo a educação em saúde como componente da atenção farmacêutica, o que constitui
um diferencial marcante em relação às definições usadas em outros países. Assim é definida a
atenção farmacêutica:
A atenção farmacêutica é modelo de prática farmacêutica, desenvolvida no contexto
da assistência farmacêutica. Compreende atitudes, valores éticos, comportamentos,
habilidades, compromissos e co-responsabilidades na prevenção de doenças,
promoção e recuperação da saúde, de forma integrada à equipe de saúde. É a
interação direta do farmacêutico com o usuário, visando uma farmacoterapia
racional e a obtenção de resultados definidos e mensuráveis voltados para a melhoria
da qualidade de vida. Esta interação também deve envolver as concepções dos seus
sujeitos, respeitadas as suas especificidades bio-psico-sociais sob a ótica da
integralidade das ações de saúde (OPAS, 2002).
A atenção pode ser aplicada em vários momentos:
a) em nível de prevenção – formar grupos de pacientes para educação sanitária por
meio de palestras e uso de material educativo;
b) em nível ambulatorial/dispensação – identificar pacientes com patologias crônicas
para orientação e acompanhamento, visando à adesão ao tratamento instituído.
Educação em saúde e o uso racional de medicamentos
A educação em saúde constitui um conjunto de saberes e práticas orientados para a
prevenção de doenças e promoção da saúde. Trata-se de um recurso por meio do qual o
conhecimento cientificamente produzido no campo da saúde, intermediado pelos profissionais
de saúde, atinge a vida cotidiana das pessoas, uma vez que a compreensão dos condicionantes
do processo saúde-doença oferece subsídios para a adoção de novos hábitos e condutas de
saúde, possibilitando aos sujeitos envolvidos uma visão crítica, uma maior participação
responsável e autônoma em relação à saúde no dia-a-dia (GAZZINELLI, 2006).
A Organização Mundial da Saúde, segundo Levy, pontua que o foco da educação em
saúde está voltado para a população e para a ação. De uma forma geral, seus objetivos são
encorajar as pessoas a adotarem e manterem padrões de vida sadios; usarem de forma
cuidadosa os serviços de saúde colocados à sua disposição e tomarem suas próprias decisões,
1265
tanto individual como coletivamente, visando melhorar suas condições de saúde e as
condições do meio ambiente (LEVY et al, 2007).
Dentre os diversos espaços dos serviços de saúde, Vasconcelos (1999) destaca os de
atenção básica como um contexto privilegiado para o desenvolvimento de práticas educativas
em saúde, que se justifica pela proximidade com a população e a ênfase nas ações preventivas
e promocionais. No contexto do uso racional de medicamentos, a educação em saúde é um
processo que possibilita implantar ações capazes de ultrapassar os limites das informações
relativas a uma determinada prescrição.
Como contexto das práticas educativas, considera-se que estas tanto podem ser
formais e desenvolvidas nos espaços convencionais das unidades básicas de saúde, com a
realização de palestras e distribuição de cartilhas e folhetos, como também podem ser
informais, desenvolvidas nas ações de saúde cotidianas, como, por exemplo, durante a
dispensação de medicamentos para o paciente (L’ABBATE, 1990). A abrangência do
processo educativo permite a abordagem de inúmeros aspectos, dentre os quais
automedicação, bebidas alcoólicas, conservação, duplicação da dose, gravidez e lactação,
riscos para crianças, terceira idade, entre outros (MARIN, 2003).
Comunicação com o paciente
A comunicação é um dos instrumentos básicos da atenção farmacêutica e, também, o
processo que torna possível o relacionamento paciente-farmacêutico. É pela comunicação
estabelecida com o paciente que se pode compreendê-lo em seu todo, sua visão do mundo,
isto é, seu modo de pensar, sentir e agir. Só assim consegue-se identificar os problemas por
ele sentidos, com base no significado que atribui aos fatos que lhe ocorrem, e tentar ajudá-lo a
manter ou recuperar sua saúde (STEFANELLI, 1993).
Para Lyra Júnior, o diálogo facilita as relações entre o paciente e o farmacêutico e
permite uma troca de informações num processo simétrico, no qual o conhecimento científico
do farmacêutico não é mais importante que o conhecimento adquirido pelo paciente ao longo
de sua vivência, mas são complementares. A partir do momento em que o paciente se sente
respeitado e toma consciência da importância como agente responsável pela própria saúde,
passa a cuidar melhor de si, o que tem um efeito positivo direto sobre sua saúde (LYRA
JÚNIOR, 2005).
Freire afirma que “sem diálogo não há comunicação e sem esta não há verdadeira
educação” (FREIRE, 1987).
1266
Entrevista com o paciente
A entrevista pode ser considerada um dos atos mais importantes para a adequada
educação do paciente. Por meio dela, pode-se avaliar o grau de compreensão do paciente
sobre um determinado assunto; sua realização exige treinamento e, principalmente, habilidade
nas relações interpessoais. A entrevista pode ser dividida em cinco etapas: apresentação,
anamnese farmacológica, avaliação das informações, desenvolvimento da educação e
finalização (MARIN, 2003).
a) Apresentação
É importante que o local destinado à entrevista seja adequado, em condições de
oferecer privacidade. O farmacêutico, então, pode iniciar a entrevista apresentando-se
adequadamente, além de explicar o propósito da entrevista, estimar o tempo necessário e obter
o consentimento do paciente.
b) Anamnese farmacológica
Com o objetivo de determinar o conhecimento prévio, o grau de compreensão de seu
estado e do próprio processo de educação, o farmacêutico deve fazer com que o paciente narre
os fatos por meio de respostas a perguntas adequadamente estruturadas, que oportunizem ao
paciente refletir sobre o que sabe (perguntas que o fazem pensar) e/ou recordar-se de pontos
de que não se lembra ou que não considerou importante (por meio de perguntas abertas
direcionadas a um objetivo específico) (MARIN, 2003; OPAS, 2002).
Por meio desse processo, podem-se identificar as áreas nas quais o paciente necessita
de educação e aconselhamento. Como exemplo, uma pergunta que pode ser empregada para
saber se o paciente conhece a indicação e o nome do medicamento prescrito: “Para que o
médico disse que é este remédio?”. Caso o paciente não lembre, pode-se questionar: “Qual o
problema você acha que este remédio pode ajudar/resolver?” Se o paciente demonstrar
desconhecimento, deve-se anotar esse dado para posterior orientação.
Em seguida, o
farmacêutico pode verificar se o paciente possui conhecimentos suficientes para a
administração correta e racional do medicamento. Por último, proceder à revisão final: “Só
para ter certeza de que não esquecemos nada, por favor, repita como você deve tomar/usar seu
medicamento” (MARIN, 2003).
1267
c) Avaliação das informações
Depois dos questionamentos, o farmacêutico pode proceder a uma análise das
respostas e da expressão corporal do paciente – determinar o que ele sabe, o que ele não sabe,
como está sua qualidade de vida etc. Diante dessas avaliações, verificar quais são as
necessidades de educação do paciente. Como realizá-la, levando-se em consideração nível
cultural, a linguagem e seu estado emocional?
d) Desenvolvimento da educação
Todo ser humano possui um conhecimento próprio, que resulta de sua vivência, e
respeitar esse conhecimento é essencial para a aprendizagem. Nessa perspectiva, o processo
educativo se assenta, fundamentalmente, no ouvir. Uma das formas de educar é, portanto,
construir uma relação de ajuda firmada na confiança, num processo mútuo de conhecimento,
dando ao paciente a oportunidade de falar. Ouvir a outra pessoa significa compartilhar de sua
vida, aprender com a sua experiência. Somente na cumplicidade, no envolvimento sincero, o
processo educativo acontece (GAZZINELLI, 2003).
Freire afirma:
Não é falando ao outro de cima para baixo [...] como se fôssemos portadores da
verdade a ser transmitida aos demais que aprendemos a escutar, mas é escutando que
aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente o outro
fala com ele [...], mesmo que em certas condições precise falar a ele [...], fala com
ele como sujeito da escuta de sua fala crítica e não como objeto de seu discurso. O
educador que escuta aprende a difícil lição de transformar o seu discurso, às vezes
necessário, em uma fala com ele (FREIRE, 1996).
Para Freire, o educador é aquele que cria condições para desenvolver a consciência
crítica do outro, uma consciência crítica voltada para análise de problemas e que assume uma
posição questionadora, fundamentada no diálogo.
Diante disso, pode-se delinear um modelo emergente de educação em saúde, que pode
ser referido como modelo dialógico, por ser o diálogo seu instrumento essencial. O paciente é
reconhecido como sujeito possuidor de um saber que, embora diferente do saber técnicocientífico, é levado em consideração pelo profissional. Num modelo dialógico e participativo,
todos, profissionais e pacientes, atuam como iguais, ainda que com papéis diferenciados, ao
contrário do modelo tradicional, hegemônico, no qual os pacientes são tomados como
indivíduos carentes de informação em saúde, cujas estratégias desta prática educativa incluem
informações verticalizadas que ditam comportamentos a serem adotados para a manutenção
da saúde (CHIESA; VERÍSSIMO, 2003).
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O objetivo da educação dialógica não é o de informar para saúde, mas de transformar
saberes existentes. A prática educativa, nesta perspectiva, visa ao desenvolvimento da
autonomia e da responsabilidade dos indivíduos no cuidado com a saúde, porém não mais
pela imposição de um saber técnico-científico detido pelo profissional, mas, sim pelo
desenvolvimento da compreensão da situação de saúde (CHIESA; VERÍSSIMO, 2003).
e) Finalização da entrevista
A finalização da entrevista é o momento em que é selado o compromisso entre o
farmacêutico e o paciente de que existe um acordo de respeito e ajuda para o uso seguro e
racional de medicamentos.
Conclusões
Os problemas relacionados ao consumo de medicamentos apresentam-se geralmente
em virtude da falta de conhecimento, da informação incorreta, do esquecimento, do acesso
inadequado e desqualificado dos serviços de saúde e dos próprios medicamentos. Somam-se a
esses problemas uma possível prescrição indevida, a falta de comprometimento do paciente
com a terapia, a utilização excessiva, a substituição do medicamento sem orientação, a
duplicação terapêutica, as interações medicamentosas, a contra-indicação por doenças ou
alergias e o armazenamento incorreto.
Orientar o paciente e desenvolver ações educativas sobre medicamentos não são
atividades exclusivas do farmacêutico; ao contrário, devem estar relacionadas às atribuições
de todos os profissionais da equipe de saúde. No entanto, a própria natureza da formação do
farmacêutico, somada à função de dispensar medicamentos, dá a este profissional a
qualificação e a oportunidade ímpar de estar com o paciente antes que seja iniciado o seu
tratamento.
É certo que a revalorização profissional não se dá apenas com uma nova estrutura
curricular. É preciso definir para quem será voltado o modelo de assistência farmacêutica.
Tendo o SUS como o modelo de saúde a ser seguido, parece evidente que as políticas de
assistência farmacêutica e de medicamentos devem seguir as mesmas diretrizes, que são de
universalidade do acesso, integralidade das ações e controle social.
Como todo profissional de saúde, o farmacêutico é um educador em potencial, que
deve ter o paciente como o centro da atenção e levar em consideração sua visão de mundo,
pois todo paciente tem direito à sua individualidade. Com isso procura-se estabelecer um
1269
processo educativo que torne possível ao paciente tomar a decisão de aderir ao tratamento,
utilizando o medicamento de maneira correta, consciente e responsável.
Educar é mais do que apenas divulgar informações; precisa envolver processos que
contribuam para a mudança de atitudes e de conduta do paciente, permitindo-lhe enxergar sua
condição de enfermo e o medicamento sob novo olhar. O farmacêutico, para ser educador,
precisa ter consciência de si e de sua identidade profissional, estar envolvido na atividade
educativa por inteiro, sabendo ouvir para atender às necessidades do paciente e, assim, criar
condições para o estabelecimento de práticas educativas eficazes no que diz respeito ao uso de
medicamentos.
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