AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE: O QUE NÃO FOI PREVISTO. USO DE CONSULTAS TERAPÊUTICAS COLETIVAS NA ABORDAGEM DO SOFRIMENTO EMOCIONAL VIVIDO PELOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. Adriana Micelli-Baptista1 Tânia Maria José Aiello-Vaisberg2 Resumo Este trabalho relata uma experiência que ocorreu em função da necessidade de atendimento clínico ao grupo de agentes comunitários de saúde que fazem parte da Equipe de Saúde Família. A prática profissional diária do agente envolve questões que acarretam marcante sofrimento emocional. Entendemos que esse sofrimento emocional é passível de ser abordado a partir da proposição de um enquadre diferenciado, criado para o atendimento de equipes e grupos, denominado consultas terapêuticas coletivas. Os enquadres diferenciados caracterizam-se pela utilização de procedimentos mediadores, que possibilitam a presentificação de dificuldades e sofrimentos. Utilizamos o procedimento de Desenho-Estória com Tema como mediação facilitadora, buscando tornar maximamente perceptível o quanto as consultas terapêuticas possibilitam a expressão emocional e favorecem experiências mutativas. Palavras-chave consultas terapêuticas coletivas, procedimentos apresentativosexpressivos, Winnicott, agentes comunitários de saúde. AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE: O QUE FOI PREVISTO Em 1991, o Ministério da Saúde iniciou a implantação do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), hoje compreendido como estratégia transitória para o Programa Saúde da Família (PSF). A meta seria contribuir para a reorganização dos serviços municipais de saúde, para a integração das ações entre os diversos profissionais, para a ligação efetiva entre a comunidade e as unidades de saúde. 1 2 Mestre em Psicologia Clínica – Instituto de Psicologia – Universidade de São Paulo Profª Livre Docente – Instituto de Psicologia – Universidade de São Paulo 105 Cada município opta pela implantação do PACS bem como promove a seleção e treinamento dos agentes na comunidade. Todo o processo de implantação e de funcionamento do Programa conta com recursos, orientação e apoio dos três níveis de governo: municipal, estadual e federal. Faz parte dos princípios do Programa que o Agente Comunitário de Saúde (ACS) seja uma pessoa da própria comunidade. Entende-se, ainda, que deva estar “preparado” para orientar as famílias a cuidarem de sua própria saúde e também da saúde da comunidade. Trabalha na unidade de saúde mais próxima, integrando a equipe de saúde local. Foi previsto que o ACS deveria atender os moradores de cada casa em “todas” as questões relacionadas com a saúde: “identificando problemas”, orientando, encaminhando, e acompanhando a realização dos procedimentos necessários para a proteção, promoção e recuperação da saúde das pessoas daquela comunidade. Para ser ACS é preciso idade mínima de 18 anos, saber ler e escrever, residir na comunidade há pelo menos dois anos e dispor de tempo integral para exercer suas atividades. O ACS recebe pelo menos 1 salário mínimo, pago pelo município. Os recursos para efetuar o pagamento provêm em parte do Governo Federal, mas também do governo municipal. O Agente Comunitário de Saúde atende um máximo de 750 pessoas. Este número é flexível, podendo variar, dependendo das necessidades locais. Considera-se que o agente deva ter conhecimento a respeito do que está acontecendo com a saúde das famílias com as quais trabalha. Suas principais atribuições são: cadastramento das famílias e diagnóstico, mapeamento, identificação de microáreas de risco e realização de visitas domiciliares. A visita domiciliar é considerada como principal instrumento de trabalho do ACS. Todas as famílias de sua microárea devem ser visitadas, no mínimo, uma vez por mês, sendo que as gestantes e crianças são grupos prioritários que requerem atenção especial. É também parte das atribuições do agente desenvolver ações coletivas. Atua na comunidade promovendo reuniões e encontros com diferentes grupos - com gestantes, mães, pais, adolescentes, idosos, com grupos em situação de risco e com pessoas portadoras da mesma doença. Além das visitas domiciliares, o agente de saúde deve incentivar a participação das famílias na discussão do diagnóstico comunitário de saúde, no planejamento de ações e na definição de prioridades. 106 Além das ações específicas na área da saúde, o ACS deve ter atuação relevante em outras áreas, como, por exemplo, na Educação, identificando crianças em idade escolar que estão fora da escola para serem encaminhadas a rede de ensino público. Uma das grandes demandas é a procura por psicólogos para serem encaminhadas crianças ditas com dificuldades na escola ou problemas de desenvolvimento e de aprendizagem. Para realização de todas essas atividades, foi previsto que houvesse “acompanhamento, treinamento e orientação” que seriam realizados por um "enfermeiro supervisor" de sua área de atuação. Na primeira etapa deste treinamento, o agente recebe orientação para visitar todas as casas de sua microárea, cadastrando as famílias, segundo critérios demográficos, sócioeconômicos e culturais. Segundo os próprios agentes, muitos cadastramentos são realizados em diversos horários inclusive em finais de semana, o que posteriormente torna difícil para a população que necessita de atendimento a compreensão de que o agente também possui horários em que não está trabalhando. Em seguida, é treinado para acompanhar e orientar o grupo de mulheres e crianças - considerado prioritário para o atendimento à saúde para identificar e buscar prevenir situações de risco. Pouco a pouco, o leque de atuação vai sendo ampliado, de acordo com os problemas da comunidade: combate a endemias, assistência a idosos, saneamento básico, etc. Com o objetivo de apoiar a capacitação do ACS, a Coordenação de Saúde da Comunidade - COSAC disponibiliza, aos municípios, diversas publicações e a série de vídeos Agentes em Ação. Apesar disso, entendemos que a situação dos agentes representa uma questão bastante delicada e complexa na medida em que são destinados a realizar tarefas para as quais não receberam preparo suficiente e suporte adequado. A CONSULTA TERAPÊUTICA COLETIVA E O USO DO PROCEDIMENTO DE DESENHO-ESTÓRIA COM TEMA Nos locais onde existem unidades do Programa Saúde Família, existem médicos, auxiliares de enfermagem, enfermeiros e agentes comunitários de saúde. Uma equipe de referência em saúde mental, formada por um psiquiatra, três psicólogas3 e uma A psicóloga Adriana Micelli Baptista é uma das psicólogas dessa equipe. A equipe de referência em saúde mental foi formada como um dos recursos que corroboram para a 3 107 estagiária de psicologia, passou a visitar uma das unidades de PSF4 onde foi requisitada, através da gerência, uma atitude em relação às dificuldades dos agentes comunitários de saúde relacionadas a prática profissional. Embora a idéia de um agente comunitário de saúde pareça muito interessante teoricamente, ela não deixa de apresentar sérios problemas práticos. Assim, não é de surpreender que tenha surgido claramente uma demanda clínica por parte deste coletivo (Bleger, 1989). Quando se descreve o funcionamento das unidades de PSF costuma-se afirmar que o agente comunitário é um elemento fundamental. Entretanto, muitas vezes os próprios agentes referem que, na prática, muitas coisas ocorrem de modo distinto. Sua ação principal é a visita domiciliar e o contato com a comunidade. Para ser agente, não é necessário ter curso de graduação, nem profissionalizante. Um dos requisitos é ser um indivíduo da própria comunidade que deve ser preparado para algumas ações mediante um treinamento específico. Porém, alguns profissionais de saúde com larga experiência são capazes de perceber que apesar de aparentemente bem estruturada, a situação dos agentes é frágil e discutível. Assim, é comum que profissionais, em especial os gerentes5 das unidades de PSF, acabem fazendo demandas a profissionais de saúde mental, porque se defrontam com situações de alta complexidade. Tais situações não estão relacionadas unicamente com a falta de formação especializada, muito embora isto represente um problema marcante na área da saúde. Relataremos no momento uma experiência que surgiu a partir da demanda de um gerente de unidade de PSF, que percebia que algo deveria ser feito em relação a seus agentes de saúde para alem das capacitações, aulas ou cursos teóricos. Nesse sentido, o gerente pode ser entendido como porta-voz de uma demanda. O aparecimento desta demanda se constituiu numa oportunidade para a utilização das consultas terapêuticas organização da saúde mental do distrito de saúde. Dentro do distrito existem cerca de diversos locais de atendimento (unidades básicas de saúde, ambulatórios de especialidade e unidades de PSF). Nem todos esses locais possuem profissionais ligados à saúde mental. A equipe procura assessorar as unidades de PSF e algumas unidades básicas de saúde, procurando possibilitar a maior número de pacientes serem atendidos. Busca melhorar o fluxo de encaminhamentos entre as unidades e prestar assessoria às equipes de saúde. 4 Tal unidade de PSF é composta por 7 equipes. Cada equipe possui um médico, uma enfermeira, um auxiliar de enfermagem e 6 agentes de saúde. 5 Cada unidade de saúde de PSF possui um gerente. O gerente é um profissional de saúde (médico, dentista, psicólogo, enfermeira, etc) que passará a responder pela unidade junto ao Distrito de saúde da qual faz parte. 108 coletivas6 enquanto enquadre diferenciado para o atendimento dos agentes. Para tanto, temos como base os trabalhos realizados no Laboratório Ser e Fazer7. Foi então marcada uma reunião com os agentes8. A partir de trabalhos realizados no Laboratório Ser e Fazer consideramos que a abordagem clínica, sempre voltada à investigação e intervenção sobre singularidades, não se limita a cuidar da singularidade individual, podendo dedicar-se, muitas vezes, ao cuidado de coletivos humanos. Foi desde esta perspectiva que pensamos poder atender a demanda da gerente da unidade do PSF em questão, tomando seu grupo de agentes comunitários de saúde uma unidade, assim como proposto por Bleger9, e optar por uma intervenção em âmbito coletivo. O grupo foi então considerado como uma singularidade coletiva, ou ainda, como uma presença coletiva passível de receber atenção psicológica. Com isso visamos facilitar a superação das dissociações, possibilitando uma melhor integração pessoal, que permite a todos estarem mais presentes e mais capazes de lidar com seus sofrimentos e de criar/encontrar soluções criativas diante das questões de vida que se apresentam enquanto singulares e específicas do grupo de agentes comunitários de saúde. Ao entrarmos na sala onde os agentes estavam reunidos, deparamo-nos com um ambiente lotado, com cerca de 35 pessoas inicialmente, a maioria mulheres, que pareciam nos aguardar ansiosamente. Algumas pessoas foram chegando depois referindo dificuldades de horário. Sabíamos que trabalham no local cerca de 42 agentes, muito embora não tínhamos conhecimento de que todos haviam sido convocados para reunião. Apesar de todos serem convocados a participar, o fato da maioria participar da reunião, mantendo sempre uma postura colaborativa e interessada, evidencia não só grande motivação como também a O termo consulta terapêutica coletiva será melhor descrita adiante. O Laboratório Ser e Fazer do Instituto de Psicologia da USP, sob coordenação da Profa. Livre Docente Tânia Maria José Aiello-Vaisberg, tem desenvolvido inúmeras pesquisas na perspectiva de uma clínica do coletivo. O que pode ser verificado, por exemplo, em AielloVaisberg (1997 e 2002), Aiello-Vaisberg, Tardivo e Fonseca (2002) e Vitalli e Aiello-Vaisberg (2002). 8 Para a realização do atendimento Adriana Micelli Baptista contou com a presença de outra psicóloga e a estagiária da equipe de referência em saúde mental. 9 Para Bleger (1989) o âmbito psicossocial inclui um só indivíduo, que pode ser estudado em si mesmo. Em se tratando do âmbito sócio-dinâmico, pode ocorrer um estudo voltado para o grupo, tomado como unidade. Já, ao pensarmos no âmbito institucional, poderemos estudar a relação dos grupos entre si e as instituições que os regem. 6 7 109 situação sofrida em que se encontram essas pessoas e a existência de real demanda por um trabalho como o de realização das consultas terapêuticas coletivas. Partindo da proposta do Laboratório Ser e Fazer, que tem como base uma leitura do pensamento winnicottiano a partir da teoria de Bleger (1989), consideramos que toda e qualquer conduta do ser humano é sempre significativa, tem um sentido, fazendo parte do acontecer humano. Entendemos que pode ser perfeitamente possível a realização de um trabalho interventivo que vise a diminuição do sofrimento do grupo de agentes comunitários de saúde, recorrendo para tanto ao uso de um enquadre diferenciado de atendimento, denominado de consulta terapêuticas coletiva. Para Aiello-Vaisberg (2002) a consulta terapêutica coletiva é um trabalho clínico diferenciado que aborda o imaginário coletivo10 a partir do uso do método psicanalítico. Tal abordagem do imaginário social favorece a ocorrência de experiências potencialmente mutativas11. Pensamos ser bastante enriquecedora a aplicação dos conceitos de Winnicott12 na realização desse trabalho, pois o autor mostra de modo claro a importância do ser humano viver genuinamente suas experiências. Assim como Bleger, Winnicott procura abordar o acontecer humano levando sempre em conta as condições concretas de vida, não recorrendo a um modelo metapsicológico abstrato. Sua obra tem como interesse principal a dramática humana, trazendo-nos de volta para as questões humanas, pertencentes ao mundo humano. Isso pode ser observado ao longo de suas produções, inclusive quando A nosso ver ao abordarmos o imaginário coletivo estamos lidando preferencialmente com o acontecer humano em sua singularidade e não em sua individualidade. Ou seja, não estamos focando o âmbito psicossocial ou individual, mas sim o âmbito sócio-dinâmico ou coletivo, apontados por Bleger (1989). Podemos perceber que os profissionais do marketing, comercial ou político utilizam-se dessas noções com destreza. Sabe-se bem que existe a leitora da revista Nova e o leitor da Playboy (Alves, 1983), como existe o eleitor de um certo partido, ou o comprador de uma certa marca de automóvel. Tais grupos constituem seu próprio imaginário coletivo de modo bastante marcante por meio dos atos dos indivíduos. 11 Essas experiências podem ser pensadas em termos de momentos mutativos, que Segundo Safra (1995), equivalem a momentos decisivos de transformações vitais que podem mudar radicalmente o significado e a direção da história de uma vida, propiciando visão interior de grande importância e liberação de aspectos vitais até então soterrados, que são surpreendentes e imprevisíveis em suas conseqüências. No presente contexto, usamos a expressão mutativo de modo mais livre, não apenas relacionada ao contexto psicoterápico. É importante salientarmos que estamos considerando como mutativas as experiências que, envolvendo singularidades coletivas, resultam em verdadeiras transformações da vida social. 12 Remetemos o leitor à obra de D. W. Winnicott com especial recomendação para “O Brincar & a Realidade”, 1975 Imago Editora, que dá uma ampla visão do seu trabalho. 10 110 apresenta seus atendimentos13. Assim, ao utilizarmos os conceitos de Winnicott e Bleger, consideramos que a conduta está relacionada às relações interpessoais, à coexistência. Com isso entendemos que cada pessoa deve sempre ser considerada dentro de suas condições concretas de vida, do mundo no qual vive, levando-se em conta aspectos culturais, sociais, históricos e biológicos. De volta ao encontro com os agentes, todos eles, como já mencionado, mostravam-se participativos e colaborativos. Em nenhum momento foi proposto o que deveria ser discutido. Alguns comentários apontavam o quanto não era desejado um curso, onde fosse abordado aspectos e técnicas que poderiam aprender. De fato, aguardavam algo diferente, um tipo de atenção específica das psicólogas. Desse modo, receberam o convite de realizar o desenho e a estória de um agente com extrema facilidade, apesar de ser uma atividade completamente diferente de tudo aquilo que realizam. Nos desenhos e nas estórias buscaram descrever as atividades realizadas. Existe um conflito entre as idéias previstas para o PSF, de que o agente tem o papel fundamental na equipe, e os sentimentos gerados na realidade do cotidiano de trabalho, marcados pela falta de apoio, preparo e retorno ao agente por parte da instituição. Assim, há um discurso dissociado calcado nesse ideal de que o agente comunitário “é um anjo” que leva “luz”, “alegria” e “palavras de conforto” à população carente. Por outro lado muitos indicavam o quanto é difícil e angustiante ser agente de saúde nas atuais condições. Como propósito de trabalho, buscamos a integração de aspectos dissociados do ser do indivíduo ou do coletivo. Com isso procurou-se permitir que cada participante pudesse se surpreender consigo mesmo. Essa surpresa pode ocorrer, por exemplo, em relação a constatação de suas próprias dificuldades, ao sentido que podem atribuir a essas dificuldades, à formas novas e criativas de lidar com elas ou mesmo de recontextualizálas. Uma dificuldade pode ser recontextualizada, por exemplo, quando se deixa de encará-la como problema de incompetência pessoal, passando-se a relacioná-la à questões organizacionais. Tal propósito, como afirmam Vitalli e Aiello-Vaisberg (2002), é bastante diferente da busca pela revelação de um inconsciente concebido à priori, considerado como causador de determinada conduta, reificando fenômenos mentais. Assim, não procuramos Recomendamos ao leitor interessado as Consultas terapêuticas em psiquiatria infantil de Winnicott. 13 111 realizar o que Bleger (1989) chama de processo de abstração, onde o indivíduo é eliminado e o fato psicológico é tomando em si mesmo. Consideramos que a experiência de Vitalli e Aiello-Vaisberg (2002), relativa ao uso de consultas terapêuticas coletivas na abordagem do sofrimento emocional vivido por profissionais de saúde em ambulatórios de cuidados paliativos, pode ser proveitosamente utilizada no contexto dos agentes de saúde. No contato com as equipes dos ambulatórios de cuidados paliativos, percebeu-se a existência de um discurso teórico de se manter o paciente em casa, poder dar-lhe conforto, fazendo-se presente. No momento da experiência real, isto é, frente ao paciente, esse discurso revela-se improdutivo. O que ocorre é que a equipe vive uma situação emocional de extremo sofrimento que quase a imobiliza. O discurso que fazia todo o sentido no plano teórico, cognitivo, torna-se, na prática, ineficaz. Partindo dessa observação enfatizamos que o fenômeno central em questão é dissociação, que, a nosso ver, representa a questão fundamental da clínica winnicottiana. Do mesmo modo, ao entrar em contato com o grupo de agentes, deparamo-nos, como já mencionado, com um discurso teórico, onde está presente uma prática de trabalho ideal, marcada pela benevolência, onde o agente é quem educa, informa, ajuda e apóia as pessoas da comunidade. Assim como pode ser verificado em vários desenhos e histórias, o agente é quem acompanha as gestantes, os diabéticos e hipertensos. Fazendo isso, o agente é quem sustenta toda a estrutura do PSF, embora não receba o apoio adequado da instituição. Assim, como no grupo de profissionais de saúde em ambulatórios de cuidados paliativos, consideramos também que os agentes buscavam a diminuição do sofrimento emocional gerado pelo trabalho. Do mesmo modo, para alcançar os resultados esperados precisaríamos permitir a comunicação emocional que, sustentada, poderia favorecer a experiência de surpresa (Winnicott, 1984) e superação de dissociações do coletivo. Para tanto, recorrermos as consultas terapêuticas14 coletivas para o atendimento de equipes e grupos. Tais consultas são No contexto do pensamento de Winnicott, pensa-se habitualmente em consulta terapêutica como enquadre adequado ao atendimento de crianças. Entretanto, temos usado o paradigma das consultas e do jogo do rabisco de forma livre, praticando consultas terapêuticas coletivas (2002) ou mesmo consultoria terapêutica (Granato, Aiello-Vaisberg, 2002) no atendimento continuado de grupos e coletivos. Há também que lembrar que 14 112 caracterizadas pela disponibilização de procedimentos mediadores, que permitem a presentificação do sofrimento. Para sua realização nos inspiramos no jogo do rabisco15 descrito por Winnicott (1984). Ao nos apresentar, convidamos o grupo de agentes a "realizar uma atividade diferente". Comentamos que essa atividade serviria para nos ajudar em nossa conversa. A atividade proposta consistia, num primeiro tempo, na realização do desenho de um agente comunitário de saúde. Num segundo momento, deveriam virar a folha e escrever em seu verso uma história sobre a figura desenhada. Não lhes foi solicitada identificação individual da produção, já que a intervenção visava o grupo como singularidade coletiva. À primeira vista, poderíamos identificar este setting como aquele de aplicação coletiva de um teste psicológico. Isto, entretanto, seria um grande equívoco, na medida em que o mais importante não é o que acontece no registro comportamental, mas sim o paradigma utilizado. Numa clínica positivista, adotase um esquema objetivante, onde existe um sujeito observador e um objeto a ser observado. Pensamos ser importante ressaltar que a situação de “aplicação” do procedimento não é tida somente como recurso para se colher dados que posteriormente serão analisados para que então se possa fazer um diagnóstico e propor uma intervenção psicológica futura. Numa clínica inter-humana não existe um diagnóstico e depois uma entrevista devolutiva, feita por um sujeito que contará a um objeto o que foi observado a seu respeito. Existe, por outro lado, o uso de uma mediação para facilitar um acontecer clínico durante o qual há expressão emocional e possibilidade de surpresa e superação da dissociação. Desse modo, concordamos com Bleger (1984) quando critica incisivamente o diagnóstico a partir de uma perspectiva avaliativa, considerando este uma prática reducionista e objetivante, que tem como pressuposto a idéia de que o assim chamado sujeito é inerte. Para Bleger, mesmo quando o psicólogo está procedendo a uma avaliação psicológica positivista, está mesmo as oficinas psicoterapêuticas de criação, da Ser e Fazer, inspiram-se no paradigma das consultas terapêuticas winnicottianas. 15O Jogo do Rabisco foi criado por Winnicott para ser utilizado nas consultas terapêuticas realizadas com crianças (1984). Através deste procedimento Winnicott se permitia ser apresentado à criança por ela mesma. Tratava-se de uma atividade onde Winnicott fazia um rabisco e pedia para que a criança o completasse formando algo. Em seguida ele mesmo completaria o rabisco da criança, e assim por diante. Segundo Winnicott, gradualmente a significância destes desenhos conjuntos torna-se cada vez mais profunda e é sentida pela criança como fazendo parte de uma comunicação de importância. 113 inevitavelmente diante de uma situação de encontro interhumano. No encontro com os agentes, quando foi realizado o procedimento mediador de desenho-estória com tema, criou-se a possibilidade de um acontecer clínico em que foi estabelecida uma situação favorável à experiência emocional. Desse modo tornou-se possível a elaboração do sofrimento emocional que o tema pode ter despertado, assim como afirma Aiello-Vaisberg (2000). Simultaneamente, esperamos que esse enquadre viesse a proporcionar compreensão acerca da condição existencial do grupo para o próprio grupo. Tal compreensão não é meramente cognitiva e se torna importante na medida em que o grupo passa a se apropriar dela. Para a realização do encontro com o grupo de agentes comunitários de saúde referido, buscamos inspiração16 em Winnicott (1975), pensando a psicoterapia como uma sobreposição de duas áreas do brincar, a do paciente e a do terapeuta. Consideramos que o uso de um procedimento lúdico, como facilitador da expressão emocional, aumenta a possibilidade de transformação do posicionamento existencial diante do sofrimento. Para tanto, pensamos na apresentação do procedimento como uma forma sofisticada de brincar, que pode ser entendida também como uma forma especial de diálogo (Aiello-Vaisberg, 1997). Assim como Aiello-Vaisberg, Corrêa e Ambrósio (2000), compreendemos que um diálogo lúdico possibilita o encontro inter-humano. A partir do encontro interhumano, a experiência de atribuição partilhada de novos sentidos ao material aí produzido pode liberar novas formas de agir e de pensar. Assim, para além de qualquer tipo de postura interpretativa, colocamo-nos enquanto presença, a fim de permitir que a comunicação verdadeira se estabelecesse, sem que fosse restrita à elaboração meramente intelectualizada. Desse modo foi favorecida a aproximação da experiência de sofrimento de modo paulatino e suportável e o contato do indivíduo consigo próprio, permitindo um enfrentamento emocional autônomo, criativo e construtivo das questões ligadas à ao trabalho do agente. Ainda que o indivíduo se manifeste como pessoa inteira que é O Laboratório Ser e Fazer tem desenvolvido inúmeras pesquisas inspiradas na obra de Winnicott. Apesar de em sua obra não encontramos referência a uma clínica do coletivo, o modo como o autor apresenta seu pensamento sobre o ser humano a permiti esta inspiração. 16 114 potencialmente, limitamo-nos a lidar com aspectos pertinentes17 à sua experiência enquanto membro do grupo de agentes. Um dos agentes sugeriu que poderiam passar os desenhosestórias “de mão em mão” para serem vistos por todos os presentes. Examinaram detidamente as produções durante um bom tempo, demonstrando muito interesse, visivelmente concentrados e envolvidos, mas tranqüilos e descontraídos. Iniciou-se uma longa conversa que girou em torno de suas atividades enquanto agentes comunitários de saúde, seus sentimentos relacionados, opiniões, dúvidas, dificuldades, receios, as questões ligadas ao fato de residirem na comunidade local, o relacionamento com a vizinhança e com os profissionais do posto, o trabalho em equipe e a política de saúde do PSF. Podemos dizer que o assunto abordou aquilo que Politzer (1928) chama apropriadamente de dramática da vida como agende comunitário de saúde. Inicialmente foram dados inúmeros exemplos de situações onde a população destratava e desrespeitava os agentes. Mencionaram que constantemente era dito por usuários da comunidade que “o dinheiro gasto com os agentes é um dinheiro gasto à toa”. Foi comentado: “essas mesmas pessoas que dizem que preferem que o dinheiro delas sirva para abastecer o posto com medicação e não para gasta-lo à toa com salários dos agentes, são as que vêem aqui a toda hora perguntar se já reabriu vaga para ser agente comunitário de saúde!”. Segundo eles, um aspecto que está relacionado ao fato do agente fazer parte da comunidade local, é a grande inveja que alguns sentem diante de sua condição de concursados e acima de tudo assalariados. Foi dito então: “Os que mais gostariam de estar nessa condição são os que mais desprezam nosso trabalho”. Pensamos assim que o profissional graduado pode ser visto como realidade distante e infelizmente até inacessível para grande parte da população. Já, a proximidade, que existe em relação ao agente, faz com que muitos almejem estar em seu lugar. Sem que fossem interrompidos, passaram a criticar a “equipe”, leia-se o médico e às vezes a enfermeira, dizendo que eles também desconsideravam os agentes e seu trabalho. “A pessoa quer que eu marque a consulta para quando ela deseja, sem ouvir quando explico que tem que ser num outro horário ou Inspiramo-nos aqui no dizer de Bohoslavsky (1976), segundo o qual a compreensão deve ser sempre a mais abrangente, enquanto toda intervenção deve ser pertinente ao enquadre de trabalho. 17 115 dia. Aí, ela passa por cima de mim, vai até a sala do médico, e ele a chama para entrar e ser atendida. Claro que quando ela sai, acaba dizendo que meu trabalho de agente só atrapalha mesmo!”. Disseram que quanto mais integrada for a equipe, mais facilitado pode ser o trabalho do agente. De fato, muitos pareciam sentir-se muito desamparados em sua prática profissional. Uma agente disse em tom irritado: “Participar das discussões marcadas ninguém quer, mas ser atendido por nós no sábado, domingo e feriados, todo mundo exige!”. Outro adicionou: “Temos que ser os ‘anjos da guarda’ deles, sem ter férias nem direito a descanso!”. “Desse jeito não dá! Somos nós é que estamos precisando de psicóloga!”. Além das queixas em relação às atitudes da população e dos profissionais, passaram a falar dos demais funcionários da excessiva carga de fichas e relatórios que, enquanto agentes, têm que preencher. Foi então dito: “É muita papelada administrativa! Muitas fichas! Não dá tempo de fazer todas as visitas diárias e preencher aqui! Temos que levar tudo para fazer em casa, apesar de ser proibido!”. Diante disso pensamos nessa situação de “fazer algo proibido” e passar a ser um transgressor. Em algumas instituições o esperado e aceito é que as pessoas façam aquilo que é acordo oficioso e não oficial, o que alimenta um sistema bastante prejudicial. Ao invés da instituição propor que aquilo que é oficial seja possível, acessível, viável e respeite as condições da maioria das pessoas, algumas coisas são oficiosamente combinadas. Segue-se o esquema “todo mundo sabe, mas ninguém comenta”, o que faz com que as pessoas se tornem transgressoras em relação à instituição. Gradativamente a discussão deixou de contemplar as queixas e críticas relativas à população e à “equipe” e passou a recair sobre a conduta dos próprios agentes. Inicialmente comentaram o clima de animosidade entre alguns deles e então passaram a criticar suas atitudes como um todo. Esse foi um movimento espontâneo e verdadeiro do grupo sem que houvesse qualquer sugestão das psicólogas a respeito de temas a serem abordados. Pareceu-nos que havia uma boa vontade em melhorar a pratica diária do agente não só pelo fato da participação intensiva de todos eles em nosso encontro, mas também ligada à essa atitude de procurar não só reclamar dos outros, mas de si mesmo, afim de desencadear um movimento bastante construtivo. 116 Foi apontado pelos próprios agentes que era necessário colocar os próprios limites para a população e para si mesmos. Alguém disse: “É difícil dizer não para sua vizinha e saber que ela vai ficar para sempre falando mal de você”. Consideramos que esse é mais um problema ligado a essa questão do agente ter que morar na região em que trabalha. Imaginamos então que foram previstas muitas das as vantagens relativas a essa questão, mas não as dificuldades que haviam sido mencionadas em nosso encontro, como por exemplo, a inveja, ou mesmo o problema que é dizer não para os próprios vizinhos, sofrendo com isso a ameaça de tornar hostil o próprio lugar onde se reside. Consideramos que esta questão da “inveja” mostra que, para além da pretendida "proximidade" entre a população e o agente, dada pela sua condição de leigo e de morador da mesma região, existem questões bem mais complexas, que certamente afetam a qualidade do trabalho. Diante dessas colocações que ocorreram no momento do encontro, pareceu-nos ainda mais clara a importância de possibilitarmos ao grupo se expressar emocionalmente. Dificilmente um questionário que procurasse abordar quais as dificuldades do trabalho do agente de saúde, receberia como resposta, por exemplo, a questão mencionada pelos agentes a respeito da inveja dos próprios moradores da região. Basicamente o trabalho consistiu na sustentação da experiência emocional, possibilitando ao grupo falar das questões relevantes e formular hipóteses. Entende-se assim que os procedimentos apresentativoexpressivos18 podem ser vistos como prática dialógica, no contexto de encontros inter-humanos através dos quais se visa possibilitar a superação de dissociações. Estes procedimentos são fundamentais para a realização das consultas terapêuticas coletivas. Como procedimento, nessa ocasião, escolhemos utilizar o Desenho-Estória com Tema como mediação. Um fato curioso que merece ser comentado é que nosso encontro, apesar de mais tenso em alguns momentos, parecia ser um grande acontecimento para eles, sempre muito interessante e passível de trazer momentos nos quais os próprios agentes pareciam se surpreender com o que ocorria. Em meio aos acontecimentos, uma agente apareceu com uma máquina Segundo Aiello-Vaisberg, Corrêa e Ambrosio (2000) a expressão ”procedimentos projetivos” pode ser substituída por “procedimentos apresentativos-expressivos”, deixando de apelar para a idéia de projeção para enfatizar o encontro intersubjetivo no qual pode acontecer um “diálogo” que é iniciado exatamente na apresentação do objeto. 18 117 fotográfica em mãos, tirando fotos de nós psicólogas junto a seus colegas agentes, enquanto conversávamos. Esse fato fez ainda mais visível o interesse do grupo, remetendo-nos a Winnicott (1984), ao falar sobre o jogo do rabisco. Winnicott afirma que a atividade torna-se específica e muito interessante, pois o paciente começa a sentir que a compreensão pode talvez ser acessível e que a comunicação a um nível profundo pode se tornar possível. O presente trabalho, como aqueles anteriores conduzidos pelo Laboratório Ser e Fazer, mostra ser possível permitir ao grupo o acesso ao imaginário coletivo de maneira facilitada, favorecendo a ocorrência de mudanças efetivas. A questão das dificuldades que os agentes vêem enfrentando tem sido comentada por profissionais, principalmente psicólogos, de diversos distritos de saúde. Os projetos de cursos de capacitação são freqüentes. Porém entendemos que as dificuldades não ocorrem somente por falta de técnica ou informação. Consideramos assim que o uso de um enquadre diferenciado de atendimento como as consultas terapêuticas coletivas, mostra-se como uma alternativa promissora. HEALTH COMMUNITY AGENTS: WHAT WAS NOT PREDICTED. USE OF GROUP THERAPEUTIC CONSULTATIONS IN THE APPROACH OF THE EMOTIONAL SUFFERING EXPERIENCED BY THE HEALTH COMMUNITY AGENTS. Abstract The present study reports an experience occurred due to the need of clinical consultation to the group of health community agents that are part of the Family Health Team. The agent’s daily professional practice involves questions that lead to considerable emotional suffering. We assume that this emotional suffering can be discussed over a proposition of a differentiated approach, created to the teams and groups, denominated group therapeutic consultations. The differentiated approaches are characterized by the use of mediating procedures that make possible the expression of difficulties and sufferings. We use the Story-Drawing with Theme as a facilitating mediation, trying to make the most visible the emotional expression and the mutative experiences that occur at the therapeutic consultations. 118 Keywords group therapeutic consultations, expressive-presentative procedures, Winnicott, health community agents. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AIELLO-VAISBERG, T.M.J. 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