ESTE SUPLEMENTO FAZ PARTE INTEGRANTE DO DIÁRIO ECONÓMICO Nº 5851 DE 29 DE JANEIRO DE 2014 E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE X Conferência INDÚSTRIA FARMACÊUTICA João Lobo Antunes, ‘chairman’ da conferência, presidirá à sessão de abertura pelas 9 horas. Políticas de saúde e ciência em destaque na conferência da indústria Oradores internacionais falaram ao Diário Económico sobre os temas das suas apresentações. TEXTOS DE IRINA MARCELINO [email protected] A Conferência Indústria Farmacêutica, uma parceria entre o Diário Económico e a MSD que já vai na décima edição, realiza-se hoje no Hotel Ritz Four Seasons em Lisboa. Este ano, o tema principal em debate é “Saúde e Ciência em Tempo de Crise”. Os convidados internacionais são Peter Carmel, ex-presidente da American Medical Association (AMA) e Ilona Kickbusch, reputada especialista em saúde pública que também faz parte da Plataforma para a Saúde, iniciativa da Fundação Gulbenkian que tem como objectivo o levantamento dos problemas do Serviço Nacional de Saúde português, assim como a apresentação de propostas no sentido da sua sustentabilidade. João Lobo Antunes, ‘chairman’ da conferência desde há vários anos, explica as razões por detrás dos convites. Sobre Peter Carmel, que fará uma apresentação sobre os cuidados de saúde A ciência em saúde no futuro João Lobo Antunes considera que a agenda da investigação em saúde actual “é cada vez mais pragmática”. Para o médico e investigador, as doenças cérebro-cardio-vasculares, o cancro, a diabetes, as doenças infecciosas entre as quais particularmente a SIDA e a malária são áreas prioritárias. A estas doenças acrescenta-se as que são causa de morbilidade e mortalidade na velhice. “Para mim a saúde dos idosos é o grande desafio deste século”. em tempos de crise, dando uma perspectiva do que se passa nos Estados Unidos (ver entrevista na página 6), João Lobo Antunes, que também comentará esta apresentação, explica que “pensámos que seria interessante conhecer mais de perto o que se está a passar nos Estados Unidos com a reforma do sistema de saúde que o presidente Obama está a promover”, refere. IIona Kickbush, que além das funções que desempenha como Directora do Global Health Programme no Graduate Institute of International and Development Studies em Genebra, Suíça, é comissária da Plataforma para a Saúde, uma iniciativa da Fundação Gulbenkian (ver entrevista na página 7 deste suplemento), falará sobre Saúde em todas as políticas, “uma visão moderna de que como é crucial valorizar a saúde das populações em todos os sectores da vida pública”, comenta a propósito João Lobo Antunes. Boris Azais, director da Public Policy da farmacêutica MSD para a Europa e o Canadá, apresentará a visão da indústria sobre os modelos de I&D, o financiamento que exigem e como a crise os pode afectar. Como é hábito, estas conferências serão comentadas por personalidades nacionais. É o caso de João Almeida Lopes, presidente da APIFARMA (Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica), que comentará a intervenção de Boris Azais e José Pereira Miguel, presidente do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, que fará os comentários à intervenção de Ilona Kickbusch. A sessão de abertura conta com a presença do ministro da Saúde, Paulo Macedo. Nesta sessão participam também João Lobo Antunes, ‘chairman’ da conferência, Leonardo Santarelli, director-geral da MSD e António Costa, director do Diário Económico. ■ Paulo Alexandre Coelho Saúde e Ciência em Tempo de Crise II Diário Económico Quarta-feira 29 Janeiro 2014 X C O N F E R Ê N C I A : I N D Ú S T R I A FA R M A C Ê U T I C A S A Ú D E E C I Ê N C I A E M T E M P O D E C R I S E Corte no preço dos medicamentos afecta investigação Desafios Empresas estão a parar, a diminuir ou a redireccionar os seus programas de investigação. ções em termos da competitividade futura do sector”. Sobre o investimento em investigação clínica feito por multinacionais, Luís Portela refere que também tem diminuído,“o que tem implicado um acentuado volume de desemprego (muito qualificado) nesta área”, assim como a redução de receitas das unidades de saúde nacionais “em ensaios clínicos”. O presidente do Health Cluster afirma que a situação actual é “bastante constrangedora”e que se está a por em causa o grande potencial de desenvolvimento do sector da saúde. “Este quadro restritivo está a limitar consideravelmente a capacidade de valorização” de um conhecimento “que levou muitos anos e importantes recursos a construir”. Corte nos preços limita investimentos O corte no preço dos medicamentos é uma das razões que tem levado as farmacêuticas a cortarem nos investimentos em investigação ou, pelo menos, a serem mais pragmáticas no tipo de investimento que fazem. O caso da MSD é disso exemplo. Leonardo Santarelli, director geral da multinacional em Portugal, reconhece que a evidência científica vai deixar de ser analisada tendo apenas como pressupostos apenas a qualidade, eficácia e segurança. “A inovação farmacêutica tem por base a interacção entre a pesquisa científica e as necessidades em saúde. Mas isso não é suficiente, novos medicamentos só são desenvolvidos se o mercado e o ambiente jurídico e regulamentar assim o permitirem”, considera. Para o responsável, questões como direitos de propriedade intelectual e “acesso rápido ao mercado” são necessários para a sustentabilidade da I&D “que se traduz na introdução no mercado de medicamentos inovadores que têm impacto na vida dos doentes”. E conclui: “a investigação e o desenvolvimento de novos medicamentos requerem um longo esforço, com grande investimento e risco elevado, por isso a estabilidade das regras de mercado e do acesso à inovação é fundamental para sustentar estas decisões”. José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos, considera que “no caso dos cortes dos preços dos medicamentos, que são positivos para os doentes e também para o Sistema Nacional de Saúde”, propõe que se “canalize” parte da poupança para a investigação. ■ Perspectiva Jasper Juinen/Bloomberg O tema da investigação científica tem estado na ordem do dia em todos os jornais, rádios e televisões nas últimas semanas. Tudo começou com o corte nas bolsas de investigação. O debate tem provocado um verdadeiro pingue pongue de acusações entre as partes: quem recebe e quem atribui bolsas. Mas o tema não fica por aqui. As questões do financiamento e da própria investigação em saúde feita por empresas e universidades são temas sensíveis que mereceram o comentário de vários especialistas contactados pelo Diário Económico. Ilona Kickbusch, uma das oradoras internacionais, referiu este tema como um dos desafios que a investigação em saúde enfrenta a nível internacional. “São necessários diferentes mecanismos de financiamento ao sector privado no sentido de se encontrarem novas soluções para a saúde”. Também sobre o financiamento, João Lobo Antunes destaca a sua articulação com a indústria. “A realidade portuguesa é ainda muito frágil, e eu diria que há, neste capítulo, um desperdício de talentos”. Isto porque “a investigação que decorre nas universidades e em instituições de investigação não poderá absorver todos os doutorados que se formam e, por outro lado, eles fazem falta nas empresas e serão motor fundamental da inovação”. Para o ‘chairman’ da conferência Indústria Farmacêutica, Portugal não se deve limitar “a ser um mero utilizador da investigação e inovação alheias”, já que existe uma “massa crítica muito importante de investigadores qualificados, e algumas empresas e “start ups” que emergiram de institutos de investigação, que começam a ser internacionalmente competitivos”. No que respeita à investigação feita pelas farmacêuticas, a associação que representa as empresas deste sector, APIFARMA, diz que os cortes frequentes no preço dos medicamentos têm afectado “directamente” e de forma negativa “a sua capacidade de investimento em investigação em Portugal”, afirmou ao Diário Económico João Almeida Lopes, presidente. Luís Portela, presidente do Health Cluster Portugal, tem a mesma opinião. E acrescenta que algumas empresas portuguesas terão mesmo parado ou diminuído “fortemente” os seus investimentos nesta área. Para o responsável, tal poderá gerar grandes “preocupa- Ilona Kickbusch, especialista em saúde pública, defende que um dos desafios para a investigação é investir numa nova geração de antibióticos, já que a resistência antimicrobriana se tornou preocupante a nível global. António Vaz Carneiro, director da Director do Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina não concorda quando se diz que a investigação deve estar ao serviço da economia.”Há muitas investigações que só muito mais tarde se descobre que têm aplicabilidade na prática. A perspectiva utilitária da investigação é muito perigosa”. Ensaios clínicos em Medidas de austeridade e comissão de ética são Um estudo sobre ensaios clínicos em Portugal, apresentado em Junho e realizado pela PricewaterhouseCoopers a pedido da APIFARMA, concluiu que por cada euro investido em ensaios clínicos há um retorno total de 1,98 euros para a economia nacional. Mas esse retorno não está a ser aproveitado. “Se os nossos clientes estivessem em Portugal, em vez de estarem nos Estados Unidos, Europa e Japão, a nossa empresa não sobreviveria”, diz Peter Villax, responsável pela Inovação da Hovione, que fabrica anualmente produtos para 50 ensaios clínicos de fase I, II e III. Para o responsável, o principal entrave à investigação clínica em Portugal é a intervenção da Comissão de Ética para a Investigação Clínica (CEIC). E explica: “com o objectivo louvável de proteger a saúde e segurança dos pacientes, a CEIC tem preferido errar tanto do lado da prudência que hoje praticamente não há ensaios clínicos em Portugal”. “É necessário um equilíbrio entre a vontade de proteger os pacientes e a necessidade de descobrir, testar e desenvolver novos tratamentos inovadores”, defende. José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos, disse a propósito do tema dos ensaios que “houve uma fase em que o país dificultou ensaios clínicos, atrasando decisões e levando os ensaios para fora do Quarta-feira 29 Janeiro 2014 Diário Económico III 2 P E R G U N TA S A LEONOR PARREIRA SECRETÁRIA DE ESTADO DA CIÊNCIA Um sector de grande potencial Portugal exporta mais produtos e conhecimento de Saúde do que vinho. As empresas e outras entidades portuguesas continuam a fazer investigação na área da saúde? As Ciências Biomédicas e da Saúde representam uma aposta importante do ponto de vista nacional. Sabemos hoje que Portugal já exporta mais produtos e conhecimento na área da saúde do que vinho ou cortiça. É um sector de “264 empresas grande potencial, tanto do ponto têm actividades de vista de conhecimento gerado de I&D na área (as Ciências da Vida e Saúde são a das Ciências área com maior crescimento em Biomédicas e publicações científicas nos últi- Saúde, investindo mos anos) como em recursos hu- 10% do total manos muito qualificados e com- do investimento petitivos. Em particular, os in- empresarial em vestigadores em ciências biomé- I&D em Portugal”. dicas básicas foram, até à data, os que obtiveram o maior número de projetos do European Research Council para Portugal. Os dados do IPCTN 2011 indicam que do total de empresas com I&D em Portugal, aproximadamente 11% (264 empresas) têm actividades de I&D na área das Ciências Biomédicas e Saúde, investindo aproximadamente 10% do total de investimento empresarial em I&D em Portugal. Não há um desinvestimento em I&D empresarial neste sector (aumento de 25% entre 2009 e 2011), no entanto, a despesa nacional em I&D em percentagem do PIB tem vindo a diminuir, com particular ênfase nas empresas, o que poderá afectar este sector. dificuldades os principais entraves aos ensaios feitos em Portugal. país”. Mas recorda que “há uma proposta de lei que quer facilitar sem facilitismos a realização, por exemplo, de ensaios clínicos”. João Almeida Lopes, presidente da APIFARMA, considera que as repercussões negativas que as medidas de austeridade têm tido no funcionamento dos hospitais “tornam ainda mais difícil a sua capacidade de concretizar este tipo de investigação, com prejuízo para o acesso dos doentes portugueses a novos medicamentos, para os profissionais e para as próprias instituições de saúde nacionais”. Em 2012, recorda, o investimento realizado pelas empresas farmacêuticas em ensaios clínicos em Portugal foi de 36 milhões de euros, “que contribuíram adicionalmente para uma poupança da despesa pública em medicamentos e meios complementares de diagnóstico no valor de 3,5 milhões de euros”, refere João Almeida Lopes. “O número de ensaios clínicos submetidos em Portugal caiu 26% entre 2006 e 2012 e a taxa de ensaios clínicos por milhão de habitantes encontra-se entre as mais baixas da Europa Ocidental”, afirma, defendendo que para inverter a situação seria essencial uma “revisão da actual legislação, de forma a reduzir os tempos entre a submissão do pedido de ensaio clínico e o início do recrutamento dos doentes, um factor ex- tremamente limitativo da actividade em Portugal”. O estudo da PwC identifica a necessidade de criar estruturas dedicadas a esta actividade nos centros de investigação, uma maior cooperação entre os vários agentes envolvidos e a criação de modelos de incentivos adequados que promovam o envolvimento de investigadores e de outros profissionais na realização de ensaios clínicos. “A concretização destas medidas determina um impacto potencial do valor do crescimento dos ensaios clínicos em cerca de 71 milhões de euros, o que significa que, em 2015, a actividade poderia vir a representar 143 milhões de euros”, conclui Almeida Lopes. ■ Que políticas tem o Governo nesta área? Este sector, dependente fortemente de I&D, e beneficia da proximidade entre empresas e centros de I&D. Nesse sentido, o Governo lançou os programas doutorais em ambiente empresarial, já na sua segunda edição, financiados pela FCT. Esperamos candidaturas altamente competitivas por parte dos ‘stakeholders’ empresariais e científicos deste sector. Esperamos também estimular a investigação e a inserção de doutorados nas empresas através de incentivos fiscais, já instituídos na recente alteração ao Código Fiscal do Investimento. Adicionalmente, as parcerias com Harvard Medical School e o MIT, financiadas pela FCT em mais de 10 milhões de euros anuais, estão vocacionadas para internacionalizar a nossa investigação biomédica e fomentar a transferência de tecnologia para a clínica. O Governo, neste caso o Ministério da Saúde, está também a desenvolver políticas no sentido de recuperar a competitividade perdida em termos de investigação clínica. Nesse sentido foi produzida nova legislação de modo a agilizar os processos administrativos sem pôr em causa a segurança dos doentes. A legislação está neste momento em fase de discussão no Parlamento. ■ IV Diário Económico Quarta-feira 29 Janeiro 2014 X C O N F E R Ê N C I A : I N D Ú S T R I A FA R M A C Ê U T I C A S A Ú D E E C I Ê N C I A E M T E M P O D E C R I S E OPINIÃO Ciência e saúde em tempos de crise As dificuldades financeiras no sector público da saúde não podem ser justificação para que se abandone a ideia de que o conhecimento é a melhor forma de ultrapassar obstáculos. Existem razões de fundo para que continuemos a apostar na competitividade nacional em termos de investigação clínica e translacional. Continuamos a ter um sector privado, muito dele fundacional, a apostar em grande investigação, que atrai investigadores cotados e jovens. Temos suficiente excelência clínica, razoavelmente dispersa em Portugal, meios humanos e capacidade organizativa capaz de aliciar empresas para investigarem em Portugal. O sector privado, embora ainda, geralmente, desligado da formação de técnicos, começa a ter dimensão suficiente para se interessar pela prestação de serviços de investigação biomédica. Precisamos de fomentar e gerar qualidade que só se atinge quando há programas de investigação embebidos no sistema. Por tudo isto, desde o início das nossas funções no Ministério da Saúde, como já acontecia com Governos anteriores, resolvemos dar importância à investigação no SNS. De uma forma coerente, promovemos a construção de uma Lei de Investigação para a Saúde que está a ser votada na especialidade. Esta Lei, sendo abrangente, tenta responder aos desígnios de investigadores e de outras partes interessadas no processo, doentes em especial. Será um diploma que deverá estar alinhado com o Regulamento aprovado no final do ano passado em Bruxelas. Alterámos as formas de avaliação dos concursos nas carreiras médicas, com a intenção de valorizar a atividade de investigação, de forma mais marcada nos requisitos para a obtenção do Grau de Consultor, momento determinante da progressão profissional dos médicos. Vamos libertar um milhão de euros, anualmente, ainda este ano, para financiar investigação clínica independente, diria complementar, daquela desenvolvida por empresas farmacêuticas ou de dispositivos médicos. Julgamos necessário criar, juntamente com a área da educação e ciência, um mecanismo de orientação comum para a investigação biomédica, a exemplo do que acontece noutros países, que deverá ser um ponto de encontro para melhor utilização de fundos comunitários, de mecenato ou de outros mecanismos de financiamento que possam existir. Todavia, o Estado não se substitui à vontade de quem o faz, as pessoas. É delas que mais precisamos e o nosso esforço colectivo tem de ser no sentido de gerar conhecimento, a maior riqueza que se pode ter, que contribua para a melhoria da saúde em Portugal e no Mundo. No Mundo, sim, porque é esse o nosso destino e a ciência nunca é só de quem a produz. ■ FERNANDO LEAL DA COSTA Secretário de Estado adjunto do Ministro da Saúde Continuamos a ter um sector privado, muito dele fundacional, a apostar em grande investigação, que atrai investigadores cotados e jovens. Temos suficiente excelência clínica, razoavelmente dispersa em Portugal, meios humanos e capacidade organizativa capaz de aliciar empresas para investigarem em Portugal. Fabrizio Bensch / Reuters As razões de fundo para que se continue a apostar na competitividade nacional na investigação clínica. Governo anuncia que vai “libertar” um milhão de euros anualmente para financiar investigação clínica independente da que é desenvolvida por empresas farmacêuticas ou de dispositivos médicos. A saúde dos portugueses O desequilíbrio entre a análise do “financeiro” e a do Portugal hoje nada tem a ver com aquele que vivemos cinco décadas atrás, muito especialmente na saúde. Mas as actuais circunstâncias do país – uma evidente desconexão e desequilíbrio entre a análise do “financeiro” e a do “bem-estar” – requerem uma atenção renovada à saúde dos portugueses. Em 1970 nasciam 180 mil portugueses por ano. Uma percentagem ainda considerável nascia emcasa (63%), frequentemente em habitações de baixa qualidade. Em cada mil nascimentos, cerca de 60 não sobreviviam até ao primeiro aniversário. Quarenta anos depois a situação alterou-se radicalmente. Nascem cada vez menos portugueses: em 2013, menos de metade do que em 1970! Mas os que nascem fazem-no agora em serviços de saúde e só cerca de três em mil não sobrevivem ao ano de idade. Esta é uma das melhores das taxas de mortalidade infantil do mundo! Este feito pode atribuir-se ao desenvolvimento socioeconómico do país e ao Serviço Nacional de Saúde. Mas há muitos outros progressos a destacar: elevadas taxas de vacinação, iniciativas pioneiras nos centros de saúde, no planeamento familiar, nos cuidados de saúde às pessoas diabéticas e serviços hospitalares cada vez mais evoluídos tecnicamente . No entanto, os efeitos positivos do CONSTANTINO SAKELLARIDES Professor, especialista em Saúde Pública Sabemos que os gestores da austeridade excessiva têm óbvias dificuldades em reconhecer a extensão dos efeitos sociais. crescimento económico e do desenvolvimento do SNS têm sido contrariados por três ordens de factores. Um primeiro está nas acentuadas desigualdades socioeconómicas que se repercutem na saúde – como exemplo, o risco de pobreza infantil em 2010 já tinha alcançado os 23%. Sabe-se hoje que a pobreza infantil é um dos principais factores do “stress crónico”. Este pode afectar definitivamente a capacidade de aprendizagem do indivíduo. É transmissão vertical das desigualdades sociais! O segundo destes factores tem a ver com comportamentos – alimentação pouco saudável, sedentarismo, tabagismo, número excessivo de acidentes, toxicodependências, excessos Quarta-feira 29 Janeiro 2014 Diário Económico V Como vai a indústria farmacêutica adaptar-se ao futuro Do ponto de vista financeiro, os sistemas de saúde estão numa encruzilhada. “bem-estar” requer uma atenção renovada à saúde. no consumo de álcool e a infecção pelo VIH, são manifestações daquilo que se poderia designar como menos respeito por nós próprios e pelos outros. O terceiro destes factores está associado às atitude e percepções dos portugueses face à saúde e à doença: somente cerca de 66% dos portugueses se autoavaliam como estando de boa saúde em contraste com 75% dos espanhóis e 89% dos irlandeses – para os maiores de 65 anos a distância para os espanhóis acentua-se (de 13,8 para 40,5%). As nossas percepções são piores do que o que os dados objectivos descrevem. A esperança de vida dos portugueses aos 65 anos tem aumentado nos últimos anos: a das portuguesas (21.8 anos) já é superior à das irlandesas (20.7). No entanto a este aumento de anos de vida não tem correspondido uma melhoria da qualidade de vida nestas idades mais avançadas: As irlandesas aos 65 anos têm uma esperança de vida saudável de 10.5 anos (as suecas 14.6), e as portuguesas só 5.4 anos! Este simples facto tem grandes repercussões no bem-estar das famílias portuguesas – cerca de 90% dos cuidadores familiares em Portugal fazem-no todos os dias, enquanto nos países do Norte da Europa, com “cuidados continuados” desenvolvidos, cerca de 50% dos cuidadores familiares fazem-no só semanalmente. Sabemos que uma crise económica e social como aquela que Portugal hoje atravessa afecta de várias formas a saúde e os serviços de saúde do país, principalmente os mais indefesos ansiedade, depressão, perda de autoestima, mais comportamentos de risco, maior vulnerabilidade às infecções, dificuldades no acesso e na qualidade dos cuidados de saúde e maior insatisfação dos profissionais de saúde são alguns dos efeitos esperados. Sabemos também que os gestores da austeridade excessiva, que hoje experimentamos, têm óbvias dificuldades em reconhecer a extensão dos efeitos sociais e na saúde dessa austeridade. Precisamos, hoje ainda mais do que no passado, de sistema de saúde, com os seus componentes públicos, sociais e privados, inspirados num SNS modernizado, com uma identidade mais forte e menor fragmentação. Este deverá ser capaz de recentrar o sistema de saúde numa resposta efectiva a afecções de evolução prolongada - temos altas prevalências de situações tão díspares como as afecções mentais, a obesidade infantil e a diabetes. Mas será necessário fazê-lo menos na tradição de “fazer saúde nas pessoas”, e mais no espírito de promover comunidades mais saudáveis, menos desiguais, mais responsáveis, confiantes e empreendedoras. ■ Esta é uma era de excepção para a inovação na descoberta de novas moléculas e uma oportunidade para inventar fármacos nunca foi tão promissora como hoje. Os progressos médicos e científicos têm garantido um fluxo de informação constante sobre a biologia humana, que permite às empresas de ‘research’ apostar em programas de investigação ambiciosos. Do ponto de vista financeiro, porém, os nossos sistemas de saúde estão numa encruzilhada. Durante décadas, os custos com a Saúde cresceram mais depressa do que a economia e agora enfrentamos uma epidemia de doenças crónicas em resultado do envelhecimento da população, que exige uma gestão para a qual os sistemas de saúde não estão preparados. Tudo isto acontece num momento de fraco crescimento e de desafios orçamentais difíceis em toda a Europa que, no caso da saúde, visaram as farmacêuticas numa primeira fase, mau grado o pequeno papel que desempenham na despesa (15% em média nos países da OCDE). O que tem, então, feito a indústria farmacêutica para lidar com este ambiente complexo e conflituoso? Primeiro, afastou-se do modelo de investigação tradicional, voltado para dentro. Hoje, a investigação é essencialmente colaborativa e envolve numerosas parcerias, que têm conduzido a novas terapias. Os governos assumiram um papel mais pró-activo no desenvolvimento de novos medicamentos, acelerando os trâmites reguladores e o enquadramento legal de acordos e parcerias na indústria para garantir maior visibilidade aos inovadores. Segundo, e perante o facto de as autoridades exigirem cada vez mais decisões de reembolso, as farmacêuticas começaram a implementar estratégias como a especialização em terapias chave que salvam vidas (ex. cancro), a diversificação da carteira (produtos de consumo para cuidados pessoais, equipamentos, etc.), ou a inclusão de serviços de gestão da doença para se posicionarem como “fornecedores de soluções”. Terceiro, o crescimento da saúde em linha/eSaúde vai mudar a forma como os medicamentos são criados, aprovados e pagos: os registos electrónicos irão produzir conhecimento de elevada qualidade que poderão ser usados para conceber tratamentos individualizados, acelerar e melhorar o processo de aprovação por parte do regulador. Hoje, como sempre, temos uma grande necessidade de fármacos. Mas só poderemos garantir cuidados de saúde de elevada qualidade e desbloquear o crescimento económico através da colaboração e das parcerias, devido aos enormes desafios científicos, técnicos e financeiros que enfrentamos. ■ BORIS AZAIS Director da área de Políticas públicas para a Europa e Canadá da MSD Durante décadas, os custos com a saúde cresceram mais depressa que a economia. Em consequência, enfrenta-se uma epidemia de doenças crónicas que exige uma gestão que os sistemas de saúde não estão preparados para fazer. >> Agenda Boris Azais é orador convidado na X Conferência da Indústria Farmacêutica. Falará a partir das 10h30 e terá como comentador João Almeida Lopes, presidente da APIFARMA. 10H30 VI Diário Económico Quarta-feira 29 Janeiro 2014 X C O N F E R Ê N C I A : I N D Ú S T R I A FA R M A C Ê U T I C A S A Ú D E E C I Ê N C I A E M T E M P O D E C R I S E E N T R E V I S TA PETER CARMEL, EX-PRESIDENTE DA AMERICAN MEDICAL ASSOCIATION (AMA) “Congresso americano cortou na ciência sem pensar nas consequências” Em dez anos desde 2008 a despesa devia ser cortada em 1,3 biliões de dólares. Como é que a crise económica e financeira nos EUA e na Europa tem afectado a ciência e a saúde? O Congresso norte-americano reagiu à crise financeira de 2008 cortando na despesa com a ciência e a saúde sem pensar nas consequências. Este “sequestro” de fundos tinha por meta reduzir a despesa do governo em 1,3 biliões de dólares no espaço de uma década. Em resultado disso, os fornecedores de serviços de saúde nos EUA vão sofrer um corte anual de 2% nos seus pagamentos. A redução na ciência é ainda mais drástica. Pode especificar? O National Institute of Health – a entidade que mais apoia a investigação biomédica nos EUA – foi obrigado a fazer um corte de 25% nas bolsas de investigação em curso, renovações incluídas, para poder financiar parcialmente os novos cientistas que se candidatem a uma primeira bolsa. Sem esta medida drástica, os EUA perderiam a massa crítica dos novos investigadores, e isso teria um impacto ainda mais negativo na área de ‘research’. Não encontrei dados relativos a mudanças em Portugal, mas disponho de informação esclarecedora no que toca a Espanha, onde a despesa com a saúde pública foi de 7% do PIB (a média é de 7,6% na Europa). Espanha reduziu essa despesa em 13,2% em 2012 e em 16,2% em 2013, o que excluiu uma parte significativa da população da rede de cuidados primários e preventivos. Nos EUA, tivemos uma experiência com um surto de tuberculose na cidade de Nova Iorque na década de 1990. Os custos para controlar esse surto ascenderam a 1,2 mil milhões de dólares. Se tivesse havido uma política preventiva, os custos deveriam rondar 10% desse valor. A investigação científica na área da saúde é suficiente nos tempos que correm? Não, mas cabe a cada país definir as suas prioridades em termos de despesa. Os países que se encontram numa situação dramática devido à crise financeira devem, pelo menos, assegurar serviços de saúde primários e preventivos. “ Preocupa-me que os governos façam escolhas desinformadas que possam ter um impacto profundamente negativo na área da saúde e da ciência da saúde. Fazer cortes sem pensar nas consequências parece ser uma prática cada vez mais generalizada. >> Agenda Peter Carmel começará a sua intervenção de hoje na conferência às 9h30. O tema será “Cuidados de Saúde em tempo de crise: a perspectiva dos EUA face a um problema global”. Joao Lobo Antunes comentará. 09H30 O presidente Barak Obama tentou criar nos Estados Unidos da América uma “espécie” de sistema público de saúde, mas não conseguiu. Porquê? Se ao falar num sistema público de saúde se refere a um único sistema pago, quero deixar claro que esse conceito é impopular nos EUA e, muito provavelmente, impossível de implementar. O compromisso que Obama conseguiu negociar foi no sentido de subsidiar as pessoas com poucos rendimentos para que possam comprar seguros de saúde no mercado privado. Quem não tem meios para o fazer vai receber cuidados de saúde através do Medicare (idosos) ou do Medicaid (pessoas abaixo do limiar da pobreza). O “Obamacare”, como é conhecido nos Estados Unidos, começou mal devido a problemas no site, mas depois disso passou a funcionar bem. O objectivo do programa é oferecer melhores cuidados de saúde a custos mais baixos. Resta saber se é eficiente. Os dados mostram que a despesa com a saúde tem vindo a diminuir nos EUA e atingiu entretanto a taxa de crescimento mais baixa nos últimos 50 anos. Para si, qual é o sistema de saúde ideal? Aquele que dá a atenção devida à doença de cada paciente, que integra os cuidados necessários em cada fase da doença e dispõe de sistemas inovadores para que clínicos e hospitais sejam pagos de maneira a incentivar a manutenção de pacientes saudáveis. Que aspectos o preocupam mais na saúde global? Preocupa-me que os governos façam escolhas desinformadas que possam ter um impacto profundamente negativo na área da saúde e da ciência da saúde. Fazer cortes sem pensar nas consequências parece ser uma prática cada vez mais generalizada. ■ David Gray / Reuters Neurocirurgião pediátrico e ex-presidente da American Medical Association, Peter Carmel é um dos oradores convidados para dissertar sobre a ciência e a saúde em tempos de crise na conferência sobre Indústria Farmacêutica que hoje decorre no Ritz Four Seasons em Lisboa. Trazendo a experiência norte-americana Peter Carmel refere que muitas vezes o que se gasta para controlar um surto de uma doença podia ser poupado se houvesse políticas preventivas. O World Economic Forum concluiu que o impacto de doenças como as cardiovasculares, as doenças respiratórias crónicas, o cancro, a diabetes e os problemas de saúde mental podem custar 47 biliões de dólares nos próximos 20 anos. Quarta-feira 29 Janeiro 2014 Diário Económico VII E N T R E V I S TA ILONA KICKBUSCH, ESPECIALISTA EM SAÚDE PÚBLICA “A saúde não pode ser desenvolvida apenas através de políticas de saúde” As políticas de saúde devem ser transversais a todas as políticas públicas. dem custar 47 biliões de dólares nos próximos 20 anos. Fumar custa aos países europeus pelo menos 100 mil milhões de euros. Portugal, por exemplo, é um dos países europeus com maior obesidade infantil. E isto terá um impacto económico a longo prazo. Mentora da teoria Health in All Policies (HiAP), Ilona Kickbusch faz também parte da plataforma que a Fundação Gulbenkian desenvolveu para analisar o sistema português de saúde e apresentar soluções. Nesse contexto, refere que Portugal tem falta de enfermeiros, excesso de aparelhos de TAC e um aumento da obesidade. “ Acredita na saúde em todas as políticas. Isso significa por exemplo que, num governo, todos os ministérios devem ter programas relacionados com a área da saúde? A saúde pode depender de um bom rendimento, de uma casa, de um ambiente envolvente saudável, de boa alimentação, etc. Isto significa que a saúde não pode ser desenvolvida apenas através de políticas do sector da saúde – que muitas vezes está concentrado em gerir o sistema de cuidados de saúde. Como resposta a isso, o Health in All Policies (HiAP) tem vindo a desenvolver formas de aproximação às políticas públicas de forma transversal, propondo que os vários sectores tenham em conta as implicações positivas e negativas para a saúde das decisões tomadas e que procurem sinergias com o objectivo de promover a saúde das populações, assim como a equidade na saúde. Que tipo de temas relacionados com saúde seriam fundamentais para um programa da área da Economia na Europa, por exemplo? Investir nas crianças e nos jovens deve ser prioritário. Programas relacionados com o desenvolvimento infantil desde a mais tenra idade devem ser apoiados e estabelecidos, caso contrário toda uma geração será perdida. Por outro lado, o acesso ao trabalho e à educação é absolutamente crítico para os jovens. Sabemos que o baixo nível de educação, baixos rendimentos e especialmente o desemprego têm um impacto negativo na saúde física e mental. E que terão consequências ao longo de toda a vida. De que forma pode uma política de saúde incompleta prejudicar a economia de um país? O World Economic Forum concluiu que o impacto de doenças como as cardiovasculares, as doenças respiratórias crónicas, o cancro, a diabetes e os problemas de saúde mental po- Em Portugal, há falta de profissionais de enfermagem, aumento da obesidade e uma elevada percentagem de aparelhos de TAC. Há utilização desnecessária de tecnologia e insuficiente prevenção. >> Agenda Ilona Kickbusch falará sobre A Saúde em todas as políticas a partir do meio dia. Os comentários à sua intervenção estão a cargo de José Pereira Miguel, presidente do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge. 12H00 Como é que tem sido a sua experiência com a Fundação Gulbenkian na análise das políticas públicas em Portugal? Tem sido recompensador. Há um grande comprometimento no sentido de encontrar soluções sustentáveis no longo prazo. Que problemas lhe pareceram mais graves quando teve contacto com o Sistema Nacional de Saúde português? Eu já tinha tido contacto com o Sistema Nacional de Saúde português através do meu trabalho na Organização Mundial de Saúde e com a Escola Nacional de Saúde Pública. Portugal enfrenta desafios semelhantes aos de outros sistemas de saúde: políticas de promoção e prevenção insuficientes, a necessidade de aproximar o governo e a sociedade a este tema e a adaptação do sistema de saúde a problemas como doenças crónicas. Alguns problemas especificamente portugueses já foram referidos pela OCDE: por exemplo, a falta de profissionais de enfermagem, o aumento da obesidade ou a elevada percentagem de aparelhos de TAC. Há utilização desnecessária de tecnologia e insuficiente prevenção. Em sua opinião, qual é o factor mais positivo do sistema de saúde português? Todos os residentes em Portugal têm acesso a cuidados de saúde e há um forte compromisso com o acesso universal aos cuidados. Têm havido muitas medidas para melhorar a performance do sistema e Portugal tem profissionais altamente qualificados e excelentes capacidades de investigação. Várias políticas estão desenhadas mas precisam de ser implementadas. Portugal tem uma esperança de vida elevada, mas tem desigualdades significativas em termos de saúde. Aloca uma percentagem do PIB relativamente elevada à saúde, cerca de 10,2%, mas devido ao programa de austeridade, os serviços de saúde têm sido objecto de cortes e os co-pagamentos têm aumentado, por exemplo, nos serviços de emergência. ■ PUB