PARTE I Neurociência Celular Capítulo 2 Nascimento, Vida e Morte do Sistema Nervoso Desenvolvimento Embrionário, Maturação Pós-natal, Envelhecimento e Morte do Sistema Nervoso Clique nas setas verdes para avançar/voltar ou ESC para retornar ao menu geral Os estágios iniciais da embriogênese transcorrem em diferentes regiões do sistema reprodutor da mulher (pequeno retângulo no desenho de cima, à direita). Na ampliação em A vê-se um esquema dos eventos que transcorrem entre a fecundação e a implantação do embrião no útero. O zigoto divide-se várias vezes a caminho do útero, e o embrião finalmente “ancora” em algum ponto da parede uterina. A sequência de baixo mostra as transformações do embrião ao implantar-se (B), na fase de aparecimento da cavidade amniótica (C) e do surgimento dos três folhetos embrionários primordiais (D). Durante o primeiro mês de gestação, o embrião pode ser visto “de cima”, abrindo-se a cavidade amniótica como se mostra em A. A formação do tubo neural a partir da placa neural pode ser acompanhada por esse mesmo ângulo (A-D), ou então em cortes que passam nos planos assinalados pelas setas vermelhas, e que podem ser vistos à direita (A1-D1). O fechamento do tubo parece um zíper que se fecha do centro para as extremidades rostral (cranial) e caudal. Os últimos pontos a se fecharem são os neuróporos. Logo que o tubo neural se fecha, no final do primeiro mês de gestação, podem-se identificar as três vesículas primitivas que formam o sistema nervoso do embrião. Depois, o tubo vai se retorcendo, as vesículas crescem desigualmente, e apenas no quarto mês o SNC do embrião começa a se parecer com o do adulto, embora o córtex cerebral e o cerebelo ainda não apresentem os giros e folhas que mais tarde se formarão. Note que os desenhos da fileira de cima estão feitos em uma escala muito ampliada, em relação aos de baixo. Se a escala fosse a mesma, o embrião de 25 dias teria a dimensão ilustrada no pequeno quadro à esquerda. Aos 25 dias, o sistema nervoso do embrião não mede mais que 2 milímetros. A medula espinhal cresce menos que a coluna vertebral. O embrião de 8 semanas apresenta os nervos raquidianos de cada segmento medular alinhados com os segmentos vertebrais. Entretanto, o maior crescimento da coluna faz com que os segmentos vertebrais se desalinhem gradativamente dos segmentos medulares. O resultado é que, ao nascimento, a medula do bebê termina na altura do segundo segmento lombar, e o conjunto dos nervos raquidianos forma uma estrutura parecida com a cauda de um cavalo (cauda equina). O primeiro segmento lombar (L1) e o primeiro sacro (S1) são indicados como referência. A cauda equina não pode ser vista claramente no desenho, pois apenas um nervo foi representado para facilitar a compreensão. A. As cristas neurais aparecem em cada lado a partir das células que ficam nas bordas de fusão (em vermelho) da placa neural, quando esta se dobra para formar o tubo neural. B. Imediatamente as células da crista neural (pequenas bolinhas vermelhas) migram por longas distâncias para formar diversos gânglios e outros órgãos e tecidos. Os alemães Hans Spemann e Hilde Mangold foram pioneiros da embriologia experimental, e ficaram famosos por seu experimento (A) de transplante de mesoderma do embrião de um anfíbio para uma região que normalmente seria ocupada pelo ectoderma, em outro embrião. Em vez de dar origem a um girino normal (B), o mesoderma transplantado induz a transformação do ectoderma em neuroectoderma, e o embrião desenvolve duas placas neurais, cresce e finalmente se transforma em dois animais “xifópagos”, com dois sistemas nervosos e dois corpos fundidos (C). Todo o ectoderma se tornaria neuroectoderma se não fosse a ação intercelular bloqueadora desse caminho ontogenético, por parte das BMPs (acima). Na região da placa neural, entretanto (abaixo), o mesoderma subjacente libera fatores indutores que “bloqueiam os bloqueadores”, fazendo com que essa região se transforme gradativamente em tecido nervoso. Neurogênese e migração dos precursores neuronais do cerebelo. A mostra os prolongamentos da glia radial do cerebelo de um camundongo, que orientam o trajeto migratório dos precursores. Os prolongamentos radiais estão marcados em verde, por meio de anticorpos fluorescentes capazes de reconhecer de forma específica a proteína acídica fibrilar glial. Todos os núcleos estão marcados em azul, e aqueles que completaram a neurogênese por meio da síntese de novo DNA aparecem em vermelho. Em B, pode-se ver um neurônio jovem migrante aderido a prolongamentos da glia radial, em uma cultura de células feita no laboratório e fotografada em microscópio eletrônico de varreduraG. No telencéfalo do embrião (A), a formação das camadas corticais pode ser acompanhada passo a passo, observando ao microscópio cortes histológicos (B) do tecido nervoso. Inicialmente (C), o córtex cerebral primitivo apresenta-se como um epitélio pseudoestratificado, mostrando figuras mitóticas na base (em verde). Com a migração dos neurônios pós-mitóticos, começam a se formar as camadas primitivas: primeiro a pré-placa (D), depois a placa, a camada marginal e a subplaca (E), e finalmente as camadas definitivas (F) que se formam dentro da placa cortical. A parede do tubo neural apresenta uma paliçada de prolongamentos radiais (A), que pertencem a células muito precoces chamadas glia radial (B, em azul-claro). Os prolongamentos radiais atuam como “trilhos” sobre os quais migram alguns dos neurônios pós-mitóticos juvenis (B e C, em amarelo). Nem todos os neurônios migrantes utilizam esses trilhos radiais: alguns migram obliquamente (tangencialmente) seguindo pistas ainda mal conhecidas. D mostra prolongamentos de glia radial no córtex cerebral de um camundongo recémnascido. O citoesqueleto dos prolongamentos radiais está marcado em verde, e entre eles podem-se ver os núcleos dos neurônios juvenis marcados em vermelho. Depois de migrarem, os neurônios juvenis começam a se diferenciar, isto é, a assumir a sua forma madura característica. São inicialmente células bipolares simples, adaptadas à migração. Depois emitem dendritos que se ramificam cada vez mais, e um axônio que se alonga até o alvo. Na figura, apresenta-se como exemplo um neurônio piramidal do córtex cerebral, mas o processo é semelhante para quase todos os neurônios. Os esquemas à esquerda mostram três estágios bem precoces do desenvolvimento do sistema nervoso, durante os quais ocorre a regionalização dorsoventral. Os esquemas à direita mostram os sinais moleculares correspondentes. Proteínas da família das BMPs são sinais dorsalizantes secretados pelo ectoderma e pela placa do teto do tubo neural, reconhecidos pelos neuroprecursores mais dorsais que vão originar neurônios sensoriais. Já a proteína Sonic hedgehog é um sinal ventralizante liberado pelo notocórdio e pela placa do assoalho do tubo neural, cuja concentração é “percebida” pelos neuroprecursores mais ventrais que vão originar os motoneurônios. A. A diferenciação rostrocaudal começa logo no início do desenvolvimento neural, já que os fatores indutores são diferentes nas regiões rostrais e caudais da placa neural. B. Mais tarde, o tubo neural apresenta segmentos (rombômeros r1, r2 etc.) que possuem padrões próprios de expressão (barras horizontais) dos genes homeóticos e suas proteínas (à esquerda, em C). Cones de crescimento de neurônios de um caramujo, mantidos em cultura, isto é, em condições artificiais de laboratório. A morfologia é semelhante à dos cones que se formam dentro do sistema nervoso do embrião. A sequência de A a D mostra um cone submetido à ação de uma droga (depositada acima e à direita em A por uma micropipeta) que desorganiza os feixes de actina do citoesqueleto, provocando uma “curva” de trajeto para a esquerda. As fotos de E a G mostram a desorganização do citoesqueleto antes da curva ocorrer (no local assinalado pelas setas), especialmente dos filamentos de actina (corados em verde, em G). A foto em H mostra grande quantidade de microtúbulos no centro do cone (corados em vermelho, em H). Os experimentos do neurocientista americano Roger Sperry foram pioneiros, pois permitiram a formulação da hipótese da quimioespecificidade. Neste exemplo, uma rã, cujos nervos ópticos normalmente cruzam para o lado oposto (A), era submetida a uma cirurgia de reorientação do sistema visual (B), após a qual os axônios da retina eram forçados a regenerar para o mesmo lado. Os circuitos re-formados atingiam o alvo correto, mas do lado trocado. Por consequência, a rã lançava a língua para o lado errado (C), ao visualizar um estímulo alimentício no seu campo visual. No trajeto do cone de crescimento em direção ao seu alvo, são muitas as pistas de direcionamento com ação de curta distância. O cone de crescimento pode aderir a moléculas da matriz extracelular (MEC, em A) ou a moléculas situadas na membrana de células ao longo do caminho (B). Outras moléculas na membrana de outras células podem provocar o efeito contrário, repulsão. Neste caso, o cone se afasta (C). Finalmente, ao encontrar outros axônios, o cone pode aderir a eles e crescer junto, formando um feixe: é a chamada fasciculação (D). Outras pistas orientam também os cones de crescimento a longas distâncias. São geralmente moléculas difusíveis capazes de atrair (A) ou repelir o cone (B). Os axônios em crescimento buscam o seu territórioalvo para arborizar perto das células pós-sinápticas. Alguns — como os neurônios do córtex cerebral que atravessam a linha média em busca do hemisfério oposto — ultrapassam o alvo (situado na altura do asterisco) crescendo para longe (A), mas emitem ramos colaterais que arborizam no lugar certo (B). No final (C), o ramo que cresceu demais é eliminado. O efeito de tumor (S, à esquerda) sobre um gânglio espinhal de pinto (à direita). O gânglio apresentava profuso crescimento de prolongamentos neuronais. Ao final do desenvolvimento, ocorrem processos regressivos que envolvem a morte neuronal e a eliminação de axônios e sinapses. O gráfico A mostra a diminuição do número de axônios inter-hemisféricos após o nascimento. Nesse gráfico, o número de axônios de embriões de macacos em diferentes idades é representado pelos círculos, e a média encontrada no adulto é indicada pela barra horizontal. O gráfico B mostra o enorme aumento do número de sinapses que ocorre um pouco antes e depois do nascimento, seguido da lenta diminuição posterior, em uma região restrita do córtex cerebral. Neste caso, os diferentes símbolos representam contagens realizadas em diferentes animais. A mielinização marca o estágio final do desenvolvimento do sistema nervoso. Nesse processo, tipos especiais de gliócitos enrolam-se em torno das fibras nervosas, formando uma bainha isolante de mielina que contribui para o aumento da velocidade de propagação do impulso nervoso. As células de Schwann são os gliócitos que englobam axônios do SNP (A), e os oligodendrócitos são os que embainham axônios do SNC (B). A foto de cima mostra uma • colônia de células-tronco embrionárias, cultivadas no laboratório sobre microcarregadores (matrizes que permitem o crescimento em suspensão de células aderentes). Nessas condições, as células mantêm a sua pluripotencialidade. A foto de baixo mostra uma intrincada rede neural formada numa placa de cultura pelas células-tronco embrionárias quando se transformam em neurônios. Na falta da telomerase ocorre encurtamento dos telômeros, com sérias consequências para as células. Desprovidas de proteção nas extremidades dos cromossomos, as células são levadas à morte por instabilidade do DNA, ou produzem-se aberrações cromossômicas pela fusão inadequada das pontas dos cromossomos durante a mitose. Em ambos os casos, aumenta a probabilidade de câncer, senescência dos tecidos, e outras anomalias. O cérebro de um idoso portador da doença de Alzheimer (B) é menor que o de um indivíduo normal da mesma idade (A). Além disso, os giros são mais finos, e os sulcos e ventrículos, mais alargados (D, em comparação com C). Examinado ao microscópio, apresenta placas senis devidas ao acúmulo de certas proteínas anômalas como a beta-amiloide (E), e produtos de degeneração celular não absorvida, como os novelos neurofibrilares (F). A imagem mostra um neurônio cultivado em laboratório, que foi exposto a oligômeros do peptídeo beta-amiloide. Os pontinhos que vemos são os oligômeros marcados por um anticorpo fluorescente, e que se encontram “colados” nos prolongamentos dos neurônios. Foi possível observar que os oligômeros se ligam com alta especificidade às sinapses, sugerindo que está aí o seu mecanismo de agressão.