O desaparecimento e recomposição de imóveis a perda, a acessão e seus reflexos registais desta (breve análise comparatística entre o direito português e o direito brasileiro) Mónica Jardim e Margarida Costa Andrade A perda da coisa enquanto modo de extinção do direito de propriedade espaço aéreo espaço aéreo subsolo superfície superfície subsolo Qui dominus est soli, dominus est esque ad coelum et usque ad inferus Mas: • Só uma pequena parte do subsolo é susceptível de ser possuída por alguém com exclusão dos demais, pelo que só essa parte poderá considerar-se integrada no domínio privado do dono da superfície • Há que contar com o que tenha sido desintegrado do domínio pela lei ou por negócio jurídico Art. 1.229 CCvBras “A propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e subsolo correspondentes, em altura e profundidade úteis ao seu exercício, não podendo o proprietário opor-se a atividades que sejam realizadas, por terceiros, a uma altura ou profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las.” antes A depois A (artigo 1344.º) antes A depois A Se Prédio urbano Prédio rústico Direito de propriedade Novo direito de extingue-se propriedade Se Propriedade horizontal/condomínio edilício Antes Depois antes A Mar/Rio depois A Mar/Rio artigo 202.º, n.º 2 B A C B A C Acessão Dá-se a acessão quando com a coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa (alheia ou res nullius) que não lhe pertencia Princípio segundo o qual o direito de propriedade tem a virtualidade de absorver tudo o que se vier a incorporar no seu objecto (vi et potestate rei nostrae) Acessão (cont.) Dois princípios dominam esta matéria: A união inseparável de duas ou mais coisas pertencentes a donos diversos A coisa que acede à outra torna-se parte componente ou integrante desta Incorporação ≠ adjunção Critério económico e não meramente material Acessão natural A acessão natural acontece quando a união e a incorporação resultam exclusivamente das forças da Natureza Princípio geral: pertencerá ao dono da coisa tudo o que a esta acrescer por efeito da Natureza Acessão natural — Avulsão Art. 1329.º CCvPort Art. 1.251 CCvBras “1. Se, por acção natural e violenta, a corrente arrancar quaisquer plantas ou levar qualquer objecto ou porção conhecida de terreno, e arrojar essas coisas sobre prédio alheio, o dono delas tem o direito de exigir que lhe sejam entregues, contanto que o faça dentro de seis meses, se antes não foi notificado para fazer a remoção no prazo judicialmente assinado. “Quando, por força natural violenta, uma porção de terra se destacar de um prédio e se juntar a outro, o dono deste adquirirá a propriedade do acréscimo, se indenizar o dono do primeiro ou, sem indenização, se, em um ano, ninguém houver reclamado. 2. Não se fazendo a remoção nos prazos acordades, é aplicável o disposto no artigo [sobre aluvião].” Parágrafo único. Recusando-se ao pagamento de indenização, o dono do prédio a que se juntou a porção de terra deverá aquiescer a que se remova a parte acrescida.” O que temos em comum • A avulsão resulta de uma força instantânea e violenta (inundação, tremor de terra, ciclobe, derrocada…) da Natureza • A aluvião resulta de um modo de actuação da Natureza imperceptível • A lei não pressupõe que se trate da afectação de um prédio inferior por um prédio superior — o prédio tem de ser alheio • A porção de terreno arrancada tem de ser conhecida ou identificável O que nos diferencia 1) CCvBras • Reconduz a acessão a uma porção de terra CCvPort • A aquisição pode dar-se em relação a uma porção conhecida de terreno, plantas ou qualquer objecto O que nos diferencia (cont.) 2) CCvBras • A avulsão é forma de acessão quando: • Caduca o direito de reclamar do proprietário do prédio empobrecido • O proprietário do terreno acrescido não consente que a porção de terra seja removida e se disponibiliza a indemnizar o proprietário do prédio empobrecido O que nos diferencia (cont.) 2-cont) CCvPort • prevê-se uma de duas soluções: • Concede ao dono do material o direito de o remover • Concede ao dono do terreno atingido o direito de exigir a remoção do mesmo material Prazo (peremptório e improrrogável): 6 meses (a partir da actuação das forças da natureza ) Não há obrigação de indemnização quando nenhum dos direitos é exercido ou não é respeitado o prazo Teremos na avulsão uma verdadeira acessão natural? • Se pode haver reclamação/reivindicação é porque há coisa autónoma (não há incorporação; não há expansão automática do direito de propriedade) • Segundo a lei brasileira, a aquisição verifica-se: • Quando o dono do terreno aumentado se prontifica a pagar a indemnização • Quando caduca o direito de reclamar, pela expiração do prazo de decadência • Segundo a lei portuguesa: • Só há aquisição quando não forem removidos os materiais conhecidos e arrastados Então, que modo de aquisição da propriedade aqui actua a favor do dono do prédio “enriquecido”? • António Carvalho Martins: 1) Abandono das coisas arrastadas (não reivindicação equivale a animus derelinquendi tácito) 2) Aquisição por ocupação •coisa móvel abandonada, que nunca teve dono •materialmente apreendida •animus occupandi tácito Esta posição pressupõe: coisa arrastada coisa móvel abandono ocupação Não parte componente do prédio, mas coisa autónoma De onde surge o novo direito de propriedade do proprietário empobrecido? Proprietário enriquecido fica com dois direitos de propriedade: — sobre o imóvel enriquecido — sobre a parte móvel ocupada Na nossa perspectiva: O legislador ficciona, durante 6 meses, que a parte do terreno arrastada ainda pertence ao prédio “empobrecido”, e assim admite a acção de reivindicação (direito de propriedade defendido como se objecto não “empobrecido”) Intentada a acção e julgada procedente, a parte arrastada volta ao terreno originário e a ficção termina (propriedade incólume) Decorridos 6 meses sem que intentada a acção Incorporação Não há incorporação Acessão Legislador determina que o proprietário do prédio “enriquecido” adquira por acessão (ficciona parte componente) Expansão da propriedade enriquecida “a regra, pois, é que as terras desprendidas continuam a pertencer ao proprietário do terreno do qual se desprenderam. Perdea, porém, se o dono do terreno acrescido quiser indenizar a avulsão. (…) O direito de reclamar, que a lei confere ao proprietário do terreno diminuído, deve ser exercido (…) mediante acção proposta pelo interessado no prazo de um ano, contado do dia em que ocorreu a avulsão. O prazo é de decadência. Se ninguém reclamar dentro de um ano, a porção de terra considerar-se-á definitivamente incorporada ao terreno onde se acha. Extingue-se o direito. Decorrido o prazo final, o proprietário do terreno desfalcado não pode mais agir contra o dono do terreno aumentado.” Luiz Edson Fachin Reclamação/Reivindicação Direito brasileiro: direito de reclamar não se traduz num propósito reivindicatório Direito português: pressupõe um propósito reivindicatório (“direito de exigir que lhe sejam entregues”) A reclamação e o direito de exigir a entrega podem ser exercidos extrajudcialmente Acção de reivindicação Tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade Pedidos: Reconhecimento do direito de propriedade Restituição da coisa Prova do direito de propriedade Sujeita a registo (art. 3.º, a) CRP) Destino dos direitos reais limitados Hipoteca Onerando o direito de propriedade empobrecido Arts. 692.º CCvPort e 1.425, V, §1 CCvBras: caso a coisa se perca e o dono tenha direito a ser indemnizado, o credor conserva sobre o crédito respectivo ou as quantias pagas a título de indemnização a preferência que tinha sobre a coisa onerada Arts. 701.º CCvPort e 1.425, I e IV CCvBras: reforço da hipoteca Onerando o direito de propriedade enriquecido (no esquema, as propriedades dos srs. B e C): Arts. 691.º CCvPort e 1.474 CCvBras: a hipoteca abrange as acessões naturais Art. 720.º CCv: redução (voluntária ou judicial) da hipoteca Direito de usufruto A perda total da coisa usufruída extingue o usufruto e a extinção do usufruto implica a extinção dos encargos constituídos pelo usufrutuário Onerando o direito de propriedade empobrecido: O usufruto continua sobre a parte restante e “passa ainda a recair” sobre o montante da indemnização indemnização Onerando o direito de propriedade enriquecido: O usufruto abrange as coisas acrescidas Direitos de uso e habitação Extinguem-se pelos mesmos modos que o usufruto (arts. 1485.º CCvPort e 1.416 CCvBras) Hipótese de rei mutatio e de destruição de edifício — não aplicação do regime jurídico do usufruto Havendo lugar a indemnização, a solução mais criteriosa será a de atribuir ao usuário a parte que dessa indemnização possa competir ao seu direito (arts. 1484 CCvPort e 1.412 e 1.414 CCvBras) Onerando o direito de propriedade enriquecido: valem as mesmas soluções do usufruto Direito de superfície Onerando o direito de propriedade empobrecido: Se o solo desaparecer ou se inutilizar, o direito de superfície extingue-se por impossibilidade de ser exercido Onerando o direito de propriedade enriquecido: Como o direito de superfície abrange a porção de terreno necessária à implantação da obra (art. 1525.º), o superficiário não será beneficiado pela avulsão Se tiver por objecto a faculdade de fazer plantação, e não for definida a área, nada obstará a que dela beneficie Parte acrescida Servidões prediais Onerando o direito de propriedade empobrecido: Extinguindo-se a parcela do terreno onerada com a servidão, extingue-se a servidão Se servidão legal, pode ser constituída uma nova servidão se os pressupostos estiverem preenchidos Onerando o direito de propriedade enriquecido: Sem alterações Reflexos registais da avulsão Ocorrendo a avulsão, como referimos, o titular do prédio enriquecido mantém o direito de propriedade que tinha, expandindo-se apenas o objecto ou os limites materiais de tal direito Não surgindo um novo direito, mas ocorrendo “apenas” uma extensão do objecto do direito já existente, não há fundamento que justifique uma nova inscrição Reflexos registais da avulsão O registo terá, somente, de reflectir a modificação do objecto, no plano descritivo, sendo tal, obviamente, suficiente para que a situação jurídica publicitada passe a ser reportada ao objecto redefinido. Em consonância, também deve ser alterada a descrição do prédio empobrecido, sob pena de passar a existir uma duplicação parcial. Reflexos registais da avulsão Quanto aos restantes direitos, quer recaiam sobre o prédio enriquecido, quer sobre o empobrecido, valerá a mesma ordem de ideias. As respectivas inscrições mantêm-se incólumes, porque a alteração da descrição torna manifesto que o direito publicitado passou a ter por objecto o que foi redefinido e não o que existia à data da sua constituição. Reflexos registais da avulsão Nenhuma alteração à descrição predial poderá ocorrer sem que seja carreada para o registo a prova dos respectivos pressupostos, o que implicará uma acção judicial de reconhecimento, ou, caso o legislador o preveja, um reconhecimento extrajudicial. FIM! Grata pela atenção.