“Caipira picando fumo”
Almeida Júnior
1893
• Caipira em língua tupi significa "cortador
de mato", nome que os índios do interior
de São Paulo deram aos homens brancos
e caboclos.
• O caipira foi estigmatizado por Monteiro
Lobato a partir da criação da personagem
do Jeca Tatu.
• 1914: Monteiro Lobato escreve uma carta ao
jornal O Estado de S. Paulo com o título de “A
velha praga”.
• Caipira cheio de qualidades negativas,
completamente diferente daquele existente até
então na literatura. Muda a imagem do caipira,
nesse momento estilizada ao extremo por uma
literatura que via o caboclo como um tipo
robusto, valente e audacioso.
TRECHO:
“Este funesto parasita da terra é o CABOCLO,
espécie de homem baldio, semi-nômade,
inadaptável à civilização, mas que vive à beira
dela na penumbra das zonas fronteiriças. À
medida que o progresso vem chegando com a
via férrea, o italiano, o arado, a valorização da
propriedade, vai ele refugindo em silêncio, com
o seu cachorro, o seu pilão, a picapau e o
isqueiro, de modo a sempre conservar-se
fronteiriço, mudo e sorna. Encoscorado numa
rotina de pedra, recua para não adaptar-se.”
• Tradição determinista e racialista.
• Diálogo com Oliveira Vianna, de quem
incorporou a admiração ao imigrante.
• O caboclo é miscigenado, por isso visto
como degenerado e incapaz de prosperar.
• O mestiço do interior, fruto do cruzamento
entre portugueses degradados e índios
• Contexto: desenvolvimento do capitalismo
no Brasil.
• Imigrante = trabalho
• Caipira, caboclo, Jeca = passividade,
preguiça, “lei do menor esforço”,
indolência.
• Em 1915 ML publica o artigo “Urupês”, onde cria a
personagem do Jeca Tatu.
• O artigo define e caracteriza o Jeca como uma criatura
ignorante, preguiçosa, inútil, sem nenhuma ambição,
nenhum senso de arte, nenhum desejo de permanência
e de realização.
• “Todo o inconsciente filosofar do caboclo grulha nesta
palavra atravessada de fatalismo e modorra: nada paga
a pena. Nem cultura, nem comodidades. De qualquer
jeito se vive.”
• “o caboclo é o sombrio urupê de pau podre a modorrar
silencioso no recesso das grota”.
“Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance
e feio na realidade!
Quando comparece às feiras, todo mundo logo
adivinha o que ele traz: sempre coisas que a
natureza derrama pelo mato e ao homem só
custa o gesto de espichar a mão e colher cocos de tucum ou jissara, guabirobas,
bacuparis, maracujás, jataís, pinhões,
orquídeas; ou artefatos de taquarapoca peneiras, cestinhas, samburás, tipitis, pios de
caçador; ou utensílios de madeira mole gemelas, pilõezinhos, colheres de pau.
Nada Mais.
Seu grande cuidado é espremer todas as
conseqüencias da lei do menor esforço - e nisso
vai longe.”
• Em 1918, ML publica Jeca Tatu: a ressurreição,
onde traça uma segunda identidade do caipira.
• Embora em o estereótipo ainda permaneça o
mesmo, o Jeca, a ser visto não mais como
agente de sua “anemia social”, mas como vítima
de políticas públicas de um Estado que o deixa
à margem do desenvolvimento. Se em 1914 o
caboclo é um parasita, agora é um “parasitado
por verminoses”, passando de praga a vítima.
• "Jeca Tatu não é assim, ele está assim".
1918
EXPLICAÇÃO NECESSÁRIA
“E aqui aproveito o lance para implorar
perdão ao pobre Jeca. Eu ignorava que
eras assim, meu Tatu, por motivo de
doença. Hoje é com piedade infinita que te
encara quem, naquele tempo, só via em ti
um maparreiro de marca. Perdoas?”
• Pedido que seria intensificado na quarta
edição do livro, de 1919:
EXPLICAÇÃO DESNECESSÁRIA
• Perdoa-me, pois, pobre opilado, e crê no que te
digo ao ouvido: és tudo isso que eu disse, sem
tirar uma vírgula, mas inda és a melhor coisa
que há no país. Os outros, que falam francês,
dançam o tango, pitam havanas e, senhores de
tudo, te mantêm neste vida dolorosa, para que
possam a seu salvo viver vida folgada à custa
do teu penoso trabalho, esses, caro Jeca, têm
na alma todas as verminoses que tu só tens no
corpo. Doente por doente, antes como tu,
doente só do corpo...”
• Dessa forma, e ao contrário do que buscariam os
Modernistas quatro anos mais tarde, com a busca de um
primitivismo como base de uma cultura iminentemente
nacional, Monteiro vê no caipira justamente o inverso,
ou seja, o vê como algo constitutivo de nossa fraqueza.
• Para o ML, tudo que soe a primitivo tem que ser
combatido para que o país, enfim, tome os rumos do
crescimento das grandes nações.
• Assim, o caipira, para se salvar, tinha que deixar de
ser o que era para transformar-se em um sujeito
moderno. A sua salvação estava justamente na sua
extinção.
• Em 1924 o Jeca Tatu
é usado numa
campanha pública de
saúde, com o nome
de Jeca tatuzinho.
• Em 1927 passa a
protagonizar a
campanha do
Biotônico Fontoura,
quando se torna
nacionalmente
conhecido.
• 1947: Monteiro Lobato cria a
personagem Zé Brasil, o Jeca
de caráter nacional.
• Mudança de perspectiva:
passa a enfocar as perversões
do capitalismo e da
modernidade nacionais, além
do problema do latifúndio.
• Se para o escritor de 1914 o
caipira era tido como uma
praga, alheio à própria terra, e
em 1918 como um oprimido
pelo abandono e pelas
doenças decorrentes deste,
agora é a expropriação de
suas terras, causadas pelo
latifúndio, a principal desgraça
do caboclo.
• As transformações do Jeca são a história das
transformações da auto-imagem do brasileiro, ou da
construção identitária nacional:
1 - “Jeca” é o atrasado personificado no mestiço (Oliveira
Vianna, Nina Rodrigues)
2- Jeca é a representação do Brasil agrário e rural,
subdesenvolvido, em total descompasso com a tessitura
urbano-industrial que tipificava os países que comandavam
o cenário político e econômico internacional; vítima da
conjuntura econômica. (Freyre)
3- por fim, em sua última metamorfose, o “Jeca” é convertido
em “Zé Brasil”, arquétipo literário do trabalhador explorado
e de um país submetido à espoliação internacional.
O FILME (1949)
• O período em que Mazzaropi atuou coincide com o
predomínio da política e da ideologia desenvolvimentista
no Brasil (Dutra).
• Nesse
momento,
a
população
citadina
era
representada pelas produções culturais (literatura
modernista, teatro, cinema, etc) como a imagem da
modernidade e da democracia.
•
Em contrapartida o campo era representado
de modo negativo e arcaico, diverso dos valores da
modernidade.
• O camponês tratado no cinema era o nordestino
revolucionário, envolvido na luta de terra.
• Contrariamente a essa idéia, numa perspectiva
de contraposição aos interesses hegemônicos
da ideologia desenvolvimentista, Mazzaropi
apresenta um estereótipo de camponês
diferente do almejado.
• Em suas produções, ele não possui um
caráter revolucionário, mas é portador de
hábitos e valores conservadores, enfrentando o
mundo urbano através de seu comportamento
esquivo, revelando-se, às vezes, meio
sonso .
• As primeiras cenas do filme mostram uma
fazenda próspera e mecanizada, com vários
empregados desenvolvendo atividades
diversas, simbolizando a modernidade e o
trabalho racional.
• No filme, Jeca simboliza esse camponês que
não conseguiu manter suas terras frente ao
grande proprietário, nem competir com a
mecanização do campo, decidindo migrar e
trabalhar na construção de Brasília (êxodo rural)
• Preguiça como crítica à ordem capitalista.
NÓS É JECA MAS É JÓIA
(Juraildes da Cruz )
Se farinha fosse
americana
mandioca importada
banquete de bacana
era farinhada
Andam falando qui nóis
é caipira
qui nossa onda é
montar a cavalo
qui nossa calça é
amarrada com imbira
qui nossa valsa é briga
de galo
Andam falando que nóis
é butina
mais nóis num gosta de
tramóia
nóis gosta é das minina
nóis é jéca mais é jóia
mais nóis num gosta de
jibóia
nóis gosta é das minina
nóis é jéca mais é jóia
Se farinha fosse...
Andam falando qui nóis é caipira
qui nóis tem cara de milho de pipoca
qui o nosso roque é dançar catira
qui nossa flauta é feita de tabóca
nóis gosta de pescar traíra
ver as bichinha gemendo na vara
nóis num gosta de mintira
nóis tem vergonha na cara
ver as bichinha chorando na vara
nóis num gosta de mintira
nóis tem vergonha na cara
Se farinha fosse...
Andam falando que nóis é caipora
qui nóis tem qui aprender ingrês
qui nóis tem qui fazê xuxéxu fóra
deixe de bestáge
nóis nem sabe o portuguêis
nóis somo é caipira pop
nóis entra na chuva e nem móia
meu ailóviú
nóis é jéca mais é jóia
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Jeca - Acadêmico de Direito da FGV