Que Jeca, que nada! Nóis é Jeca mais é Jóia, CD recentemente lançado pelo selo Kuarup, reúne dois expoentes da música regional brasileira contemporânea: Juraildes da Cruz e Xangai. A música que dá título ao trabalho, composta por Juraildes, é já velha conhecida de muitas pessoas que acompanham a produção musical além dos pífios limites da radiofonia nacional: “Se farinha fosse americana/ mandioca importada/ banquete de bacana/ era farinhada...”, cantam os artistas. Entre a ironia, o telurismo e o protesto segue o disco, trilha sonora ideal para esses tempos de tanto estresse e tanta preocupação com as contas para pagar, com o ônibus para pegar, com o nada para sofrer... Xangai e Juraildes da Cruz falam de um outro tempo. Aquele tempo mais lento, mais pausado de nossos rincões, sejam eles nordestinos ou de qualquer outro interior do País. Aquele mesmo tempo que a gente vem assistindo diariamente na belíssima produção do remake de “Cabocla”, na Rede Globo. Aliás, não seria exagero afirmar que esse disco poderia muito bem ser a trilha sonora perfeita para a nova novela do horário das seis da Globo. “Nóis é Jeca mais é Jóia” é a resposta irônica do que se convencionou chamar de matuto contra o civilizado da cidade. Bradam os dois artistas: “Andam falando qui nóis é caipora/ qui nóis tem qui aprender ingrês/ qui nóis tem qui fazer xuxéxu fora/ deixe de bestáge/ nóis nem sabe o portuguêis/ nóis somo é caipira pop/ nóis entra na chuva e nem móia/ meu ailóviu/ nóis é jeca mais é jóia”. Bem, de Jeca eles não têm nada. Pelo menos se formos entender Jeca como o matuto que não sabe nada, que sempre é passado para trás e sempre em desvantagem em relação ao culto e letrado. Aliás, já disseram que o matuto é muito mais inteligente do que muitos intelectuais que ficam arrotando empáfia beletrista por aí. Tanto não são Jeca que construíram esse belíssimo trabalho. Canções como “Vida no Campo” mostram toda a riqueza lírica que cerca composições simples ao narrar a vivência no sítio ou na fazenda. Impossível não buscar minhas reminiscências do Sítio Sossego de minha vó. Não é para isso que serve a boa arte? Para nos fazer refletir e também viajar no tempo e no espaço da nossa memória. Ouvindo esse disco, fica a felicidade de saber que a boa música regional continua sendo feita por esse Brasil afora. Apesar de muita gente ainda achar que música sertaneja, caipira ou regional é sinônimo de Zezé di Camargo e Luciano. (Texto publicado no jornal A União, em abril de 2004)