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A petição inicia seu texto propriamente dito
com a narração dos fatos.
A divisão entre “OS FATOS” (a narrativa) e “O
DIREITO”( a argumentação) tem função
prática de orientar o leitor quanto aos dois
tipos de textos distintos (organização/didática)
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É impossível que um texto seja puramente
narrativo ou puramente argumentativo.
Pode-se apenas dizer que um trecho da petição
tem maior conteúdo narrativo e outro, maior
conteúdo argumentativo.
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Todo conflito posto à apreciação do Poder
Judiciário surge de:
fatos juridicamente irrelevantes (a lei não lhes
impõe qualquer efeito ou sanção)
Fatos
juridicamente
relevantes
(trazem
consequências jurídicas)
Fatos juridicamente relevantes
→trazem consequências jurídicas prescritas pela lei,
tendo por base elementos culturais e políticos que
interferem em sua elaboração.
→cada preceito jurídico é direcionado, direta ou
indiretamente, a fatos concretos, impondo-lhes um juízo
de valor:
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As normas jurídicas regem os elementos
fáticos.
Assim, não é possível argumentar sobre a
aplicabilidade dos preceitos jurídicos sem que,
antes, mostrem-se os fatos que reclamam
intervenção do Poder Judiciário.
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Os fatos →vão determinar as normas jurídicas
aplicáveis
Narrativa dos fatos
→precede sempre à articulação das teses
jurídicas (o Direito)= a argumentação jurídica
→tem um conteúdo meramente informativo
Características do texto narrativo
 → é figurativo: se desenvolve por meio de
personagens que atuam sobre a realidade de
determinada maneira, transformando-a.
“ O querelado, no dia primeiro de janeiro do
corrente ano, telefonou para dois dos clientes do
querelante, afirmando-lhes que os serviços deste
eram mal elaborados, e, mais, que o querelante era
um mau profissional.
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
Ainda não satisfeito com tal atitude, telefonou,
dois dias depois, à secretária de um terceiro
cliente, informando que lhe estaria passando
um fax.
Naquela oportunidade, aproveitou para falar a
ela que a mensagem do fax constituía-se de um
texto que explicava o descontentamento do
querelado com os serviços do querelante. Foi o
que de fato fez:


transmitiu via fax o texto de fls. 10, que
contém difamações severas, atingindo a honra
objetiva do querelante, como se demonstrará
posteriormente.”
Para comprovar a existência da difamação, o
patrono teve de narrar os fatos, envolvendo
personagens ─ querelante, querelado,
secretária e três clientes), bem como coisas (fax,
o texto), que assumem posições no desenrolar
dos acontecimentos.
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
Construir uma narrativa é mostrar, no texto, a
ação de um personagem que opera uma
transformação em seu meio.
Em toda narrativa, alguém age e muda o
estado das coisas, alterando o status quo ante
Essa mudança na realidade representa o núcleo
de toda a narrativa, e somente pode ocorrer
pela ação e combinação das figuras
apresentadas.
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
→ transcurso do tempo: as figuras são
apresentadas ao leitor de acordo com uma
ordem (transcurso do tempo)
Lapso temporal → eixo principal da coerência
narrativa
Indicação do transcurso do tempo
→é essencial ao discurso narrativo
→pode
aparecer
de
modo
explícito
(determinação de data e hora) ou

de modo implícito ( a referência a um marco
histórico ou a própria sequência das ações, que
permite ao leitor depreender o passar do tempo
etc)
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
Progressão
da
argumentação
=lógica
(representa o encadeamento de ideias que se
combinam)
Progressão da narrativa= temporal (indicado
ou não, o tempo é o único elemento que ordena
as ações narradas)
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O quê: o fato que se pretende contar
Quem: as partes envolvidas
Como: o modo como o fato aconteceu
Quando: a época, o momento, o tempo do fato
Onde: o registro especial do fato
Por que: a causa, o motivo do fato
Por isso: resultado ou consequência do fato


Primeiro passo: selecionar os fatos a serem
narrados → de todos os elementos que podem
fazer parte da narrativa, o autor deve, como primeiro
passo, escolher aquele que julga relevante.
Mas como definir os fatos relevantes?
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I Os fatos que são juridicamente relevantes.
II Os fatos que contribuem para a compreensão
dos juridicamente relevantes.
III Os fatos que contribuem para a ênfase de
outros mais importantes.
IV Os fatos que satisfazem a curiosidade do
leitor ou lhe despertam interesse na leitura.
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Os fatos que são juridicamente relevantes são
aqueles que importam diretamente para a
aplicação da norma jurídica.
Como a norma é um paradigma de ações
previsíveis, os fatos que são juridicamente
relevantes são aqueles que se enquadram em
tais modelos.
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

Só são inseridos no texto os elementos que
realmente influenciam a aplicabilidade da lei
penal. Vejamos o exemplo:
“(...)
Consta do incluso inquérito policial que, no
dia 13 de maio de 1996, no bairro Bonjardim,
nesta comarca de São Paulo, Hermelindo
matou a tiros a vítima Hermeto, por meio que
impossibilitou a defesa do ofendido.


Conforme apurado, Hermeto saía de um bar
quando alguém o chamou e, assim que ele se
virou para olhar quem clamava seu nome, foi
surpreendido pelos disparos, sem poder
esboçar qualquer reação.
Testemunhas reconheceram o autor dos
disparos fatais como sendo Hermelindo. O
motivo do crime não foi apurado.


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II. Fatos que contribuem para a compreensão
dos juridicamente relevantes.
Os fatos juridicamente relevantes não ocorrem
isolados, mas sim dentro de um contexto
próprio, que deve ser exposto ao leitor, para
que se entendam as particularidades da
demanda.
Os fatos que contribuem para a compreensão
dos juridicamente relevantes funcionam como

modo de que o leitor compreenda esse contexto
das ocorrências e, mais, para que compreenda
o processo em que os termos juridicamente
relevantes ocorreram, seu desenrolar.


O fato juridicamente relevante
não é autoexplicável. Para ser compreendido,
ele necessita de outros fatores que, embora não
interfiram na capitulação legal, criam o campo
para a ocorrência dele, ou, no mínimo, situam o
ouvinte em um contexto maior.

“O autor, na madrugada do dia 13 de maio de
1999, encontrava-se em uma festa de sua
faculdade, a qual, devido ao adiantado da hora,
já estava por findar-se. Procurando voltar para
casa, o autor foi ao encontro do ora réu, seu
vizinho, e perguntou-lhe se este lhe poderia dar
uma carona, em seu carro, até a casa do autor.

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II. Fatos que contribuem para a
compreensão dos juridicamente
relevantes=(contexto)
Festa que estava havendo
Pretensão do réu (estender a farra depois
da festa)
Desapontamento porque o autor quis
voltar para casa, desviando-o do
caminho pretendido



Com esses fatos, o narrador permite ao
leitor o entendimento mínimo do
contexto, essencial para a instrução
processual e para o próprio contraditório,
o direito de resposta da parte contrária.
Conhecendo esses fatos, o magistrado já
tem elementos para criar suas dúvidas a
respeito do ocorrido:
Como foi a festa? Havia drogas?




O autor colaborara de algum modo para
o acidente?
Será que o réu acelerou seu carro apenas
para assustar o autor, vez que ele estava
indisposto?
Alguém na festa vira o estado do réu ao
sair?
Estava ele bêbado?

Para, na narração forense, tornar o fato
juridicamente relevante minimamente
compreensível ao leitor, formando a
individualização e contextualização do
evento, o autor do texto narrativo deve,
sempre, procurar fazer com que seu texto
tenha as respostas para estas sete
questões:
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


O quê: o fato, a ação. (o acidente)
Quem: os personagens, agentes (autor e
réu)
Como: o modo como se desenrolou o fato
(a saída da festa, a aceleração do carro)
Quando: o momento ou a época em que
ocorreu o fato (madrugada do dia 13 de
maio de 1999)



Onde: lugar da ocorrência (Av. Nove de
Julho, nº 45.502)
Por quê: a causa, o motivo do fato (a
irritação do réu, sua imprudência ao
dirigir)
Por isso: resultado ou consequência (0s
danos ao autor, que serão descritos)


Os elementos que servem para a
compreensão
dos
juridicamente
relevantes podem vir a nestes se
transformar, se sobre eles vier a incidir
efeito da norma jurídica. Ex.
Se o acidente tivesse ocorrido na cidade
do Rio de Janeiro, o foro competente
seria diverso.

Se o fato houvesse ocorrido há mais de 20 anos,
passaria a incidir no contexto fático a norma
insculpida no artigo 177 do CC, a prescrição da
ação pessoal.


III Fatos que colaboram para a ênfase de
outros
Quando o autor do texto passa a inserir novos
elementos na narrativa, é porque todos os
outros estão preenchidos: já se tem os fatos
juridicamente relevantes e os elementos
minimamente necessários para o entendimento
de todo o contexto.


“O autor expôs sua vontade de ir para casa,
dizendo que deveriam lembrar-se de que
teriam prova na faculdade na semana seguinte
e que por isso seria bom não abusar.
O réu persistia no seu intento de persuadir o
autor a acompanhá-lo e, aparentemente
descontrolado, fazia curvas em alta velocidade,
rangendo os pneus, atravessava semáforos
fechados, assim

expressava sua indignação ou
desapontamento por ter de levar a casa o
autor, enquanto este, temeroso, por
várias vezes pedia para que a velocidade
do carro fosse abrandada.

... O carro era dirigido no limite do controle
humano, com freadas ríspidas, acelerações
repentinas, que faziam o veículo atingir
velocidade absolutamente incompatível com as
vias por que passava. O descontrole mental do
réu, talvez por causa de algum elemento
alterador do humor consumido na festa,
aflorava naquele momento. (...) Foi então que a
vontade de demonstrar sua contrariedade
tomou novo ímpeto: o autor acelerou...”


A inserção desses novos elementos só deve ser
feita quando se tem certeza de sua pertinência,
pois eles podem tornar a narrativa longa,
confusa, cansativa ao leitor.
Portanto, da gama de fatos que chegam ao
conhecimento do advogado, ele só deve
selecionar esses últimos se tiver uma intenção
clara e seu efeito no texto for benéfico


A função principal da narração jurídica não é,
ao contrário da literária, a de emocionar e
entreter, mas sim a de informar os fatos e, de
forma implícita, persuadir.
Ocorre que a emoção, a persuasão e o interesse
são elementos que se complementam, de modo
que a leitura agradável não se pode dissociar
da pretensão suasória, da “adesão dos
espíritos” de que nos fala Perelman.
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Esses elementos que buscam criar o conflito são
de importância menor que aqueles que trazem
informações básicas para a compreensão e
individualização dos fatos juridicamente
relevantes.
O redator iniciante deve se preocupar em
selecionar elementos apenas para informar,
deixando de lado a criação do conflito, até que
tenha maior segurança

para fazê-lo, pois os elementos fáticos menos
relevantes podem transformar a narrativa em
uma construção pouco clara, que, em lugar de
prender a atenção do leitor, vem a confundi-lo.
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Fatos que satisfazem a curiosidade do leitor ou
lhe despertam interesse na leitura.
Vários elementos fáticos enunciados no texto
citado tendem a realçar uma conduta do réu: a
imprudência ao dirigir.
Reiteram-se, no texto, elementos que,
progressivamente, dão indícios de sua direção
perigosa, querendo caracterizar a culpa do réu.

O autor da narração jurídica deve atentar para
o fato de que a narração tem um escopo
argumentativo, e alguns dos elementos que são
selecionados para compor a narrativa vêm,
ainda que de forma implícita, a colaborar para
o reforço das ideias que serão expostas na
argumentação propriamente dita.
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Referências
RODRÍGUEZ, Victor Gabriel. Manual de
redação forense. Curso de linguagem e
construção de texto no Direito. 2. ed. ampliada
com capítulo sobre monografia jurídica.
Campinas: LZN Editora, 2002.
____Argumentação jurídica: técnicas de
persuasão e lógica informal. 4. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2005
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