Angélica Rosa Psicóloga Melanie Klein nasceu Melanie Reizes, nome de família de seu pai. Adotou o Klein só aos 21 anos, após o casamento com Arthur Klein. Ela veio ao mundo em Viena, no dia 30 de março de 1882, em uma família de origem hebraica bastante humilde, embora dotada de certo nível cultural. Era a quarta e última filha do casal Moriz (médico e dentista) e Libussa (dona de casa e proprietária de um pequeno comércio). Dois de seus irmãos, aos quais era especialmente ligada, morreram precocemente: sua irmã Sidonie, aos sete anos, quando Melanie contava apenas quatro, e seu querido irmão Emanuel, quando ela chegava aos vinte. Os temas da perda e da melancolia insinuaram-se bem cedo em sua existência e marcariam profundamente seu pensamento teórico. Mais adiante, a morte acidental de seu filho veio, ao que tudo indica, dar um impulso e uma direção ainda mais importantes em suas teorizações. Tudo indica que Melanie Klein sofreu muito com as mortes de seus irmãos, especialmente Emanuel, que foi para ela uma espécie de mentor intelectual. Pouco tempo depois desta perda, ela se casaria com um dos amigos do irmão, o engenheiro químico Arthur Klein, de quem estava noiva desde os 17 anos. Ao lado de Emanuel, ou por seu intermédio, Melanie entrara em contato com o riquíssimo mundo cultural, artístico e filosófico da Viena da virada de século; e desde os 14 anos acalentara o sonho de se tornar médica. Tudo isso foi impedido pelo casamento e nascimento de seus três filhos: Mellita, em 1904, Hans, em 1907, e Erich, em 1914, quando seu casamento já ia mal e Melanie Klein começava a buscar novos horizontes. No entanto, nunca cursou uma universidade: é a única dos grandes criadores da psicanálise que jamais teve uma vida acadêmica de base. Nem médica, como a maioria, nem psicóloga nem socióloga, antropóloga ou lingüista (como foram alguns analistas de renome no seu tempo), ela foi sempre uma pesquisadora autodidata - talvez por isso mesmo absolutamente original, embora um tanto inepta na comunicação escrita de suas idéias. Após o casamento, o casal Klein deixa Viena e reside em diversas cidades do Império Austro-Húngaro, até chegar a Budapeste, na Hungria, em 1910. Durante esses primeiros anos, Melanie Klein teve dificuldades de cuidar de seus dois primeiros filhos e entrou em estados de profundo desânimo e desespero, o que a aproximou do tratamento psicanalítico. Para ela, a psicanálise, antes de ser uma profissão ou um interesse intelectual, foi uma experiência de crescimento e cura pessoal. O ano de 1914 trouxe acontecimentos importantes. No âmbito mundial, estourava a Primeira Grande Guerra. No plano privado, morria Libussa, a mãe de Melanie, muito amada e muito invejada - seja por sua força e capacidade de apoio, quando tomava conta dos netos (durante os afastamentos de Melanie por razões de saúde e/ou depressão), seja por sua tendência à intrusão na vida das filhas. Uma "iídiche mama" exemplar. Por fim, em 1914, já com 32 anos, dá-se o encontro de Melanie Klein com a psicanálise: ela lê um texto de Freud sobre os sonhos e começa a sua primeira análise com Sándor Ferenczi (1873-1933), o grande discípulo húngaro de Freud, buscando livrar-se da depressão. Pouco depois, quando o filho caçula Erich começava a apresentar alguns sinais de inibição intelectual (dificuldade de aprendizagem generalizada), ela daria início a uma intervenção analítica com ele, guiada pelas teorias psicanalíticas. Erich nasceu no mesmo ano em que nascia a psicanálise na vida de Melanie Klein e foi seu primeiro "paciente". Anos mais tarde, a morte acidental de outro filho, na década de 1930, ensejaria a redação do primeiro dos trabalhos mais influentes da autora, dedicado à compreensão dos estados depressivos e maníacos. Em 1918, Melanie Klein participa do 5º Congresso Internacional de Psicanálise, sediado em Budapeste, e escuta Freud ler um texto sobre os avanços da terapia psicanalítica. No ano seguinte, ela escreve e apresenta seu primeiro texto, baseado no tratamento de Erich, e ingressa na Sociedade Psicanalítica de Budapeste. Em 1921, muda-se para Berlim, um centro de atividade e formação psicanalítica quase tão importante quanto Viena. Na Alemanha, em 1922 - com 40 anos de idade -, Melanie Klein ingressa como membro- associado na Sociedade Psicanalítica de Berlim e, em 1924, começa uma segunda análise com Karl Abraham (1887-1925), outro dos mais destacados discípulos de Freud. Já em 1925, ela é convidada a dar algumas palestras em Londres, para onde se mudará no ano seguinte. Essa mudança respondia aos convites dos analistas ingleses muito impressionados pelo pensamento ousa do e pela singularidade da jovem senhora Klein, que co meça a se converter em personagem - e também ao sentimento de orfandade de Melanie, após a morte inesperada e precoce de Karl Abraham, no final do ano anterior. Sem seu analista e protetor, ela ficava exposta às críticas de membros mais conservadores da Sociedade às suas idéias relativas ao atendimento de crianças, completamente novas e originais, e divergindo do que pensavam Freud e sua filha Anna, que também se dedicava à extensão da psicanálise ao atendimento de crianças. Em 1927, Melanie Klein torna-se membro da Sociedade Psicanalítica Britânica. A partir de então sua ascensão é fulminante. Os primeiros pacientes infantis eram filhos de colegas que nela já depositavam muita confiança, apesar do caráter revolucionário do que propunha. Havia, de fato, uma oposição radical entre sua proposta para a análise de crianças, que deveria ser o mais próxima possível da análise de adultos, e o modelo defendido por Anna Freud, muito mais conservadora nesse aspecto. Para ela, a psicanálise com crianças se aproximava mais de um trabalho de feição pedagógica e preventiva, enquanto para Klein o atendimento mesmo de crianças muito pequenas exigia modificações técnicas, mas não diferia do tratamento psicanalítico de adultos em seus objetivos e metas. Em 1932, Melanie Klein publica seu primeiro livro, A Psicanálise de Crianças, que expõe os fundamentos técnicos da análise infantil mediante o brincar, e aborda as ansiedades precoces e seus efeitos no desenvolvimento: em excesso, as ansiedades bloqueiam o desenvolvimento emocional e cognitivo, mas sua ausência também é contraproducente. Como desenvolver a capacidade da criança acolher, experimentar, enfrentar e dominar suas ansiedades de modo a tornar-se apta à vida, à aprendizagem e à criação? É a questões como essas que o livro procura trazer respostas. No âmbito familiar, a década de 1930 traria duas grandes dores: a morte de seu filho Hans, em 1934, ao escalar uma montanha, e as agressões da filha Mellita, que se tornara analista e ingressara na Sociedade Britânica. A morte de Hans afetou-a profundamente. Foi na elaboração desta perda que Melanie Klein escreveu o seu primeiro texto realmente ousado e totalmente inovador: "Uma Contribuição Para a Psicogênese dos Estados ManíacoDepressivos" (1935), em que o tema da perda e da melancolia ingressava no campo de sua teorização. No outro front, suas relações com a filha Mellita iam de mal a pior e jamais puderam ser recuperadas. Freud e Anna Freud não apreciavam as propostas kleinianas. A partir da década de 1940 - depois que os Freud se refugiaram do nazismo em Londres formam- se dois blocos na Sociedade Britânica: de um lado,os adeptos de Melanie Klein, que aos poucos vai-se tornando uma figura carismática, verdadeira chefe-de-escola; do outro, os adeptos do freudismo clássico e os "inimigos de Melanie", como sua filha. É bom que se diga que muitos analistas importantes da Sociedade Britânica procuraram se manter eqüidistantes e equilibrados, mas o período foi marcado pela polarização. Tal controvérsia ficará mais intensa a partir do texto de 1935. Durante toda a década de 1940, outros textos de Klein e de seu grupo de seguidores (em sua maioria, analistas mulheres) alimentam a polêmica. O "grupo kleiniano" tinha à frente Suzan Isaacs, Paula Heimann e Joan Rivière; a própria Melanie Klein exerce desde então seu domínio com mão de ferro. A partir desta época, à pessoa da psicanalista sobrepõe-se de fato a personagem "Melanie Klein", representando uma linha evolutiva do pensamento psicanalítico e uma posição institucional. Apesar da contundência dos debates, é notável o fato de que Melanie Klein e seu grupo permanecem na Sociedade Britânica de Psicanálise e na Associação Internacional de Psicanálise (IPA), não sendo expulsos - como viria a acontecer com Lacan na década seguinte - nem abrindo uma dissidência contra Freud, como haviam feito Adler e Jung anteriormente. Na segunda metade da década de 1940, Melanie Klein lança mais um texto impactante, uma nova radicalização de seu pensamento teórico: "Notas Sobre os Mecanismos Esquizóides", e no início da década seguinte o grupo kleiniano publica Desenvolvimentos em Psicanálise, com artigos de Melanie Klein, Joan Rivière, Suzan Isaacs e Paula Heimann, produzidos no contexto das Controvérsias Freud-Klein, e que reúne e aprofunda as divergências entre a teoria kleiniana e a freudiana, dando um maior acabamento ao "sistema kleiniano". Desde então, o kleinismo se converte em uma "escola" de pensamento psicanalítico, o que lhe dá grande força institucional e criativa, mas também um impulso na direção do dogmatismo e da auto-referência. Na verdade, a emergência do kleinismo inaugura a "era das escolas": passaram a existir freudianos (ligados a Anna Freud e aos autores da Ego Psychology, vienenses emigrados para os Estados Unidos, como H. Hartmann), kleinianos e "independentes" (os analistas britânicos não alinhados às duas posições anteriores); mais tarde, surgirão os lacanianos (freudianos a seu modo), os bionianos, os psicanalistas da Self Psychology, como H. Kohut, os intersubjetivos etc. Cada grupo passa a se referir quase só à literatura científica dos que pensam e atuam de forma idêntica ou muito semelhante, excluindo os demais. Três décadas do movimento psicanalítico estiveram sob a égide da "era das escolas" e da dispersão teórica inaugurada pelo kleinismo. Hoje, esta divisão tende a ser superada e o pensamento kleiniano, entre outros, está muito mais integrado ao conjunto da psicanálise contemporânea. No entanto, enquanto a era das escolas estava em seu apogeu, o kleinismo foi sempre muito atuante, e ainda hoje autores estritamente kleinianos continuam em atividade e publicando. Em 1955, saía uma nova coletânea dos pensadores alinhados com a teoria kleiniana - New Directions in Psycho-Analysis (Novas Direções em Psicanálise) -, incluindo, ao lado de textos de Klein, ca pítulos de autoria de Bion, Money-Kyrle, Elliot Jacques e Herbert Rosenfeld, com artigos de duas novas colaboradoras: Marion Millner e Hanna Segal, esta última uma das mais lúcidas e equilibradas kleinianas, que segue produzindo até os dias de hoje. A obra tem uma parte clínica e outra dedicada à interpretação psicanalítica da vida institucional, da ética e da estética: seu conjunto revela a força e a abrangência das teorizações kleinianas e seu poder de inspiração para novos pensadores. Finalmente, em 1957, seria publicado o último livro de Melanie Klein com grandes novidades teóricas: Inveja e Gratidão, um livro pequeno em tamanho, mas denso, mostrando as duas disposições afetivas básicas do ser humano, amor e ódio, desde os primeiros anos e ao longo de toda a existência. Um texto mais antigo, de sua autoria, será logo em seguida editado: Narrativa da Análise de uma Criança, no qual Melanie Klein esteve trabalhando até poucos dias antes de morrer, em 1960. Trata-se do relato, passo a passo, de seu trabalho clínico com um paciente de 10 anos, apresentando graves comprometimentos psíquicos e relacionais, a quem ela atendera intensivamente durante quatro meses. Todas as sessões tinham sido anotadas e discutidas em seus aspectos clínicos e teóricos. A análise fora conduzida no início dos anos 40, durante a guerra, quando analista e paciente se achavam refugiados em uma pequena cidade próxima de Londres, para fugir dos bombardeios. TÉCNICA. Klein acreditava que todas as situações produtoras de ansiedade, incluindo a hora analítica, reativam ansiedades das posições paranóide, esquizóide e depressiva. As defesas e medos primitivos são interpretados da primeira sessão em diante tão profundamente quanto possível e envolvem material tanto de transferência (você deseja me aniquilar) como de não transferência (você desejou eliminar o seio mau da sua mãe). A mesma técnica é usada com todos os pacientes, focalizando sobre fantasias inconscientes que representam o conteúdo e as operações defensivas nos níveis mais primitivos da mente. A técnica foi usada até mesmo com crianças com menos de 6 anos de idade, usando seu brinquedo livre como a base para a interpretação em sessões de 50 minutos cinco dias por semana. Para Klein, o brinquedo livre de uma criança era análogo as livre-associações de um adulto. Suas visões opuseram-se às de Anna Freud, a outra analista infantil dominante do dia que sustentava que a análise do complexo de Édipo de crianças pré latência não é possível, já que ela pode interferir com relacionamentos parentais; a análise desta criança é em grande parte uma experiência educacional para a criança; que uma neurose de transferência não pode ser efetuada devido à atividade dos pais na vida diária da criança; e que o analista deveria fazer todo o esforço para obter a confiança da criança. Klein sustentou que uma neurose de transferência pode ser efetuada e então resolvida por interpretação. Ao invés de tentar obter favor com a criança, Klein imediatamente interpretava transferências negativas (você quer se ver livre de mim) e verificou que fazer isso aliviava a ansiedade ao invés de intensificá-la. Terapeutas kleinianos são interessados em tratar pacientes nos quais conflitos e defesas primitivos predominam. Eles fazem isso assumindo uma posição estritamente interpretativa, interpretando tanto aspectos negativos como positivos da transferência, mas especialmente enfatizando os aspectos negativos.