ARCADISMO / NEOCLASSICISMO (séc. XVIII) MOMENTO HISTÓRICO » no mundo Revolução Gloriosa (Inglaterra, 1688); Revolução Industrial (Inglaterra, 1760); Independência dos EUA (1776); Revolução Francesa (1789); Progressivo descrédito das monarquias absolutas; decadência da aristocracia feudal; crescimento do poder da burguesia. » no Brasil Inconfidência Mineira (1789). PENSAMENTOS DA ÉPOCA Iluminismo: O uso da razão como meio para satisfazer as necessidades do homem. Os movimentos pela independência do Brasil, como a Inconfidência Mineira, por exemplo, inspiraram-nas nas idéias iluministas. Laicismo: Estado e igreja devem ser independentes, e as funções do Estado, como a política, a economia, a educação, exercidas por leigos. Liberalismo: ideologia política que defende os sistemas representativos, os direitos civis e a igualdade de oportunidades para os cidadãos. Empirismo: corrente filosófica que atribui à experiência sensível a origem de todo conhecimento humano. CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO EXPRESSÃO ARTÍSTICA DA BURGUESIA Foi nesse contexto de fermentação filosófica e lutas políticas que surgiu o Arcadismo, voltado para um novo público consumidor, formado pela burguesia e pela classe média. Como expressão artística dessas camadas sociais, o Arcadismo identifica-se com as idéias da Ilustração e veicula-as sob a forma de valores que se opõem ao tipo de vida levado pelas cortes aristocráticas e à arte que consumiam, o Barroco. Daí a idealização da vida natural, em oposição à vida urbana; a humildade, em oposição aos gastos exorbitantes da nobreza; o racionalismo, em oposição à fé; a linguagem simples e direta, em oposição à linguagem rebuscada do Barroco. Esses valores artísticos e culturais assumiram, no contexto da sociedade européia do século XVIII, um significado de clara contestação política, já que flagravam os privilégios da nobreza e do clero e propunham uma sociedade mais justa, racional e livre. O Arcadismo pode ser visto, sob o ponto de vista ideológico, como um arte revolucionária. Contudo, do ponto de vista estético, é uma arte conservadora, pois ainda se liga à tradição clássica, tanto tempo cultivada pelas cortes aristocráticas. CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO LITERÁRIO A linguagem árcade é a expressão das idéias e dos sentimentos do artista do século XVIII. Seus temas e sua construção procuram adequar-se à nova realidade social vivida pela classe que a produzia e a consumia: a burguesia. Outras características da linguagem árcade que merecem destaque: - Arte ligada ao Iluminismo. Oposição ao absolutismo despótico e ao poder (barroco) da Igreja. - Afirmação orgulhosa da racionalidade. Razão = Verdade = Simplicidade e clareza. - Culto da simplicidade. Como se atinge a mesma? Através da imitação (não no sentido de cópia, mas no de seguir modelos já estabelecidos). - Imitação dos clássicos gregos. Em especial, Virgílio e Teócrito, clássicos pastoris. - Imitação da natureza campestre, isto é, da ordem e do equilíbrio que essa natureza apresenta, o que dá a mesma um caráter de paraíso perdido. Dois elementos decorrem da aproximação do árcade da natureza campestre: - Bucolismo: adequação do homem à harmonia e serenidade da natureza. - Pastoralismo: celebração da vida pastoril, vista como um eterno idílio entre pastores e pastoras. CARACTERÍSTICAS DO MOVIMENTO - Ausência de subjetividade. O autor não expressa o seu próprio eu, adota uma forma pastoril (era comum os escritores usarem pseudônimos em seus poemas,sonetos e obras, como exemplo: Cláudio Manuel da Costa é Glauceste Satúrnio, Tomás Antônio Gonzaga é Dirceu, Basílio da Gama é Termindo Sipílio) - Amor galante. O amor é entendido como um conjunto de fórmulas convencionais. Fugere urbem (fuga da cidade): Os árcades defendiam o bucolismo como ideal de vida, isto é, uma vida simples e natural, junto ao campo, distante dos centros urbanos. Tal princípio era reforçado pelo pensamento do filósofo francês Jean Jacques Rousseau – “a civilização corrompe os costumes do homem, que nasce naturalmente bom.” Aurea mediocritas (vida medíocre materialmente mais rica em realizações espirituais): A idealização de uma vida pobre e feliz no campo, em oposição à vida luxuosa e triste na cidade. Convencionalismo amoroso: na poesia árcade, as situações são artificiais; não é o próprio poeta quem fala de si e de seus reais sentimentos. No plano amoroso, por exemplo, quase sempre é um pastor que confessa o seu amor por uma pastora e a convida para aproveitar a vida junto à natureza. Porém, ao se lerem vários poemas, de poetas árcades diferentes, tem-se a impressão de que se trata sempre de um mesmo homem, de uma mesma mulher e de um mesmo tipo de amor. Não há variações emocionais. Isso ocorre devido ao convencionalismo amoroso, que impede a livre expressão dos sentimentos. O que mais importava ao poeta árcade era seguir a convenção, fazer poemas de amor como faziam os poetas clássicos, e não expressar os sentimentos. A mulher é vista como um ser superior, inalcançável e imaterial. Carpe diem: o desejo de aproveitar o dia e a vida enquanto é possível. Essa idéia é retomada pelos árcades e faz parte do convite amoroso. QUADRO DE CARACTERÍSTICAS QUANTO À FORMA QUANTO AO CONTEÚDO Vocabulário simples Pastoralismo Frases em ordem direta Bucolismo Ausência quase total de figuras de linguagem Manutenção do verso decassílabo, do soneto e de outras formas clássicas Fugere urbem (fugir da cidade) Aurea mediocritas (vida simples) Elementos da cultura greco-latina (deuses pagãos) Convencionalismo amoroso (pseudônimos) Idealização amorosa Racionalismo Idéias iluministas Carpe diem (viver o presente) ARCADISMO EM PORTUGAL CONTEXTO HISTÓRICO Marco introdutório do Arcadismo em Portugal: Fundação da Arcádia Lusitana (1756). Academias Literárias: Agremiações que tinham por objetivo promover um debate permanente sobre criação artística, avaliar criticamente a produção de seus filiados e facilitar a publicação de suas obras. Academias árcades mais importantes: Arcádia Lusitana e Nova Arcádia (1790). Na primeira metade do século O reinado suntuoso de D. João V vive as grandes riquezas do ciclo do ouro de Minas Gerais; Desperdício, obra monumentais; Manutenção da Inquisição; Influência aristocrática e clerical; Monarquia absolutista. Na segunda metade do século (1750-1777) O déspota esclarecido Marquês de Pombal, ministro de D. José I, procurou, com reformas, alinhar Portugal com a Europa iluminista. O Neoclassicismo corresponde ao período do governo pombalino. Em 1759, Pombal expulsa os jesuítas dos domínios portugueses. Tal fato acelera a marginalização do clero na vida lusitana e estabelece o fim da influência e do ensino jesuítico. MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE ( 1765-1805) Pseudônimo: Elmano Sadino ( Elmano – anagrama de seu primeiro nome Sadino – referência ao rio Sado em Setúbal) Nasceu em Setúbal. Os quarenta anos de vida de Bocage foram marcados tanto pelo sofrimento e pelos insucessos de toda ordem quanto pelas agitações da aventura, das polêmicas e da boêmia. Aos 15 anos de idade ingressou no serviço militar, no regimento de Setúbal. Aos 21, incorporado à Marinha Real, foi para Goa, na Ìndia, onde serviu por três anos. Em 1789, não aceitando sua transferência para Damão, desertou e fugiu para a China. Ao retornar a Portugal, em 1790, sofreria a grande decepção de ver a namorada, Gertrudes, que ele deixara em Setúbal, casada com seu irmão, Gil Bocage. Sua carreira literária não foi menos acidentada. Por mais de três anos, participou da Nova Arcádia, da qual foi expulso depois de violenta polêmica com seus membros. Passou na prisão os anos de 1797 a 1799, por causa de suas sátiras, consideradas ofensivas ao governo e à Igreja. Libertado, os últimos anos de sua vida foram de arrependimento. Faleceu em 1805. MANUEL MARIA BARBOSA DU BOCAGE Foi na lírica, em especial nos sonetos, que Bocage atingiu o ponto alto de sua obra, embora também tenha se destacado como poeta satírico e erótico. Bocage é considerado o melhor escritor português do século XVIII e, ao lado de Camões e de Antero de Quental, um dos três maiores sonetistas de toda a literatura portuguesa. Isso ocorreu porque sua obra traduz o momento transitório que viveu (1765-1805), ou seja, um período marcado por mudanças profundas, como a Revolução Francesa (1789) e o florescimento do Romantismo. Assim, a obra de Bocage, em sua totalidade, não é árcade nem romântica: é uma obra de transição, que apresenta simultaneamente aspectos dos dois movimentos literários. Olha, Marília, as flautas dos pastores _ Bocage Olha, Marília, as flautas dos pastores, Que bom que soam, como estão cadentes! Olha o Tejo a sorrir-te! Olha não sentes Os Zéfiros brincar por entre as flores ? Vê como ali, beijando-se os Amores Incitam nossos ósculos ardentes! Ei-las de planta em planta as inocentes, As vagas borboletas de mil cores! Naquele arbusto o rouxinol suspira, Ora nas folhas a abelhinha pára, Ora nos ares sussurando gira: Que alegre campo! que manhã tão clara! Mas ah! Tudo o que vês, se eu te não vira, Mais tristeza que a morte me causara. ARCADISMO NO BRASIL CONTEXTO HISTÓRICO Minas Gerais como centro econômico e político; A descoberta do ouro, na região de Minas Gerais, forma cidades ao redor; Vila Rica (atual Ouro Preto) se consolida como espaço cultural desde o Barroco (Aleijadinho); A corrida pelo ouro se intensifica; Influências das arcádias portuguesas nos poetas brasileiros; Conflitos com o Império (Inconfidência Mineira); O ciclo da mineração; A expulsão dos jesuítas do Brasil - (1759); MARCO INICIAL DO ARCADISMO NO BRASIL Publicação das Obras Poéticas, de Cláudio Manuel da Costa (1768); Fundação da Arcádia Ultramarina em Vila Rica (atual Ouro Preto, MG). CARACTERÍSTICAS DO ARCADISMO NO BRASIL História colonial muito valorizada; Início do nacionalismo; Início da luta pela independência - Tomás Antônio Gonzaga("primeira cabeça da inconfidência" segundo Joaquim Silvério, delator da Inconfidência Mineira); A colônia é colocada como centro das atenções. ARCADISMO NO BRASIL Cláudio Manuel da Costa Pseudônimo: Glauceste Satúrnio Nasceu nas proximidades da Vila do Ribeirão do Carmo,hoje cidade de Mariana (MG), em 1729 e faleceu em 1789, em Vila Rica, onde se encontrava preso por sua participação na Inconfidência Mineira. Escreveu poesia lírica (Obras Poéticas, 1768, com a qual inicia o Arcadismo no Brasil) e épica (Vila Rica, 1837). Sofreu influência do Barroco, como ele próprio afirma no prólogo das Obras, mas abraçou a causa árcade, ainda que em suas poesias os aspectos ligados à natureza fujam ao padrão europeu. Liderou grupo de poetas árcades brasileiros. Seus sonetos apresentavam notável afinidade com a lírica de Camões. Obras Poéticas (1768) – Marco inicial do Arcadismo – poesia lírica Vila Rica (composto por volta de 1773) – poema épico falando sobre a história da cidade de Vila Rica. ARCADISMO NO BRASIL Tomás Antônio Gonzaga Pseudônimo: Dirceu Nascido no Porto, em Portugal, de pai brasileiro, estudou na Bahia e formou-se em Coimbra. Jurista de rara habilidade, já em 1782 era designado Ouvidor de Vila Rica. Envolvido no processo da Inconfidência, é preso em 1789 e, em, 1792, condenado ao degredo em Moçambique, onde logo se casa com a rica herdeira Juliana Mascarenhas. Na África, recupera a fortuna e a influência perdidas, e morre, provavelmente em 1810. Embora tenha escrito alguns poemas antes da estada em Vila Rica e apesar de ter produzido algumas obras menores durante o exílio, como o poemeto épico A Conceição, foi durante o curto período vivido em Minas Gerais que Gonzaga produziu alguns dos mais significativos poemas do arcadismo luso-brasileiro. Apaixonado pela jovem Maria Joaquina Dorotéia de Seixas, Gonzaga dedicou-lhe os poemas líricos de Marília de Dirceu, em que se retrata como Dirceu e à amada como Marília. O estudioso Rodrigues Lapa provou serem dele também as Cartas Chilenas, conjunto de poemas anônimos que satirizavam o governador Luís da Cunha Menezes, seu desafeto. Obra lírica: Marília de Dirceu A obra se divide em duas partes (há uma terceira, cuja autenticidade é contestada por alguns críticos): Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Que viva de guardar alheio gado; De tosco trato, d’ expressões grosseiro, Dos frios gelos, e dos sóis queimado. Tenho próprio casal, e nele assisto; Dá-me vinho, legume, fruta, azeite; Das brancas ovelhinhas tiro o leite, E mais as finas lãs, de que me visto. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! Eu vi o meu semblante numa fonte, Dos anos inda não está cortado: Os pastores, que habitam este monte, Com tal destreza toco a sanfoninha, Que inveja até me tem o próprio Alceste: Ao som dela concerto a voz celeste; Nem canto letra, que não seja minha, Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! Eu vi o meu semblante numa fonte, Dos anos inda não está cortado: Os pastores, que habitam este monte, Com tal destreza toco a sanfoninha, Que inveja até me tem o próprio Alceste: Ao som dela concerto a voz celeste; Nem canto letra, que não seja minha, Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! Mas tendo tantos dotes da ventura, Só apreço lhes dou, gentil Pastora, Depois que teu afeto me segura, Que queres do que tenho ser senhora. É bom, minha Marília, é bom ser dono De um rebanho, que cubra monte, e prado; Porém, gentil Pastora, o teu agrado Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono. Graças, Marília bela, Graças à minha Estrela! Tomás Antonio Gonzaga 2a. parte Eu, Marília, não fui nenhum Vaqueiro, Fui honrado Pastor da tua aldeia; Vestia finas lãs, e tinha sempre A minha choça do preciso cheia. Tiraram-me o casal, e o manso gado, Nem tenho, a que me encoste, um só cajado. Para ter que te dar, é que eu queria De mor rebanho ainda ser o dono; Prezava o teu semblante, os teus cabelos Ainda muito mais que um grande Trono. Agora que te oferte já não vejo Além de um puro amor, de um são desejo. Se o rio levantado me causava, Levando a sementeira, prejuízo, Eu alegre ficava apenas via Na tua breve boca um ar de riso. Tudo agora perdi; nem tenho o gosto De ver-te aos menos compassivo o rosto. Soneto de Cláudio Manoel da Costa Quem deixa o trato pastoril amado Pela ingrata, civil correspondência, Ou desconhece o rosto da violência, Ou do retiro a paz não tem provado. Que bem é ver nos campos transladado No gênio do pastor, o da inocência! E que mal é no trato, e na aparência Ver sempre o cortesão dissimulado! Ali respira amor sinceridade; Aqui sempre a traição seu rosto encobre; Um só trata a mentira, outro a verdade. Ali não há fortuna, que soçobre; Aqui quanto se observa, é variedade: Oh ventura do rico! Oh bem do pobre! ARCADISMO NO BRASIL 1ª parte: contém os poemas escritos na época anterior à prisão de Gonzaga. Nela predominam as composições convencionais: o pastor Dirceu celebra a beleza de Marília. Em algumas liras, entretanto, as convenções mal disfarçam a confissão amorosa do amor: a ansiedade de um quarentão apaixonado por uma adolescente; a necessidade de mostrar que não é um qualquer e que merece sua amada; os projetos de uma sossegada vida futura, rodeado de filhos e bem cuidado por suas mulher etc. 2ª parte: escrita na prisão da ilha das Cobras. Os poemas exprimem a solidão de Dirceu, saudoso de Marília. Nesta segunda parte, encontramos a melhor poesia de Gonzaga. As convenções, embora ainda presentes, não sustentam o equilíbrio neoclássico. O tom confessional e o pessimismo prenunciam o emocionalismo romântico. Obra satírica: Cartas Chilenas (principal obra satírica do século XVIII, atribuída a Gonzaga) Cartas Chilenas são poemas satíricos, em versos decassílabos brancos, que circularam em Vila Rica poucos anos antes da Inconfidência Mineira, em 1789. Revelando seu lado satírico, num tom mordaz, agressivo, jocoso, pleno de alusões e máscaras, o poeta satiriza ferinamente a mediocridade administrativa, os desmandos dos componentes do governo, o governador de Minas e a Independência do Brasil. São uma coleção de treze cartas, assinadas por Critilo (Tomás Antônio Gonzaga) e endereçadas a Doroteu (Cláudio Manuel da Costa), residente em Madri. Critilo é um habitante de Santiago do Chile (na verdade Vila Rica), narra os desmandos despóticos e narcisistas do governador chileno Fanfarrão Minésio (na realidade, Luís da Cunha Menezes, governador de Minas até a Inconfidência Mineira). ARCADISMO NO BRASIL Obras épicas O Uraguai (1769) – José Basílio da Gama. Melhor realização no gênero épico no Arcadismo Brasileiro. Temática: Luta dos portugueses e espanhóis contra índios e jesuítas que, instalados nas missões jesuíticas do atual Rio Grande do Sul, não queriam aceitar as decisões do Tratado de Madri. Caramuru (1781) – Frei José de Santa Rita Durão. É considerado um poema inferior a O Uraguai e, de certa forma, um retrocesso do ponto de vista temático e estilístico. Temática: Poema narra as aventuras, em parte históricas, em parte lendárias, do náufrago português Diogo Álvares Correia, o Caramuru. Em meio às aventuras do protagonista, o autor aproveita para fazer uma longa descrição das qualidades da terra. Uraguai – Basílio da Gama Melancólica sombra. Mais de perto Descobrem que se enrola no seu corpo Verde serpente, e lhe passeia, e cinge Pescoço e braços, e lhe lambe o seio. Fogem de a ver assim, sobressaltados, E param cheios de temor ao longe; E nem se atrevem a chamá-la, e temem Que desperte assustada, e irrite o monstro, E fuja, e apresse no fugir a morte. Porém o destro Caitutu, que treme Do perigo da irmã, sem mais demora Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes Soltar o tiro, e vacilou três vezes Entre a ira e o temor. Enfim sacode O arco e faz voar a aguda seta, Que toca o peito de Lindóia, e fere A serpente na testa, e a boca e os dentes Deixou cravados no vizinho tronco. Açouta o campo co’a ligeira cauda O irado monstro, e em tortuosos giros Se enrosca no cipreste, e verte envolto Em negro sangue o lívido veneno. Leva nos braços a infeliz Lindóia O desgraçado irmão, que ao despertá-la Conhece, com que dor! no frio rosto Os sinais do veneno, e vê ferido Pelo dente sutil o brando peito. Caramuru – Santa Rita Durão Copiosa multidão da nau francesa Corre a ver o espetáculo, assombrada; E ignorando a ocasião da estranha empresa, Pasma da turba feminil, que nada. Uma que às 'mais precede em gentileza, Não vinha menos bela, do que irada; Era Moema, que de inveja geme, E já vizinha à nau se apega ao leme. - "Bárbaro (a bela diz:) tigre e não homem ... Porém o tigre, por cruel que brame, Acha forças amor, que enfim o domem; Só a ti não domou, por mais que eu te ame. Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem, Como não consumis aquele infame? Mas pagar tanto amor com tédio e asco ... Ah! que corisco és tu ... raio ... penhasco! Bem puderas, cruel, ter sido esquivo, Ou ando eu a fé rendia ao teu engano; Nem me ofenderas a escutar-me altivo, que é favor, dado a tempo, um desengano. Porém, deixando o coração cativo, Com fazer-te a meus rogos sempre humano, Fugiste-me, traidor, e desta sorte Paga meu fino amor tão crua morte? Tão dura ingratidão menos sentira E esse fado cruel doce me fora, Se o meu despeito triunfar não vira Essa indigna, essa infame, essa traidora. Por serva, por escrava, te seguira, Se não temera de chamar senhora A vil Paraguaçu, que, sem que o creia, O Sobre ser-me inferior, é néscia e feia. Enfim, tens coração de ver-me aflita, Flutuar, moribunda, entre estas ondas; Nem o passado amor teu peito incita A um ai somente, com que aos meus respondas. Bárbaro, se esta fé teu peito irrita, (Disse, vendo-o fugir) ah! não te escondas Dispara sobre mim teu cruel raio ... " E indo a dizer o mais, cai num desmaio. Perde o lume dos olhos, pasma e 'creme, Pálida a cor, o aspecto moribundo; Com mão já sem vigor. soltando o leme Entre as salsas escumas desce ao fundo. Mas na onda do mar, que, irado, freme, Tornando a aparecer desde o profundo, - Ah! Diogo cruel! - disse com mágoa, E sem mais vista ser, sorveu-se na água. http://www.youtube.com/watch?v=Dhqp8lmGbbo A morte de Moema