XXIX ENANPOLL
FLORIANÓPOLIS - 2014
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA,
DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Dieli Vesaro Palma - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Nancy dos Santos Casagrande - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Tema
– Fatos da Língua Portuguesa, de Mário Castelo Branco
Barreto, obra publicada em 1916
• Variedade de assuntos, de caráter sintático,
ortográfico, entre outros, desenvolvidos em cada
capítulo, numa perspectiva filológica
• Diferença em relação aos Novos Estudos da Língua
Portuguesa , publicada em 1911: a cada capítulo, o
autor desenvolve um tema específico
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Estrutura da Apresentação
– Questões metodológicas
– A primeira República ou o delineamento do espírito
de época
– Análise da obra
– Considerações Finais
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Perguntas orientadoras da pesquisa
a) Qual a concepção de ortografia defendida no
capítulo XIX da obra sob análise?
b) Quais são os fatos sintáticos abordados no capítulo
IV desta obra?
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Objetivos
– Verificar qual a concepção de ortografia defendida
por Mario Barreto no capítulo XIX da obra Fatos da
Língua Portuguesa
– Levantar quais as questões sintáticas discutidas pelo
filólogo no capítulo IV
– Destacar as contribuições da obra em análise para os
estudos sobre a Língua Portuguesa no início do
século XX
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Questões teóricas e metodológicas
– Conceito de Historiografia Linguística
• A Historiografia Linguística caracteriza-se como
uma disciplina que se debruça sobre o
conhecimento linguístico já produzido, reflete
sobre ele e o reconstrói, mostrando suas
contribuições no passado e sua repercussão no
presente e sua projeção no futuro, com vistas a
descrevê-lo e a explicá-lo.
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Dessa perspectiva, a historiografia linguística tem como
objeto a história dos processos de produção e de recepção
das ideias linguísticas e das práticas delas decorrentes
que, por sua vez, geraram novas ideias e novas práticas
em um processo de continuidade e descontinuidade, de
avanços e de retomadas, inerentes à busca de
conhecimento. As maneiras pelas quais o conhecimento
linguístico se produziu, desenvolveu, foi divulgado e
percebido também fazem parte, em suma, da sua
história.” (ALTMAN, 2012:22)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Questões teórico- metodológicas
• Proposta teórico-metodológica do Grupo de
Pesquisa Historiografia da Língua Portuguesa da
PUCSP
– Pontos a serem seguidos
» Observação do princípios propostos por
Koerner (1996): contextualização,
imanência e adequação teórica
» Passos investigativos:
a) seleção ou escolha dos documentos a
serem analisados;
• Proposta teórico-metodológica do Grupo de Pesquisa
Historiografia da Língua Portuguesa da PUCSP
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Questões teórico- metodológicas
• Proposta teórico-metodológica do Grupo de
Pesquisa Historiografia da Língua Portuguesa da
PUCSP
» Passos investigativos
b) ordenação ou organização definida no
caso de haver mais de um documento em
estudo;
c) reconstrução do conhecimento linguístico
explicitado no documento selecionado;
d) interpretação dos fatos observados ou
leitura crítica do material a ser analisado
com base no clima de opinião.
• Questões teórico- metodológicas
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Questões teórico-metodológicas
» Escolha das fontes
» Dimensão da investigação
a) Cognitiva
b) Social
» Critérios de análise
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Metodologia
– proposta de Koerner (1996), que apresenta ao
investigador três princípios para um estudo
historiográfico:
– a contextualização ou recriação do espírito de época, ou
seja, o Brasil da primeira metade do século XX,
sobretudo no que diz respeito às questões linguísticas;
– a imanência, ou análise linguística do documento,
segundo categorias que emergem do próprio texto, que,
neste estudo, serão: a estrutura da obra, a estrutura dos
capítulos, o conceito de ortografia e aspectos sintáticos
presentes no capítulo IV;
– a adequação ou aproximação de conceitos presentes na
obra a teorias linguísticas atuais, com a finalidade de
auxiliar o leitor moderno na compreensão do
documento.
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• A Primeira República ou delineamento do espírito de
época
– Proclamação da República: a modernização do país
• Mudanças em diferentes setores da sociedade,
como na Educação, na Economia, na Ciências,
influenciadas pelo Positivismo
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• A Primeira República ou delineamento do espírito de
época
• Correntes linguísticas
– A questão da norma literária: a identificação
da língua literária do Brasil com a de
Portugal, com a valorização dos padrões
clássicos, defendida por Mário Barreto,
associado à Filologia do Português Europeu
(CÂMARA JUNIOR, 2004)
» Conceito de duas faces
a. Coerência do presente com as linhas de
desenvolvimento histórico da língua,
relacionada aos princípios neogramáticos
b.Valorização das obras clássicas:
contradição
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• A Primeira República ou delineamento do espírito
de época
• Correntes linguísticas
» Conceito de duas faces
c. Forma de divulgação de suas ideias: a
imprensa diária que lhe possibilita o
contato com um grande público
surgimento de “um ideal de
normalização rígida da língua literária,
praticamente dissociada da realidade
oral, e um purismo que não faz a mínima
concessão ao uso corrente.” (CÂMARA
JUNIOR, 2004: 234)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• A Primeira República ou delineamento do espírito de
época
• Correntes linguísticas
» Conceito de duas faces
d. Apoio: Rui Barbosa, discípulo de
Cândido de Figueiredo, estudioso da
linguagem, isolado dos grandes filólogos
seguidores de Adolfo Coelho, modelo
seguido por Mário Barreto
- Diretriz seguida pela norma literária até as
primeiras décadas do século XX
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• A Primeira República ou delineamento do espírito de
época
• Correntes linguísticas
- Teoria Gramatical
-Elaboração da teoria da frase: análise lógica,
introduzida por Fausto Barreto
-Posicionamento contrário de Mário
Barreto, Silva Ramos e Sousa da Silveira
- Introdução da Gramática Histórica:
Eduardo Carlos Pereira, Otoniel Mota,
Antenor Nascentes e Sousa da Silveira
-Teoria da Gramática descritiva: Maximino
Maciel e Said Ali
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Fonte primária: 3ª edição , fac-similar, reproduzida da 1ª
edição, de 1916
• Data da atual edição: 1982
• Editora responsável por essa edição: Presença: Rio
de Janeiro
• Edição realizada em convênio com o Instituto
Nacional do Livro, com a Fundação Nacional PróMemória, com a Fundação Casa de Rui Barbosa e
com o Ministério da Educação e Cultura
• 1ª edição: Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves,
1916
• 2ª edição: Rio de Janeiro: Organização Simões,1954
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Informações sobre o autor
– Nascimento: 17 de março de 1879 no Rio de Janeiro
– Falecimento: 9 de setembro de 1931 na mesma
cidade
– Filho de Fausto Carlos Barreto e de Ana Castelo
Branco Barreto
– Estudos:
• Colégio Militar
• Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do
Rio de Janeiro, em 1902
– Vida profissional:
• Filólogo e Catedrático da cadeira de Português
do Colégio Pedro II
• Colaborador em vários jornais do Rio e em
revistas nacionais, respondendo a questões sobre
linguagem enviadas por leitores de diferentes
regiões do Brasil
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Informações sobre o autor
• Exemplo de seu pai levou-o a sua inclinação para os estudos da
lingua. Segundo João Alves Pereira Penha (2002),
“E Fausto Barreto reconheceu o valor do filho. Pois indagado sobre
qual seria a sua obra-prima, respondeu prontamente:
___ “Mário Barreto.”(p. 50)
• Sobre ele assim se manifesta Silva Ramos, prefaciador da obra:
– “ E, para concluir, numa palavra; o principal factor da minha
acentuada simpatia pelo eminente professor do Colégio
Militar e pela sua obra é a consideração que, sem embargo
da diferença de idades, consentimos duplamente, no
processo de estudo como aprendizes, e no método de ensino
como profissionais; o que não sei em qual de nós dois mais se
deva admirar, se nele, se em mim; pois, quando discorremos
por estes assuntos, nem eu tenho caturrices de velho, nem êle
verduras de rapaz.
Não me retirarei, sem me gratular com o abalisado filólogo
pela obra aqui lançada, a cujo átrio me vai ser dado repetir a
quem for entrando o que um a outro sugerimos, quando nos
vemos sós por sós. (BARRETO, 1982, p. XVIII)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
– Obra
• Estudos da Língua Portuguesa (1903), prefaciado por João
Ribeiro
• Novos Estudos da Língua Portuguesa (1911)
• Novíssimos Estudos da Língua Portuguesa (1914)
• Fatos da Língua Portuguesa (1916), prefaciado por Silva Ramos
• De Gramática e de Linguagem (1922), coletânea de artigos
publicados na Revista de Língua Portuguesa
• Através do Dicionário e da Gramática (1927), respostas dadas a
questões enviadas aos leitores da Revista de Filologia
Portuguesa, após a morte do filólogo Sílvio de Almeida em
1924.
• Últimos Estudos (1944), publicação póstuma, organizada por
Candido Jucá, que reuniu os artigos publicados na Revista de
Cultura, em O País e no Correio da Manhã.
• Cartas Persas , tradução e anotação da obra de Montesquieu
(1923)
• Índice Alfabético e Crítico da Obra de Mário Barreto, organizado por
Cândido Jucá, publicado em 1981, pela Fundação Casa de Rui Barbosa.
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
• Categorias de análise
• a estrutura da obra
• estrutura dos capítulos
• conceito de ortografia
• aspectos sintáticos do capítulo IV, o conceito de
gramática e a classe do adjetivo tratada na
Etimologia e na Sintaxe.
• Categorias de análise: o prefácio da 5ª
edição, a estrutura da obra, o conceito de
gramática e a classe do adjetivo tratada na
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Estrutura da obra
• Além do Ádito, a obra apresenta 21 capítulos.
• Do primeiro ao décimo quinto, são abordadas questões
gramaticais das mais diversas naturezas, que passam pela
regência verbal, pelo uso das formas verbais como “preferir a e
preferir que”, pelo uso de galicismos, pela formação de palavras,
pela análise lógica, pelo emprego do anacoluto pleonástico, pela
acumulação de negações, por questões de concordância, pelo
complemento partitivo, pelo uso do genitivo etc.
• Do décimo sexto ao décimo oitavo, são apresentadas “Breves
Anotações a Trechos do Respeitável Clássico Frei Luís de Sousa”,
nas quais Mário pinça questões linguísticas e aprofunda a sua
análise, sempre tomando como referência autores da literatura
clássica portuguesa e a língua latina como referência para a sua
análise filológica.
• Do décimo nono ao vigésimo primeiro capítulos é tratada a
Reforma da Ortografia de 1911, respondendo a perguntas dos
leitores e discutindo diferentes aspectos relativos a esse tema.
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Estrutura dos capítulos
• Variada extensão
– Quarto capítulo: 08 itens
– Décimo nono capítulo : 01 item
• Diversificada em conteúdos
– Capítulo IV: — Entenebrar e entenebrecer, formas
simétricas - Eclecticismo e ecletismo: haplologia de
sílabas – Compostos com filo, mania, fobia: pouco importa
que o radical nada tenha de comum com o grego –
Variedade de regimen que oferecem muitos verbos –
ligeira anfibologia – Devo-me ir daqui , ou devo ir-me –
Anteposição do pronome oblíquo no imperativo –
Concordância de um substantivo qualificado por dois
adjetivos
– Capítulo XIX – A Reforma Ortográfica
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Estrutura dos capítulos
• Exposição dos temas
– Introdução da questão a ser discutida
– Apresentação de exemplos que contrariam o
questionamento feito
– Introdução do conceito
– Reforço do ponto de vista adotado com a
apresentação de novos exemplos
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Conceito de Ortografia
• Tema tratado nos capítulos XIX, XX e XXI sobre a Reforma
Ortográfica de 1915 em discussão, naquele momento, no Brasil,
com base em entrevista concedida ao redator do Correio da
Manhã e publicada em 5 de dezembro de 1915
• Sua posição em relação a essa Reforma:
– Apoio à simplificação e à regularização de nossa ortografia
– Aplausos à Academia Brasileira “por querer harmonizar o seu
programa de reforma com a ortografia oficial portuguesa
ordenada por decreto de 1º de setembro de 1911. Caminha-se
assim para o acôrdo, evita-se o scisma ortográfico, não se
quebra a unidade do idioma comum” (p.261 )
– Confiança no grupo incumbido da Reforma cuja missão é
“assinalar e eliminar as divergências de pouca monta existentes
entre as duas grafias”, principalmente pela presença de Silva
Ramos, “verdadeiro lingùista que anda ao corrente de quanto
se publica na Europa e segue os métodos exactos da sciência
moderna.” (p.261)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Conceito de ortografia
• Posição em relação à Reforma
– A reforma portuguesa, proposta por brilhantes
linguistas, não ofende a prosódia brasileira, logo
pode ser seguida no Brasil .
– A base dessa reforma, a portuguesa, não é “o critério
de puro fonetismo. A ortografia sónica é impraticável,
sob pena de substituirmos um caos por outro caos. Por
sua mesma definição, um ortografia fonética varia,
como os sons que ela representa, de um indivíduo a
outro. De sónica capitulam a reforma portuguesa para
que fácilmente a possa desvaliar e combater quem
quer que possui dois dedos de gramática e não pode
deixar de conhecer os argumentos já muito vistos e
ouvidos com que se costuma refutar tal casta grafia.
“(p.262-263)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Conceito de ortografia
• Posição em relação à Reforma
– Seu apoio à reforma também se dá porque:
• ela segue o proposto por Gonçalves Viana em
1904, pois “respeita a etimologia e a tradição
histórica.” (p.263)
• a ortografia de Gonçalves Viana é científica ou
racional, seguindo “as feições peculiares do
português e respeitando-se a história da língua, a
sua formação e derivação, e bem assim, a
tradição da sua antiga escrita.”(p.263)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Conceito de ortografia
• Posição em relação à Reforma
– Adepto fervoroso da simplificação ortográfica: polêmica com
Osório Duque –Estrada por seus ataques a Gonçalves Viana
– Quanto às críticas, ele assim se posiciona no que diz respeito
à:
• Perda da noção de etimologia: “A etimologia é uma coisa e
a ortografia é outra.” (p.265)
• Presença da fonética na ortografia: “Como palavras que
correspondem ao primeiro leito ou estrato da formação do
português, apresentam a fisionomia mais ou menos
profundamente modificada, e são o resultado de sucessivas
deformações das palavras latinas ao passarem pelo ouvido
e pela garganta de várias gerações.Nessas palavras da
camada popular, palavras herdadas, de origem evolutiva,
houve, sempre, e há em regra ortográfica fonética: escrevese o que se profere. [...] Sem o auxílio da linguagem falada
e das leis do seu desenvolvimento não se poderia remontar
povo a populus, bispo a episcopus, polvo a polypus, etc.” (p.265)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Conceito de ortografia
• Posição em relação à Reforma
– Quanto às críticas, ele assim se posiciona no que diz
respeito à:
• Valorização da tradição: mostra que as formas
dino e malino foram consideradas por gramáticos
e retóricos como liçenças poéticas de autores
clássicos (Camões, por exemplo), quando na
realidade exprimiam a pronúcia popular dos
termos eruditos digno e maligno, “pois os
vulgares primitivos mudaram o núcleo gn em nh:
agnu, anho, pugnu, punho, pregnata, prenhada.”
(p. 267) Foi a grafia erudita digno, que fez soar o
g, introduzindo-o na fala. Esse tipo de mudança
resultou ou de falsa etimologia ou de analogia.
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Conceito de ortografia
• Objeções aos adversários da reforma
– Confusão resultante do desaparecimento das consoantes
duplas, como em gramma, peso distinto de grama, capim
essa simplificação aumentaria o número de homônimos , “a
verdade verdadeira , porêm, é que estas homonímias não
ocasionaram jámais um momento de embaraço a ninguêm,
porque o contexto determina suficientemente a palavra.” (p.267 )
– A fealdade da grafia simplificada: “É o império da preocupação
e dos hábitos. Os que veem escrito filosofia com f em vez
philosophia com ph, acham estranha e feia a palavra simplificada.
Como se uma mesma letra pudera parecer formosa em certas
combinações, e disforme em outras! Aos que oponham o
estranho e feio das inovações, diremos que a verdadeira beleza
de uma arte consiste na simplicidade de seus processo; que o
objecto da escritura é pintar sons, e que quanto mais
singelamente o faça, tanto mais bela será. Diremos mais que a tal
impressão de fealdade que a princípio nos causa a escrita
simplificada, é devida ao descostume.” (p.268)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Conceito de ortografia
• Objeções aos adversários da reforma
– a redução das consoantes geminadas: as consoantes duplas latinas
são pronunciadas de forma simples “ e devem, pois, ser reduzidas a
uma só, e assim, escreveremos apelativo, abade, ofício, adição, agressão,
[...] como pede a sua etimologia. À preocupação de aproximar a ortografia da
etimologia é que se deve a presença de letras duplas ou geminadas que a
pronunciação do latim popular tinha deixado cair e que os latinizadores
ressuscitaram. “ (p.270)
– A supressão do h inicial, como elemento gerador de dificuldades no
aprendizado de línguas estrangeiras: “se a supressão desta letra, que
é muda (e daí variantes ortográficas no próprio latim como herus e
erus, harundo e arundo, e formas contractas tais como nil por nihil,
prendo por prehendo) se a supressão do sinal h nos separa dos idiomas
estrangeiros em alguns casos, em outros nos aproxima e nos põe em
harmonia com êles. Escrevendo o verbo aver sem h, nos abeiramos
dos italianos e dos franceses, que escrevem avere, avoir. Escrevendo
omen, orror, umanidade sem h, nos chegamos aos italianos que
escrevem uomo, orrore, umanitá. Não vejo que se ganhe nada na
ortografia de uma língua para adquirir o conhecimento de outra. (p.
272)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Conceito de ortografia
• Motivos para se aceitar a nova Reforma:
– “Os romanistas portugueses não nos propõem uma
ortografia fonética. Podemos ficar tranqùilos e
seguros a êste respeito. A reforma ortográfica por
aqueles sábios preparada tem muito pelo contrário
por fim respeitar a tradição lingùística e restaurá-la
onde quer que ela foi alterada. É tal a semrazão de
algumas críticas, que pendemos a crer que os
autores delas não leram o livro de Gonçalves Viana,
nem o relatório, que é um verdadeiro tratado de
ortografia, da Comissão oficial portuguesa, e nisto
está a desculpa de semelhantes críticos.” (p.273)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
•Análise do capítulo IV
– Variedade de regime de muitos verbos: uma aspecto da
Língua Portuguesa
• verbos que apresentam dupla possibilidade de
construção: “ora com acusativo de pessoa, ora com
acusativo de coisa , de maneira que o nome da pessoas
irá muitas vezes em acusativo e outras em dativo. “
(p.75) Neste caso está o verbo ensinar ; “Ensinaste-o a
morrer, ensinei-o a ler, ensinei-o a dansar, e ensinei-lhe o
caminho, ensinei-lhe a leitura. (Vej. Epifánio Dias, Gram.
Port. Elementar, §120, ob.2) (p. 76)” Fazem parte deste
grupo os verbos aconselhar e implorar. Os exemplos são
abonados não só por estudiosos da língua, como
Epifánio, mas também por grandes literatos como
Camilo Castelo Branco, Padre Vieira, Júlio Dinis,
Machado de Assis, entre outros.
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
•Uso do pronome átono
– Discussão sobre a posição do pronome átono em
construções perifrásticas com os verbos poder, ir,
querer e dever na função de verbos auxiliares,
seguidos um verbo principal: o pronome deve
preceder o auxiliar (determinante) ou deve unir-se à
sua terminação: Se a quiseres ver, há de ir a casa de
meu pai.” (p.78) “Queriam-me enganar.” Diz Mário:
“Esta construção é até mais fluente e familiar. A outra
em que o pronome se pospõe ao infinitivo, do qual êle
é objecto directo ou indirecto, é enfática: Não desejo
ver-te ; tu queres vingar-te; eu não tornei a vê-lo; não
posso vencer-me...” (p.78)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
•Uso do pronome átono
Chama ainda a atenção para o fato de o brasileiro preferir
intercalar o pronome entre os dois verbos, como em “ êle
não quer me ofender, eu não posso me vestir, posso te fazer
um favor.” (p.79) O português diria: êle não me quer
ofender, ou não quer ofender-me, eu não me posso vestir
ou não posso vestir-me, posso-te fazer ou posso fazer-te um
favor, quero-te ver ou quero ver-te.”(Esclarecido pelo autor
que os exemplos foram colhidos em Cantos populares do
Brasil, coligidos por Sílvio Romero.p. 79)
–Propõe, com base em Said Ali que esta questão não pode
ser resolvida pela sintaxe, mas sim pela fonética e cita Silva
Ramos que diz que o “fenómeno ( a colocação dos casos
oblíquos do pronome pessoal) é meramente de som,
daquela fonética sintáctica de que fala Brugmann, que
considera a frase como uma unidade fonética completa em
si mesma.” (p.80)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Anteposição do pronome oblíquo no imperativo
– Crítica de Osório Duque-Estrada ao verso do
poeta Teixeira de Melo: “De mim te recorda
quando a alva furtiva.” (p.81), destacando o uso do
pronome imperativo.
– Baseia sua aceitação dessa construção em Diez que
diz: “Avec l’impératif et le gérondif les pronoms
deviennent enclitiques: põe-me, dai-me, valendo-se,
exortando-os; ils prècedent parfois aussi le premier
mode: me ensina, nos conta.” (p.81) Reforça seu
argumento citando Camões e Castilho e, finaliza
dizendo: “e é rara e escassa hoje a forma do
imperativo me ensina, em vez de ensina-me , nem
por isso faltam exemplos de tal colocação.” (p.82)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
•Concordância de um substantivo qualificado por dois
adjetivos
– Discussão da concordância de um substantivo
plural com dois adjetivos no singular
– Motivo da abordagem do tema: crítica a Carlos de
Laet, “um dos melhores prosadores da nossa terra, um
estilista que gosta de remoçar a velha linguagem dos
clássicos” (p.82), em função da seguinte construção:
“Seguem estranhos cultos os colonos asiáticos e
africanos immiscuídos no tremendo certame, aí
trazidos pelos governos inglês e francês. “ (p.82-83),
texto publicado no Jornal do Brasil em 20 de dezembro
de 1914.
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
•Concordância de um substantivo qualificado por dois
adjetivos
– Discussão da concordância de um substantivo plural
com dois adjetivos no singular
• Considera Barreto essa concordância “mui
portuguesa”, sendo lógica e de uso antigo na língua, isso
porque “estando o substantivo no plural, e referindo-se
por tanto a vários seres, cabe perfeitamente o emprêgo
de dois ou mais adjetivos no singular, cada um dos
quais vem a qualificar um dos seres compreendidos na
pluralidade do substantivo.” (p.83). Comprova seu
ponto de vista, com base na gramática de Guardia e
Wierzeysky, em que há exemplos de construções
semelhantes, nas quais intervém numerais (adjetivos
numerais) como em “Os voluntários foram alistados nas
legiões décimanona e vigésima.
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
•Concordância de um substantivo qualificado por dois
adjetivos
– Discussão da concordância de um substantivo
plural com dois adjetivos no singular
• Mostra que não é pertinente a crítica do leitor a
Laet e que, talvez, tenha havido uma confusão com
a expressão “a literatura grega e a latina”, uma vez
que uma literatura não pode, ao mesmo tempo, ser
grega e latina, mas as literatura grega e latina é
construção aceitável, sendo a diferença de número
que torna possível essa construção, porque
“nenhuma confusão se pode estabelecer no espírito
do leitor.” (p.84)
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Conclusões
• Conceito de ortografia:
– Ela deve respeitar e registrar as formas tradicionais da língua,
ser simplificada e deve restaurar as formas linguísticas nos
aspectos em que foram alteradas.
– Não se confunde com a Etimologia.
– Não pode ser fonética, mas deve registrar as transformações
sofridas pelas palavras ao longo do tempo, tendo, portanto,
em suas regras aspectos fonéticos.
– Em suma, ele entendia ortografia como “o conjunto de normas
reguladoras da representação gráfica das palavras.”
(PROENÇA FILHO:2009, p.15)
– OBS. A proposta, feita pela Academia, de estabelecer acordo
com Portugal foi abandonada em 1919. Foi somente no final
do século XX que esse acordo ortográfico tornou-se,
parcialmente, realidade.
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Conclusões
• Na exposição dos temas, quer ortográficos, quer
sintáticos, o autor deixa evidente a sua erudição, pois
eles são aprofundados de diferentes formas:
comparação com outras línguas; informações de
caráter histórico; comparação entre diferentes autores
de distintas épocas; apresentação de argumentos de
autoridade com base na Língua Latina e no Português
Clássico.
• A presente obra trouxe contribuições para os estudos
linguísticos na primeira metade do século XX, na
perspectiva da Filologia, valorizando a norma literária
e o purismo, tendo sido Mário Barreto o defensor e
difusor dessas ideias no Brasil.
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Conclusões
• Ela mostra ao leitor moderno que muitas das questões
sintáticas discutidas ainda hoje são alvo de reflexão por
parte dos estudiosos da Língua Portuguesa, não tendo,
portanto, sido resolvidas, como a colocação pronominal.
• Por fim, após 99 anos da entrevista de Mário sobre a adoção
de um acordo ortográfico comum entre Brasil e Portugal,
constatamos que as mesmas divergências persistem entre os
dois países sobre a possibilidade de uma ortografia
unificada.
• Há também, nas discussões sobre ortografia, a reincidência
de determinados aspectos, como a relação entre ortografia e
fonética, que se faz presente na proposta de uma reforma
ortográfica fundamentada na fonética, que está sendo,
atualmente, proposta no Brasil, fato que já foi duramente
criticado por Mário por mostrar-se inviável, como apontado
nesta exposição.
FATOS DA LÍNGUA PORTUGUESA, DE MARIO BARRETO: UM ESTUDO
HISTORIOGRÁFICO
Bibliografia
ALTMAN, Cristina. História, Estórias e Historiografia da Línguística
Brasileira. In Todas as Letras – Revista de Língua e Literatura.São
Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie. V. 14. N. 1, 2012.
BARRETO, Mário. Fatos da Língua Portuguesa. 3ª ed., fac-similar,
reproduzida da 1ª edição, de 1916. Rio de Jnaeiro: Presença, 1982.
BASTOS, Neusa Barbosa e PALMA, DieliVesaro. História Entrelaçada
– A Construção de Gramáticas de Língua Portuguesa do Sáculo XVI ao
XIX. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004.
BASTOS, Neusa Barbosa e PALMA, DieliVesaro. História
Entrelaçada 2. A Construção de Gramática de Língua Portuguesa na
primeira metade do Século XX. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.
KOERNER, Konrand. Questões que persistem em Historiografia
Linguística. In Revista da ANPOLL, Nº 2, p. 47-70, 1996.
MATTOSO CÂMARA JUNIOR, Joaquim. Dispersos de J. Mattoso
Câmara Jr. (Carlos Eduardo Falcão Uchôa – org.) Rio de Janeiro:
Lucerna, 2004.
PENHA, João Alves Pereira. Filólogos Brasileiros. Franca: Editora
Ribeirão Gráfica, 2002.
PROENÇA FILHO, Domício. Nova Ortografia da Língua Portuguesa
– guia prático.Rio de Janeiro: Record, 2009.
Download

baixar texto - Historiografia da Linguística Brasileira