Fernanda Henriques Janeiro de 2009 En la base de toda civilización están las religiones intentando dar respuesta a los anhelos más profundos del ser humano. En teoría la relación con el Misterio, que tiene la llave de las respuestas, no tendría que ser distinta por razón del sexo pero la realidad lo desmiente. Las grandes religiones nacen dentro de las sociedades patriarcales con lo que conceden a los varones toda una serie de privilegios que se les hurtan a las mujeres. Lo que afecta a las mujeres y a la misma religión. No siempre fue así. Curiosamente los grandes fundadores Buda, Jesucristo o Mahoma comenzaron predicando credos más igualitarios lo que en la práctica les llevó a estar rodeados de mujeres. A la presencia física se sumaban una serie de textos fundacionales que proclamaban la igualdad básica de todos los seres humanos. Isabel Gómez Acebo Como articular diferença com igualdade? O reconhecimento e a vivência das diferenças tendem a estabelecer um processo de hierarquização, enquanto que a igualdade questiona os diferentes tipos de ordenação e subordinação pessoal e social. Sendo constitutiva da realidade, geralmente compreendida como integrante e definidora da natureza, a divisão dos sexos surge também como metáfora hermenêutica dessa realidade na qual a diferenciação sexual constitui um processo determinante de comunicação, donde a questão da linguagem sobre os sexos se apresentar como uma questão crucial. […] A igualdade não é o «mesmismo» nem a recusa das diferenças, mas um permanente apontar para a anulação dos mecanismos de subordinação que limitam a realização plena de cada um, na sua individualidade e na relação com os outros. A igualdade não é só uma questão de oportunidades, tem a ver com o lugar autónomo que cada um ocupa na realização social onde se reconhece a imprescindibilidade das partes que, sendo diferentes e distintas, não se subjugam mas convergem e, através da parceria, se completam, alargando os horizontes da própria humanidade. António Matos Ferreira “Los sistemas simbólicos religiosos que giran exclusivamente en tomo a imágenes masculinas de Ia divinidad crean Ia impresión de que el poder femenino no puede ser plenamente legítimo o totalmente benéfico. Y no es necesario que el mensaje venga explicitado para hacer sentir sus efectos: incluso una mujer totalmente ignorante de los mitos de Ia maldad femenina contenidos en Ia religión bíblica reconoce todavía Ia anomalía que supone el poder femenino cuando reza a un Dios masculino. Puede incluso creerse parecida a Dios, creada a imagen de él, pero sólo negando Ia propia identidad sexual y afirmando que Dios trasciende Ia sexualidad. Pero no podrá tener Ia experiencia, que en su cultura es accesible a cualquier varón desde sus primeros anos, de ver su plena identidad sexual femenina afirmada positivamente como imagen y semejanza de Dios... Su talante religioso es el de Ia fe y confianza en el poder masculino como salvífico y el considerar el poder femenino - sea en ella o en Ias otras mujeres – como inferior o peligroso” C. P. Christ-J.Plaskow, Woman Spirit Rising: A Feminist Reader in Religion, Nueva York, Harper & Row, 1979, Z75. […] a narrativa de Génesis 2-3 impõe-se na nossa cultura ocidental, amassada de judaísmo e cristianismo, como referência obrigatória. Mas tem um passivo bem pesado: alimentou a imagem de uma mulher inferior ao homem e sedutora dele; contribuiu para a culpabilização de muitas gerações em tema de sexualidade; foi a indevida referência bíblica do dogma do pecado original, sustentando um largo pessimismo sobre o ser humano; deu a ideia fatalista de que os humanos, no princípio da história, perdemos irremediavelmente a oportunidade de viver sem sofrimento e sem desgraças. Não terá nada de melhor a comunicar? Armindo Vaz […] a tradição cristã sentiu a tendência para atenuar a dignidade da mulher, a partir da interpretação dessa narrativa bíblica da criação. Ela serviu para justificar durante séculos a prevalência de uma cultura masculinista. A sua influência sente-se logo no Novo Testamento, onde na 1Tim 2,12-14 Paulo diz: “Não permito que a mulher ensine ou que domine o homem; mantenha-se em silêncio. Porque primeiro foi formado o ’Adam [Homem primordial], e depois a Hewa [Dadora de vida]. E não foi o ’Adam a ser enganado, mas foi a mulher que, enganada, incorreu em transgressão” . Paulo denuncia, neste como noutros temas, uma forte dependência da cultura judaica, especialmente da que transparece da literatura rabínica talmúdica e dos midrašim, usando essas ideias e tendências interpretativas como artifício retórico e argumentativo Armindo Vaz Era o tempo do triunfo histórico do varão, que se auto-atribuía todos os direitos. A humilhação e exploração da mulher eram defendidas com silogismos teológicos. Ao máximo, era tolerada porque a «libido sagrada» do varão, especialmente dos príncipes e poderosos, precisava dela e nela encontrava alimento imprescindível. Um texto que teve uma certa incidência na mentalidade geral do tempo e que constitui um bom exemplo dela é o referido por Graziano no ano 1150, a propósito de 1Cor 11,7-9, acima citado (“o homem é imagem e glória de Deus; mas a mulher é glória do homem”). A este propósito, o texto referido comenta: “a imagem de Deus está no homem, tendo o império de Deus, como seu vigário, porque tem a imagem do único Deus; logo, a mulher não foi feita à imagem de Deus” . Não se estranha, pois, que Tomás de Aquino diga, remontando a Gn 2-3: “Na tentação causada pelo diabo, a mulher tornou-se instrumento de queda do homem, porque a mulher é mais débil do que o homem, por isso, mais fácil de enganar”. Ele já tinha dito: “a mulher foi feita como ajuda do homem só no que diz respeito à reprodução, pois, para o resto, o homem recebe mais ajuda dos outros homens do que da mulher”. Na Idade Média estava divulgada a convicção, muito antiga, de que o excesso de mulheres fosse fruto do pecado e causa de ulteriores pecados, enquanto que ser varão, como na cultura hebraica, era considerado uma bênção. Muitos cristãos faziam sua a oração da sinagoga: “Bendito Aquele que não me fez, nem estrangeiro, nem mulher, nem ignorante” . Armindo Vaz A interpretação tradicional, que utilizava as ideias da chamada filosofia pagã, como a aristotélica, sobre a mulher e sobre a sua proclamada inferioridade, vinha acompanhada de aplicações práticas desagradáveis. Por exemplo, a da suposição de que a inferioridade da mulher em relação ao varão e os sofrimentos próprios das suas funções femininas seriam, na actual história da salvação, um castigo divino pelo «pecado original», era natural considerar ilícita a tentativa de evadir esses castigos ou dores. Quando em 1853 se aplicou por primeira vez clorofórmio para mitigar as dores de parto da rainha da Inglaterra, os teólogos anglicanos protestaram, alegando que isso era ir contra Gn 3,16, que, segundo eles, castigava a mulher a dar à luz com dor. Os varões, sim, poderiam receber anestésicos, porque o próprio Deus teria “anestesiado Adão para lhe tirar a costela da qual formou Eva” – dizia-se Armindo Vaz Um ponto muito sensível desta interpretação foi sempre o das suas repercussões no entendimento dos direitos da mulher. Esta foi marginalizada e menosprezada na cultura ocidental cristã muito menos do que noutras religiões e culturas. Não obstante, a depreciação a que foi votada desde os tempos bíblicos dependeu também da (incorrecta) interpretação que se deu dessa narração do Génesis . Entendia-se que pela mulher entrou o pecado no mundo, com a parafernália de males que nos angustiam. Como no mito de Pandora, o pecado de «Eva» teria derramado sobre o género humano todos os males; a ela se atribuía a responsabilidade por eles. Essa visão da mulher como abertura para o mal tem uma história longa, que aqui só se pode esboçar. Armindo Vaz • A historiografia medieval, em geral, e a historiografia eclesiástica, em particular, deixaram durante muitos séculos a mulher na sombra. Apenas nas últimas décadas do séculoXX se começaram a dar os primeiros passos no sentido de se recuperar os sinais da presença e acção multissecular da mulher no mundo e na Igreja. Nesta linha, tem-se vindo, nos últimos anos, a valorizar o papel da mulher que a história eclesiástica, muitas vezes coincidente apenas com a história da instituição, tinha colocado frequentemente entre parêntesis. Na sequência do IIº Concílio do Vaticano, o estudo da Igreja como a “comunidade de baptizados” e “povo de Deus em marcha” também permitiu aprofundar a acção interveniente e fecunda das mulheres na Cristandade medieval. • Foi-se abrindo assim uma nova área de trabalho e investigação histórica que também não pode ser desligada, nos últimos 20 anos, dos progressos realizados no campo da antropologia e da história das mentalidades, atentas ao quotidiano e à esfera do individual, bem como do papel desenvolvido pelos movimentos femininos que desde então surgiram na Europa e fora dela. Eles constituíram, de facto, um impulso novo para relevar no “palco da história” as figuras femininas com tudo o que elas tinham de desconcertante e atractivo para a sociedade e para a Igreja. Hoje a relação viva Mulher-Igreja na Idade Média, constitui um campo de investigação surpreendente e extraordinariamente rico que nos confronta com a novidade do protagonismo feminino, com as tensões e impasses que lhe estiveram inerentes e com os desafios de novidade que encerrou. Ana Mª Jorge As Narrativas da origem humana novas leituras • Como mito de origem que é, o significado de Gn 2-3 distancia-se das diversas interpretações que dessa narrativa se propuseram ao longo dos séculos judeocristãos. Desde logo, o que conta em forma de história sobre o casal prototípico não teve lugar em tempo e espaço histórico. O mitógrafo imagina e coloca um casal em tempo mítico, anterior à história propriamente dita, com a intenção religiosa de «explicar» e sublimar todas as realidades boas e más da vida dos homens e das mulheres do seu tempo. O que ele narra da Hewa não tem valor histórico sobre as origens físicas e objectivas da mulher e da humanidade, senão na medida em que implica e ‘explica’ a conhecida condição do homem e da mulher. As Narrativas da origem humana novas leituras Se o que esse mito de origem conta sobre o homem e a mulher tivesse sucedido objectivamente “no princípio”, teríamos de concluir que se contradiz com o narrado no texto bíblico imediatamente anterior. De facto, enquanto a narração de Gn 2-3 põe Deus, antes de mais nada, a criar o homem e só depois a “construir uma mulher” (2,7.22), Gn 1 põe Deus a criar o homem e a mulher simultaneamente e só ao fim de ter criado o universo. Armindo Vaz As Narrativas da origem humana novas leituras A “construção da mulher” constituiu outro ponto de incompreensão da figura de Hewa, que passava pela incorrecta tradução da palavra hebraica tselá‛ por “costela”, que realmente significa “lado”. A deficiente tradução de um texto determina a sua incompreensão e vice-versa. Quando se lê a narrativa como um mito de origem, então percebe-se que, ao dizer que a mulher foi “construída com um lado que o Senhor Deus tinha tirado do homem”, o narrador justifica a realidade conhecida da mulher, da mesma condição e natureza que o homem e complementar um em relação à outra, formando ambos o ser humano acabado; e também ‘explicava’ a dependência da mulher do homem e as reais relações humanas na família e na sociedade desse tempo, dando-lhes o mais profundo sentido humano e religioso e elevando-as até ao nível do divino Armindo Vaz As Narrativas da origem humana: novas leituras As caracterizações espirituais que pintavam negativamente Eva como outra serpente perdem logo a legitimidade numa exegese centrada, que também já percebeu que o mito de origem não pretende descrever um pecado moral nem uma queda de um estado superior para outro, inferior, mas contempla todas as coisas em relação com Deus e à luz de Deus e vê Deus em todas elas; e, para exprimir essa intuição da fé, pôs Deus a criá-las. As boas, bonitas, agradáveis, como a complementaridade da mulher e do homem, atribui-as a um acto de criação directa. As penosas, custosas, como o dar à luz e a sujeição da mulher ao homem, o sofrimento e a morte, explica-as em forma de sanção divina de uma transgressão humana mítica, que, portanto é funcional: está ao serviço dessa explicação. O pior que se pode dizer da mulher primordial de Gn 2-3 é que ela cometeu o pecado original e induziu o homem a cometê-lo. Mas, em abono da justiça para com ambos, a verdade que a narração afirma no “horto de uma várzea [gan-‛eden]” mítico, com uma serpente e duas árvores míticas e com dois humanos protótipos, consiste em transfigurar por meio da fé a história de todos nós, a começar pela do narrador. O andamento do texto deixa entender que não queria descrever a comissão de uma culpa original histórica dos nossos protoparentes, que se pudesse dizer transmitida e herdada de geração em geração e da qual ainda hoje estaríamos a sofrer as consequências. Vários elementos confirmam este entendimento. Uma vez que, na lógica dos mitos de origem, a natureza humana estava em processo de criação ao longo de toda a narração, no momento da transgressão o ser humano ainda não estava completo, nem capaz de actos com responsabilidade moral; aliás, ao cometer a transgressão ainda não gozava de “conhecimento”, que só se diz adquirir no acto de comer da árvore do conhecimento do bem e do mal. Como se pode inferir que o narrador tencionava descrever um pecado moral, cometido por um ser cuja condição – a humana – nesse momento da narração ainda não estava acabada (só acabará no fim da narração)? Armindo Vaz • Ana Maria Jorge, “Testemunhar Deus no Feminino. Histórias de vida na igreja medieval“, in M. Silva e F Henriques (eds), Teologia e Género, Coimbra, Ariadne, 2006, 33-50. • António Matos Ferreira, “Igualdade de género: mutações nos paradigmas da história e da teologia“, in M. Silva e F Henriques (eds), Teologia e Género, Coimbra, Ariadne, 2006, 137-149. • Armindo dos Santos Vaz, “Reabilitação de “eva” ou o elogio do feminino“, in M. Silva e F Henriques (eds), Teologia e Género, Coimbra, Ariadne, 2006,167-192. • C. P. Christ-J. Plaskow, Woman Spirit Rising: A Feminist Reader in Religion, Nueva York, Harper & Row, 1979, Z75. • Isabel Gomez Acebo, “As mulheres nas grandes religiões“, in M. Silva e F Henriques (eds), Teologia e Género, Coimbra, Ariadne, 2006, 51-77.