Grupo de Trabalho do Slow Food Brasil sobre Queijos Artesanais Entender a lógica da Legislação Sanitária e suas consequências implica em perceber que há dois modelos de produção e desenvolvimento em disputa: Na agricultura: o da “modernização da agricultura” ou agronegócio e o da agricultura sustentável ou agroecologia Na continuidade da cadeia agroalimentar: Modelo Agroindustrial X Produção Artesanal (Produção Familiar) Agronegócio Sementes – homogeinização, monopolização e transgenia Agronegócio Grandes fazendas – concentração da terra Agronegócio Homogeinização: monocultura em grande escala Agronegócio Homogeinização: Monocultura - Desertos verdes Agronegócio Elevado uso de insumos químicos e agrotóxicos Pragas e doenças como problemas sanitários Agronegócio Homogeinização, problemas com resíduos, stress, uso de antibióticos Modelo Agroindustrial Grandes plantas, problemas com resíduos Modelo Agroindustrial Homogeinização, grande escala Modelo Agroindustrial Qualidade = inocuidade Modelo Agroindustrial Saberes especializados, padronização de processos e produtos Modelo Agroindustrial Transporte a distância e em grande escala Modelo Agroindustrial Comercialização altamente centralizada nos grandes supermercados... Modelo Agroindustrial ... padronizada e monopolizada, tempos longos de prateleira – uso de aditivos e conservantes Modelo Industrial Produtos alimentícios industrializados, propaganda e marketing Embalagens plásticas e descartáveis: Excesso de lixo e deterioração da vida Legislação Sanitária Voltada para Modelo Agroindustrial Se constitui com base nos parâmetros e valores industriais, sofre influência de fortes interesses da indústria química e agroalimentar Lógica da esterilização: Biológico = Ameça Químico = Proteção (aditivos, conservantes, antibióticos, desinfetantes, plásticos) Como reação a este modelo, surgem movimentos que defendem outros valores e seguem princípios diferentes Agroecologia Sementes crioulas: estímulo à biodiversidade, sementes nas mãos dos agricultores Agroecologia Democratização do acesso à terra – valorização da Agricultura Familiar Agroecologia Valorização do conhecimento tradicional, troca de saberes Agroecologia Pequenos sítios e produção diversificada: ambiente equilibrado, inimigos naturais de pragas e doenças Agroecologia Vida e microorganismos como aliados Compostagem Adubação verde Agroecologia Transporte em distâncias curtas Agroecologia Comercialização em pequenos mercados e feiras, produção local Produtos químicos percebidos como perigosos Movimento internacional fundado em 1989 em contraposição ao fast food e ao modo de vida acelerado • Defende nosso direito ao prazer e a comida como cultura e sociabilidade • Promove o alimento bom, limpo e justo • Apóia cadeias curtas de produção e consumo ? Defende cadeias curtas: Menor distância: menos transporte, menos embalagens e menos poluição Maior conhecimento e controle sobre o que comemos e como é produzido Assegurar a sobrevivência de métodos tradicionais e sustentáveis de produção, raças nativas, espécies e variedades de alimentos Preservação e proteção da paisagem local e da regionalidade Produtos sazonais, sabor mais fresco, colhidos na época da maturação e variedades adequadas ao local em vez daquelas selecionadas por sua capacidade de suportar longos deslocamentos Arca do Gosto • nascida em 1996 • cataloga alimentos em risco de serem exterminados pela indústria alimentar • contém mais de 1000 produtos em todo o mundo A Fundação Solw Food para a Biodiversidade foi fundada em 2003 para apoiar projetos que defendem a herança do nosso mundo de uma variedade de espécies, raças de animais e tradições alimentares www.slowfoodfoundation.com Manifesto Internacional em Defesa dos Queijos de Leite Cru • • • O queijo feito com leite cru (não-pasteurizado) é mais do que um alimento maravilhoso, é uma expressão profunda de nossas tradições mais valiosas. É tanto uma arte quanto uma forma de vida. É cultura, patrimônio e ambiente estimados. E está em risco de extinção! Em risco porque os valores que ele expressa são opostos à sanitização e homogeneização dos alimentos produzidos em massa. Nós chamamos todos os cidadãos do mundo amantes dos alimentos para responder em defesa da tradição do queijo não-pasteurizado. Defesa de um alimento que tem por centenas de anos inspirado, dado prazer e sustento, mas que tem sido destruído pelas mãos estéreis dos controles higiênicos globais. Nós pedimos um fim para todos os regulamentos discriminatórios da União Européia, OMC, FDA (Food and Drug Administration) e outras instituições governamentais que restringem a liberdade de escolha dos cidadãos em comprar estes alimentos, e ameaçam destruir o meio de vida de artesãos que os produzem. Manifesto em Defesa dos Queijos de Leite Cru • • Lamentamos as tentativas das autoridades regulatórias em impor padrões inatingíveis de produção, em nome da proteção da saúde humana. Acreditamos que tais imposições terão efeitos adversos aos pretendidos. A saúde bacteriológica dos nossos laticínios não-pasteurizados é destruída pelos procedimentos de esterilização excessivamente zelosos. Da mesma forma, a saúde humana será destruída por uma dieta de alimentos esterilizados. Sem nenhum desafio, nosso sistema imunológico vai falhar e os medicamentos se tornarão ineficientes. Além de tudo, os sabores e aromas únicos dos queijos são conservados pela não-pasteurização. Legislação Sanitária Se constitui com base em parâmetros agroindustriais Ex no Brasil: RIISPOA – Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal – 1951 Surge por exigências externas, para exportação de carnes. Seguem modelo e parâmetros ditados pelos EUA. Legislação Sanitária Se sobrepõe a uma realidade já existente, de mercados e produtos artesanais Não reconhece os saberes tradicionais Condena construções e equipamentos Não diferencia escalas Não reconhece a sociobiodiversidade Exige embalagens plásticas, uso de descartáveis Não respeita costumes e formas tradicionais de comercialização Jogou na “ilegalidade” os alimentos processados pela agricultura familiar – estrangula e ameaça a sobrevivência e o modo de vida de milhares de famílias produtoras Manifesto em Defesa dos Queijos de Leite Cru Portanto, nós chamamos todos aqueles que têm o poder de salvaguardar a diversidade e complexidade de nossos alimentos regionais e a saúde e estabilidade de nossas comunidades rurais para agir agora e assegurar um marco regulatório apropriado, justo e flexível; controles sensatos e uma disposição positiva em relação ao futuro. • Fique atento - porque uma vez que estes conhecimentos, habilidades e compromissos desta cultura estejam perdidos, há o risco de que nunca mais possam ser resgatados. Grupo de Trabalho do Slow Food Brasil sobre Queijos Artesanais Grupo de Trabalho Queijos Artesanais • • • • • • • • • • • • • • • - Os queijos artesanais de leite cru são um grande produto nacional, que envolve em sua produção milhares de produtores familiares. As exigências legais, além de caras e inacessíveis aos produtores de menor escala, descaracterizam os queijos. - É preciso defender não somente os queijos artesanais, mas os saberes tradicionais e os sistemas tradicionais de produção, questionando valores que consideram que apenas “dados científicos” são válidos enquanto conhecimento. - Há dois sistemas de valores diferentes que regulam os mercados formais e os informais/ tradicionais. Os mercados tradicionais (no qual os queijos artesanais estão inseridos) baseiam-se em regras bastante distintas dos mercados modernos e a legislação precisa reconhecer estas diferenças. - As pesquisas em geral são tendenciosas, reforçando a visão industrial. É preciso incentivar pesquisas com outros enfoques, que reconheçam o saber-fazer tradicional. Envolver as universidades é importante. Apontar a importância para que os produtores mantenham seus sistemas de produção e possam continuar morando no meio rural e vivendo das atividades ali desenvolvidas. - A academia / universidade pode ter um papel importante em questionar a legitimidade das leis. É preciso por exemplo questionar a legitimidade da lei, que muitas vezes sequer se baseia em evidências científicas sériras, como no caso da lei que define de maneira “universal” a necessidade de 60 dias de maturação para os queijos. - Há alguns Estados nos quais a vigilância tem “bons olhos” e não persegue os queijos. Deve-se incentivar um diálogo local com a fiscalização sanitária, chamando a atenção de seus técnicos para esta causa. - Minas Gerais vem lutando pela legalização do queijo e é importante criar uma articulação nacional de luta pelo queijo artesanal. - As legislações federal e estadual precisam ser mudadas, é preciso mudar as exigências de padrões microbiológicos, baseadas em critérios definidos a partir de um contexto e escala de produção de indústrias de grande porte. Quanto menos detalhes forem colocados nestas legislações melhor. Mas é preciso também pensar como fazer enquanto não acontece a mudança na lei. Há outras possibilidades, como registro no Patrimônio Histórico como Bem Imaterial, Indicação Geográfica, Denominação de Origem. Pensar como os produtores de qualidade podem atingir mercados fora de seu estado (São Paulo e Rio, no caso de Minas), lutar pela redução da tributação. - O problema do queijo é político. Há muito depósito que tem SIF e não acompanha a qualidade da produção, apenas embala, portanto esse instrumento não é garantia de “segurança alimentar”. Além dos produtores, é importante ter mais gente nesta luta. A maioria dos produtores artesanais não se enquadra nas exigências da legislação e vende seus queijos informalmente, de forma que não podem se expor publicamente porque podem ser perseguidos nos seus municípios. Então é fundamental o envolvimento de outras pessoas questionando publicamente a legislação, como por exemplo consumidores, pesquisadores, chefs, Ongs, etc. É preciso ter bons advogados, elaborar documentos para serem apresentados, tudo isso sem expor os produtores. - É fundamental divulgar e sensibilizar os consumidores para a distinção entre queijos de leite cru e pasteurizados, para eles saberem a diferença entre um produto artesanal e industrial e os chefs são importantíssimos neste ponto. É preciso informar o consumidor que os queijos tradicionalmente são de leite cru - todos, até o advento da pasteurização há cerca de um século e sua progressiva imposição, de 60 anos para cá - e desmistificar os perigos, questionando a legitimidade da legislação. As reuniões / palestras / eventos são muito importantes. - É preciso construir a confiança dos consumidores, buscar outros mercados, mais solidários, que falem a língua do produtor. As tentativas de algumas cooperativas de vender para os supermercados apontou que estes massacram e humilham os produtores, exigem padrões industriais, não são uma boa saída para os produtos artesanais. - Não dá para ter como frente de luta apenas a mudança na lei, que pode demorar muito ou nunca vir, pois há grandes interesses econômicos em jogo. Não podemos legitimar essas leis sanitaristas, pois elas são muito influenciadas pelo poder econômico e têm dois pesos e duas medidas. Permitem por exemplo que se comercialize legalmente o cigarro e agrotóxicos já proibidos em outros países, mas perseguem alimentos tradicionais. Se dizem defendendo a saúde e “segurança” dos consumidores, mas fica evidente que sua preocupação principal é com a defesa das grandes agroindústrias. A forma como vem sendo feitas operações da vigilância sanitária nas feiras e mercados é desrespeitosa com os produtores, os trata como criminososos sem que haja dados concretos de problemas de saúde para os consumidores. - Informar os consumidores dos grandes centros urbanos porque não encontram queijos artesanais à venda. É preciso que os consumidores se insurjam contra essa legislação hipersanitarista, fortalecendo o mercado informal de queijos como forma de desobediência civil e de luta pelo direito à escolha dos alimentos que quer consumir. Se no cigarro se coloca que “este produto pode causar tais e quais doenças” e se permite a comercialização, com o queijo se pode igualmente informar que é de leite não pasteurizado e deixar o consumidor decidir se quer ou não correr o risco que as legislações sanitárias alegam existir em relação ao consumo destes produtos.. - O IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico pode ser um parceiro fundamental pois tem justamente como objetivo a preservação dos bens culturais, entre os quais estão as comidas tradicionais. Alguns queijos artesanais já conquistaram o reconhecimento obtendo o registro como patrimônio imaterial e isso ajuda nas lutas por mudanças na legislação.