TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA CURSO DE DIREITO DE FAMÍLIA. Tema: As relações homoafetivas. Como julgar? Consequências na sociedade e na vida dos filhos. Flávio Tartuce Doutor em Direito Civil e Graduado pela Faculdade de Direito da USP. Especialista e Mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP. Professor Titular do programa de mestrado e doutorado da Faculdade Autônoma de Direito (FADISP). Professor do curso de graduação e coordenador dos cursos de pósgraduação em Direito Civil, Direito Contratual e Direito de Família e das Sucessões da Escola Paulista de Direito (EPD). Professor convidado da ESA/OAB/SP e em Escolas da Magistratura. Advogado, parecerista e árbitro. Autor de livros pela Editora GEN. UNIÃO HOMOAFETIVA. MARCOS DA JURÍDICA: PÓS-MODERNIDADE OU CONTEMPORANEIDADE a) Hipercomplexidade. “Era da Desordem” – Ricardo Luís Lorenzetti (Teoria da decisão judicial. Editora RT). Ex. Concorrência sucessória. b) Pluralismo. Novas demandas, novos direitos. Ex. Direitos homoafetivos. c) Diminuição da segurança nas relações jurídicas. Ex. Sistema de cláusulas gerais. d) Abundância de fontes legislativas. Necessidade de buscar um diálogo entre elas (“diálogo das fontes” – Erik Jayme e Cláudia Lima Marques). e) Tendência de um “direito negociado” (Ruy Alarcão – “Menos leis, melhores leis”). Ex. Mediação. f) Visão constitucionalizada do Direito. Ex. Direito Civil Constitucional. g) Necessidade de uma visão multidisciplinar do Direito. Diálogos com a sociologia, a psicologia, a filosofia, as artes (v. g. cinema e literatura) e a medicina UNIÃO HOMOAFETIVA. NOVAS DEMANDAS PARA NOVOS JUÍZES. a) O que se espera do Poder Judiciário, especialmente nas demandas de Direito de Família? b) O juiz deve ter uma postura para incluir direitos ou excluir direitos? c) O Poder Judiciário tem o papel de mudar a sociedade, inclusive punindo aqueles que causam danos sociais? d) O Poder Judiciário deve intervir nas relações familiares, especialmente nas relações conjugais e convivenciais? e) Os juízes têm formação suficiente para uma intervenção excessiva? Os senhores se sentem preparados para o julgamento das questões familiares? f) Os senhores “levam para casa” as questões que julgam? São questões que incomodam no seu dia-a-dia? g) Quando julgam levam em conta questões morais? Se sim, levam em conta os valores da sociedade ou seus próprios valores? UNIÃO HOMOAFETIVA. O PROBLEMA GERACIONAL. Como serão os comportamentos sociais das próximas gerações? Fonte: Site da BBC. Notícia de 20 de agosto de 2007. “Cientista italiano diz que humanidade será bissexual. Para médico, sociedade caminha para modelo único. Durante uma conferência neste fim de semana na região da Toscana, Umberto Veronesi, que é médico e ex-ministro da Saúde, afirmou que a espécie humana deve caminhar para o bissexualismo ‘como resultado da evolução natural das espécies’. ‘O homem está perdendo suas características e tende a se transformar numa figura sexualmente ambígua, enquanto a mulher está se tornando mais masculina. Desta forma a sociedade evolui para um modelo único’, afirmou Umberto Veronesi, que é oncologista. Na opinião do cientista, o sexo no futuro será apenas um gesto de demonstração de afeto e não terá fins reprodutivos. Por esta razão, defende, poderá ser praticado entre pessoas de sexos opostos ou não”. UNIÃO HOMOAFETIVA. “Mundo das abelhas Na opinião do médico, num futuro não muito próximo, a sociedade poderia ser organizada como o mundo das abelhas. A maior parte de seus membros seria praticamente assexuada e só uma pequena parte se dedicaria à reprodução. ‘A diferença é que os homens são inteligentes e isto produz reações sentimentais, além de fisiológicas’, afirmou Veronesi. A professora de sexologia da Universidade La Sapienza de Roma, Chiara Simonelli, concorda com as previsões de Umberto Veronesi. Ela define este processo como resultado da evolução genética e da mudança de mentalidade, fenômenos que são interligados e se influenciam reciprocamente. ‘Mas este fenômeno está no começo. Para que tenha uma certa consistência é preciso esperar duas ou três gerações’, afirmou Simonelli em entrevista ao Corriere della Sera”. UNIÃO HOMOAFETIVA. A UNIÃO HOMOAFETIVA. VISÃO JURÍDICA. QUAL ERA O PANORAMA DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL LOGO APÓS A ENTRADA EM VIGOR DO CÓDIGO CIVIL DE 2002? AS DUAS CORRENTES EXISTENTES SOBRE O TEMA. A LUTA DE MARIA BERENICE DIAS, QUE “CUNHOU” A EXPRESSÃO UNIÃO HOMOAFETIVA. ENTENDIMENTO ANTERIOR “Direito civil. Ação de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo. Efeitos patrimoniais. Necessidade de comprovação do esforço comum. Sob a ótica do direito das obrigações, para que haja partilha de bens adquiridos durante a constância de sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, é necessária a prova do esforço comum, porque inaplicável à referida relação os efeitos jurídicos, principalmente os patrimoniais, com os contornos tais como traçados no art. 1º da Lei n.º 9.278/96. A aplicação dos efeitos patrimoniais advindos do reconhecimento de união estável a situação jurídica dessemelhante, viola texto expresso em lei, máxime quando os pedidos formulados limitaram-se ao reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, com a proibição de alienação dos bens arrolados no inventário da falecida, nada aduzindo a respeito de união estável. Recurso especial conhecido e provido”. (STJ, REsp 773.136/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 10/10/2006, DJ 13/11/2006, p. 259) UNIÃO HOMOAFETIVA. ENTENDIMENTO ANTERIOR “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO. HOMOSSEXUAIS. HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO. COMPETÊNCIA. VARA CÍVEL. EXISTÊNCIA DE FILHO DE UMA DAS PARTES. GUARDA E RESPONSABILIDADE. IRRELEVÂNCIA. 1. A primeira condição que se impõe à existência da união estável é a dualidade de sexos. A união entre homossexuais juridicamente não existe nem pelo casamento, nem pela união estável, mas pode configurar sociedade de fato, cuja dissolução assume contornos econômicos, resultantes da divisão do patrimônio comum, com incidência do Direito das Obrigações. 2. A existência de filho de uma das integrantes da sociedade migavelmente dissolvida, não desloca o eixo do problema para o âmbito do Direito de Família, uma vez que a guarda e responsabilidade pelo menor permanece com a mãe, constante do registro, anotando o termo de acordo apenas que, na sua falta, à outra caberá aquele munus, sem questionamento por parte dos familiares. 3. Neste caso, porque não violados os dispositivos invocados - arts. 1º e 9º da Lei 9.278 de 1996, a homologação está afeta à vara cível e não à vara de família. 4. Recurso especial não conhecido”. (REsp 502.995/RN, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 26/04/2005, DJ 16/05/2005, p. 353) UNIÃO HOMOAFETIVA. ARGUMENTOS JURÍDICOS E SOCIAIS PARA A MUDANÇA DESSE ENTENDIMENTO ANTERIOR. O rol das entidades familiares constante do art. 226 da CF/1988 é exemplificativo (numerus apertus) e não taxativo (numerus clausus). • A união estável heteroafetiva não é a única modalidade de união estável. • A Constituição Federal é inclusiva e não exclusiva. • A Constituição Federal adota os princípios da dignidade humana, da solidariedade e da vedação da discriminação (igualdade substancial. • Devem ser aplicadas, por analogia, as mesmas regras da união estável heteroafetiva (art. 4º da LINDB). • A sociedade aceita ou tolera a união entre pessoas do mesmo sexo. • A existência desse tipo de união não mais “agride” as pessoas. • Outros argumentos. UNIÃO HOMOAFETIVA. A TRAVESSIA PARA A MUDANÇA → STJ, REsp 820475/RJ, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª Turma, j. 02.09.2008, DJe 06.10.2008. Por maioria de votos, o STJ concluiu, pela primeira vez, que a união homoafetiva deveria ser reconhecida como entidade familiar, aplicando-se, por analogia, as mesmas regras da união estável. A situação fática se referia a um pedido de permanência de um estrangeiro no Brasil baseado na existência da entidade familiar. O pedido foi julgado juridicamente impossível em primeira e segunda instâncias pelo Tribunal do Rio de Janeiro, pois proposta a demanda perante a Vara da Família. O Tribunal Superior reverteu o entendimento anterior, devolvendo o processo para julgado pela inferior instância. → STF, Petição 1.984/RS, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 20.02.2003, p. 24, j. 10.02.2003. A decisão reconheceu direitos previdenciários ao companheiro homoafetivo, assim tratado no corpo da decisão. O STJ do mesmo modo tutela tais direitos (por todos: STJ, REsp 395.904/RS, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, 6.ª Turma, j. 13.12.2005, DJ 06.02.2006, p. 365). Mais recentemente o STJ ampliou os direitos previdenciários decorrentes da união homoafetiva para a previdência privada, conforme decisão inédita publicada no seu Informativo n. 421, de fevereiro de 2010 (REsp 1.026.981-RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 04.02.2010). UNIÃO HOMOAFETIVA. A TRAVESSIA PARA A MUDANÇA → STJ, REsp 889.852-RS, 4.ª Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 27.04.2010, publicado no seu Informativo n. 432. Pela primeira vez o STJ admitiu a possibilidade da adoção homoafetiva, por casal de pessoas do mesmo sexo, com base no princípio do melhor ou maior interesse da criança. O julgado destaca que estudos científicos comprovam que não há prejuízos sociopsíquicos à criança em hipóteses tais. Ademais, entendeu-se que o que deve prevalecer na análise da adoção é o vínculo de afeto que une os adotantes ao adotado e não o vínculo entre os primeiros isoladamente. A decisão representa notável avanço inclusive, de tutela efetiva da cidadania dos homossexuais. UNIÃO HOMOAFETIVA. A TRAVESSIA PARA A MUDANÇA A PROPÓSITO, SOBRE A ADOAÇÃO HOMOAFETIVA: Roger Raupp Rios: “De fato, as pesquisas psicológicas revelam que casais homossexuais não diferem de casais heterossexuais no que diz respeito à criação de seus filhos, além de rejeitar as hipóteses de confusão de identidade de gênero, de tendência à homossexualidade e de dificuldade no desenvolvimento psíquico e nas relações sociais de crianças cuidadas por casais homossexuais (neste sentido, por exemplo, Patterson, Lesbian and gay parents and their children: Summary of research findings. In Lesbian and gay parenting: A resource for psychologists. Washington: American Psychological Association, 2004; Patterson, Gay fathers. In M. E. Lamb (Ed.), The role of the father in child development. New York: John Wiley, 2004; Perrin e Committee on Psychosocial Aspects of Child and Family Health, Technical Report: Coparent or second-parent adoption by same-sex parents. Pediatrics, 2002; Tasker, Children in lesbian-led families – A review. Clinical Child Psychology and Psychiatry, 4, 1999)”….. UNIÃO HOMOAFETIVA. A TRAVESSIA PARA A MUDANÇA “Quanto à parentalidade, constata-se que Estudos como esses levaram a Associação Americana de Psicologia (APA) e a Associação Americana de Psicanálise a declararem apoio irrestrito às iniciativas de adoção por casais de pessoas do mesmo sexo, e a repudiar a negligência por parte das decisões legais às pesquisas a respeito de homoparentalidade. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia reforça que ‘inexiste fundamento teórico, científico ou psicológico condicionando a orientação sexual como fator determinante para o exercício da parentalidade’. (Adoção: um direito de todos e todas. Brasília: CFP, 2008). Dado que a finalidade da adoção é propiciar ao adotado as melhores condições de desenvolvimento humano e de realização pessoal, rejeitar esta possibilidade por casais homossexuais é restringir de modo injustificado o instituto da adoção. Esta diminuição das chances de encontrar ambiente familiar positivo viola frontalmente os deveres de cuidado e de proteção que a Constituição exige do Estado e da sociedade. Mais grave ainda: invoca-se a proteção da criança como pretexto para, em prejuízo dela mesma, fazer prevalecer mais uma das manifestações do preconceito heterossexista” UNIÃO HOMOAFETIVA. A TRAVESSIA PARA A MUDANÇA Os possíveis caminhos para a mudança: 1º. Caminho. Alteração legislativa. Projeto Marta Suplicy, Projeto Ricardo Fiúza e Estatuto das Famílias do IBDFAM. 2º. Caminho. Solução pelo Judiciário. A ADPF 132/RJ e a ADI 4.277/DF. Foi percorrido o segundo caminho pelo STF, em julgamento de maio de 2011, publicado no seu Informativo 625. A DECISÃO DO STF. “Relação homoafetiva e entidade familiar – 1. A norma constante do art. 1.723 do Código Civil — CC (‘É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família’) não obsta que a união de pessoas do mesmo sexo possa ser reconhecida como entidade familiar apta a merecer proteção estatal. Essa a conclusão do Plenário ao julgar procedente pedido formulado em duas ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas, respectivamente, pelo ProcuradorGeral da República e pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. Preliminarmente, conheceu-se de arguição de preceito fundamental — ADPF, proposta pelo segundo requerente, como ação direta, tendo em vista a convergência de objetos entre ambas as ações, de forma que as postulações deduzidas naquela estariam inseridas nesta, a qual possui regime jurídico mais amplo. Ademais, na ADPF existiria pleito subsidiário nesse sentido. Em seguida, declarou-se o prejuízo de pretensão originariamente formulada na ADPF consistente no uso da técnica da interpretação conforme a Constituição relativamente aos artigos 19, II e V, e 33 do Estatuto dos Servidores Públicos Civis da aludida unidade federativa (Decreto-lei 220/75). Consignou-se que, desde 2007, a legislação fluminense (Lei 5.034/2007, art. 1.º) conferira aos companheiros homoafetivos o reconhecimento jurídico de sua união. (...). A DECISÃO DO STF. “No mérito, prevaleceu o voto proferido pelo Min. Ayres Britto, relator, que dava interpretação conforme a Constituição ao art. 1.723 do CC para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. Asseverou que esse reconhecimento deveria ser feito segundo as mesmas regras e com idênticas consequências da união estável heteroafetiva. De início, enfatizou que a Constituição proibiria, de modo expresso, o preconceito em razão do sexo ou da natural diferença entre a mulher e o homem. Além disso, apontou que fatores acidentais ou fortuitos, a exemplo da origem social, idade, cor da pele e outros, não se caracterizariam como causas de merecimento ou de desmerecimento intrínseco de quem quer que fosse. Assim, observou que isso também ocorreria quanto à possibilidade da concreta utilização da sexualidade. Afirmou, nessa perspectiva, haver um direito constitucional líquido e certo à isonomia entre homem e mulher: a) de não sofrer discriminação pelo fato em si da contraposta conformação anátomo-fisiológica; b) de fazer ou deixar de fazer uso da respectiva sexualidade; e c) de, nas situações de uso emparceirado da sexualidade, fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo, ou não. (...)”. A DECISÃO DO STF. “Em passo seguinte, assinalou que, no tocante ao tema do emprego da sexualidade humana, haveria liberdade do mais largo espectro ante silêncio intencional da Constituição. Apontou que essa total ausência de previsão normativo-constitucional referente à fruição da preferência sexual, em primeiro lugar, possibilitaria a incidência da regra de que ‘tudo aquilo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido’. Em segundo lugar, o emprego da sexualidade humana diria respeito à intimidade e à vida privada, as quais seriam direito da personalidade e, por último, dever-se-ia considerar a âncora normativa do § 1.º do art. 5.º da CF/1988. Destacou, outrossim, que essa liberdade para dispor da própria sexualidade inserir-se-ia no rol dos direitos fundamentais do indivíduo, sendo direta emanação do princípio da dignidade da pessoa humana e até mesmo cláusula pétrea. Frisou que esse direito de exploração dos potenciais da própria sexualidade seria exercitável tanto no plano da intimidade (absenteísmo sexual e onanismo) quanto da privacidade (intercurso sexual). Asseverou, de outro lado, que o século XXI já se marcaria pela preponderância da afetividade sobre a biologicidade”. A DECISÃO DO STF. “Ao levar em conta todos esses aspectos, indagou se a Constituição sonegaria aos parceiros homoafetivos, em estado de prolongada ou estabilizada união – realidade há muito constatada empiricamente no plano dos fatos –, o mesmo regime jurídico protetivo conferido aos casais heteroafetivos em idêntica situação (...). Após mencionar que a família deveria servir de norte interpretativo para as figuras jurídicas do casamento civil, da união estável, do planejamento familiar e da adoção, o relator registrou que a diretriz da formação dessa instituição seria o não atrelamento a casais heteroafetivos ou a qualquer formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Realçou que família seria, por natureza ou no plano dos fatos, vocacionalmente amorosa, parental e protetora dos respectivos membros, constituindo-se no espaço ideal das mais duradouras, afetivas, solidárias ou espiritualizadas relações humanas de índole privada, o que a credenciaria como base da sociedade (CF/1988, art. 226, caput)”. A DECISÃO DO STF. “Desse modo, anotou que se deveria extrair do sistema a proposição de que a isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos somente ganharia plenitude de sentido se desembocasse no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família, constituída, em regra, com as mesmas notas factuais da visibilidade, continuidade e durabilidade (CF/1988, art. 226, § 3.º: ‘Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento’). Mencionou, ainda, as espécies de família constitucionalmente previstas (art. 226, §§ 1.º a 4.º), a saber, a constituída pelo casamento e pela união estável, bem como a monoparental. Arrematou que a solução apresentada daria concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da proteção das minorias, da não discriminação e outros” (...)” (STF, ADI 4.277/DF e ADPF 132/RJ, rel. Min. Ayres Britto, j. 04 e 05.05.2011). A DECISÃO DO STF. EM RESUMO – AS TRÊS PREMISSAS FUNDAMENTAIS DO JULGAMENTO PELO STF. 1. O STF concluiu, com unanimidade, que a união homoafetiva é entidade familiar. 2. O STF concluiu, por maioria (8 a 3), que deve ser aplicadas, por analogia, todas as regras da união estável heteroafetiva para a união estável homoafetiva. Foram vencidos, neste parte, os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso, que entenderam pela necessidade de regulamentação legislativa em separado. 3. A decisão tem efeitos erga omnes, devendo ser seguida por todos os magistrados do País. NORMAS QUE PASSARAM A SER APLICADAS. – Art. 1.723 do CC – A união homoafetiva deverá ser reconhecida quando se tratar de uma união pública, contínua e duradoura, estabelecida com objetivo de constituição de família. A menção à distinção de sexos do comando deve ser afastada, como consta da decisão do Supremo Tribunal Federal. Valem os mesmos parâmetros e exemplos apontados na presente obra, quando do estudo da união estável heterossexual. – Art. 1.724 do CC – Os deveres da união estável entre pessoas de sexos distintos servem para a união homoafetiva: lealdade, respeito, assistência, guarda, sustento e educação dos filhos. Como há deveres em relação aos filhos, não há qualquer vedação para a adoção homoafetiva. – Art. 1.725 do CC – A união homoafetiva, em regra, está submetida ao regime da comunhão parcial de bens, não havendo necessidade de prova do esforço comum para a aquisição dos bens havidos durante a união. Os companheiros homoafetivos podem estabelecer, por força de contrato de convivência, um outro regime para a comunicação dos bens. É plenamente viável juridicamente que os companheiros homoafetivos reconheçam a união por meio de uma escritura pública de união estável. NORMAS QUE PASSARAM A SER APLICADAS. – Art. 1.726 do CC – É possível converter em casamento uma união homoafetiva, nos mesmos moldes da união estável entre pessoas de sexos distintos. Se isso é possível, pensamos que não há vedação para que o casamento homoafetivo seja celebrado diretamente. Nesse sentido, vejamos o enunciado aprovado na V Jornada de Direito Civil, em 2011: “É possível a conversão de união estável entre pessoas do mesmo sexo em casamento, observados os requisitos exigidos para a respectiva habilitação” (Enunciado n. 526). SE É POSSÍVEL CONVERTER, POR QUE NÃO CASAR DIRETAMENTE? O ENTENDIMENTO PELO CASAMENTO DIRETO ACABOU PREVALECENDO... Sendo assim, todas as regras relativas ao casamento heteroafetivo também são aplicáveis ao casamento homoafetivo (celebração + regime de bens + dissolução + alimentos + sucessão). NORMAS QUE PASSARAM A SER APLICADAS. Dando início a essa verdadeira revolução conceitual, o Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos (4 a 1), concluiu pela viabilidade jurídica do casamento entre pessoas do mesmo sexo (REsp. 1.183.378/RS). Como se extrai do voto do Ministro Luis Felipe Salomão, proferido em outubro de 2011, “é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento – diferentemente do que ocorria com os diplomas superados –, deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade.... NORMAS QUE PASSARAM A SER APLICADAS. “A fundamentação do casamento hoje não pode simplesmente emergir de seu traço histórico, mas deve ser extraída de sua função constitucional instrumentalizadora da dignidade da pessoa humana. Por isso não se pode examinar o casamento de hoje como exatamente o mesmo de dois séculos passados, cuja união entre Estado e Igreja engendrou um casamento civil sacramental, de núcleo essencial fincado na procriação, na indissolubilidade e na heterossexualidade”. Por fim: “Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis” (REsp 1.183.378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012) NORMAS QUE PASSARAM A SER APLICADAS. Consigne-se que, na mesma linha, concluiu o Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de São Paulo, em decisão publicada em 23 de outubro de 2012, com a seguinte ementa: “Registro civil das pessoas naturais. Recurso interposto contra sentença que indeferiu a habilitação para o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Orientação emanada em caráter definitivo pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 4277), seguida pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.183.378). Impossibilidade de a via administrativa alterar a tendência sacramentada na via jurisdicional. Recurso provido” (Apelação cível n. 001004342.2012.8.26.0562, da Comarca de Santos). Des. José Renato Nalini: “A partir da sinalização das Cortes Superiores, inúmeras as decisões amparadas e fundamentadas nesses julgados. Inclusive em São Paulo. Se, na via administrativa, fosse alterada essa tendência, o Judiciário se veria invocado a decidir, agora na esfera jurisdicional, matéria já sacramentada nos Tribunais com jurisdição para todo o território nacional. Como servos da Constituição – interpretada por aquele Colegiado que o pacto federativo encarregou guardá-la – os juízes e órgãos do Poder Judiciário não podem se afastar da orientação emanada em caráter definitivo pelo STF”... NORMAS QUE PASSARAM A SER APLICADAS. Ao final do ano de 2012, a Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo acabou por regulamentar a possibilidade do casamento homoafetivo diretamente nos Cartórios de Registro Civil, por meio do seu Provimento CG 41/2012, que disciplina “Aplicar-se-á ao casamento ou a conversão de união estável em casamento de pessoas do mesmo sexo as normas disciplinadas nesta Seção”. Fez o mesmo, em âmbito nacional, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio da sua Resolução n. 175, que veda às autoridades competentes, caso dos responsáveis pelos Cartórios de Registro Civil de todo o País, a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. NORMAS QUE PASSARAM A SER APLICADAS. – Art. 1.727 do CC – Aplicam-se os mesmos parâmetros para a diferenciação da união estável e o concubinato, com a ressalva do § 1.º do art. 1.723, já estudados. – Art. 1.694 a 1.710 do CC – Os companheiros homoafetivos podem pleitear alimentos uns dos outros, incidindo os mesmos preceitos previstos para a união estável heterossexual. – Art. 1.790 do CC – O dispositivo básico relativo à sucessão do companheiro tem plena incidência para a união homoafetiva, sem prejuízo de outros comandos e interpretações relativas à sucessão legítima (ex: reconhecimento do direito real de habitação). OUTRAS REPERCUSSÕES. Sentença proferida pelo Juiz de Direito Mitrios Zarvos Varellis, da 11.ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, determinou a inclusão de companheiro homoafetivo e de sua filha como dependentes de associado do secular Club Athletico Paulistano (decisão de 15 de fevereiro de 2012, Processo: 583.00.2011.132644-6). Afastou-se decisão administrativa do clube, baseada em interpretação literal de seu estatuto, que mencionava apenas a união estável entre pessoas de sexos distintos como fundamento para a inclusão de dependentes. Cumpre destacar que o jurista Euclides de Oliveira, já havia dado parecer pela inclusão, prescrevendo que: “Os pontos distintivos das uniões de cunho afetivo-familiar, em especial a união estável, conquanto não haja previsão legal específica ou estatutária de determinada instituição particular, abona a tutela jurídica ao ente familiar no seu mais alargado conceito, de modo a atender com efetividade aos anseios de garantia do bem-estar da comunidade social que se instale a partir do relacionamento humano”. A decisão foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em dezembro de 2012. POR FIM, PARA REFLETIR,,, A QUESTÃO FOI DEFINITIVAMENTE SOLUCIONADA? PARA MAIOR CERTEZA E “SEGURANÇA”, SERIA INTERESSANTE UMA MODIFICAÇÃO LEGISLATIVA? UMA LEI DE REGULAMENTAÇÃO LEGISLATIVA PASSARIA NO CONGRESSO NACIONAL? A QUESTÃO DEVERIA SER OBJETO DE CONSULTA POPULAR? O STF EXTRAPOLOU SUA ATRIBUIÇÕES? HOUVE UM EXCESSIVO “ATIVISMO JUDICIAL”? BIBLIOGRAFIA. CHAVES, Marianna. Homoafetividade e Direito. Juruá. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. RT. DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. São Paulo: Saraiva. FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. JUSPODIVM. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Direito de Família. Saraiva. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil. Volume 6. Direito de Família. Saraiva. LÔBO, Paulo. Direito Civil. Famílias. Saraiva. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. GEN. RIOS, Roger Raupp. Adoção por casais homossexuais: admissibilidade. Jornal Carta Forense. São Paulo: junho de 2009. Matéria de capa. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/Materia.aspx?id=4233>. TARTUCE, Flávio. Direito Civil. Volume 5. Direito de Família. Editora GEN TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Volume Ùnico. Editora GEN. MUITO OBRIGADO! Contatos: www.flaviotartuce.adv.br. www.professorflaviotartuce.blogspot.com. [email protected].