Uma tecnologia de segurança A biometria assenta em características humanas para verificar a identidade dos indivíduos: face, impressões digitais, impressão das mãos, reconhecimento da iris, DNA... A biometria é cada vez mais utilizada para fins de vigilância e controlo, no quadro das políticas de segurança e de imigração; bem como no acesso de trabalhadores, estudantes, etc. em contexto organizacional. 1 O passaporte electrónico introduzido pelo Regulamento (CE) 2252/2004, alterado pelo Regulamento (EC) 444/2009. O Programa-quadro de Investigação e Desenvolvimento: as tecnologias de segurança, área prioritária de financiamento. 2 Segurança e vida privada (intimidade, ‘decorum’, integridade emocional), protecção de dados pessoais e liberdade são os valores e direitos postos em causa pela biometria. Mas, suscita-se um risco mais geral para a própria democracia que pode resultar de uma cultura de medo a par de constrangimentos dos comportamentos individuais através da multiplicação gradual, por vezes subtil, dos dispositivos de segurança. 3 “collecting biometric features means collecting data of the body of a person.” (Grupo de trabalho do Art. 29) “The public may become desensitised ... to the effect (data) processing may have on daily life”. (id.) “if we are not careful, we shall find ourselves headed towards a global police state.” (Ashbourn, The social implications of the wide scale implementation of biometric and related techologies, 2005). 4 The ‘Strategy for the effective implementation of the Charter of Fundamental Rights’ (COM (2010) 573 final): “decisive steps have been taken towards a Europe of fundamental rights.” “The Charter’s new status as a binding normative document will boost up the Union’s work in this field.” “The Charter is not a text setting out abstract values, it is an instrument to enable people to enjoy the rights enshrined within it when they are in a situation governed by Union law.” 5 A CE reconhece a existência de direitos absolutos e relativos, passíveis de sujeição a restrições. Ao afirmá-lo, a CE reitera um entendimento consensual sobre a necessidade de equilibrar (“balance”) direitos sempre que entrem em conflitos entre si. 6 Os direitos à segurança, liberdade, vida privada e protecção de dados pessoais são garantidos pela Carta. Mas, como estão os valores constitucionais europeus a ser “construídos” pela legislação e prática da UE? O caso da biometria. 7 Uma ameaça aos direitos humanos? E à democracia? ou Um auxílio à realização dos direitos humanos? 8 “The driving force has of course been entirely political and aimed at demonstrating some sort of response to terrorism and national security, while simultaneously introducing vastly increased powers of law enforcement activity.” (Ashbourn, 2005). 1. 2. 3. 4. Conselho Europeu de Thessaloniki, 2003, pediu “a consistent approach to biometrics for documents from the nationals of third countries, EU citizens and information systems.” A EC submeteu uma proposta de “standards for security features and biometrics in EU citizens’ passports”, discutido pelo Conselho, em Outubro de 2004. O Parliamento Europeu expressou preocupação quanto ao carácter das impressões digitais e à criação de uma base de dados central dos passaportes e documentos de viagem europeus, e reclamou o envolvimento do Grupo do Art. 29. Mas a CE não atendeu a esta proposta e o Conselho aprovou o regulamento em Dezembro de December 2004. 9 A introdução da biometria na UE não atendeu às suas implicações para a defesa da liberdade e da vida privada. O passaporte biométrico encarado como um dispositivo técnico (harmonização técnica); ênfase na biometria como condição de uma identificação mais segura e fiável dos titulares dos passaportes (menor risco de falsificação e de outros usos fraudulentos). A consideração dos direitos humanos foi reduzida a uma questão de protecção de dados pessoais, desvalorizando-se as implicações da biometria para a intimidade da vida privada, a liberdade e a democracia. 10 Reg. 2252/2004 (e-passport) Artigo 4 remete para a Directiva 95/47/CE Mas, a protecção de dados pessoais sofre limitações nas esferas da cooperação policial, luta contra o terrorismo, matéria criminal: Decisão-quadro 2008/788/CE. 11 “A win-win situation”, não uma colisão de direitos. “security in Europe is a precondition of prosperity and freedom.” (EC) “liberty and security go hand in hand” (António Vitorino, ex-comissário europeu). “Acredito que liberdade e segurança não são valores antagónicos. Muito pelo contrário.” (António Costa, presidente da CML, Março de 2012). 12 Artigo 6.º, Carta dos DF - Direito à liberdade e à segurança “Todas as pessoas têm direito à liberdade e segurança.” A evolução de sentido do termo “segurança” De segurança como segurança jurídica, i.e. garantia geral de protecção dos direitos (contra a subversão da regra de direito, incluindo contra detenção ilegal) ... ... para segurança entendida como protecção contra ameaças exteriores, uma segurança física da pessoa. 13 A segurança interpretada como um interesse público (segurança nacional, segurança pública) As exigências do interesse público devem ser interpretadas restritivamente. A segurança interpretada como um direito (um direito à segurança - “right to security”): Nivelamento entre direitos (“balancing rights”). 14 Uma estratégia e um discurso políticos visando tornar a política de segurança da UE mais facilmente aceitável pela opinião pública? 15 Na verdade, a biometria encontra-se no centro de um conflito genuíno entre a liberdade (incluindo a livre circulação de pessoas, a autonomia individual, a auto-determinação) e a segurança, envolvendo crescente controlo nas fronteiras e controlo mais generalizado dos comportamentos individuais. De facto, com a biometria, é o corpo humano que vem sendo modelado e digitalizado e convertido num instrumento sob controlo. 16 Em suma, os efeitos da biometria como tecnologia que implica uma especial delicadeza dada a sua “invasão” da pessoa e os perigos que comporta para o próprio funcionamento da democracia não foram devidamente considerados ou debatidos pela UE. A acção regulatória europeia foi focada na normalização técnica da emissão de passaportes e documentos de viagem, dando por adquirida a sua utilidade. 17 Este caso ilustra a forma como o sentido de princípios e direitos fundamentais vem sendo construído e ponderado no quadro de determinadas políticas europeias. Tudo somado, a urgência posta na adopção do ‘e-passport’ sobrestimou os valores da segurança e do mercado interno, descurando os aspectos ético-morais em causa. 18 Uma evolução de sentido do termo ‘segurança’ em face da “ameaça” terrorista: de um ‘interesse geral’ para um ‘direito’: implicações para a interpretação legal. A ambiguidade dos princípios e direitos constantes da Carta dos DF. Frustrada a expectativa aberta pela Carta para um reforço da responsabilidade das instituições da UE na promoção da aplicação dos direitos fundamentais? 19 “It is time also to bring citizens squarely into the debate. Not by carefully manipulated opinion polls, but by honest and open public discussion. … The dialogue to date has been heavily influenced by commercial and political aspirations. There has been little genuine consultation with citizens on a matter, which will have a significant impact on society.” (Ashbourn, 2005). 20